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Enfermería: Cuidados Humanizados

versão impressa ISSN 1688-8375versão On-line ISSN 2393-6606

Enfermería (Montevideo) vol.12 no.2 Montevideo  2023  Epub 01-Dez-2023

https://doi.org/10.22235/ech.v12i2.3131 

Artigos originais

Implicações no cuidado de um familiar doente: mulheres negras cuidadoras

Implicaciones en el cuidado de un familiar enfermo: mujeres negras cuidadoras

Camila Trindade Coelho1 
http://orcid.org/0000-0003-2896-8120

Stefanie Griebeler Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0002-8672-6907

Fernanda Eisenhardt de Mello3 
http://orcid.org/0000-0002-2251-3793

1Universidade Federal de Pelotas, Brasil, trielho_camilla@hotmail.com

2Universidade Federal de Pelotas, Brasil

3 Universidade Federal de Pelotas, Brasil


Resumo:

Introdução:

As desvantagens ligadas ao gênero feminino são visualizadas em diversos aspectos da vida, mediante ao patriarcado. É possível compreender que, no caso de mulheres negras, estas se encontram desfavorecidas frente as estruturas sociais, atravessadas por condicionantes de classe, raça e gênero. Além disso, é visto que, em diversos casos, as cuidadoras mulheres, sobretudo, mulheres negras, não escolhem de forma voluntária este papel dentro da conjuntura familiar.

Objetivo:

Identificar as implicações do cuidado ao familiar adoecido realizado por mulheres negras cuidadoras considerando suas condições socioculturais.

Metodologia:

Este trabalho é uma revisão integrativa, cuja busca no banco de dados foi realizada em dezembro de 2020, onde 3 resultados foram encontrados na base de dados Web of Science, 48 na base de dados PubMed e 29 na base de dados LILACS. Depois de ler os resumos dos 80 artigos e aplicar os critérios de exclusão, 7 artigos foram selecionados para leitura completa. Finalmente, 4 artigos foram incluídos para análise.

Resultados:

Apenas um estudo abordou exclusivamente mulheres, e a maioria eram afro-americanos. Dados indicam que, dentro de uma comunidade quilombola, o cuidado com a saúde é repassado do mais velho para o mais novo, como símbolo de respeito aos saberes ancestrais. Além disso, ficou evidente que cuidadores afro-americanos de pessoas com demência precisam de informações de qualidade sobre cuidados e autocuidado, necessitando de recursos em sua comunidade.

Conclusão:

É possível notar as desigualdades de acordo com as construções históricas, políticas e culturais causadas, para diferenciar homens e mulheres no cuidado familiar. Havendo uma necessidade de debates que tenham como enfoque a população negra, principalmente as cuidadoras, visando estratégias para reduzir sua sobrecarga para cuidar de familiares em adoecimento.

Palavras-chave: mulheres; afro-americanos; cuidadores

Resumen:

Introducción:

Las desventajas vinculadas al género femenino se visualizan en diversos aspectos de la vida, a través del patriarcado. Es posible entender que, en el caso de las mujeres negras, ellas están en desventaja frente a las estructuras sociales, atravesadas por condiciones de clase, raza y género. Además, se observa que, en varios casos, las cuidadoras, especialmente las mujeres negras, no eligen voluntariamente este rol dentro del contexto familiar.

Objetivo:

Identificar las implicaciones del cuidado a un familiar enfermo realizado por cuidadoras negras considerando sus condiciones socioculturales.

Metodología:

Este trabajo es una revisión integradora, cuya búsqueda en la base de datos tuvo lugar en diciembre de 2020, donde se encontraron 3 resultados en la base de datos Web of Science, 48 en la base de datos PubMed y 29 en la base de datos LILACS. Después de leer los resúmenes de los 80 artículos. y aplicar los criterios de exclusión, se seleccionaron 7 artículos para su lectura íntegra. Finalmente, 4 artículos fueron incluidos para el análisis.

Resultados:

Solo un estudio se refería exclusivamente a mujeres, y la mayoría eran afroamericanas. Los datos indican que, en el seno de una comunidad quilombola, los cuidados de salud se transmiten de los más ancianos a los más jóvenes, como símbolo de respeto a los conocimientos ancestrales. Además, se puso de manifiesto que los cuidadores afroamericanos de personas con demencia necesitan información de calidad sobre cuidados y autocuidados y precisan recursos en su comunidad.

