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InterCambios. Dilemas y transiciones de la Educación Superior

versão impressa ISSN 2301-0118versão On-line ISSN 2301-0126

InterCambios vol.10 no.1 Montevideo jun. 2023  Epub 01-Jun-2023

https://doi.org/10.29156/inter.10.1.2 

Dilemas y Debates

Limitaciones legales a la autonomía universitaria brasileña

Legal limitations to Brazilian university autonomy

Limitações legais à autonomia universitária brasileira

Fernando Stanzione Galizia1 
http://orcid.org/0000-0002-9597-0733

Maria Antonia Ramos de Azevedo2 
http://orcid.org/0000-0002-6215-2902

Rodrigo Sinigaglia Arruda3 
http://orcid.org/0000-0002-4465-1732

1 Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de São Carlos. Brasil. Contacto: fernandogalizia@ufscar.br

2 Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista. Campus Rio Claro, San Pablo, Brasil. Contacto: maria.antonia@unesp.br

3 Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista. Campus Rio Claro, San Pablo, Brasil. Contacto: rodrigo.sinigaglia-arruda@unesp.br


Resumen

El texto analiza, desde las dimensiones jurídica, política y social, el concepto de autonomía universitaria que sustenta actualmente a las universidades brasileñas. Posteriormente, reflexiona sobre las razones por las cuales esta autonomía no se materializa en la práctica, con especial atención al papel del gobierno en este proceso. Finalmente, discute propuestas de cambios en la autonomía universitaria que buscan modificar este escenario para permitir que las universidades gocen, de hecho, de todas las autonomías que garantiza la ley brasileña. En las consideraciones finales, destaca la importancia del concepto de autonomía para que las universidades desempeñen su papel estratégico en la construcción de la nación brasileña y la importancia del nuevo gobierno federal para realizar un verdadero rescate de estas instituciones.

Palabras clave: educación superior; autonomía universitaria; política universitaria; gestión universitaria; organización institucional universitaria

Abstract

The text analyzes, from the legal, political, and social perspectives, the concept of university autonomy that currently supports Brazilian universities. After that, it reflects on the reasons why this autonomy is not implemented in practice, with special attention to the government’s role in this process. Finally, it discusses proposals for changes in university autonomy that seek to change this scenario and allow universities to actually use all the autonomies guaranteed by the Brazilian law. In the final considerations, it emphasizes the importance of the concept of autonomy for universities to play their strategic role in building the Brazilian nation and the importance of a true rescue of these institutions by the new federal government.

Keywords: higher education; university autonomy; university policy; university management; university institutional organization

Resumo

O texto analisa, sob as dimensões jurídica, política e social, o conceito de autonomia universitária que ampara as universidades brasileiras atualmente. Após isso, reflete sobre os motivos dessa autonomia não se concretizar na prática, com especial atenção ao papel do governo nesse processo. Por fim, discute propostas de mudanças na autonomia universitária que buscam alterar esse cenário e permitir que as universidades gozem, de fato, de todas as autonomias que a lei brasileira lhes garante. Nas considerações finais, salienta a importância do conceito de autonomia para que as universidades desempenhem seu papel estratégico na construção da nação brasileira e a importância do novo governo federal que se inicia realizar um verdadeiro resgate dessas instituições.

Palavras-chave: ensino superior; autonomia universitária; política universitária; gestão universitária; organização institucional universitária

Introdução

Mais do que em qualquer outro momento, neste em que predomina a irracionalidade, o relativismo, a escatologia, os interesses imediatos do mercado, torna-se imprescindível que os aspectos históricos, epistemológicos, metodológicos, axiológicos e teleológicos não apenas tenham abrigo na universidade, mas se transformem no seu desiderato central. É isto que justifica a sua existência. De outra forma é melhor, inclusive, que nem se utilize mais a denominação “universidade”, uma vez que a inadequação não é apenas terminológica: é histórica e daquilo que seria a responsabilidade social dessa que é uma das mais longevas Instituições sociais (Bianchetti e Magalhães, 2015, p. 244).

