INTRODUÇÃO
Gastos tributários são um fenômeno orçamentário mundial, originado no orçamento estadunidense na década de 1960, posteriormente adotado por países europeus nas décadas que se seguiram e recomendado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pela Organização dos Estados Americanos (OCDE). Essa teoria foi incorporada ao ordenamento brasileiro no final do século vinte (Paes, 2012, p. 1).
Os gastos tributários têm como proposta quantificar o impacto de benefícios tributários no orçamento público. Porém, análise dos trabalhos acadêmicos publicados no Brasil sobre o tema indica certa imprecisão na utilização desse conceito, que por vezes é confundido com as figuras da renúncia de receitas e dos benefícios tributários.
Embora o conceito de gastos tributários integre o mesmo campo das renúncias de receitas e dos benefícios tributários, identificar as nuances que o diferenciam de cada uma dessas ideias é importante até para que se compreenda o alcance das normas que dispõem sobre a forma de incorporação dos impactos das desonerações tributárias no orçamento. Partindo dessa premissa, o trabalho tem como intuito estabelecer os limites e relações entre os conceitos de gastos tributários, renúncia de receitas e benefícios tributários. Para tanto, propõe-se uma análise em quatro partes.
Na primeira parte, são apresentadas as ambiguidades na utilização da expressão “gastos tributários” encontradas em trabalhos acadêmicos brasileiros e documentos oficiais, como um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) e um documento da Receita Federal do Brasil (RFB).
A segunda parte tem como objetivo delinear o conceito de gastos tributários estabelecendo uma delimitação do alcance dessa expressão a partir da origem e dos objetivos dessa teoria econômica aplicada à técnica orçamentária.
A ideia de renúncia de receitas é tratada no terceiro tópico, que se propõe a apresentar esse conceito como uma consequência orçamentária derivada de algumas normas que criam benefícios tributários, com destaque para o papel do Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT) que acompanha a Lei Orçamentária Anual (LOA).
A última parte é dedicada ao conceito de benefícios tributários com o objetivo de destacar seu caráter amplo, que engloba situações favoráveis para o contribuinte que podem derivar de decisões deliberadas do legislador ou mesmo de normas estruturantes do sistema, que afastam a tributação.
O trabalho é fruto de pesquisa qualitativa, de viés pós-positivista, com caráter exploratório-descritivo, realizada a partir da análise de trabalhos acadêmicos brasileiros e estrangeiros, textos legislativos, decisões do TCU e documentos da RFB.
1. CONFUSÃO CONCEITUAL ENTRE GASTOS TRIBUTÁRIOS, RENÚNCIA DE RECEITAS E BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS
Não é raro encontrar na doutrina e na jurisprudência brasileiras propostas conceituais que aproximem a ideia de gastos tributários dos conceitos de renúncia de receitas e de benefícios tributários. Nesse tópico abordaremos alguns exemplos da falta de univocidade na utilização da referida expressão.
No Brasil, a expressão “gastos tributários” pode ser encontrada no trabalho seminal de Luiz Arruda Villela (1981, p. 2), que tratou da equivalência, na perspectiva dos impactos orçamentários, entre medidas implementadas por meio do sistema tributário e subvenções. Nessa obra, o autor buscava adaptar a teoria das “tax expenditures”, de Stanely Surrey (1976, p. 706), que analisou o impacto econômico dessas medidas no orçamento estadunidense na década de 1960, à realidade brasileira, escrutinando as deduções admitidas para o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF).
A incorporação de uma teoria de gastos tributários no Brasil pode ser localizada no tempo com a promulgação da Constituição de República Federativa do Brasil (CRFB), momento em que a ordem financeira constitucional torna obrigatória a elaboração de um “demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia” (art. 156, §6º) e prevê expressamente a competência do Tribunal de Contas para o controle externo da renúncia de receita (art. 70, caput) (Brasil, 1988). Porém, nessas duas passagens, o texto constitucional não utiliza expressão “gastos tributários”, embora, no primeiro faça referência a benefícios tributário e no segundo utiliza a renúncia de receita.
Embora a CRFB não se refira a “gastos tributários”, a RFB utiliza a expressão “Demonstrativo dos Gastos Tributários” para designar o anexo da LOA a que faz referência o art. 156, §6º da CRFB (RFB, 2022).
A Lei de Responsabilidade Fiscal, quando regula os impactos orçamentários de medidas implementas pelo sistema tributário, também não usa o verbete “gastos tributários”, ela apenas faz referência à renúncia de receita decorrente de benefícios de natureza tributária (art. 14).
A análise da legislação indica que a expressão “gastos tributários” não foi expressamente incorporada ao direito brasileiro. Entretanto, trabalhos acadêmicos a utilizam para explicar o fenômeno da renúncia de receita e o funcionamento dos benefícios tributários, conceitos presentes no ordenamento nacional, situação que pode gerar falhas na compreensão da ideia de gastos tributários.