Conclusión:

Es posible percibir las desigualdades según las construcciones históricas, políticas y culturales provocadas, para diferenciar hombres y mujeres en el cuidado de la familia. Hay una necesidad de debates que se centren en la población negra, especialmente en las cuidadoras, con miras a elaborar estrategias para reducir su carga para cuidar a los familiares enfermos.

Palabras claves: mujeres; afroamericanos; cuidadores

Abstract:

Introduction:

The disadvantages linked to the female gender are viewed in different aspects of life, through patriarchy. It is possible to understand that, in the case of black women, they are disadvantaged in the face of social structures, crossed by class, race and gender conditioning factors. In addition, it is seen that, in several cases, female caregivers, especially black women, do not voluntarily choose this role within the family environment.

Objective:

To identify the implications of care for a sick family member performed by black women caregivers considering their sociocultural conditions.

Methodology:

This work is an integrative review, whose search in the database was carried out in December 2020, where 3 results were found in the Web of Science database, 48 in the PubMed database and 29 in the LILACS database. After reading the abstracts of the 80 articles and applying the exclusion criteria, 7 articles were selected for full reading. Finally, 4 articles were included for analysis.

Results:

Only one study exclusively addressed women, and most were African Americans. Data indicate that, within a quilombola community, health care is passed on from the oldest to the youngest, as a symbol of respect for ancestral knowledge. In addition, it became evident that African-American caregivers of people with dementia need quality information about care and self-care, requiring resources in their community.

Conclusion:

It is possible to notice the inequalities according to the historical, political and cultural constructions caused, in order to differentiate men and women in family care. There is a need for debates that focus on the black population, especially caregivers, aiming at strategies to reduce their burden to care for sick family members.

Keywords: women; african americans; caregivers

Introdução

O trabalho aqui apresentado foi motivado pela discussão em torno das mulheres negras cuidadoras familiares, que engloba a dissertação intitulada: Mulheres negras cuidadoras familiares: reflexões interseccionais para enfermagem. 1 A partir de uma revisão integrativa realizada no ano de 2020, que aponta as implicações neste cuidado ao familiar adoecido. Apresenta-se uma sobrecarga nos afazeres domésticos, assim como, na execução da rotina de cuidados, sendo um fator condicionante para as mulheres.

Entre as implicações, estão as ligadas ao gênero feminino que são visualizadas desde a maternidade, trabalho e relações conjugais, que afetam a independência financeira, limitando desejos, a autonomia e escolhas nas vidas das mulheres. Tal conjunto compreende a estrutura patriarcal que agencia uma realidade que advém da dominação masculina, operando nas camadas sociais e nos direitos traçados como universais para mulheres e homens, promovendo desigualdade entre os gêneros. Nesse sentido, a estrutura social oferece o encargo do trabalho do cuidado para mulheres, no qual são desvalorizadas, produzindo sentimentos nocivos como a negatividade na vida de quem adota esta posição de cuidadora. 2

Dessa maneira, em diversos casos, as cuidadoras não escolhem de forma voluntária este papel dentro da conjuntura familiar. Em decorrência disso, suas opções ficam restritas por fatores limitantes no direito de escolha pessoal, faltando condições para diminuir o impacto na demanda de trabalho doméstico, juntamente com a rotina de cuidado, sendo que elas oferecem cuidados desde alimentação, higienização, medicações e curativos, entre outras questões que abrangem este cuidado, como afeto e atenção. 1

Estudos feministas como os de Davis 3 e Collins 4 apontam que as mulheres negras istán desfavorecidas frente aos homens e mulheres brancas, atravessadas por condicionantes de classe social, fetichização de seus corpos e subserviência em suas relações.