Neste artigo, visamos analisar o conceito de autonomia universitária que guia as universidades brasileiras atualmente. Esta análise se dá não apenas na dimensão jurídica do conceito, mas também sob outras, tais como política e social. Além disso, também nos propomos, neste texto, a refletir de que forma essa autonomia não se concretiza na prática e os motivos para tal, com ênfase especial no papel do governo nesse processo. Por fim, procuraremos demonstrar que são necessárias mudanças na ideia de autonomia universitária expressa na legislação brasileira. Isso ocorre porque uma parte importante dos problemas relativos à autonomia das universidades tem a ver com as intervenções do poder executivo em âmbito acadêmico, administrativo, político e financeiro nestas instituições. Sendo assim, ao final do texto trazemos propostas de mudanças na autonomia universitária que buscam alterar esse cenário e permitir que as universidades gozem, de fato, de todas as autonomias que a lei brasileira lhes garante.

O conceito de autonomia universitária

O conceito de autonomia universitária é dinâmico, pois varia de acordo com circunstâncias históricas, políticas e jurídicas (Ranieri, 2018). Em linhas gerais, atualmente trata-se de um poder derivado, funcional e limitado concedido às instituições de educação superior que se caracterizam como universidades. É um “poder derivado, porque a autonomia só existe e se legitima em razão do ordenamento que consente em sua existência; funcional, porque é um instrumento de natureza pública, destinado a operacionalizar o cometimento de tarefas públicas; limitado, porque não implica soberania ou independência” (Ranieri, 2018, p. 951). Em resumo, “a autonomia, enfim, consiste em poder de autonormação exercitável dentro de determinados limites, sendo que as suas dimensões, em relação às universidades públicas e privadas, variam apenas em razão do regime jurídico a que se submetem” (Ranieri, 2000, p. 220).

Segundo Chauí (2001):

A ideia de autonomia, como a própria palavra grega indica - ser autor do nomos, ser autor da norma, da regra e da lei -, buscava não só garantir que a universidade pública fosse regida por suas próprias normas, democraticamente instituídas, mas visava, ainda, assegurar critérios acadêmicos para a vida acadêmica e independência para definir a relação com a sociedade e com o Estado. Numa palavra, a autonomia possuía sentido sociopolítico e era vista como a marca própria de uma instituição social que possuía na sociedade seu princípio de ação e de regulação. (p. 204)

Em termos jurídicos, se fundamenta na ideia de “direção própria do que é próprio” (Ranieri, 2000, p. 219) e é dada pelo artigo 207 da Constituição Federal: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (Brasil, 1988). Percebe-se que esta lei divide a autonomia das universidades em três dimensões: didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Alguns autores, como Wanderley (1983 como citado em Previatti, 2009), salientam a ausência de menção à ideia de autonomia política na lei máxima nacional.

O artigo 207 da Constituição Federal (Brasil, 1988) também liga a ideia de autonomia à função social da universidade por meio de suas três ações principais que devem se dar de forma indissociada - ensino, pesquisa e extensão. Assim, esta instituição visa “a produção, o desenvolvimento e a transmissão de conhecimentos, a partir da reflexão sobre a sociedade em que se insere” (Ranieri, 2000, p. 220). Para esta autora, a função social da universidade também está diretamente ligada aos objetivos fundamentais do país, expressos no artigo 3 da Constituição Federal (Brasil, 1988):

I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

De toda forma, é na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96 (Brasil, 1996), mais precisamente em seus artigos 53 e 54, em que encontramos as ações que as universidades podem realizar ligadas a cada uma das dimensões da autonomia. Num exercício de síntese, a tabela 1 sistematiza essa compreensão.

Tabela 1: Classificação dos incisos referentes à autonomia universitária contidos na LDB 9.394/96 (Brasil, 1996) de acordo com as dimensões de autonomia expressas na Constituição Federal (Brasil, 1988) 

