Introdução
A taxonomia dos Diagnósticos de Enfermagem da NANDA-I, considerando a International Association for the Study of Pain (IASP), define a dor como uma "experiência sensorial e emocional desagradável associada à lesão tissular real ou potencial, ou descrita em termos de tal lesão". Esta taxonomia distingue a dor aguda, uma dor de início repentino ou lento, intensidade variável e com previsão de fim, da dor crónica, semelhante à dor aguda no seu início e intensidade, mas contínua ou recorrente, com duração superior a três meses e sem previsão do seu fim.1
A dor é um fenómeno fisiológico com elevada importância para a integridade física da pessoa. Para além do sofrimento e da redução da qualidade de vida que provoca, origina alterações fisiopatológicas que contribuem para o surgimento de co-morbilidades orgânicas e psicológicas e podem conduzir à perpetuação do fenómeno doloroso. A dor apresenta igualmente um grande impacto para os familiares e/ou cuidadores e representa uma perda dificilmente quantificável para a sociedade em geral. De acordo com a European Federation of IASP Chapters, as consequências socioeconómicas da dor foram equiparadas às provocadas pelas doenças cardiovasculares ou pelo cancro.2
A comunidade científica tem mostrado um interesse crescente por esta área o que tem permitido uma evolução na prevenção e tratamento da dor que, inevitavelmente, coloca desafios à prestação de cuidados. Neste sentido, torna-se essencial a definição de estratégias de educação, formação e ensino de todos os intervenientes para o desenvolvimento de boas práticas nos diversos contextos de intervenção profissional. A responsabilidade de aquisição e atualização de conhecimentos sobre a dor deve ser partilhada pelas instituições de ensino, de prestação de cuidados e pelos enfermeiros de forma individual.3
A dor constitui-se como o principal motivo de procura de cuidados de saúde no serviço de urgência, sendo uma realidade com a qual os enfermeiros lidam constantemente. Na prestação de cuidados é imprescindível que a dor seja sistematicamente avaliada e registada de modo a permitir uma intervenção precoce e individualizada com o intuito de promover o bem-estar, a continuidade e qualidade dos cuidados.4 O controlo eficaz da dor não é apenas um dever dos profissionais de saúde, mas também um direito das pessoas que dela padecem e um passo crucial para a efetiva humanização das instituições de saúde.5
A Ordem dos Enfermeiros (OE) reforça a importância dos enfermeiros na promoção e intervenção no controlo da dor visto serem profissionais com uma relação privilegiada com as pessoas pela proximidade e tempo de contato com as mesmas. Em particular, os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem em Pessoa em Situação Crítica devem fazer a “gestão diferenciada da dor e do bem-estar da pessoa em situação crítica e/ou falência orgânica, otimizando as respostas”.6
O processo de monitorização regular da dor deve iniciar-se no momento da triagem, sendo essencial que seja dada continuidade ao longo do tempo de permanência no serviço de urgência geral (SUG). Segundo o Grupo Português de Triagem, “a avaliação da dor em contexto de urgência é um processo que exige perícia e treino, existindo restrições especiais neste ambiente, que refletem a natureza da urgência da situação de saúde da pessoa e a falta de tempo para a avaliação”.7
De acordo com as recomendações do Grupo de Avaliação da Dor da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI), que vai ao encontro do definido pela Norma de Orientação Clínica da instituição, a avaliação da dor deve ser realizada em todos os turnos e sempre que se justifique; no início de um turno; 5-10 minutos antes de iniciar um procedimento doloroso; durante um procedimento doloroso; 15 minutos após o procedimento doloroso; e 30 minutos após a implementação de medidas farmacológicas e/ou não farmacológicas.8
A avaliação da dor engloba o exame físico; as características (localização, qualidade, intensidade, duração, frequência); formas de comunicar a dor/expressões de dor; fatores de alívio e de agravamento; estratégias de coping; sintomas associados; descrição do recurso e efeito das medidas farmacológicas e não farmacológicas; conhecimento/entendimento acerca da doença; implicações da dor nas atividades de vida; e impacto emocional, socioeconómico e espiritual da dor.3