Ao examinar os estudos realizados no Brasil, é perceptível a presença de um conjunto inicial que encara "gastos tributários" como equivalente à renúncia de receitas, empregando essa expressão como se fosse uma transposição direta da teoria de matrizes norte-americana para o contexto jurídico brasileiro.
Nesse grupo é possível encontrar posições como de Estevão Horvath (2009, p. 17; 2014, p. 315) e Fernando Facury Scaff (2018, p. 399), que utilizam renúncia de receita como uma manifestação dos gastos tributários no ordenamento brasileiro. Em paralelo, os trabalhos de Marcos Nobre e Carlos Maurício Figueiredo (2006, p. 123) e de Marcos Abraham (2017, p. 386) consideram que “gasto tributário” é uma locução usual atribuída às renúncias de receitas. O TCU também já assumiu essa equivalência, quando registrou, em acórdão que “as renúncias de receita, ou renúncias fiscais, ou gastos tributários, constituem a dimensão financeira que estima ou quantifica a perda intencional de arrecadação pelo poder público” (BRASIL, 2014).
Embora a equivalência entre gastos tributários e renúncia de receitas possa ser identificada em alguns contextos, para que fosse possível tratar os termos como sinônimos seria necessária uma relação de continência perfeita entre os campos semânticos das duas expressões. Ou seja, todo gasto tributário teria que representar uma renúncia de receita, como consequência orçamentária, o que não se verifica, pois existem medidas que podem ser quantificadas por meio dos gastos tributários, mas que não possuem repercussão na apuração da receita disponível para fins orçamentários, como se verá adiante. Portanto, tal ambiguidade (gasto tributário = renúncia de receita) pode levar a uma compreensão equivocadas dos dois fenômenos.
Outro grupo de trabalhos utiliza a expressão “gastos tributários” como sinônimo de benefícios tributários, sendo a renúncia de receita a consequência orçamentária dessas despesas indiretas implementadas por meio da tributação.
Nesse segundo grupo, alguns autores utilizam a expressão “gastos tributários” para designar benefícios tributários que, orçamentariamente, modalidade de “despesa anômala” (Torres, 2000, p. 234), uma espécie de aplicação indireta de recursos por meio do sistema tributário (Almeida, 2002, p. 54). Renúncia de receitas, nesse contexto, seria o impacto orçamentário dessas medidas desoneração tributária (Henriques, 2009, p. 70-71; Afonso; Barros, 2013, p. 5; Vettori, 2011, p. 126; Torres, 2014, p. 327; Mello, 2016, p. 137; Oliveira, 2015, p. 868).
Esses autores não deixam claro se todos os benefícios tributários seriam gastos tributários, dado que utilizam a expressão “gastos tributários” para ressaltar sua equivalência em relação aos gastos direitos (subvenções). Porém, deixam claro a diferença entre gastos tributários e renúncia de receitas.
Um grupo mais restrito de autores, também parte a diferença entre gastos tributários e renúncia de receita, mas coloca os primeiros como uma modalidade de “benefícios tributários” que geram impactos orçamentários com objetivo de atingir objetivos específicos (Aguiar; Nami, 2017; Castagna, 2021; Andrade, 2021). Nesse sentido, cabe menção conceito fraseado por Ricardo Castagna:
Consideram-se como gastos tributários as renúncias de receitas tributárias, substitutivas de despesas públicas, que constituam uma diferenciação entre contribuintes em relação a um sistema tributário de referência, com caráter interventor na ordem econômica, destinadas a dar concretude aos objetivos do Estado brasileiro previstos na Constituição Federal, de acordo com uma política pública previamente planejada (2021, p. 113-114).
Essa posição também diferencia os gastos tributários da renúncia de receita, estabelecendo essa última como uma consequência dos primeiros. Tal representação finalista do fenômeno está muito atrelada à origem da teoria dos gastos tributários, que aproxima essa modalidade de despesas indiretas da modalidade de subvenções, sendo ambas formas de aplicação recursos governamentais.
Porém, restringir o conceito de gastos tributários a uma espécie de benefícios tributários cria a ilusão de que apenas essa classe de benefícios pode ter seu impacto econômico quantificado por meio da teoria dos gastos tributários e que apenas esses benefícios com caráter interventor na ordem econômica devem constar na peça que acompanha a LOA, nos termos do art. 165, § 6º, da CRFB.
O problema das conceituações encontradas nos trabalhos que aproximam gastos tributários, ora de renúncia de receitas ora de benefícios tributários, é que esses parecem escamotear que a expressão tem origem na ciência econômica e foi criada para designar a apuração do custo estimado (por meio de técnicas econômica) de medida implementadas pelo sistema tributário. O conceito esposado pela RFB - que não se apoia nem no conceito de renúncia de receita, nem no conceito de benefícios tributários - seria lapidar para ressaltar a natureza econômica do fenômeno:
Gastos Tributários são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte (RFB, 2023, p. 12).