Autonomia didático-científica Autonomia de gestão financeira e patrimonial Autonomia administrativa
Art. 53, I - Criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino. Art. 53, VII - Firmar contratos, acordos e convênios. Art. 53, V - Elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes.
Art. 53, II - Fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes. Art. 53, VIII - Aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais. Art. 53, VI - Conferir graus, diplomas e outros títulos.
Art. 53, III - Estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão. Art. 53, IX - Administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos. Art. 54, § 1º,I - Propor o seu quadro de pessoal docente, técnico e administrativo, assim como um plano de cargos e salários, atendidas as normas gerais pertinentes e os recursos disponíveis.
Art. 53, IV - Fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio. Art. 53, X - Receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas. Art. 54, § 1º,II - Elaborar o regulamento de seu pessoal em conformidade com as normas gerais concernentes.
Art. 53, § 1º, I - Criação, expansão, modificação e extinção de cursos. Art. 54, § 1º, III - Aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, de acordo com os recursos alocados pelo respectivo Poder mantenedor.
Art. 53, § 1º, II - Ampliação e diminuição de vagas. Art. 54, § 1º, IV - Elaborar seus orçamentos anuais e plurianuais.
Art. 53, § 1º, III - Elaboração da programação dos cursos. Art. 54, § 1º, V - Adotar regime financeiro e contábil que atenda às suas peculiaridades de organização e funcionamento.
Art. 53, § 1º, IV - Programação das pesquisas e das atividades de extensão. Art. 54, § 1º, VI - Realizar operações de crédito ou de financiamento, com aprovação do Poder competente, para aquisição de bens imóveis, instalações e equipamentos.
Art. 53, § 1º, V - Contratação e dispensa de professores. Art. 54, § 1º, VII - Efetuar transferências, quitações e tomar outras providências de ordem orçamentária, financeira e patrimonial necessárias ao seu bom desempenho.
Art. 53, § 1º, VI - Planos de carreira docente.

Fonte: Os autores.

De acordo com a tabela 2, podemos sistematizar as ações que as universidades podem realizar e que são protegidas pela ideia de autonomia universitária presente em ambas as leis, da seguinte forma:

Tabela 2: Ações garantidas às universidades pela LDB 9.394/96 (Brasil, 1996) classificadas de acordo com as dimensões de autonomia expressas na Constituição Federal (Brasil, 1988). 

Autonomia didático-científica Autonomia administrativa Autonomia de gestão financeira e patrimonial
Criar, organizar, expandir, modificar e extinguir, cursos e programas. Elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos. Firmar contratos, acordos e convênios.
Fixar os currículos dos seus cursos e programas. Conferir graus, diplomas e outros títulos. Aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, de acordo com os recursos alocados pelo respectivo Poder mantenedor.
Estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão. Propor, contratar e dispensar o seu quadro de pessoal docente, técnico e administrativo. Administrar os rendimentos e deles dispor.
Fixar, ampliar e diminuir o número de vagas. Fixar plano de cargos e salários (plano de carreira docente). Receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.
Elaborar o regulamento de seu pessoal. Elaborar seus orçamentos anuais e plurianuais.
Adotar regime financeiro e contábil que atenda às suas peculiaridades de organização e funcionamento.
Realizar operações de crédito ou de financiamento, com aprovação do Poder competente, para aquisição de bens imóveis, instalações e equipamentos.
Efetuar transferências, quitações e tomar outras providências de ordem orçamentária, financeira e patrimonial necessárias ao seu bom desempenho.

Fonte: Os autores.

Problemas e desafios na implantação da autonomia universitária

Porém, diversos autores afirmam que a autonomia universitária tal como prevista na Constituição Federal (Brasil, 1988) não ocorre na prática. Pode-se dividir este conceito em três modelos de autonomia universitária no Brasil, de acordo com o tipo de instituição: das instituições federais, das particulares e das estaduais paulistas 1. De acordo com Ranieri (2018), as universidades federais possuem maior liberdade acadêmica em relação às privadas, enquanto estas possuem apenas autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial. A autora ressalta que, em seu entendimento, as estaduais paulistas são mais equilibradas em termos de autonomia e isso se daria devido ao formato de repasse de verbas públicas pelo governo do estado, que lhes garante “melhor planejamento das atividades universitárias e melhores resultados acadêmicos” (Ranieri, 2018, p. 954). Esta autora complementa:

... no setor público, à exceção do sistema paulista, a autonomia não se efetivou; e os problemas recorrentes de financiamento e gestão permanecem no sistema federal de ensino superior. No setor privado, a autonomia favoreceu a expansão do setor a partir da década de 1990, sem garantia de qualidade do ensino … (Ranieri, 2018, p. 953)

Esta autora afirma ainda que os problemas que impedem que a autonomia universitária ocorra nos moldes previstos na Constituição são: regime de caixa único, contingenciamento de despesas, o peso da burocracia estatal, além das restrições do regime de direito público. Assim, Ranieri (2018) considera que “o art. 207 vem apresentando mais resultados contraditórios que desempenho adequado de sua função social, a despeito do bem-sucedido modelo paulista (p. 958).