Nos instrumentos de avaliação da dor incluem-se a Escala de Avaliação Numérica e a Escala de Faces. A Escala de Avaliação Numérica consiste numa régua dividida em onze partes iguais, numeradas de 0 a 10, em que a 0 corresponde à classificação “Sem Dor” e a 10 à “Dor Máxima”. Na Escala de Faces solicita-se à pessoa que classifique a intensidade da sua dor com base na mímica apresentada em cada face desenhada, sendo que à expressão de felicidade corresponde a classificação “Sem Dor” e à expressão de máxima tristeza corresponde a classificação “Dor Máxima”.5
A escolha entre os diferentes instrumentos de avaliação deve considerar: o tipo de dor; idade; situação clínica; critérios de interpretação; propriedades psicométricas; escala de quantificação comparável; facilidade de aplicação; e experiência de utilização.3
Os registos devem ser elemento integrante de todo o processo de avaliação e monitorização da dor e uma prática dos enfermeiros, por forma a assegurar a continuidade dos cuidados. A relevância dos registos nos cuidados de saúde tem sido alvo de debate contínuo. Desde Nightingale até à atual Classificação Internacional para Prática de Enfermagem, os registos têm vindo a constituir-se como indispensáveis e essenciais, encontrando-se fundamentados numa base legal.4
Os enfermeiros reconhecem a importância da documentação para a continuidade dos cuidados. Contudo, observa-se, na prática clínica, que esta é por vezes descurada dado que os registos, quando realizados, são escassos e incompletos.4
De acordo com a Deontologia Profissional de Enfermagem (alínea d) do artigo 104.º Do direito ao cuidado) o Enfermeiro deve “assegurar a continuidade dos cuidados, registando com rigor as observações e as intervenções realizadas”.9 A importância dos registos é igualmente reforçada nos Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem e no Regulamento do Perfil das Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais (critério de competência 62) referindo que o Enfermeiro “comunica com consistência informação relevante, correcta e compreensível, sobre o estado de saúde do cliente, de forma oral, escrita e electrónica, no respeito pela sua área de competência”.10 Para além da importância relacionada com a continuidade dos cuidados, os registos tornam-se essenciais para obtenção de dados para a avaliação da qualidade, análise epidemiológica e investigação.3
O presente estudo foi orientado pela questão de investigação: “Como é avaliada e registada a dor pela equipa de enfermagem na área de ambulatório do serviço de urgência geral?”. Como forma de orientação neste processo definimos quatro sub-questões: “Quais são os momentos de avaliação da dor?”; “Quais são as escalas de avaliação da dor utilizadas?”; “Quais as características da dor que são avaliadas e registadas?” e “Houve implementação de medidas farmacológicas e/ou não farmacológicas?”.
Objetivos
O presente artigo surgiu no âmbito de uma investigação realizada num SUG com o objetivo de descrever de que forma foi avaliada e registada a dor nas pessoas na área de ambulatório, pela equipa de enfermagem. Neste sentido, delineámos como objetivos específicos: identificar os momentos de avaliação da dor registados; identificar as escalas de avaliação da dor utilizadas; descrever as características da dor relatadas nos registos de enfermagem e verificar a implementação de medidas farmacológicas e não farmacológicas.
Metodologia
Realizou-se um estudo com uma abordagem quantitativa, transversal, de tipo descritivo simples. Os participantes foram selecionados com recurso a uma técnica de amostragem não probabilística por conveniência. Considerando que este estudo apresenta os resultados parciais de uma investigação que contempla a avaliação e registo da dor em ambulatório e internamento de um serviço de urgência, foram considerados como critérios de inclusão pessoas com idade igual ou superior a 18 anos que tenham permanecido por um período igual ou superior a 8 horas em internamento, entre 15 de janeiro de 2019 e 31 de janeiro de 2019. Foram excluídas todas as pessoas que permaneceram menos de 8 horas. Os resultados apresentados neste artigo reportam-se à avaliação e registo da dor destas pessoas durante a sua permanência na área de ambulatório.