O entendimento da RFB parece ser o mais adequado, como se verá adiante, pois dissocia a ideia de gastos tributários dos conceitos de benefícios tributários e renúncia de receitas, retratando o primeiro pelo viés da teoria econômica, ao colocar a estimação dos custos de medidas implementadas por meio do sistema tributário como seu principal objetivo.
2. GASTOS TRIBUTÁRIOS COMO TÉCNICA PARA ESTIMAR CUSTOS PÚBLICOS
A evolução da teoria dos gastos tributários pode ser atribuída como uma consequência do processo de erosão das bases tributárias ocorrido na segunda metade do século XX (Brixi, 2004, p. 288), fenômeno que, por sua vez, decorre de uma ampla utilização dos instrumentos tributários como mecanismos de intervenção na ordem econômica (Oliver, 2004, p. 667; Henriques, 2009, p. 65).
Nesse contexto, o economista Stanley Surrey, secretário-assistente do tesouro americano, propôs uma metodologia para apurar o impacto orçamentário dos programas implementados por meio de mecanismos tributários no final da década de 1960. Esse autor utilizou expressão “tax expenditures” para designar “aquelas disposições especiais do sistema federal de renda que representam gastos realizados no interior daquele sistema para atingir objetivos sociais e econômicos” (Surrey, 1970, p. 706).1
O primeiro “tax expenditure budget” data de 1969 e tinha como alvo apurar as perdas de receita decorrentes de benefícios concedidos no imposto sobre a renda nos Estados Unidos da América do Norte. Essa contribuição da ciência econômica influenciou a legislação orçamentária estadunidense (Torres, 2000, p. 57) que, a partir de 1974, tornou obrigatória a elaboração de uma lista de medidas que representavam exceções a um padrão de tributação “normal”, que viria acompanhada de uma estimativa do seu impacto econômico (Sunley, 2004, p. 156).
O trabalho de Luiz Arruda Villela, no qual o autor traduz a expressão “tax expenditures” como “gastos tributários indiretos”, pode ser considerado seminal sobre o tema no Brasil (Villela, 1981, p. 1). O autor ressalta que, embora os gastos tributários tenham surgido no contexto da tributação sobre a renda, esta expressão pode ser utilizada para designar o processo de apuração dos impactos orçamentários de toda espécie de benefícios tributários (Villela, 2007).
A adoção da teoria dos gastos tributários pelo orçamento estadunidense influenciou outros países, como Australia (Brown, 2004, p. 45) e Bélgica (Valenduc, 2004, p. 70), que a adotaram ainda na década de 1980. A China a incorporou nos anos 1990 (Shi, 2004, p. 156). Na América Latina, países como Colômbia, Argentina, Guatemala, Peru e México a acolheram na década de 2000 (Jiménez; Podestá, 2009).
No Brasil, o art. 165, § 6°, da CRFB de 1988 estabeleceu a obrigatoriedade de a LOA sempre vir acompanhada de um anexo com a previsão do impacto, sobre receitas e despesas, dos benefícios tributários, creditícios e financeiros. A partir dessa regra, a primeira versão de um demonstrativo com a apuração dos gastos tributários veio em 1989 (Brasil, 1989).
Originalmente, a análise dos gastos tributários conduzida por Stanley Surrey no orçamento dos Estados Unidos tinha dois propósitos fundamentais: identificar todos os benefícios em vigor e avaliar seu custo com base na perda de receita que acarretavam. Com base nesses fundamentos, os programas adotados por meio da política fiscal poderiam ser equiparados aos implementados por meio do gasto direto (Surrey; McDaniel, 1976, p. 681). Assim, a concepção de gastos tributários está associada ao controle do uso indireto de recursos estatais para alcançar objetivos públicos.
A teoria dos gastos tributários os considera “equivalentes a gastos diretos do governo, tendo apenas a particularidade de serem canalizados através do sistema tributário”. Por meio dela, torna-se viável avaliar: a decisão de efetuar o gasto indireto em determinada magnitude, o desempenho em relação aos objetivos estabelecidos e o conjunto de beneficiários alcançados (Villela, 1981, p. 14).
A escolha entre implementar um programa por meio do gasto direito ou indireto é neutra. Ambas as abordagens estão sujeitas a ineficiências e aos riscos de captura (Zelinsky, 2004, p. 705). Portanto, não é apropriado criticar antecipadamente a possibilidade de o Estado utilizar instrumentos tributários para alcançar objetivos extrafiscais. Em determinados casos, ferramentas da política fiscal tem potencial de ser até mais eficazes do que o gasto direito para certas finalidades (Almeida, 2002, p. 61).
As técnicas utilizadas para quantificação dos gastos tributários são fortemente criticadas. Essas críticas apontam, inicialmente, para a suposição de que haveria um padrão de tributação “normal” e a partir desse, medidas implementadas pela política fiscal seriam consideradas “exceções” (Mello, 2016).
