A história da civilização ocidental, permeada por momentos de grandes mudanças sociais derivados do desenvolvimento tecnológico, testemunhou a Internet demarcando as mudanças contemporâneas inauguradas pela chegada do Século XXI, de maneira a transformar-se em uma ferramenta indispensável e intimamente incorporada no cotidiano das pessoas, trazendo consigo novas formas de aplicação, interação e sociabilidade, além das consequências de sua utilização, em especial para a geração nascida após a década de 1990 (Jhala & Sharma, 2016).
Vivencia-se, então, um aumento exponencial da velocidade e da carga de informações, cuja absorção e processamento do conhecimento passam a ser valorizados sob pena de quem não o faz ser deixado para trás, tornando-se obsoleto e desintegrado (Rodrigues & Costa, 2016).
Nesse cenário, no qual as tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) tornaram-se onipresentes e parte indissociável da vida moderna, o desenvolvimento de modernas tecnologias implicou no surgimento de novas formas de vivências sociais ao introduzir novas facetas nas formas de informação e comunicação interpessoal, uma vez que computadores, tablets e celulares vem causando mudanças nos hábitos comportamentais e rotinas comunicacionais da população, representando parte do processo que forja o homem do século XXI (Soares, Botega, Santos, Ellensohn, & Barin, 2018).
A partir do surgimento e difusão do acesso à Internet, emergiram as redes sociais como fornecedoras abundantes de informação social (Przybylski, Murayama, DeHaan, & Gladwell, 2013). Estas, por sua vez, são definidas como comunidades virtuais que permitem a construção de um perfil individual e parcialmente público e, embora seu uso distribua-se por toda a população, são especialmente populares entre adolescentes e jovens adultos (Kuss & Griffiths, 2017).
Atualmente onipresentes, as redes sociais ocupam espaço crescente em todos os cenários sociais, perpassando desde o discurso acadêmico até o senso comum, de forma a se caracterizarem como um fenômeno global de consumo (Kuss & Griffiths, 2017). Segundo Marteleto (2010), as redes sociais servem a dois fins: configurar o espaço comunicacional do mundo globalizado e indicar as mudanças permanentes nos modos de comunicação e transferências de informação.
Hoje em dia, não se pode mais se referir às redes sociais como ferramentas necessariamente relacionadas ao que fazemos, tornando necessário percebê-las no contexto ligado a quem somos e na maneira com que nos relacionamos uns com os outros, conforme respaldo empírico (Kuss & Griffiths, 2017).
Por meio do uso das redes sociais, as pessoas podem satisfazer sua necessidade de pertencimento, socialização, entretenimento e formação de identidade. Entretanto, apesar dos aspectos positivos levantados, estas podem desencadear ansiedade, levando ao surgimento de comportamentos caracterizados pela verificação compulsiva e engajamento exacerbado nas mídias sociais, sobretudo quando sentem que não vivenciam o sentimento de pertencimento ou quando sentem que estão perdendo experiências compartilhadas importantes, evidenciando as consequências psicológicas negativas citadas outrora (Kuss & Griffiths, 2017; Oberst, Wegmann, Stodt, Brand, & Chamarro, 2017).
A ansiedade é uma característica biológica dos seres humanos, uma emoção caracterizada por sentimentos de tensão, preocupações e alterações físicas, a exemplo do aumento da pressão arterial que quando vivenciada em intensidade exacerbada pode desencadear os transtornos de ansiedade, cujas características residem no compartilhamento de medo e ansiedade excessivos, além de perturbações comportamentais relacionadas de acordo com a American Psychiatric Association (APA, 2014).
Assim, novos comportamentos derivados do impacto provocado pela Internet passam a ser objeto de estudo de vários pesquisadores, bem como os novos problemas e conflitos psicológicos advindos desse novo cenário e que podem demandar tratamento profissional Association (APA, 2014).
Kuss e Griffiths (2017) apontam que é crescente o número de evidências que relacionam o uso excessivo das redes sociais a sintomas tradicionalmente associados ao vício em substâncias, a exemplo de modificações de humor, intolerância, abstinência e distúrbios comportamentais. Tal sintomatologia é consequência da desadaptação cognitiva exacerbada através de uma série de questões externas, resultando no vício dos usuários.