Este estudo obteve parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde e do Conselho de Administração do respetivo Centro Hospitalar no dia 23/4/2019 - Acta n.º 16/19. Foram considerados os aspetos éticos inerentes a um percurso de investigação.
A recolha de dados foi realizada pelos co-investigadores e o investigador principal assumiu a responsabilidade pelo tratamento dos mesmos, sendo assegurada a segurança e proteção dos dados, bem como a sua fidelidade e integridade científica.
Foi elaborado um instrumento com dez itens, em formato de tabela, para a análise documental dos dados extraídos da plataforma informática ALERT®, que contemplou a recolha de variáveis para a caracterização da amostra (sexo, idade, tempo de permanência em ambulatório, fluxograma e discriminador na triagem) e para a avaliação e registo da dor (registos de intensidade e características da dor, escala da dor e medidas farmacológicas e não farmacológicas implementadas) durante a permanência da pessoa na área de ambulatório. A eficácia e a validade do instrumento construído foram validadas através da aplicação de um pré-teste a 10 episódios que cumprissem os critérios de inclusão. O instrumento foi aferido não tendo sido necessário realizar nenhuma alteração ao mesmo.
O tratamento estatístico dos dados, relativos aos 105 episódios de urgência, foi efetuado após a recodificação das variáveis nominais em numéricas, com recurso a estatística descritiva, utilizando o programa Microsoft Excel®.
Resultados
Relativamente à caracterização da amostra (Tabela 1), podemos afirmar que 56,19 % das pessoas eram do sexo feminino, a média de idades situava-se nos 78 anos, com um desvio padrão de 12,66 anos, e o tempo de permanência na área de ambulatório foi em média 21 horas, com uma moda de 16 horas.
O fluxograma mais utilizado no momento da Triagem de Manchester foi o de “dispneia” com 39,0 5%. Em 7,62 % dos episódios as pessoas foram triadas pelo fluxograma dor - dor torácica, dor abdominal e cefaleia. O discriminador “dor” foi escolhido em 16,19 % dos episódios, sendo a “dor moderada” o mais selecionado com 14,29 %.
Os dados relativos à avaliação e registo da dor estão apresentados na Tabela 2.
A dor foi registada no momento da triagem em 39,05 % dos episódios, sendo que em 31,43 % dos casos as pessoas manifestaram dor e em 7,62 % dos casos negaram a sua existência. No momento da triagem, 26,66 % das pessoas referiram dor ligeira, 3,80 % dor moderada e 0,95 % dor severa. Dos restantes 60,95 % dos episódios em que não foi registada dor, 11,43 % referiram-se a pessoas triadas pelo fluxograma branco, em que por definição não é possível registar na queixa a avaliação de dor.
Em relação aos registos de avaliação da dor no mínimo uma vez por turno, como recomendado pela SPCI, verificámos que em 9,52 % dos episódios esta orientação foi cumprida.
O registo de reavaliação da dor após implementação de medidas farmacológicas foi efetuado em 1,90 %, sendo que num deles o registo de reavaliação foi efetuado em dois momentos distintos.
Os registos da dor no campo “sinais vitais” foram efetuados em 41,90 % dos episódios, sendo que 39,05 % corresponderam à avaliação efetuada no momento da triagem e 2,86 % durante a permanência da pessoa na área de ambulatório. O registo de avaliação da dor no campo “notas de enfermagem” foi efetuado em 22,86 % dos casos, dos quais 14,29 % das pessoas não tinham manifestado dor na triagem. A referir que num dos episódios o registo da dor foi realizado em três momentos distintos.
A escala de avaliação da dor mais utilizada foi a Escala de Avaliação Numérica (43,81 %).
Em relação à adequação da escala utilizada, tendo em consideração a situação clínica de cada pessoa, considerámos que em 37,14 % a escala utilizada foi adequada à situação e que em 13,33 % não houve uma adequação da escala.