Examinando a realidade da tributação sobre a renda estadunidense, Douglas A. Kahn e Jeffrey S. Lehman, defendem que, dada a abrangência do conceito de renda, categorizar determinadas deduções como “exceções” equivaleria a um tipo absolutismo moral (Kahn; Lehman, 2004, p. 721). De acordo com esses autores, há uma dificuldade intrínseca em distinguir quais deduções visam refletir a capacidade contributiva e quais buscam promover outros valores por meio da tributação.
A metáfora brasileira utilizada por Gustavo Gonçalves Vettori para ilustrar o que ele denomina como parcialidade do critério de tributação normal é a do “copo meio cheio ou meio vazio”. Segundo o autor “diferentes definições do parâmetro implicarão diferentes mensurações dos gastos públicos veiculados por meio de normas tributárias” (Vettori, 2011, p. 21).
No entanto, vale ressaltar que a dificuldade de determinar um padrão de tributação “normal” é deveras evidente no contexto do imposto sobre a renda. Este imposto é fundamentado em uma concepção de riqueza bastante abstrata (Holmes, 2000, p. 5), o que levanta questionamentos sobre a capacidade contributiva dos indivíduos. Esses questionamentos, por sua vez, geram debates sobre se as deduções permitidas têm um caráter puramente técnico ou se têm ademais objetivos extrafiscais (Lavez, 2020, p. 200-203).
O propósito da técnica dos gastos tributários é calcular o custo associado a uma determinada medida de política fiscal. Essa abordagem é imparcial em relação à regra que estabelece exceções ao regime tributário considerado como referência. Por exemplo, quando a administração estima os custos das deduções relacionadas às despesas com saúde no imposto sobre a renda brasileiro, isso não implica necessariamente o reconhecimento dessas deduções como benefícios tributário. A atividade de avaliar o seu impacto financeiro não decorre de sua natureza jurídica. A técnica dos gastos tributários permite entender o do impacto tributário de uma norma que exclui determinados elementos da regra de tributação (para promover certos comportamentos ou aplicar o princípio da capacidade contributiva).
Diferentes abordagens metodológicas podem ser utilizadas para revelar o custo estimado de uma medida implementada por meio do sistema tributário a partir da teoria dos gastos tributários. Especialmente em países em desenvolvimento, essa estimativa - longe de ser uma contabilização completa, como proposto Boris Bittker (2004, p. 728) - tem visa “priorizar a simplicidade e a transparência em vez da exatidão e do rigor acadêmico” (Brixi, 2004, p. 229).2
Vistos como uma metodologia para calcular os custos de uma medida aplicada por meio da política fiscal, os gastos tributários assumem um papel fundamental como instrumento de avaliação dos benefícios tributários, conforme sugerido por Gordon J. Lenjosek (2004, p. 19) com base no orçamento do Canadá. Para o autor, essa abordagem permite uma análise baseada em três critérios:
-Relevância: questiona se o instrumento tributário utilizado é apropriado para alcançar os objetivos da política de forma pragmática;
-Efetividade: na prática, investiga se os objetivos desejados estão sendo alcançados dentro dos custos estimados e sem efeitos secundários indesejados;
-Eficiência: avalia se a medida tributária proposta é a forma mais eficiente de alcançar os objetivos desejados em comparação com alternativas institucionais disponíveis.
Dessa forma, os gastos tributários representam um recurso valioso para avaliar e monitorar o impacto de elementos da política fiscal. A estimativa do custo aproximado das medidas implementadas via do sistema tributário, além de seus impactos financeiros, é uma ferramenta para ajustar os objetivos almejados e acompanhar os resultados conforme são alcançados.
Um exemplo cujos resultados foram analisados desde seu início e comparados com os custos públicos envolvidos é o programa conhecido como “Desoneração da Folha de Pagamentos”, estabelecido pela Lei n. 12.546/2011. Esta medida foi renovada em várias ocasiões e a discussão sobre o seu custo em relação aos resultados alcançados sempre foi central (Afonso; Barros, 2013; Andrade, 2015).
Os gastos tributários são instrumentos utilizados para calcular o custo de elementos da política fiscal. No entanto, nem todos os elementos da política fiscal que podem ser quantificados por meio dos gastos tributários geram impactos no orçamento.
Portanto, os gastos tributários são uma ferramenta da ciência econômica e, como tal, sua utilização é instrumental para alcançar outros objetivos. No âmbito federal brasileiro, essa ferramenta tem sido empregada para quantificar exceções a um sistema tributário de referência, com base em metodologias propostas pela RFB e aprimoradas a partir de muitas contribuições do próprio TCU (Pinheiro, 2022). No entanto, a inclusão da avaliação do custo de uma determinada medida não acarreta implicações jurídico-orçamentárias.
A avaliação do custo das medidas implementadas por meio do sistema tributário, por meio da teoria dos gastos tributários, é um primeiro passo para compreender os impactos tributários da medida. Em alguns casos, como se verá adiante, o custo estimado por meio dos gastos tributários representará renúncia de receitas. No contexto jurídico brasileiro, apenas os gastos tributários que importem renúncia de receita têm implicações legais do ponto de vista orçamentário.