Oberst et al. (2017) e Baker, Krieger, e LeRoy, (2016) sugerem que o alto engajamento nas redes sociais pode ser parcialmente explicado pelo conceito de Fear of Missing Out (FoMO) e que, embora este não seja um fenômeno limitado às esferas das mídias sociais, indivíduos com elevados níveis de FoMO podem se sentir compelidos a checar frequentemente suas mídias sociais para se manterem atualizados e continuamente conectados com os outros, podendo desencadear impactos negativos em sua saúde mental e física.
Antes do desdobramento dos impactos negativos apontados, cabe ilustrar a recenticidade da definição de FoMO. O primeiro relato da definição deste constructo data de junho de 2013, quando um usuário da Wikipédia criou um artigo de apenas dois parágrafos, já associando-o à mídia social. Além da definição, o manuscrito referenciava um artigo publicado pelo psicólogo social Andrew Przybylski e alguns colegas. O artigo em questão conceitua FoMO relacionando-o a sentimentos de ansiedade oriundos da percepção de que o indivíduo está perdendo a vivência de experiências satisfatórias que outras pessoas estão tendo, gerando o desejo de permanecer continuamente conectado com o que os outros estão fazendo (Przybylski et al., 2013).
Baker et al. (2016) e Przybylski et al. (2013), apresentam o FoMO como um fenômeno universal entre culturas diversas, atingindo principalmente a população jovem, com impacto negativo no humor e na satisfação geral com a vida. Em complemento, Oberst et al. (2017) afirmam que o FoMO se associa à ansiedade e suas consequências negativas, bem como ao uso intenso das mídias sociais, em consonância com o que estabelecem Baker et al. (2016), ao apresentar o FoMO como gerador de experiências de ansiedade.
Kuss e Griffiths (2017), ao listarem 10 lições sobre o vício em redes de relacionamentos virtuais, posicionam o FoMO no espaço de preditor do uso problemático de tais canais e do vício em mídias sociais, bem como relaciona-o a psicopatologias, a exemplo dos sintomas de ansiedade e depressão. Przybylski et al. (2013) relatam ainda relação entre FoMO e distração na direção e nas condições de aprendizado, ambivalência emocional no uso das redes sociais, indicando uma prevalência maior em jovens, em especial do gênero masculino.
Nesse sentido, foram considerados para a realização desta revisão: a recenticidade da temática e definição do constructo FoMO, a escassez desses estudos no meio científico em contraponto ao interesse da mídia no tema e a necessidade de adequação das práticas de cuidado com a saúde frente às novas formas de ser e fazer visto que o conhecimento do panorama dos estudos sobre a temática favorecerá a identificação de lacunas e novas perspectivas de investigação.
Frente a isso, o objetivo neste estudo foi realizar uma revisão sistemática de artigos científicos que relacionem FoMO, ansiedade e mídias sociais, identificando categorias e variáveis envolvidas nesse contexto.
Método
Tipo de estudo
Trata-se de uma revisão sistemática de literatura do tipo exploratória. Para construção do estudo, foram seguidos os critérios do PRISMA - Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises, esse, por sua vez, é um documento que apresenta o direcionamento acerca da elaboração de uma revisão sistemática, abordando os principais aspectos a serem explorados (Moher, Liberati, Tetzlaff, Altman, & The PRISMA Group, 2009).
Critérios de elegibilidade
Os procedimentos de busca e seleção dos artigos analisados foram realizados a partir de critérios preestabelecidos de inclusão e exclusão, correspondendo ao primeiro critério os artigos que estudam o Fear of missing out (FoMO), mídias sociais e ansiedade. No intuito de compreender como tem ocorrido a produção e discussão científica em torno desse tema, foram considerados artigos publicados nos últimos dez anos (janeiro de 2009 a até abril de 2019), empíricos e nos idiomas português e inglês.