A autora considera também que a autonomia universitária incorporada à redação final da Constituição não traz nenhum elemento de regulamentação e assim é mantida até hoje. No mesmo sentido, Chauí (2001, p. 203) também aponta, a partir de análise do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES) 2, que o artigo 207 é bastante genérico na definição de autonomia universitária. Isso, para a autora, acarreta dois problemas: a possibilidade de se esfacelar o sistema nacional de ensino superior, criando-se instituições de ensino superior (IES) ditas autônomas, mas que competem entre si, numa lógica de “poder do mais forte”; e permite confusão entre autonomia dos órgãos estatais de administração direta e autonomia universitária. Isso, segundo a autora, “reduziria as universidades à condição de autarquias, portanto sem independência com relação ao poder executivo”. Sobre o fato da autonomia universitária não ocorrer como prevê a constituição, Oliveira (1999) afirma:

Na pretensa democracia colegiada dos departamentos, e mesmo dos órgãos superiores de administração propriamente dita, qualquer dirigente universitário, bem como qualquer representante docente, técnico administrativo ou estudantil num órgão colegiado, sabe que o poder de decisão está no Ministério da Educação e Cultura/MEC (quando não nos ministérios da área econômica ou da administração), e que uma simples portaria, um Aviso Ministerial ou um telefonema de um burocrata de terceiro escalão podem alterar ou determinar os mínimos detalhes da vida da instituição. Em suma, a universidade é heterônoma administrativa, financeira, científica e academicamente, em franca contradição com o que dispõe a Constituição de 1988. (p. 54)

Já em relação à LDB (Brasil, 1996), Ranieri (2018) considera que a concessão de autonomia às universidades está vinculada, na verdade, à ideia de qualidade e não ao modelo da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como prevê a Constituição Federal (Brasil, 1988). Nesse sentido, parece que muito da realidade europeia parece ter sido levado em consideração para o sistema universitário brasileiro. Segundo Bianchetti e Magalhães (2015, p. 240), na Europa também ocorreu uma mudança do modelo de controle estatal para o modelo de supervisão estatal das universidades 3. Isso parece similar à mudança de concepção expressa na atual LDB. Esses autores vão dizer que isso é “uma forma mais intrusiva do controle, dado que coloca a ênfase no desempenho das instituições, na sua eficiência, e dos seus professores e investigadores”. E complementam:

Se o modelo de controle estatal, baseado na homogeneidade legal, não estava, por isso mesmo, fundado na autonomia institucional, garantia a liberdade individual dos acadêmicos enquanto professores e investigadores. Nos modelos modernos de ensino superior na Europa, designadamente no modelo humboldtiano, o Estado garantia a não interferência dos interesses externos na procura do conhecimento levada a cabo na universidade pelos acadêmicos. Porém, no modelo de supervisão estatal, a ênfase é colocada sobretudo na autonomia da instituição e menos na liberdade acadêmica (Magalhães, 2004). O controle do Estado é substituído pela sua função de supervisão, na qual a avaliação, tendencialmente ligada ao financiamento, desempenha um papel central (Bianchetti e Magalhães, 2015, p. 240).