3. RENÚNCIA DE RECEITAS COMO CONSEQUÊNCIA ORÇAMENTÁRIA
Embora haja alguma sobreposição nos domínios semânticos de gastos tributários e renúncia de receitas, é possível discernir uma diferenciação entre esses conceitos, com a primeira sendo mais abrangente que a segunda. Em outras palavras, tudo que o que constitui renúncia de receita se enquadra como gasto tributário, mas nem tudo que pode ter seu impacto quantificado por meio da técnica dos gastos tributários se configura como renúncia de receitas.
Os gastos tributários servem como uma ferramenta para calcular o custo estimado de medidas de política fiscal implementadas por meio do sistema tributário. Em certos casos, esses custos podem ter repercussões no orçamento, sendo então rotulados pelo direito brasileiro como renúncias de receita.
A distinção entre gastos tributários e renúncias de receitas deriva da maneira como o artigo 165, § 6º, da CRFB introduziu a necessidade de considerar os custos indiretos de medidas de política fiscal no orçamento público. Esse dispositivo exige que o projeto de LOA seja “acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia” (Brasil, 1988).
Num primeiro olhar, é importante notar que o enunciado não faz menção explícita aos conceitos de gastos tributários ou renúncia de receitas. Ele simplesmente requer que o seja apurado o efeito, sobre receitas e despesas, decorrente da implementação benefícios de natureza tributária, financeira e creditícia.
Na perspectiva constitucional, o objetivo do demonstrativo a que alude o art. 165, § 6º, da CRFB é mostrar os efeitos sobre as receitas e despesas de um amplo espectro de medidas implementadas por meio do sistema tributário, proporcionando transparência quanto aos custos públicos envolvidos (Giacomoni, 2021, p. 217) e permitindo o controle de sua legitimidade (Torres, 2001, p. 140).
A expressão “renúncia de receitas” surge no ordenamento jurídico brasileiro no contexto do controle externo. O art. 70 da CRFB amplia o alcance da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial para incluir a “renúncia de receitas”, indicando que esse fenômeno é considerado como uma forma de alocação econômica indireta de recursos públicos submetida ao escrutínio do controle externo.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) menciona a necessidade de observância de limites e condições relacionados à renúncia de receitas como parte da responsabilidade na gestão fiscal (art. 1º, § 1º). Dessa forma, é possível inferir que existem limites e condições para a realização de renúncias de receitas no ordenamento jurídico brasileiro, e que o respeito a esses limites é um componente essencial da gestão fiscal responsável.
As renúncias de receitas podem ser distinguidas de outros elementos do sistema tributário cujo custo é apurado no DGT. Essa distinção pode ser observada no art. 5º, inciso II, da LRF, que estabelece que o projeto de LOA: “será acompanhado do documento a que se refere o § 6º do art. 165 da Constituição, bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatórias de caráter continuado” (Brasil, 1988).
O art. 5, inciso II, da LRF, em sua primeira parte, refere-se ao DGT como um “documento” que acompanha a LOA. A partir desse enunciado é possível reconstruir esse instrumento como um registro anual dos custos estimados dos benefícios de natureza tributária. A segunda parte desse mesmo dispositivo, iniciada após a expressão “bem como”, adiciona mais um dever para o chefe do Poder Executivo: cabe a ele a obrigação de antecipar as medidas que serão tomadas para compensar o impacto dos benefícios tributários que representam renúncias de receitas.
Entender DGT é um anexo da LOA é reconhecer sua função de veículo de publicidade para os custos públicos associados a benefícios tributários. Nesse contexto, cabe ao chefe do Poder Executivo, apurar, por meio da teoria dos gastos tributários, o impacto econômico dessas medidas.
Todavia, a LRF reconhece que os custos públicos de alguns benefícios tributários representam uma decisão de renunciar à um contingente de receitas que, de outra forma, estariam disponíveis para alocação orçamentária. Nesses casos, estimar o impacto econômico das medidas no DGT não é o suficiente para proteger a higidez orçamentária, sendo necessário indicar medidas de compensação para a perda da arrecadação correspondente.
A lei exige a compensação apenas para as renúncias de receitas, não para todos os benefícios tributários que podem ter seu custo estimado pela teoria dos gastos tributários. Em outras palavras, pode haver gastos tributários mencionados no DGT que não resultam em renúncias de receita.
Ainda nessa linha, o art. 14 da LRF estabelece que as medidas de compensação - referidas no enunciado do art. 5, inciso II - serão somente aplicáveis para a “concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita” (Brasil, 2000). A partir do trecho em destaque é possível depreender que existem duas classes de benefícios tributários: aqueles que tem como decorrência renúncia de receitas e aqueloutros que não implicam esse efeito orçamentária.