O racismo genderizado 5 opera como ferramenta acerca das mulheres negras, expondo as clivagens entre raça, classe e gênero que as hierarquiza e submete na ordem patriarcal. Deste modo, um olhar interseccional ressalta nas cuidadoras familiares, que as opressões não devem ser visualizadas separadas, ou como somatórias, mas sim vistas como sobrepostas. Dados fundamentam essas implicações, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 6 demonstra que as mulheres negras estão em conjuntos de trabalhos de baixa qualificação formal, condições precarizadas identificando que 57,6 % das empregadas domésticas no país são negras.

O trabalho doméstico era executado por homens e mulheres em 2018, sendo uma estimativa de 6,2 milhões de sujeitos; em atividades remuneradas como babás, jardineiros, diaristas e cuidadores -cerca de 5,7 milhões eram mulheres, um total de 92 % e, deste, um total de 3,9 milhões eram negras. 7

Desta forma, é necessário identificar as implicações que levam a sobrecarga no cuidador, assim como, a depressão estando ligado ao gênero feminino atrelado ao cuidado, analisando as desigualdades que posicionam as mulheres negras, frente a estrutura patriarcal e o cuidado de forma impositiva. Por isso, realizar a revisão de literatura no tema de mulheres negras cuidadoras é importante para conhecimento e descrição de como se dão as experiências vivenciadas por elas, assim como os fatores que implicam.

Face ao exposto, entende-se que o cuidado prestado pelas mulheres negras engloba a esfera familiar, social, política e econômica em forma de sujeição, diante de um sistema patriarcal que hostiliza suas vivências. Posto isto, o objetivo do estudo é identificar as implicações do cuidado ao familiar adoecido realizado por mulheres negras cuidadoras.

Método

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica do tipo revisão integrativa. Foram utilizadas as seis etapas da revisão integrativa propostas por Mendes, Silveira e Galvão: 8 identificar o tema, além de formular a questão norteadora; estabelecer critérios para inclusão e exclusão de artigos para integrarem o presente estudo, segundo as bases de dados que foram utilizadas; definir as informações a serem extraídas dos artigos selecionados e categorizá-las, utilizando uma tabela para resumir as informações que foram encontradas; avaliar os artigos que foram inclusos no presente estudo; interpretar e discutir os resultados encontrados; elaborar a revisão integrativa e os principais resultados encontrados.

Foi utilizada a estratégia PICO (população; intervenção; comparação; e outcomes). O uso dessa estratégia para formular a questão de pesquisa na condução de métodos de revisão possibilita a identificação de palavras-chave, as quais auxiliam na localização de estudos primários relevantes nas bases de dados. 9 Ressalta-se que, dependendo do método de revisão, não se emprega todos os elementos da estratégia; nesta revisão a comparação não foi utilizada. Assim, o primeiro elemento da estratégia (P) consiste nas mulheres negras cuidadoras familiares; o segundo (I), observar quais as implicações no cuidado; e o quarto elemento (O), categorizar as informações encontradas nas produções científicas. As bases de dados utilizadas foram a Literatura Latino-Americana do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (PubMed) e aWeb of Science.

Conforme a Figura 1, a busca ocorreu em setembro de 2020, utilizando as seguintes estratégias: na PUBMED “african americans” (MeSH Terms)) AND (“caregivers” (MeSH Terms)) com dez resumos; (“african americans” (MeSH Terms)) AND (“women”) com 28 resumos; (“race relations” (MeSH Terms)) AND (“women”) com dez resumos. Na Lilacs, foram: (“grupo com ancestrais do continente africano”) or “saude das minorias étnicas” (Descritor de assunto) and “CUIDADOR” (Descritor de assunto), resultando em dois resumos; (“grupo com ancestrais do continente africano”) or “saude das minorias étnicas” (Descritor de assunto) and “MULHER” (Descritor de assunto), resultando em 27. Na Web of Science a busca foi realizada em dezembro de 2020, com a seguinte estratégia: “african americans and caregivers and women AND race relations”, resultando em três resumos.

Foram incluídos estudos que abordavam sobre as mulheres negras cuidadoras familiares nos idiomas português e inglês. Foram excluídos estudos que abordassem somente cuidado ou saúde e não mencionavam a mulher negra cuidadora.