Outros autores também são críticos à ideologia expressa na LDB em relação à autonomia universitária. Para Chauí (2001):

Se tomarmos o documento do BID e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), veremos a profunda transformação sofrida por esse conceito de autonomia universitária à medida que a universidade foi sendo transformada numa organização administrativa e administrada ... a autonomia organizacional se reduz ao gerenciamento empresarial da instituição para que cumpra metas, objetivos e indicadores definidos pelo Estado e tenha independência para fazer outros contratos com empresas privadas. Seu sentido institucional, sociopolítico, foi devorado pelo sentido administrativo e instrumental das leis que regem o mercado. Em suma, a autonomia passou a significar uma capacidade operacional de gestão de recursos públicos e privados, e não mais o modo de inserção da instituição universitária num sistema nacional de educação e pesquisa nem sua forma de relação com a sociedade e o Estado. (p. 204)

Para Ranieri (2018), as universidades federais não possuem sua autonomia efetivada devido às condições de financiamento e à especialidade de seu regime jurídico, ainda que possuam autonomia didático-científica uma vez que, para a autora, apresentam razoável liberdade de ensino e pesquisa. Sobre isso, Trindade (1999) vai constatar que

Embora os contextos políticos sejam totalmente diferentes, nosso atraso em matéria de autonomia é de tal ordem que, por ironia da história, alguns dos problemas centrais do ensino superior brasileiro estavam já sendo enfrentados na Itália fascista. Trata-se obviamente de uma metáfora histórica que nos deve fazer refletir sobre o novo e o velho em educação superior. (pp. 174-175)

É importante ressaltar que o texto de Trindade foi escrito em 1999, há 24 anos, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Atualmente, estamos, neste ano de 2023, recentemente saindo do governo de Jair Bolsonaro e as ações deste em relação à autonomia universitária nos permitem dizer que este atraso a que o autor se refere apenas se intensificou pois, pelo menos em alguns aspectos, demos passos largos em direção a um governo fascista nos últimos quatro anos. A título de exemplificação, Trevisol e Garmus (2021) sistematizam diversas propostas de alteração dos marcos regulatórios referentes ao princípio da autonomia universitária feitas por este governo. A tabela 3 explicita estas propostas.

Tabela 3: Propostas de alteração dos marcos regulatórios referentes ao princípio da autonomia universitária 

Marcos regulatórios Conteúdo
Decreto 9.794, de junho de 2019 O decreto estabelece que os reitores não poderão nomear pró-reitores e diretores de unidades. A nomeação será competência dos ministros da Casa Civil e da Educação. Os servidores indicados terão de passar por investigação de vida pregressa feita pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e pela Controladoria Geral da União (CGU). O decreto fere os artigos 5, 37 e 207 da CF, assim como, as leis 5.540/68 e 8.112/90.
Medida provisória 914, de 24 de dezembro de 2019 A MP foi editada um dia após o início do recesso parlamentar de 2019. Ela estabeleceu normas para a escolha de reitores de universidades, institutos federais e do Colégio Pedro II, assim como alterou a forma de nomeação de reitores e diretores de campi. A MP 914 não foi aprovada pelo Congresso Nacional, tendo perdido sua validade em 2 de junho de 2020.
Projeto de lei 3076, de 2 de junho de 2020 Trata-se do projeto future-se, que propõe alterações significativas na autonomia financeira e patrimonial das universidades.
Medida provisória 979, de 9 de junho de 2020 Poucos dias após a MP 914/19 ter perdido validade, o governo editou nova MP, desta vez regulamentando a designação de dirigentes pro tempore para as IES federais cujos mandatos se encerram até 31 de dezembro de 2020, correspondente ao período de emergência da COVID-19 (lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020). De acordo com a MP 979, às IFES ficam desobrigadas a realizar consulta pública à comunidade acadêmica e a formar a lista tríplice para ser enviada ao MEC.
Portaria 545, de 16 de junho de 2020 Extinguiu a reserva de vagas para pessoas com deficiência, negros e indígenas em programas de pós-graduação nas IFES. Revogou também a portaria normativa 13, de 11 de maio de 16. A portaria 545 foi publicada pelo então ministro da Educação Abraham Weintraub, dois dias antes de sua exoneração do cargo.
Portaria 559, de 22 de junho de 2020 Em virtude das críticas recebidas, o MEC decidiu publicar nova portaria (seis dias depois), tornando sem efeito a portaria 545.

Fonte: Trevisol e Garmus (2021, p. 321).