A análise deste enunciado também é fundamental para evidenciar que as renúncias de receita resultam de uma legislação que previu a concessão ou expansão de benefícios tributários. Sendo assim, a renúncia de receita é consequência de uma escolha, na qual o ente governamental "abre mão" do direito de arrecadar determinados recursos, os quais, caso não fosse tomada essa decisão, estariam disponíveis para serem alocados no orçamento. A decisão de renunciar implica em direcionar esses recursos para a finalidade que justificou a criação de determinado benefício tributário (Abraham, 2017, p. 388).
Essa análise tem como objetivo demonstrar que gastos tributários e renúncias de receita cumprem finalidades distintas no sistema jurídico brasileiro.
O DGT, que acompanha o projeto de LOA (conforme estipulado no artigo 165, parágrafo 6º, da CRFB), tem o objetivo de promover transparência em relação às vantagens geradas por normas tributárias ou financeiras, possibilitando uma comparação entre o custo estimado dessas vantagens e os valores a serem efetivamente realizados.
Por outro lado, as renúncias de receita representam custos públicos resultantes da decisão de conceder ou ampliar benefícios tributários e, portanto, devem ser tratadas como uma despesa adicional, originada do sistema tributário, podendo, em certos casos, exigir mecanismos de compensação (Nóbrega; Figueiredo, 2006, p. 122).
3.1. O Papel do Demonstrativo de Gastos Tributários na LOA
No contexto dos gastos, a LOA desempenha o papel crucial de garantir a legalidade na utilização dos recursos públicos, condicionando sua aplicação ao volume previamente dimensionado para determinadas finalidades (Torres, 2014, p. 351).
A conformidade com a legislação orçamentária impõe restrições à execução das despesas convencionais (diretas). Pelo princípio da legalidade orçamentária, inscrito no art. 167, inciso II, da CRFB, somente há autorização para realizar despesas públicas (diretas) previstas no orçamento (Horvath, 2014, p. 129-130).
Contudo, no caso das renúncias de receita, que representam uma forma indireta de gasto, essa conformidade é atenuada. O artigo 165, §6º, da CRFB simplesmente exige a elaboração e inclusão, junto com o projeto de LOA, de um demonstrativo detalhado dos impactos dos benefícios fiscais em âmbito regional, sem que isso tenha qualquer influência na legalidade, validade ou efetividade desses benefícios.
Ao contrário do modelo de despesas públicas convencionais, a permissão para a alocação indireta de recursos através da renúncia de receitas é concedida antecipadamente pela própria legislação tributária. Os benefícios tributários, juntamente com outros incentivos semelhantes, se enquadram no paradigma das chamadas despesas "off-budget", onde a conformidade com a legislação orçamentária é menos rigorosa, não sendo a inclusão na LOA uma condição para sua implementação (Gomes, 2015, p. 431).
Analogamente aos instrumentos de flexibilidade, em que a aprovação parlamentar não é prévia (créditos extraordinários) ou não é específica (créditos suplementares pré-aprovados na LOA), é possível argumentar que as renúncias de receita estão sujeitas a um “controle parlamentar fraco” durante as discussão e aprovação da LOA (Lochagin, 2016, p. 93).
O controle é fraco porque não cabe ao Poder Legislativo “autorizar” renúncia de receitas por meio da Lei Orçamentária. A autorização para alocação indireta desses recursos públicos é conferida pelo ordenamento tributário. Cabe ao sistema orçamentário apenas reconhecer os impactos orçamentários derivados da decisão de renunciar a um conjunto de recursos que, de outra forma, estariam disponíveis.
Apesar disso, embora o Poder Legislativo não tenha poder de decisão sobre a destinação dos recursos envolvidos indiretamente através da renúncia de receitas, a inclusão da estimativa do impacto na LOA desempenha um papel crucial ao garantir transparência quanto aos custos estimados dos benefícios tributários. Ao estabelecer a obrigação de estimar anualmente o custo dessas medidas, o ordenamento financeiro possibilita uma avaliação comparativa entre os benefícios tributários e outras políticas implementadas por meio do gasto direto, o que abre espaço para discussões sobre a manutenção das medidas tributárias para o futuro.
A Constituição Financeira promoveu aprimoramentos na transparência das informações sobre a gestão orçamentária, especialmente com a introdução do artigo 163-A, inserido pela Emenda Constitucional nº 108 de 26 de agosto de 2020, que estabelece que os entes federativos devem disponibilizar informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais, “de forma a garantir a rastreabilidade, a comparabilidade e a publicidade dos dados coletados, os quais deverão ser divulgados em meio eletrônico de amplo acesso público” (Brasil, 1988).
As dimensões orçamentárias e contábeis mencionadas pelo artigo 163-A da CRFB indicam a importância da divulgação de dados sobre a execução do orçamento, enquanto também abrangem a dimensão fiscal, que inclui a tributação (Baleeiro, 1998, p. 29). Dessa forma, a norma estabelecida pela EC nº 108/2020 impõe um nível de transparência que engloba também as políticas implementadas através da tributação (Pinheiro, 2023b, p. 173).