A intensidade da dor foi a característica mais registada (39,05 %). As restantes características avaliadas referiram-se à localização (dor torácica, dor no hemitórax esquerdo) e qualidade da dor (tipo picada). Foi ainda identificado um registo (0,95 %) relativo a um fator de agravamento (agravamento à inspiração).
O registo de implementação de medidas não farmacológicas foi realizado em 0,95 % dos episódios (sem registo de reavaliação). Em 11,43 % foi registado a implementação de medidas farmacológicas, nomeadamente em 8,58 % das pessoas que referiram dor no momento da triagem e em 2,86 % que mencionaram dor durante a permanência em ambulatório.
Discussão
A dor é o principal motivo que conduz as pessoas a recorrerem aos serviços de urgência sendo que, de uma forma geral, 25-29 % da população sofre de dor.11 O número de pessoas com dor que recorre aos serviços de urgência tem vindo a aumentar, tornando-se fundamental a sua avaliação, nomeadamente através da utilização de instrumentos de avaliação da dor e da capacitação dos profissionais neste âmbito.11 Lima et al.11 e Mota et al.12) confirmaram que em Portugal a dor aguda foi o principal motivo de admissão hospitalar, referindo que mais de 70 % das pessoas apresentaram dor como o principal sintoma.
No presente estudo, em 7,62 % dos episódios as pessoas foram triadas por fluxogramas relacionados com dor, sendo que em 16,19 % o discriminador “dor” foi o selecionado.
Inferimos esta diferença de resultados em duas perspectivas: desvalorização da avaliação da dor ou subnotificação do seu registo. A desvalorização da dor pelos profissionais foi referida por diversos autores.12,13,14 A subnotificação dos registos da dor foi evidenciada por Gimenes et al.15 que referiram disparidade entre os registos realizados e os relatos de dor recolhidos junto das pessoas. No seu estudo, 33,3 % das pessoas que manifestaram dor aguda não tinham qualquer registo da sua avaliação. Estes achados prejudicam a qualidade e a segurança dos cuidados.15 Para Gimenes et al.15) e Stalnikowicz et al.16 o défice de registos pode estar relacionado com o insuficiente conhecimento dos enfermeiros relativamente à avaliação e gestão da dor.
Para uma gestão eficaz da dor é fundamental uma avaliação contínua e regular pelos profissionais de saúde.5 A classificação das intervenções de Enfermagem (NIC) define a intervenção “controle da dor” como o alívio da mesma ou a sua diminuição para um nível de conforto aceite pela pessoa. A NIC enumera ainda uma lista de atividades a desenvolver dentro desta intervenção que, considerando os objetivos do estudo, gostaríamos de destacar, entre outras: a observação da pessoa; a avaliação completa da dor; a implementação, avaliação e ensino de intervenções farmacológicas e não farmacológicas.17 O “controle da dor” emerge também nos resultados sugeridos na classificação dos resultados de enfermagem (NOC).18
A avaliação da dor deve ter em consideração as questões emocionais e psicossociais que podem agravar as queixas da pessoa,11 de forma a otimizar a terapêutica e a promover a melhoria da qualidade de vida.5 Mota et al.12 enfatizaram a importância da obrigatoriedade da avaliação da dor e do seu registo para garantir a sua gestão adequada. Alguns fatores são apontados como influenciadores da avaliação da dor pelos profissionais de saúde: défice de empatia, sobrecarga de trabalho, dificuldade na compreensão e na aplicação da escala de avaliação da dor.11
Na presente investigação a dor foi registada em 50,48 % dos episódios sendo que 39,05 % no momento da triagem; 9,52 % uma vez por turno e 1,90 % após implementação de medidas farmacológicas. Neste sentido, torna-se possível perceber que houve um registo deficitário relativo à avaliação da dor, nomeadamente quanto à eficácia das medidas de controlo da dor implementadas, como está preconizado na NIC e nos resultados da NOC.