Os critérios de exclusão pautaram-se em descartar capítulos de livros, artigos repetidos, teses, dissertações, estudos que não constavam, em seu título, pelo menos um dos termos utilizados nas buscas e aqueles com acesso não disponível nas plataformas digitais. De posse do saldo dos artigos que se enquadraram nos critérios acima, foi então realizada uma leitura de seus respectivos resumos e resultados para que se identificasse quais estariam em concordância com o objetivo desta revisão sistemática.
Fontes de informação, seleção e processo de coleta de dados
A pesquisa foi realizada por três juízes durante o mês de abril de 2019 nas cinco bases de dados a seguir: Scopus, PubMed, Web of Science, PsycINFO e Lilacs. Para tal, foram definidos como descritores os termos Fear of missing out, FoMO, ansiedade e mídia social, combinados das seguintes formas: “fear of missing out” AND “anxiety” AND “social media”, “fomo” AND “anxiety” AND “social media”, “fear of missing out” AND “ansiedade” AND “mídia social”, “fomo” AND “ansiedade” AND “mídia social”. O procedimento de concordância referente à inclusão e exclusão dos manuscritos foi executado por dois juízes independentes e, quando frente à discordância, utilizou-se a avaliação de um terceiro juiz para que se obtivesse uma maioria para decisão.
Síntese da informação
Com os estudos selecionados, realizou-se uma leitura integral e crítica para extração das informações necessárias à elaboração das categorias de análises, levando-se em consideração: título do estudo, anos de publicação na revista, idioma e países em que o estudo foi realizado, participantes, delineamento metodológico, objetivos, instrumentos e resultados.
Resultados
Após a conclusão de todos os passos descritos na metodologia, foram encontrados 51 estudos que se distribuíram por bases de dados da seguinte forma: Lilacs (n=0), PsycINFO (n= 07), PubMed (n= 27), Scopus (n= 09) e Web of science (n= 08). Desses, 08 apresentaram-se em duplicidade, sendo em seguida excluídos de forma aleatória, resultando em 43 manuscritos. Ao final da leitura dos resumos e análise dos títulos das publicações realizou-se a exclusão daqueles que não atendiam aos critérios estabelecidos à priori, chegando-se ao total de 09 artigos, conforme figura 1, assim subdivididos: Lilacs (n=0), PsycINFO (n= 01), PubMed (n= 03), Scopus (n= 02) e Web of science (n= 03). Conforme apontado outrora, utilizaram-se os descritores em duas línguas, português e inglês, porém, ao final do percurso metodológico descrito, os artigos restantes eram todos em língua inglesa. Todas essas etapas podem ser observadas no Fluxograma da figura 1.
O número de identificação do estudo utilizado na Tabela 1 será repetido em todas as tabelas subsequentes a fim de facilitar o reconhecimento do manuscrito.
ID | Autor/ano | País | Participantes | Instrumentos |
1 | Reer, Tang, & Quandt (2019) | Alemanha | 1865 pessoas (905 homens e 960 mulheres), entre 14 a 39 anos de idade. | FoMO scale (FoMOs); Iowa-Netherlands Comparison Orientation Measure (INCOM); Scale for loneliness; Patient Health Questionnaire-4 (PHQ-4). |
2 | Oberst et al. (2017) | Espanha | 1468 pessoas (377 homens e 1091 mulheres) entre 16 e 18 anos de idade. | Anxiety and Depression Scale (HADS); Social Networking Intensity scale (SNI); FoMO scale (FOMOs); Questionnaire on negative consequences of using SNS (CERM). |
3 | Hadlington & Scase (2018) | Reino Unido | 630 pessoas (315 homens e 315 mulheres) entre 18 e 68 anos de idade. | Response to failures in digital technology scale (RFDT); FoMO scale (FoMOs); Online cognition scale (OCS); Big 5 personality inventory (BFI). |
4 | Blackwell, Leaman, Tramposch, Osborne, & Liss (2017) | EUA | 207 pessoas (50 homens, 155 mulheres e 02 que indicaram seu gênero era "outro") entre 17 a 49 anos de idade. | Fear of Missing Out Scale; homens, 155 mulheres e 02 que indicaram seu gênero era "outro") entre 17 a 49 anos de idade. |