A partir das diretrizes traçadas pela CRFB, o processo orçamentário desempenha o papel fundamental de garantir transparência às finanças públicas, permitindo amplo acesso parlamentar, da população e da opinião pública às estimativas de receitas e à discriminação das despesas a serem autorizadas pelo Parlamento (Torres, 2014, p. 349).
A necessidade de prever o impacto orçamentário dos benefícios fiscais (em sentido amplo), prevista no art. 165, § 6º, da Constituição de 1988 é um importante instrumento de transparência (Giacomoni, 2021, p. 217). Essa disposição visa eliminar a falta de clareza em relação aos custos públicos dos programas implementados através da política fiscal (Sy, 2017, p. 173).
A elaboração do DGT como etapa preparatória para a elaboração do projeto de LOA revela-se um instrumento importante para informar o Poder Legislativo e a sociedade sobre uma estimativa quantitativa do impacto dos programas implementados através da política tributária, permitindo um debate público sobre sua análise e possível revisão (Almeida, 2002, p. 60).
4. BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS COMO OBJETO DE QUANTIFICAÇÃO ECONÔMICA E AVALIAÇÃO DO IMPACTO NAS RECEITAS POTENCIAIS
A CRFB faz menção a benefícios tributários, entre outras passagens, no art. 165, § 6º, ao estabelecer a necessidade de mensuração dessas medidas. Porém, este conceito é amplo e merece uma digressão para que seja diferenciado das categorias dos gastos tributários e da renúncia de receitas.
A utilização da tributação como meio de fomento envolve o conceito de benefícios fiscais, uma designação abrangente que engloba tanto os benefícios financeiros e creditícios, realizados por meio de fundos e investimentos governamentais, quanto os benefícios tributários, relacionados a medidas de desoneração implementadas para promover o desenvolvimento econômico ou social (Afonso; Barros, 2013, p. 2).
O conceito de benefício fiscal engloba situações favoráveis ou vantajosas que, no contexto tributário, eliminam tanto a necessidade de pagar tributos (obrigação principal) quanto os custos associados ao cumprimento das obrigações fiscais (obrigações acessórias), independentemente de estarem ligadas à consecução de objetivos estabelecidos por uma política (Alho Neto, 2021, p. 71). Benefícios fiscais de natureza tributária são, portanto, uma categoria que inclui a previsão de situações benéficas para o contribuinte (Canto, 1992, p. 47-48).
Os incentivos fiscais são uma forma de benefícios fiscais concedidos com o objetivo de estimular uma determinada atividade (Machado, 2015, p. 509). Conforme apontado por Estevão Horvath, o termo "incentivo" possui um conteúdo semântico básico que significa algo que motiva, estimula ou encoraja (2005, p. 76). O Estado oferece uma situação vantajosa para incentivar comportamentos dos contribuintes considerados benéficos para a sociedade, o que torna a noção de incentivo fiscal "intuitiva", derivada do significado comum das palavras "incentivo" e "fiscal" (Machado; Machado Segundo, 2007, p. 116).
Na perspectiva da ação estatal, os incentivos fiscais são o termo amplo que inclui, tanto incentivos tributários, que afetam a receita, quanto incentivos financeiros, implementados através do crédito público, com impacto sobre as despesas (Lima, 2011, p. 124-127).
Os incentivos tributários envolvem o uso de normas jurídicas tributárias para alcançar objetivos que vão além da arrecadação de impostos (fiscalidade), com o propósito de estimular, induzir ou coibir comportamentos visando atingir outros valores constitucionalmente estabelecidos (extrafiscalidade) (Ataliba, 1999, p. 234). Na extrafiscalidade, o caráter instrumental das normas tributárias é alterado em função dos objetivos políticos a serem alcançados (Mita, 2011, p. 98-99). Isso representa o paradigma da "norma tributária indutora", que vincula a determinados comportamentos uma consequência que pode ser uma vantagem (estímulo) ou um agravamento de natureza tributária (Schoueri, 2005, p. 30).
Quando se fala em incentivos tributários, a figura mais usual é aquela dos incentivos positivos, que estimulam comportamentos por meio da concessão de vantagens, ou seja, benefícios em favor do contribuinte. Não se ignora a existência de incentivos tributários negativos, que representam a utilização de normas tributárias para desestimular comportamentos indesejados por meio do agravamento da carga tributária imposta a um grupo de contribuintes (Tomkowski, 2017, p. 101). No entanto, para definir os contornos da ideia de benefícios tributários, é importante compreender que algumas situações favoráveis derivam da decisão estatal de manejar normas tributárias, na sua função extrafiscal, para incentivar comportamentos.
Os incentivos tributários utilizam da função indutora das normas tributarias para realizar intervenções no domínio econômico na forma de fomento à atividade privada. Tal conceito toma como referencial a posição do agente estatal (que incentiva determinado comportamento) e os objetivos buscados com o manejo de determinada medida de política fiscal (Pinheiro, 2023a, p. 44-45).