Assim como Ranieri (2018) o faz para as universidades federais, Trindade (1999) identifica nas condições de financiamento das IES o mecanismo pelo qual o governo subjuga a autonomia universitária. Para o autor, trata-se de “submeter as universidades federais à asfixia financeira que está destruindo as bases materiais e acadêmicas do tecido universitário e acenar com a vaga perspectiva de ‘autonomia universitária’ como panaceia para todos seus males” (Trindade, 1999, p. 176). Oliveira (1999) também identifica esta estratégia governamental de sufocamento da universidade. Segundo ele, para o governo

Autonomia significa, antes de mais nada, a possibilidade de diminuição dos encargos financeiros que o sistema universitário representa, liberando recursos para seus compromissos junto ao sistema financeiro internacional ... liberando as instituições para a auto-gestão administrativa e financeira. Um dos resultados previsíveis, além da mercantilização das atividades de ensino, pesquisa e extensão, seria a regressão de muitas das atuais universidades à condição de Centros de Ensino Superior ... A autonomia neste caso, portanto, seria apenas financeira (com a correspondente autonomia administrativa) ... Poderíamos comparar esta proposta com uma espécie de capitalismo à chinesa, no qual a liberdade de iniciativa no plano econômico não tem qualquer correspondência com a liberdade política. (p. 57)

Contra este projeto governamental, haveria, segundo Oliveira (1999, pp. 57-58), projetos da comunidade universitária que não são unificados e demonstram o temor em relação ao futuro das IES. Para o autor, há duas propostas distintas dos dirigentes universitários: aqueles que “sonham com um sistema no qual possam gerir livremente seus recursos financeiros e humanos mas, na dúvida, defendem o status quo com algumas mudanças cosméticas e, sobretudo, mais recursos”; e aqueles que, “duvidando da capacidade do sistema como um todo de tomar iniciativas em direção à autonomia, assumem o risco de defendê-la para suas respectivas universidades, escudados sobretudo na sua capacidade, real ou presumida, de gerar recursos por conta própria, sem os atuais entraves burocráticos e administrativos”.

O corpo docente também apresenta duas visões distintas sobre a autonomia universitária, segundo Oliveira (1999, p. 58). Haveria aqueles que “associam a autonomia a maiores oportunidades de fazer o que já fazem hoje: assessorias, prestações de serviço e cursos de ‘extensão’ que possibilitam significativos acréscimos de renda pessoal”; e aqueles que “porque trabalhando em universidades de regiões periféricas, veem na autonomia o caminho mais seguro para sua transformação em docentes de ‘segunda categoria’”. O autor conclui:

Não há dúvidas de que, em se tratando da proposta do governo, esses docentes estão cobertos de razão. Para muitos desses colegas, a manutenção do status quo, em que pese todas as suas mazelas, ainda é a melhor alternativa. Significa não só a garantia de estabilidade funcional, como a possibilidade de alimentarem uma expectativa de carreira e de aperfeiçoamento profissional. (Oliveira, 1999, p. 58)

Porém, neste cenário, a autonomia acaba sendo uma falácia. Como afirmam Bianchetti e Magalhães (2015):

E, neste contexto, flagra-se uma esquizoidia entre a direção do discurso e as manifestações na prática, configurando-se a situação em que quanto mais a “autonomia” é concedida às instituições, mais aumenta o peso de trabalho e de cobrança sobre o corpo docente. Ou, como afirmam Sandín García e Espinosa Martín (2009, p. 19): “Si algo es evidente, es que, bajo el pretexto de dar una mayor autonomía a las universidades, se descargó sobre ellas todo el peso de la adaptación”. Aos reitores e aos líderes acadêmicos são agora atribuídas funções de gestão que redefinem a sua identidade enquanto acadêmicos. A capacidade de governar IES no mapa da competição por estudantes, do capitalismo acadêmico (Slaughter; Leslie, 1999) e da tirania dos rankings internacionais fazem deles uma entidade dividida entre as especificidades das organizações de educação superior e da sua crescente empresarialização. As narrativas de governação dominantes, embora com resistências nacionais e locais (Musselin, 2009), parecem endereçar-lhes um mandato em que a governação das instituições está sob o permanente olhar vigilante do estado supervisor e avaliador. (p. 241)