Os 80 resumos encontrados foram submetidos a uma seleção primária por meio de leitura dos títulos e dos resumos. Os critérios de exclusão foram aplicados na totalidade na etapa de análise dos títulos e resumos. Sendo assim, apenas sete contemplaram as necessidades do estudo, mas um não foi encontrado disponível ou acessível via o Portal de Periódicos Capes. Os seis artigos foram lidos na íntegra e foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão, resultando em quatro artigos para compor o corpus de análise deste estudo. Não foi utilizado demarcação temporal para que um maior número de resultados pudesse ser encontrado. Os quatro estudos que foram lidos na íntegra de forma atenta, investigativa e aprofundada. Os dados foram categorizados e organizados por meio do programa Microsoft Excel.

Figura 1: Fluxo das buscas nas bases de dados realizadas em dezembro de 2020 

Em relação aos conteúdos, foram elaboradas algumas categorias, sendo elas: referência completa, ano, revista, área de conhecimento, país de desenvolvimento da pesquisa, país dos autores, desenho da pesquisa (quanti; quali; quanti-quali), objetivo do estudo; participantes da pesquisa, técnicas de coletas de dados, formas de análise (descritiva, analítica, temática, conteúdo, textual), referencial teórico (não necessariamente um pensador, mas conceitos), principais resultados, além de: idade dos participantes, sexo, renda, ocupação, escolaridade, etnia/raça, vínculo do cuidador com o paciente, práticas de cuidado, preparo para o cuidado (experiência), ancestralidade, aspectos históricos, organização para o cuidado, se cuida de outras pessoas, apoio social de quem, resultados principais, proposições, relação com a casa, condições de possibilidade (violência, opressão, submissão, subserviência).

Contudo, tínhamos a intenção de colher todas essas informações, porém, os artigos obtinham limitações acerca das informações desejadas, mediante, os resultados disponíveis, foram examinadas para síntese dos conteúdos pela proposta de Bardin, 10 a qual tem como função primordial o desvendar crítico. Neste estudos, foram empregados os processos definidos por Bardin: Pré-análise, exploração do material e Tratamento dos resultados. 10

A análise de conteúdo é um método empírico, é um conjunto de instrumentos utilizados para estudar opiniões, atitudes, valores e crenças. Frente a isto, considera-se uma das principais referências de análise de dados em pesquisas qualitativas, sendo utilizada em análise de textos e produções advindas de diversas instituições, ou seja, avaliando resultados decorrentes de técnicas de coleta de dados qualitativos. 11

Resultados

Foi possível observar que não há um ano mais frequente, os estudos são diversos em relação a isso, sendo um 2010, 12 um de 2011, 13 um de 2018 14 e o mais recente de 2019. 15 Em relação aos países mais recorrentes nas revistas de publicação, evidencia-se os Estados Unidos da América. 12,14,15 O quadro 1 contém as informações acerca da caracterização dos estudos.

Quadro 1: Caracterização dos estudos 

Fonte:Elaborado pelas autoras (2023)

Em relação aos aspectos metodológicos, conforme o Quadro 2, os estudos eram na maior parte qualitativos, totalizando três estudos, 13-15 sendo um estudo quantiqualitativo.12) Em relação ao número de participantes, a maior parte deles obteve 13 cuidadores. 13-15) A técnica de coleta de dados mais frequente foi entrevista semiestruturada. 13-15 Sobre o referencial teórico, a maior parte não o menciona. 12,14,15 t3, t4

Quadro 2: Caracterização metodológica 

Fonte: Elaborado pelas autoras (2023)

Sobre a caracterização dos participantes, o Quadro 3 destaca que a idade variou entre 18 e 92 anos. 12,13,14,15 Houve somente um estudo exclusivamente com mulheres. 12) A respeito da renda, da ocupação, da escolaridade, a maior parte não as menciona. Em relação à etnia, a maior parte era afro-americana, 12,14,15) devido a maioria dos estudos ser dos EUA.

Quadro 3: Caracterização dos participantes 

Fonte:Elaborado pelas autoras (2023)

Uma das implicações da mulher negra cuidadora de acordo com uma amostra específica de cuidadoras afro-americanas, demonstraram maior incidência de depressão. Em outro estudo a implicação foi o apoio social, através de integrantes das congregações religiosas, crenças, informações profissionais que foi oferecido pelos profissionais de saúde da ESF local.