Perera et al.19 valorizaram a identificação e avaliação da dor no momento da triagem como fundamental para o tratamento da mesma. No presente estudo a dor foi registada no momento da triagem em 39,05 % dos episódios, sendo que em 31,43 % dos episódios as pessoas referiram dor e em 7,62 % dos casos não revelaram dor. Neste âmbito, fazendo um paralelismo com as atividades descritas na NIC, consideramos que se torna extremamente importante avaliar a ocorrência de indicadores não-verbais de desconforto, nomeadamente em pessoas incapazes de comunicar oralmente a sua presença. A ressalvar que a importância desta avaliação não se resume ao momento da triagem, devendo estar presente ao longo de toda a permanência da pessoa no serviço.
Stalnikowicz et al.16 equacionaram a possibilidade dos enfermeiros administrarem analgésicos no momento da triagem através da utilização de um protocolo previamente estruturado. Consideramos pertinente referir que no SUG onde esta investigação foi desenvolvida existe um protocolo de analgesia na triagem, tornando possível que as pessoas recebam cuidados de analgesia desde a sua entrada no serviço.
O Grupo de Avaliação da Dor da SPCI8 e a Norma de Orientação Clínica da instituição recomendam a avaliação da dor no início de cada turno. Na presente investigação a avaliação da dor cumpriu esta recomendação em 9,52 % dos episódios.
A aplicação de escalas de avaliação da dor, cujo objetivo é mensurar, localizar e gerir de forma adequada as medidas a implementar, é competência do enfermeiro e, para isso, ele deve estar capacitado para a sua aplicação.11 A escala de avaliação mais utilizada para o registo da dor no serviço de urgência foi a Escala de Avaliação Numérica (43,81 %), seguida da Escala de Faces (12,38 %). Os valores encontrados no estudo são inferiores aos referidos no estudo de Mota et al.12 em que 88,5 % dos participantes assumiram a utilização da Escala de Avaliação Numérica e 71,9 % a utilização da Escala de Faces.
A escolha dos instrumentos de avaliação, segundo a OE3 e outros autores, deve considerar a idade da pessoa, o tipo de dor, a situação clínica, as propriedades psicométricas, os critérios de interpretação, a facilidade de aplicação e a experiência de utilização pelo profissional de saúde.11,12 Atendendo à situação clínica da pessoa, verificámos que em 37,14 % dos episódios a escala utilizada foi considerada adequada e em 13,33 % dos casos não houve uma adequada escolha do instrumento de avaliação. As escalas de avaliação da dor e a sua adequada utilização são um instrumento fundamental para o enfermeiro monitorizar a dor e, consequentemente, assegurar um tratamento eficaz da mesma.12
A característica da dor mais registada no presente estudo foi a intensidade (39,05 %), aspeto consonante com Perera et al.19 que referem que o enfermeiro valoriza no registo da dor aguda a intensidade e, posteriormente, a localização, a qualidade e as intervenções para alívio da dor. No estudo atual conseguimos evidenciar que existe uma lacuna no registo da avaliação completa da dor, que inclui local, características, início/duração, frequência, qualidade, intensidade e gravidade, além de fatores precipitantes, como é preconizado nas atividades da NIC. Gimenes et al.15 ressalva o défice de conhecimento dos profissionais de saúde como um dos fundamentos da subnotificação e gestão inadequada da dor. Emerge a necessidade do enfermeiro assumir a sua responsabilidade na qualidade e humanização dos cuidados, nomeadamente no que se refere ao alívio da dor como direito da pessoa,15 não a subestimando e intervindo no sentido da sua precoce minimização.11
O acesso ao tratamento da dor é um direito humano fundamental referido pela Organização Mundial da Saúde, a Human Rights Watch e a Declaração de Montreal.12,19 A Direção-Geral de Saúde2 acrescenta que é também um dever dos profissionais de saúde. Neste estudo, o registo de medidas farmacológicas implementadas foi efetuado em 11,43 % dos episódios de urgência analisados. Estes resultados vão ao encontro do estudo desenvolvido por Stalnikowicz et al.16 que mencionam que apesar da dor ser um dos principais sintomas nos serviços de urgência, cerca de 70 % das pessoas com dor aguda não recebem qualquer analgesia para controlo da dor. Mota et al.12 referem igualmente vários estudos que apontam para que 60 %-80 % das pessoas recebem um tratamento ineficaz da dor. O tratamento analgésico inadequado é referenciado por Perera et al.19 e Mota et al.12 que apontam como causas uma abordagem que subvaloriza a avaliação da dor nos serviços de urgência,12 orientações menos adequadas e dosagens infraterapêuticas.19