Proposta de mudanças para efetivo direito de autonomia das universidades

Diante de todo este cenário, e com a intenção de o modificar, Oliveira (1999) vai defender mudanças em quatro aspectos relativos à autonomia universitária: jurídico, financiamento, gestão e avaliação e controle. O primeiro aspecto, de cunho jurídico, diz respeito ao conjunto de normas que regulamentam a relação entre a universidade e o Estado. Segundo o autor, esta relação é de estrita subordinação da primeira em relação ao segundo. O autor vai concluir que o modelo jurídico de autarquias, que caracteriza as universidades públicas, não é o mais adequado e contribui para esta relação. Em suas palavras:

o modelo de autarquias foi constituído para o exercício descentralizado de atividades que constituem atribuição do Estado, e não para o exercício autônomo de uma função que constitui um interesse público... A designação de “autarquias especiais”, com a qual já se procurou preservar as universidades das limitações inerentes ao regime autárquico, não resolveu o problema. É preciso, enfim, avançar uma formulação jurídica fundada na noção de exercício autônomo de uma função pública. (Oliveira, 1999, p. 59)

O segundo aspecto, relativo ao financiamento, implica em definir com extrema precisão as obrigações do Estado quanto ao financiamento das universidades públicas, de maneira que se garanta “os recursos necessários para suas atividades próprias (ensino, pesquisa e extensão) em níveis de qualidade compatíveis com o estágio atual do conhecimento humano, bem como a remuneração de seus servidores docentes e técnico administrativos” (Oliveira, 1999, p. 59). Além disso, o autor defende uma ampliação do financiamento universitário, aumentando as dotações do tesouro para isso e dá uma solução ao problema que considera original:

Definir uma política de retorno, para a universidade, dos benefícios diretamente econômicos que os mais diversos segmentos da economia auferem diretamente da sua atividade. A valorização e rentabilidade do capital em setores de alta tecnologia, de produção e distribuição de energia, da agricultura etc., seria infinitamente menor se não fosse a atividade da universidade, tanto em pesquisa quanto em formação de recursos humanos. O que a universidade tem ganhado com isto até agora? Nada - salvo em convênios específicos voltados para atividades específicas diretamente ligadas aos interesses de tais setores. Porque não se estabelece um sistema de taxação sobre a rentabilidade do capital em alguns setores da economia, cujos recursos fossem geridos autonomamente pelas universidades, segundo um plano estratégico de expansão de suas atividades? (Oliveira, 1999, p. 60)

O terceiro aspecto que o autor argumenta que precisa ser modificado em relação à autonomia universitária é relativo à gestão e avaliação. Em termos de gestão, Oliveira (1999) defende a aproximação da universidade com a sociedade de maneira que a segunda tenha acesso direto à primeira e não apenas como usufruidora da IES, mas também como integrante e responsável. O autor explica assim este raciocínio:

Não basta apenas a transparência: o sistema de gestão da universidade (seja de cada instituição isoladamente, seja do sistema como um todo) deve ser um fórum onde os diversos interesses da sociedade civil se encontrem e se submetam a uma lógica mutuamente compartilhada de formulação do interesse público. Assim, atuando no seu campo específico, a universidade autônoma se situará no núcleo mesmo dos processos de formação pública das vontades políticas de uma sociedade democrática, no núcleo de constituição de uma cultura democrática e solidária. (Oliveira, 1999, p. 60)

Sobre a avaliação das universidades, que o autor relaciona à atividade de gestão participativa e democrática, Oliveira (1999, p. 60) argumenta pela necessidade de mudar os critérios avaliativos, de uma visão baseada em “competência abstrata dos padrões científicos primeiro-mundistas” para um critério baseado em “competência intelectual e científica na abordagem e solução dos nossos problemas”.

Por fim, haveria, para Oliveira (1999), a necessidade de se desenvolver mecanismos de controle público sobre o ensino superior privado. Diz ele: “O Brasil não é apenas um dos países com maior índice de privatização do ensino superior (sexto no ranking mundial, enquanto os EUA são o vigésimo), como é um dos poucos sem qualquer regulamentação específica sobre o setor” (Oliveira, 1999, pp. 60-61).

Considerações finais

A busca pela qualidade institucional de uma universidade passa necessariamente pela condição de sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Entretanto, no caso brasileiro, há questões nevrálgicas que acabam por abalar suas estruturas tanto no que tange a sua existência quanto à base de sua sustentação financeira.