O apoio social é compreendido neste quilombo fortalecendo essa experiência desde troca com as cuidadoras que haviam passado por situações semelhantes, moradores, vizinhos e mesmo na família. Desta maneira, o apoio social presentes na comunidade configuram-se como um produto dos relacionamentos sociais, os quais são acionados em momentos de dificuldade, como é o caso de uma doença crônica na família. Portanto, o apoio emocional e social, torna-se uma implicação positiva e sendo prestado principalmente pela família e pelos grupos de convivência local.

No que se refere às práticas de cuidado, apresenta-se no estudo 13 realizado em uma comunidade remanescente de quilombos, em que a ciência e o cuidado em saúde são passados dos mais velhos para os mais novos, como símbolo de respeito aos saberes ancestrais que abarcavam tanto a causa das doenças, como o seu tratamento. As comunidades afro-brasileiras existentes no Brasil desde a escravização, denominadas como quilombos, em consequência de uma série de implicações, não foram asseguradas pelo Estado de mantimentos para boas condições de vida, inclusive, serviços de saúde, e o conhecimento popular em relação ao tratamento das doenças é essencial por ser inserido como um relevante apoio informativo popular neste território.

A organização das famílias para o cuidado fica demonstrada pelo fato de os cuidadores poderem participar dos grupos de convivência, pois outro familiar assume o cuidado e as atividades desenvolvidas nos grupos de convivência, o que oportuniza aos cuidadores acolhimento e valorização, apesar do estresse relativo ao cuidado do familiar adoecido, ocorrendo uma diminuição da sobrecarga. 13

No estudo realizado nessa comunidade rural remanescente de quilombos, verificou-se que o apoio emocional que recebiam os demais componentes da comunidade 13 vai ao encontro do que a historiadora Beatriz Nascimento afirmou, no documentário Ôrí, de 1989. Ela apontou que “quilombo” não é uma ideia localizada no passado e, sim, um continuum cultural de aglutinação, compreendendo quilombo em seu sentido ideológico, no sentido de agregação, comunidade e resistência pelo reconhecimento da humanidade e preservação dos símbolos culturais do povo negro. Os cuidadores relataram que o próprio pertencimento a um espaço geográfico no qual encontravam as características que os identificavam culturalmente produzia um sentimento de confiança, juntamente com apoio social dos profissionais de saúde, comunidade e familiares. Nos demais estudos, não foram mencionadas as formas de organização para o cuidado e apoio social.

Ainda neste estudo 13 verificou-se que os cuidadores foram unânimes em afirmar que era sempre à família que recorriam em caso de necessidade de ajuda, ficando nítido a ideia de que as responsabilidades eram compartilhadas. Esta maneira de entender o cuidado como um compromisso familiar é importante, pois não deixa a responsabilidade do cuidado apenas ao cuidador principal, dando-lhe oportunidade de descansar e não vir a sobrecarregar-se pelo cuidado solitário. Independentemente do tipo de apoio prestado, a família tem um papel essencial no cuidado a um familiar doente, uma vez que, quando o cuidado é compartilhado pelos familiares, o cuidador sente-se amparado e pode dar continuidade à sua vida, ao mesmo tempo em que presta cuidados ao familiar doente.

Outro estudo 15 evidenciou que os cuidadores afro-americanos de pessoas com demência necessitavam de informação de qualidade sobre cuidar e recursos de autocuidado em sua comunidade. A ideia de permitir o voluntariado entre pessoas que vivem com familiares com demência surgiu através dos cuidadores, que demonstraram preocupação em deixar a pessoa com demência sem supervisão, tendo sido discutida uma rede de apoio pelas redes sociais, entretenimento e serviços de autocuidado pessoal e atividades, podendo incluir tanto o cuidador quanto o familiar e fornecer descanso. Para isso, requeria engajamento e conscientização entre proprietários em setores além do humano e serviços sociais, como salões de beleza e barbearias, entre outros prevalentes em Chicago, local em que ocorreu o estudo, envolvendo a comunidade e obtendo sucesso, com a promoção de saúde e melhora na hipertensão e taxas de rastreamento de câncer, especialmente, em afro-americanos, sugerindo a possibilidade de que esses negócios podem ser contratados para apoiar pessoas com demência e seus cuidadores.