As medidas não farmacológicas, segundo um estudo de Perera et al,19 foram utilizadas em 4,2 % das situações tendo apresentado uma eficácia de 100 %. Na presente investigação, o registo da implementação destas medidas foi igualmente diminuto (0,95 %). Várias medidas não farmacológicas são referenciadas na literatura: massagem, posicionamentos confortáveis, técnicas de relaxamento, toque terapêutico, visualização guiada, cuidado com dispositivos médicos, aplicação de calor e frio, aplicação de fluidos criogénicos, vibração, biofeedback, estimulação elétrica nervosa transcutânea e hipnose.12,15,19
No estudo atual, os registos efetuados evidenciam que foram favorecidas as intervenções farmacológicas em detrimento das não farmacológicas. Estes dados são consistentes com o estudo de Gimenes et al,15 que referem que em 36,5 % das situações a analgesia foi privilegiada em prol das medidas não farmacológicas.
A investigação desenvolvida permite-nos ainda identificar falhas nos registos relativos à implementação de medidas farmacológicas e não farmacológicas para alívio da dor de modo a assegurar que a pessoa receba cuidados precisos, como é recomendado nas atividades da NIC e nos resultados da NOC. Gostaríamos ainda de ressalvar que, pela própria natureza do serviço, torna-se difícil o controlo de fatores ambientais (iluminação, ruídos, temperatura) que promovam uma melhoria na resposta da pessoa à dor bem como a promoção de um repouso adequado para alívio da mesma.
No presente estudo, o registo de reavaliação da dor após a implementação de medidas farmacológicas verificou-se em 1,9 % dos episódios. Gimenes et al.15 referem igualmente que em 23,8 % dos casos não houve registo de dor nem de intervenções de enfermagem para a gestão da dor da pessoa.
Os aspetos que dificultam a avaliação da dor foram identificados na literatura e prendem-se com a sobrecarga de trabalho, a situação clínica da pessoa, a desvalorização da dor pelos profissionais, o défice de conhecimento sobre as escalas e sua aplicação e a utilização de linguagem técnica.12,13,14 Evidencia-se também na literatura a necessidade de formação e treino dos profissionais de saúde para a avaliação da dor e para a utilização adequada das escalas de avaliação da dor.11,12,13,14, 15
Conclusão
Este artigo surgiu no âmbito de uma investigação num SUG com o intuito de descrever de que forma foi avaliada e registada a dor nas pessoas na área de ambulatório do SUG, pela equipa de enfermagem.
Podemos concluir que o registo de avaliação da dor foi subnotificado, pois nos momentos de avaliação da dor previstos pela SPCI e pela Norma de Orientação Clínica da instituição, o número de registos é inferior ao expectável.
Identificámos algumas limitações na realização do estudo nomeadamente o número de fluxogramas brancos assim como a seleção do discriminador no momento da triagem.
A identificação e implementação de estratégias no âmbito da formação contínua e treino dos enfermeiros sobre a avaliação e registo da dor, particularmente quanto aos momentos de avaliação, à utilização das escalas de avaliação da dor, às características da dor e à implementação de medidas farmacológicas e não farmacológicas é fundamental para otimizar a gestão da dor no serviço de urgência. Importa ainda referir que se torna imperativo sensibilizar os enfermeiros para a importância dos registos subjacentes à avaliação da dor.
O desenvolvimento deste estudo permitiu identificar lacunas na avaliação e registo da dor que carecem de intervenção, fundamentando assim a importância do desenvolvimento de um projeto de melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem no âmbito da avaliação e controlo da dor, contribuindo ainda para a monitorização efetiva da Norma de Orientação Clínica da instituição - “Avaliação e Monitorização da Dor à Pessoa Adulta”.