5 | Franchina, Vanden Abeele, Van Rooij, Lo Coco, & De Marez (2018) | Bélgica | 2663 pessoas (1521 meninas e 1143 meninos). Média de 14,87 anos de idade. | Breadth of Social Media Platforms Used; Depth of Social Media Platforms Used; Private Versus Public Accessibility of Social Media Platforms Used; Fear of Missing Out (FOMO); Problematic Social Media Use (PSMU); Phubbing Behavior |
6 | Hunt, Marx Young (2018) | EUA | 143 pessoas (108 mulheres, 35 homens) | (ISEL); Fear of Missing Out Scale (FoMOs); UCLA Loneliness Scale; Spielberger State-Trait Anxiety Inventory (STAI-S); Beck Depression Inventory (BDI-II); Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES); Ryff Psychological Well-Being Scale (PWB) |
7 | Alt & Boniel-Nissim (2018) | Israel | 216 pessoas (111 homens e 105 mulheres) entre 13 e 18 anos de idade. | The Fear of Missing Out scale (FoMOs); The Short Problematic Internet Use Test (SPIUT); The Student Process Questionnaire (R-SPQ-2F) |
8 | Wegmann, Oberst, Stodt, & Brand (2017) | Alemanha/Espanha | 270 pessoas (190 mulheres e 80 homens), com idades entre 17 e 39 anos. | Modified version of the Short Internet Addiction Test for Internet- communication disorder (s-IAT-ICD); Fear of missing out Scale |
9 | Elhai, Levine, Dvorak, & Hall (2016) | EUA | 308 pessoas que possuíam smartphone (165 homens e 143 mulheres) média de 33,15 anos de idade. | Smartphone Addiction Scale; Smartphone Usage Survey Need for Touch Scale; FoMO Scale; Depression Anxiety Stress Scale; Behavioral Activation Scale for Depression-Short Form Emotion Regulation ; Questionário. |
Fonte: Pesquisadore
Com relação ao ano de publicação dos estudos, observa-se a maioria concentrada no ano de 2018. Percebe-se ainda a redução desse número no ano de 2019, justificada pelo fato desta pesquisa considerar as publicações apenas até o mês de abril. Verifica-se também que, embora haja um crescimento no número de trabalhos, os estudos acerca da temática ainda podem ser considerados escassos.
Quando considerados os países de origem das pesquisas, observa-se que a maioria dos estudos encontrados foram realizados nos Estados Unidos (03). Os demais se subdividiram entre Alemanha (02), Espanha (02), Reino Unido (01), Bélgica (01) e Israel (01), sendo todos considerados países desenvolvidos. Ressalta-se que apesar de serem analisados 09 manuscritos, há referência a dez países, pois um dos estudos foi realizado em duas nações simultaneamente.
Percebe-se, conforme a Tabela 1, que a faixa etária representada nos estudos varia entre 13 e 68 anos, concentrando-se entre os adolescentes e os adultos jovens em função do FoMO associar-se diretamente ao uso de mídias sociais, sendo tal público o que mais faz uso da Internet (Wegmann, Oberst, Stodt, & Brand, 2017). Dentre os estudos elencados, observou-se que nem todos possuem como objetivo a investigação da relação entre FoMO, mídias sociais e ansiedade, porém, ao desdobrarem as discussões acerca do uso problemático das mídias sociais e das psicopatologias atreladas a esse comportamento, terminam por abordar o tema desta revisão em seus resultados e discussões.
Visando a melhor análise dos resultados dos estudos, optou-se por apresentá-los em duas categorias de análise: 1. FoMO e Saúde Mental e 2. FoMO e Personalidade, conforme Tabela 2. A categoria “FoMO e saúde mental”, concentrou sete trabalhos desenvolvidos em países distintos e que apresentaram em comum resultados que relacionaram diretamente determinadas psicopatologias ao uso de mídias sociais. Já na categoria “FoMO e personalidade” foram alocados dois outros artigos, cujo resultado culminou em achados acerca de traços da personalidade associados ao uso de mídias sociais e FoMO.