Os resultados do estudo, 15 por ser local, devem ser considerados à luz de certas limitações. As descobertas podem não ser generalizadas para outras populações, incluindo cuidadores afro-americanos que vivam com uma renda mais alta ou mais diversificada ou em comunidades rurais. Ainda, destaca-se que o estudo foi realizado em uma clínica especializada em atendimento geriátrico e, mesmo assim, os cuidadores indicaram uma ampla gama de necessidades não atendidas. Apesar de o tamanho da amostra ser pequeno, era diverso em termos de idade, intensidade do cuidado e relação do cuidador com a pessoa com demência, demonstrando informações semelhantes e necessidades de recursos de vários cuidadores e perspectivas.

Em outro artigo 12 apresenta a escala de depressão do Center for Epidemiologic Studies (CES-D), que tem sido usada extensivamente em comunidades de base de inquéritos para descrever e explicar a prevalência da depressão na população em geral. Ainda, perguntas foram levantadas quanto à sua adequação para uso entre minorias étnicas, por causa de sua variação de fator. Empregando uma abordagem dentro de gênero e raça, a validade do CES-D foi testada para uso em uma amostra de 521 cuidadores familiares de mulheres afro-americanas, urbanas e rurais. Entre os quatro modelos de medição testados usando a estimativa de Mínimos Quadrados Ponderados, as descobertas apoiam a pesquisa que identificou quatro dimensões no CES-D: afeto deprimido, afeto positivo, reclamações somáticas e relações interpessoais para a amostra. Além disso, um modelo de três fatores (somatização) e um modelo de quatro fatores mostraram-se equivalentes. Para abordar questões de gênero e raça, como sexismo e racismo, questões que tornam a prevalência muito maior das taxas de depressão clinicamente relevantes do que em outras amostras clínicas e baseadas na comunidade, essas dificuldades se mostraram como determinantes no papel desenvolvido pelas cuidadoras familiares. Percebe-se a importância de considerar o contexto da vida das mulheres afro-americanas ao se pensar no enfrentamento diante estas problematizações, na atuação no cuidado, sobrecarga e em como as cuidadoras operam nestas condições.

Ainda o autor 12 afirma, acerca das limitações do estudo, sobre a relevância, para pesquisas futuras, de considerar comparações de subamostras usando um cálculo e abordagem de corrida. A fim de examinar completamente a configuração de variância ou invariância do CES-D, seria importante considerar outros níveis de equivalência, ou seja, variância ou invariância no fator carregamentos, por meio de uma análise de vários grupos como a amostra do estudo. Apesar das limitações, nosso exame do CES-D ilustra vários pontos fortes. Em primeiro lugar, nossas análises do CES-D foram baseadas, a priori, na abordagem confirmatória em oposição a análises exploratórias. Em segundo lugar, testamos a validade de quatro modelos de medição separados do CES-D para uma amostra específica de mulheres afro-americanas cuidadoras, que demonstraram maior incidência de depressão.

Em outra publicação 14 são exploradas as perspectivas dos cuidadores afro-americanos sobre o comportamento agressivo dos familiares com demência, sendo o tema principal a dificuldade de não levar para o lado pessoal, o que implica em analisar a capacidade dos cuidadores de diferenciar entre os efeitos da demência e a pessoa de quem eles estão cuidando. Através deste processo de diferenciação, eles foram capazes de cognitivamente reformular suas perspectivas e abordagem do cuidado com compaixão e paciência, apesar dos desafios substanciais que enfrentavam. Enquanto os participantes tentavam equilibrar as prioridades, um refrão frequente era “Eu tenho que fazer o que eu tenho que fazer”, o que os ajudou a manter o cuidado como o mais importante. Participantes relataram que a prevenção de comportamentos agressivos teve mais sucesso quando “Não discutimos”. Nesse estudo compartilharam técnicas muito semelhantes para manter o cuidado centrado na pessoa, sugerindo que incluir esses componentes pode ser uma forma importante para apoiar esses cuidadores.