O Brasil teve, nos últimos quatro anos, um governo que pode ser classificado como nefasto, pois destruiu pilares fundantes para o desenvolvimento do país. Educação, ciência e tecnologia foram algumas das áreas mais afetadas e, nelas, a autonomia universitária - principalmente das universidades federais - sofreram os mais terríveis ataques. Estes ataques ocorreram de diversas formas: com cortes de verbas, desrespeito à escolha de seus reitores, descaso com a permanência estudantil e a verdadeira destruição dos investimentos em pesquisas e inovação.

Há um longo caminho a ser percorrido junto ao atual governo, tendo o presidente Lula a possibilidade de realizar um verdadeiro resgate da ciência, educação e tecnologia brasileiras. Porém, é importante ressaltar que a violação da autonomia universitária não é um problema estritamente da conjuntura política, mas sim uma questão estrutural que requer revisão da legislação pertinente, bem como políticas públicas de educação superior consistentes com uma concepção que respeite de forma ampla a ideia de autonomia universitária. Nesse sentido, é necessário um grande investimento na educação básica e superior do país de maneira que se resgate a importância da autonomia das universidades, diante das importantes contribuições que ela pode possibilitar ao povo brasileiro.

Se mudanças como estas não ocorrerem, corremos um sério risco de manter o clima de impotência, desconfiança e desesperança que muito bem Cunha (2003) já nos alertava uma década atrás. Diz a autora:

A universidade, que tanto foi zelosa de sua autonomia e da sua condição de geradora de um pensamento independente, se atrela ao processo produtivo, aceitando que forças externas imponham o patamar de uma qualidade que ela não escolheu. Além disso, como as estratégias governamentais são ardilosas e fortemente acompanhadas de um convencimento da opinião pública veiculadas pela mídia, a sensação de desconfiança que inicialmente se percebia nas Instituições, passa por um processo de acomodação aos novos padrões. Para isso, muito contribui o sentimento de impotência dos sujeitos acadêmicos frente ao modelo avaliativo, que se valida em legislações que impõem obrigatoriedades e punições aos que dele se afastam. (p. 32)

Este clima de impotência, desconfiança e desesperança a que se referia a autora foi retomado e aprofundado fortemente durante os quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que acarretou na diminuição e aceitação, por parte da sociedade, do papel e do valor das universidades para o progresso do país. Por todo o exposto, advogamos pela defesa da autonomia das universidades brasileiras, para que ela desempenhe seu papel estratégico na construção da nação brasileira.

Referências bibliográficas:

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Contribución de autoría:

Los autores participaron por igual en la elaboración del artículo.

El conjunto de datos que apoyan los resultados de este estudio no se encuentra disponible.

Notas:

Este trabajo ha sido aprobado unánimemente por el equipo editor luego de pasar por evaluadores en sistema doble ciego.

1 Trata-se das universidades mantidas pelo Governo do Estado de São Paulo. São elas: Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Campinas (UNICAMP) e Universidade Estadual Paulista (UNESP).

2 O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) é um sindicato brasileiro, com sede em Brasília (DF) e seções sindicais nos locais de trabalho, que representa professores de ensino superior e ensino básico, técnico e tecnológico no país. Para mais informações, ver: https://www.andes.org.br/. Acesso em 07/02/2023.

3 Sobre isso, afirmam os autores: “As diferenças podem manifestar-se na cultura, na geografia e outros aspectos que se poderia elencar. No entanto, no que diz respeito à praxis universitária, estamos frente a fenômenos tão coetâneos, similares que seria dispensável falar no plural. Talvez se há algo que se possa ressaltar seja o fato de que o exercício da autonomia, na UE União Europeia, deva ser analisado levando em conta a longevidade da Universidade na Europa, enquanto por terrae brasilis, a Instituição é tão recente que se conta mais com leis - expressas na Constituição - sobre autonomia do que com experimentos a partir dos quais a teoria confrontada com a prática propiciaria o salto de qualidade na gestão e na praxis universitária” (Bianchetti e Magalhães, 2015, p. 245).

Recibido: 07 de Febrero de 2023; Aprobado: 17 de Marzo de 2023

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