Categorias de Análise | ID. | Resultados relacionados ao FoMO |
FoMO e Saúde Mental | 1 | Os resultados apontam que a solidão, depressão e ansiedade estão diretamente associados ao engajamento nas mídias sociais, além disso, observou-se ainda que quando há uma diminuição do bem-estar há um aumento do FoMO. |
2 | Concluiu-se que FoMO se associa a sintomas psicopatológicos (depressão e ansiedade) quando este está ligado ao uso de mídias sociais de forma negativa | |
5 | Fomo é apontado como preditor do uso de algumas plataformas de mídia sociais (Instagram, facebook, etc), além disso é apontado como antecessor ao uso problemático de mídias sociais e ao comportamento de phubbing. O estudo conclui ainda que quanto maior o nível de FoMO, maior a dependência do uso de mídias sociais como forma de aliviar a ansiedade gerada por estar perdendo algo. | |
6 | A solidão, sintomas depressivos, FoMO e ansiedade diminuíram com o uso limitado das mídias sociais. | |
7 | O estudo mostra uma relação positiva entre FoMO e uso problemático da internet (PIU) além de estar associado a transtornos afetivos (incluindo depressão), transtornos de ansiedade e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Vários fatores são preditivos de PIU, incluindo traços de personalidade, fatores parentais e familiares, uso de álcool e ansiedade social. | |
8 | Os resultados sugerem que os sintomas psicopatológicos (depressão, ansiedade, por exemplo) predizem maior FoMO relacionado aos aplicativos de comunicação via internet, sendo que o uso desses aplicativos é visto como uma estratégia útil para fugir de sentimentos negativos. | |
9 | O uso problemático de smartphones foi correlacionado com ansiedade, necessidade de toque e FoMO. | |
FoMO e Personalidade | 3 | O estudo trouxe uma relação positiva entre FoMO e traços da personalidade (neuroticismo), além disso quando FoMO está associado a dependência da internet e/ou tecnologia verificou-se a presença de ansiedade, dependência e frustrações |
4 | Os resultados apontaram que há uma relação significativa entre FoMO, idade, traços da personalidade (extroversão e neuroticismo) e ansiedade. Sendo a personalidade interpretada como preditora. |
Fonte: Pesquisadores
Discussão
Imaginar a relação entre FoMO, ansiedade e mídias sociais nos remete invariavelmente ao contexto das tecnologias digitais de comunicação e informação (TDICs), enquanto cenário onde se desenvolvem as interfaces que se pretende abordar. Por conseguinte, a distribuição geográfica dos países nos quais foram desenvolvidos os estudos aqui revisados revela uma característica em comum entre eles: tratam da realidade de nações ocidentais com notável desenvolvimento tecnológico e maior facilidade de acesso à internet.
Tal combinação favorece a expansão das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) onde as mídias e redes de relacionamento digitais estão disponíveis. Dessa forma, ao focarem o objeto de estudo em países ocidentais desenvolvidos, pouco se pode inferir a partir de tais achados no que se refere à generalização para outras nações com diferentes contextos e diversidades culturais, a exemplo da China, conforme relatam Song, Zhang, Zhao, e Song (2017).
Situar a realidade brasileira no que tange ao cerne desta investigação depende de dois pontos bastante específicos. O primeiro diz respeito à posição ocupada pelo Brasil no ranking do número absoluto de usuários de internet. Contando com 120 milhões de usuários de internet no ano de 2015, o país ocupou a 4ª posição global, atrás apenas dos EUA, Índia e China segundo a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD, 2017). O segundo ponto refere-se a ausência de publicações científicas nacionais a respeito do construto FoMO e implicações comportamentais em contraponto a variedade de matérias que circularam na grande mídia trazendo o FoMO como protagonista.
Constata-se, tal qual Oberst et al. (2017), que esse assunto tem despertado mais interesse da mídia generalista do que das produções científicas. Considerando os últimos anos, diversos veículos brasileiros, a exemplo de Universa (Uol) e Estadão trataram do tema, apontando o FoMO como um fenômeno cada vez mais presente no dia a dia das pessoas. Em comum, apresentam uma definição desse fenômeno baseada nos conceitos elencados na literatura por Przybylski e McGinnis, relacionando-o a situações corriqueiras do cotidiano de jovens e adultos, tais como estar sempre atualizando as redes sociais, acompanhar a vida (julgada como boa) de outras pessoas, checar mensagens enquanto está no cinema ou até mesmo não se desconectar do celular enquanto está em um restaurante com amigos. Algumas reportagens apresentam como apelo popular até a realização de testes sem qualquer caráter empírico para identificar e medir o nível de FoMO.