Ainda neste, 14 nota-se que houve pouca diversidade no que diz respeito ao gênero e relação. Havia apenas um homem e um cuidador cônjuge, portanto, não foi possível para comparar pontos de vista entre homens e mulheres ou cônjuges e não cônjuges. Outra limitação potencial desse estudo é que uma pessoa conduziu tanto as entrevistas como a análise inicial dos dados. Conclui-se, então, que esses cuidadores desenvolveram estratégias de enfrentamento bem antes de assumir um papel de cuidador e, desde então, incorporaram essas estratégias para o papel. No contexto deste modelo, as estratégias de cuidado que emergiram dessas entrevistas com cuidadores podem refletir uma abordagem ao longo da vida para as interações sociais e atenção às suas próprias necessidades, o que os preparou bem para ambas as demandas de cuidar. 14

As implicações apresentadas nos estudos, identificam a subjetividade das cuidadoras/es e ademais o ambiente que estão inseridas, ocorrendo semelhanças que refletem a conjuntura de suas experiências, entre elas, atendendo as normas sociais que se encontram muitas mulheres. A exposição a agressividade dos familiares que sofrem com demência, falta de informação, falta de suporte para exercer o cuidado, depressão e imposição na socialização da conjuntura familiar devendo a mulher e o homem seguir de acordo com o cotidiano, e seus papéis, explícitos na rotina de cuidados são também implicações neste exercício de cuidado. Um ponto que evidencia isto é a falta de informações, a carência de políticas públicas em torno da complexidade de cuidar, entender esta experiência e o seu lugar executado mediante este contexto.

Para tal, é preciso uma conscientização como mostra-se nos estudos que remete ao apoio social uma implicação que colabora somando na vida dos cuidadores. Assim sendo, para as mulheres afro-americanas e mulheres negras brasileiras evidenciadas aqui obterem suporte emocional, financeiro e uma rede de apoio, seja de outros familiares, comunidade e/ou seus companheiros/as favorece a sua experiência enquanto cuidadora familiar.

Discussão

As publicações tencionadas neste trabalho trazem implicações relevantes para a realização de outras pesquisas, como o apoio social em comunidades afro-brasileiras. Em virtude do reduzido número de estudos sobre a temática nestas comunidades que abordem cuidadores familiares e suas especificidades. Cabe ponderar que a questão da mulher negra cuidadora está atrelada às relações sociais e políticas que explicam a estrutura que condiciona essas cuidadoras vinculadas à identidade de gênero feminina.

Os cuidadores necessitaram de apoio da comunidade e informações para reduzir a sobrecarga causada pelo cuidado. Intervenções individuais auxiliaram na redução dos sintomas psicológicos, tendo sido orientadas para a problemática do cuidado, no enfoque de explorar e solucionar problemas. Ademais, apresentando determinantes sociais, como gênero e raça, implicados nas taxas de depressão clinicamente identificadas. A depressão atualmente é um dos transtornos com maior incidência, tal qual, uma das patologias que acomete milhões de pessoas, necessitando um olhar emergencial de saúde pública, sendo a sobrecarga dos cuidadores ligada a esta condição. 16 Pode-se afirmar que o comprometimento na qualidade de vida do cuidador relaciona-se com a presença de sintomas depressivos em cuidadores. Essas variáveis estão intimamente relacionadas, quanto maior o indicativo de depressão, mais acometida será a qualidade de vida do cuidador, ou quanto pior a qualidade de vida, mais vulnerável à depressão o cuidador estará. 17

Frente a isto, o apoio aos cuidadores reduz as implicações negativas referentes ao cuidado, na estrutura familiar de modo, que os cuidadores encontrem amparo para realizar suas demandas e dificuldades. Diante disso, o suporte oferece base para família cuidar, principalmente, em momentos de potencialização da doença, quando os cuidados se intensificam, representando a rede de apoio, ou seja, advinda por profissionais de saúde, sua comunidade e/ou nas relações familiares, sendo essencial para amenizar a rotina exaustiva de cuidados. 18

Os determinantes sociais da saúde têm-se evidenciado também como inovação e atenção por autores latino-americanos. Refletindo enquanto uma discussão política frente às gestões neoliberais que, para além de um projeto econômico, afetam o pensar e os modos de vida. 19

Nesse sentido, é importante considerar as questões sociais de gênero e raça na pauta da saúde. Particularidades que excedem a individualidade dentro das experiências sociais. Sendo assim, as mulheres negras, no trabalho e na sociedade, desempenham funções no campo do cuidado que no período colonial eram representadas pela produção de vida nas famílias no Brasil colônia.

Atravessadas por desigualdades sociais, advindas do racismo constituídas no período escravista, este tempo é reproduzido nos dias atuais na organização social privilegiando uma parcela da população em detrimento de outra que é negligenciada e precarizada, desde suas condições socioculturais, socioeconômicas e de saúde. 20

Diante disso, manifestações de ações conscientes e inconscientes se dá nos sujeitos, afetando as condições de vida em uma maneira ampliada, o racismo é autor destas causas e condicionantes aniquilando corpos. Fomentando o patriarcado e os regimes de opressão, sobretudo, contra as mulheres e mulheres racializadas, negras e indígenas, determinando desigualdades sociais que se identificam através da fragmentação social, desde oportunidades, privilégios, conquistas e tratamento em instituições.

Os movimentos negros lutam historicamente no Brasil para melhores condições de vida, desde abrangência da população negra nas universidades, trabalho e renda, nessa perspectiva a Política Nacional de Saúde da População Negra é um pilar para uma melhor assistência em saúde, discussões que quebrem a lógica hegemônica e sua cultura supremacista. Assim como, os estudos feministas que discutem uma equidade entre homens e mulheres e a forma que somos socializadas, dando horizontes de pensar gênero e contrapor a origem ocidental do feminismo que não contempla mulheres negras, terceiro-mundistas, mulheres indígenas, corpos dissidentes considerados “outros”. 21 As experiências das mulheres são múltiplas, mas seguem a matriz de opressão da sociedade, enfrentada por desafios pessoais, profissionais e sociais, havendo uma necessidade de operações, discursos e ações que rompam com esta subalternidade imposta estruturada socialmente.

As implicações que as mulheres estão submetidas, colocam em xeque a dominação masculina e o cuidado operando de maneira autoritária. Visam a importância de compreender as experiências das cuidadoras familiares, neste tema, e suas lacunas, oriundos dos mecanismos de dominação, analisando criticamente a ordem colonial que acometem as mulheres negras.

Conclusão

No contexto apresentado neste estudo acerca das mulheres negras cuidadoras, é notável que a discussão delineie as desigualdades em concordância com as construções históricas, políticas e culturais causadas, para diferenciar homens e mulheres no cuidado familiar, questões atreladas ao gênero, como principal marcador deste desequilíbrio social. Colocando as mulheres negras em condições de subserviência, elementos condicionantes de opressão, frente as matrizes coloniais, contudo, o cuidado, quando sucede por escolha, trilha o caminho do afeto, que não condiz com o da imposição, estruturado socialmente para as mulheres.

Problematizamos esta questão a partir dos estudos apresentados aqui, pensando na possibilidade de desconstrução dos papéis do que a mulher deve ou não exercer. Abordando a sua rotina de cuidados e a sobrecarga das cuidadoras, que, ademais, se relaciona com determinantes sociais de classe, raça e gênero, no qual, produz problemas na sua saúde mental, física e psicológica, limitando momentos de lazer, como também, a sua qualidade de vida.

O pouco número de artigos encontrados na revisão de literatura para sustentar o tema do artigo foi uma limitação encontrada nesse estudo, apenas quatro artigos foram utilizados para análise de resultados. Nesse sentido, é preciso de estudos futuros nesse campo do conhecimento, para proporcionar novas reflexões no campo da pesquisa e políticas públicas.

Nesse sentido, pilares que sustentam as maneiras de cuidar assentados em condições sociais, que carecem de políticas públicas, debates que enfoquem a mulher negra cuidadora, estratégias de diminuição da sua sobrecarga, pela sua perspectiva e vivência, gerando um cuidado para quem cuida.

Referências bibliográficas:

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Como citar:Participação dos autores:Editora científica responsável:

Recebido: 16 de Novembro de 2022; Aceito: 23 de Maio de 2023

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