Uma outra abordagem facilmente identificada em outros sites, tais como Época negócios e Mundo do marketing, enfatizam o uso do conceito de FoMO por grandes marcas e eventos como estratégia para atingir seu público-alvo, pautados na concepção de que se trata de um fenômeno que sempre existiu e que foi potencializado a partir da ampliação do acesso à internet, atingindo, em algum nível, toda a população.
De modo amplo, os websites abordam a relação que o FoMO possui com o desencadeamento da ansiedade, depressão, baixa autoestima e vício no uso de internet de forma geral, culminando em casos mais extremos no adoecimento desses usuários de mídias sociais. Percebe-se, portanto, que a lacuna empírica deixada pela ausência de produções acadêmicas foi ocupada por publicações despreocupadas com o rigor científico, apresentando o FoMO à população geral através da mescla de conceitos comuns à literatura e exemplos de apelo popular.
Retomando a análise dos trabalhos, visualiza-se que, além da característica geográfica identificada, os estudos trazem como foco a população de adolescentes e adultos jovens que, segundo Laconi, Vigouroux, Lafuente, e Chabrol (2017), compõem o principal grupo de usuários de internet, posicionando-os como mais sujeitos às consequências de seu uso problemático. Assim, depreende-se a partir do delineamento dos participantes das pesquisas que essa é a faixa etária mais propensa a ser acometida pelo FoMO e ansiedade frente ao uso das mídias sociais.
Corrobora-se tal inferência a partir da perspectiva adicionada por Terroso e Argimon (2016), segundo a qual os adolescentes, por estarem numa fase que remete a imaturidade dos sistemas cerebrais monoaminérgicos cortical frontal e subcortical acabam tendo condutas mais impulsivas, que dificultam o controle de comportamentos entusiásticos frente a algo de seu interesse, deixando-os mais vulneráveis ao uso patológico da internet e, consequentemente, ao uso problemático das mídias sociais.
Embora os artigos classificados na primeira categoria de análise possuam distintas amostras no que tange a idade e distribuição por gênero, percebe-se que os resultados de suas proposições resultam em uma direção comum, uma vez que apresentam evidências que relacionam a ocorrência de FoMO no contexto das mídias sociais a implicações negativas no quadro da saúde mental dos participantes.
As conclusões apresentadas nos trabalhos revelam o FoMO como preditor do engajamento e uso problemático das mídias sociais, associando-o negativamente às vivências nessas plataformas. Tem-se, em consequência do aumento dos sentimentos de FoMO, a diminuição do bem-estar geral e a geração de maior dependências das redes sociais.
A constatação da diminuição do bem-estar relatado associa-se a identificação de sintomas psicopatológicos relacionados a transtornos afetivos, a exemplo da depressão, e a transtornos de ansiedade. Os estudos apontam ainda que os usuários que vivenciam os sintomas de ansiedade gerados pelo FoMO costumam intensificar o uso dos aplicativos de comunicação via internet na tentativa de aliviar o sofrimento causado por eles.
Forma-se assim um círculo vicioso no qual o FoMO prediz o uso das mídias, fomenta comportamentos de dependência e gera sintomas psicopatológicos que, por sua vez, retroalimentam essa cadeia que só parece cessar com a limitação do uso das mídias sociais.
A segunda categoria de análise aqui explorada traz como principal resultado a verificação da relação entre traços de personalidade, em especial a extroversão e o neuroticismo, como preditores do uso negativo de internet e consequente desenvolvimento de FoMO. Tais achados são referendados pelo estudo de Webb (2016) no qual é revelado que sujeitos que possuem um alto nível de neuroticismo, além de serem mais propensos a vivenciar níveis mais elevados de ansiedade, experimentam de forma mais intensa o FoMO. Assim, reforça-se a associação positivamente entre FoMO e ansiedade.
A segunda categoria de análise aqui explorada traz como principal resultado a verificação da relação entre traços de personalidade, em especial a extroversão e o neuroticismo, como preditores do uso negativo de internet e consequente desenvolvimento de FoMO. Tais achados são referendados pelo estudo de Webb (2016) no qual é revelado que sujeitos que possuem um alto nível de neuroticismo, além de serem mais propensos a vivenciar níveis mais elevados de ansiedade, experimentam de forma mais intensa o FoMO. Assim, reforça-se a associação positivamente entre FoMO e ansiedade.
Albuquerque, Lima, Matos, e Figueiredo (2011), ao publicarem estudo que relaciona personalidade e bem-estar subjetivo, apontam o neuroticismo como o melhor preditor de afetos negativos, enquanto a extroversão se relaciona especialmente com os afetos positivos. Tomando-se por referência o modelo dos cinco grandes fatores de personalidade, temos no traço de personalidade neuroticismo a relação com o nível crônico de ajustamento e instabilidade emocional. O traço de extroversão, por sua vez, define a quantidade e intensidade das interações interpessoais preferidas e vivenciadas, necessidade de estimulação e capacidade do sujeito em alegrar-se (Silva & Nakano, 2011).
Uma vez preditor de afetos negativos e desajustamento emocional, pode-se conceber o neuroticismo como determinante das respostas de desadaptação ao uso das mídias sociais. Os níveis elevados de ansiedade registrados em indivíduos com traços de neuroticismo marcantes podem fazê-los encontrar no uso problemático das mídias sociais a alternativa para se manter em contato com os outros ao mesmo tempo em que evitam contatos pessoais.
O traço de extroversão, preditor das formas de interação interpessoal vivenciadas, encontra no uso das mídias sociais uma forma de ampliar e incrementar suas conexões sociais. O afeto positivo decorrente dessa associação tende a cronificar o uso indiscriminado das ferramentas de comunicação virtuais, desencadeando uma relação de dependência.
Uma vez que essas características da personalidade predizem o engajamento e uso problemático das mídias sociais, a associação com o FoMO é direta, visto que tais traços provocarão a necessidade de permanecer online e conectados, independentemente de qualquer custo ou consequência.
Considerações Finais
A presente revisão teve como enfoque sistematizar o que os estudos vêm abordando a respeito da relação entre FoMO, ansiedade e mídias sociais. Os manuscritos analisados configuram-se como importantes referências no campo científico para profissionais que desejam estudar tal temática, uma vez que revelam importantes interfaces entre as variáveis citadas e permitem vislumbrar a implicação de traços de personalidade no desenvolvimento do FoMO e desencadeamento da ansiedade frente o uso de mídia sociais.
Após apreciação do conjunto de publicações acerca do tema, evidencia-se um território ainda pouco explorado, principalmente no Brasil, onde o interesse da mídia em geral é revelado pelas diversas publicações de matérias em websites em contraponto a ausência de evidências sustentadas por estudo empíricos.
Dessa forma, enfatiza-se a necessidade de examinar a relação de tais constructos, levando em consideração que os artigos trabalhados revelam em seus resultados outras variáveis que interferem nessa relação, e que, por sua vez, podem ser também determinantes do desenvolvimento de níveis elevados de FoMO e, consequentemente, diminuição da saúde mental dos usuários de mídia social.
O trabalho apresenta algumas limitações, como por exemplo, o fato de ter pesquisado apenas artigos empíricos indexados em cinco bases, tornando possível a incidência de diferentes resultados caso a análise abrangesse livros, teses, dissertações, outras bases de dados ou idiomas distintos dos pesquisados. Além disso, a ocorrência de um número reduzido de trabalhos revela a importância do desenvolvimento de novos estudos que possam discutir de forma crítica, o fenômeno FoMO em contextos socioculturais distintos e suas implicações nas particularidades subjetivas de cada indivíduo e seu bem-estar biopsicossocial.
Nesse sentido, estima-se que este artigo contribua cientificamente para que novos pesquisadores, no Brasil e em outras nações, dediquem-se à investigação do FoMO e a pluralidade de relações derivadas desse tão moderno fenômeno, de forma a contemplar suas mais variadas repercussões frente à saúde dos usuários de internet e mídias sociais.