Esta digressão quer demonstrar que os benefícios tributários representam um conjunto de situações jurídicas favoráveis aos contribuintes derivadas de normas do sistema tributário. Ou seja, este conceito tem como referencial a posição dos contribuintes, reconhecendo como “benefício” uma situação tributária favorável.
Os benefícios tributários podem derivar de programas de incentivo tributário, instituídos a partir de uma decisão de manejar instrumentos do sistema tributário com objetivos que transcendem a fiscalidade (extrafiscais). Mas é preciso destacar que nem todo benefício tributário provém de uma decisão de fomentar, por meio de incentivos tributários positivos, determinado comportamento.
Na relação com os conceitos anteriores, a estimativa dos custos públicos derivados dos benefícios tributários é objeto da teoria dos gastos tributários. Esta teoria econômica pode estimar o custo estimado de medidas que representam situações favoráveis aos contribuintes, sejam elas derivadas de programas de incentivo tributário, enquanto decisões deliberadas no sentido de fomentar determinado comportamento, ou provenientes da aplicação de outras regras do sistema tributário que resultam em benefícios para os contribuintes.
Os benefícios tributários também são objeto de análise a partir das lentes da renúncia de receitas, na medida em que alguns benefícios geram repercussões orçamentárias. Todavia, nem todo benefício tributário gera repercussões orçamentárias, seja porque sua concessão não gera redução nas receitas disponíveis (como é o caso dos benefícios operacionalizados por meio de obrigações acessórias), seja porque os entes federativos sequer detinham competência para tributar determinados fatos ou sujeitos, ao que não haveria que se falar em potencial arrecadatório, nesses casos.
Propõe-se a compreensão dos benefícios tributários como uma categoria ampla de situações favoráveis ao contribuinte (provenientes de decisões interventivas ou não), que podem ter seu custo estimado por meio da teoria dos gastos tributários e que, em algumas situações, implicam em renúncias de receitas, enquanto redução na arrecadação potencial.
Essa visão é útil para diferenciar gastos tributários de benefícios tributários, sendo os primeiros uma ferramenta de estimação do custo econômico das vantagens concedidas a um grupo de contribuintes pelo sistema tributário, aplicável, inclusive, para estimar o impacto de medidas que não derivam de uma decisão do estado de fomentar determinada atividade econômica.
É importante destacar a diferença entre benefícios tributários e gastos tributários pois, em alguns casos, a situação favorável não deriva de uma decisão interventiva dos entes tributantes. Essa distinção tem como objetivo a proteção da capacidade contributiva de alguns contribuintes ou dos próprios limites constitucionais ao poder de tributar, como se verá adiante.
4.1. Isenções Técnicas ou Impróprias
As isenções técnicas são instrumentos normativos que afastam a incidência de outras normas tributárias, com o propósito de proteger situações em que não há capacidade contributiva não sejam afetadas pela tributação (Schoueri; Galdino, 2022, p. 252). Souto Maior Borges descreve esse fenômeno como isenções impróprias, que ocorrem “quando a lei que ‘isenta’ apenas descreve e circunscreve o fato gerador, delimitando o âmbito de incidência da norma jurídica tributária, de modo a mantê-la dentro dos limites da competência do ente tributante” (Borges, 2001, p. 208).3
As isenções técnicas se diferenciam das chamadas "isenções extrafiscais" ou incentivos, que são concedidas quando o legislador tem a intenção de estimular ou favorecer uma atividade econômica específica (Seixas Filho, 1999, p. 22-23).
Compreender as relações entre capacidade contributiva e extrafiscalidade é importante para que não se confundam incentivos tributários com outras hipóteses em que a incidência da norma tributária é afastada justamente em razão da ausência da primeira (Uckmar, 1986, p. 11).
No caso das isenções técnicas ou impróprias a norma que afasta a tributação não deriva de uma decisão de incentivar determinado comportamento, com vistas a atingir objetivos extrafiscais. Ela tem por objetivo apenas proteger determinados fatos que não representam manifestação de riqueza tributária.
Diante de isenções técnicas não há que se falar em renúncia de receitas. Como tais fatos não poderiam ser tributados, por ausência de capacidade contributiva, não há que se falar em perda de arrecadação potencial, já que não há potencial de arrecadação onde sequer há competência para tributar.
Todavia, não haveria problema quantificar o custo estimado de isenções técnicas, por meio da teoria dos gastos tributários, e dar publicidade no anexo que acompanha a LOA. O objetivo desse anexo é demonstrar o efeito, sobre receitas e despesas, dos benefícios tributários, financeiros e creditícios. Isenções técnicas são benefícios tributários, tem como efeito econômico a não arrecadação de um volume de receitas que pode ser quantificada por meio dos gastos tributários, porém esse efeito não é derivado de uma decisão deliberada de renunciar a um potencial arrecadatório (renúncia de receitas).
4.2. Imunidades
As imunidades são situações definidas por normas constitucionais para excluí-las da tributação, sendo consideradas como hipóteses de incompetência tributária (Carvalho, 2018, p. 205).
Para alguns autores, as imunidades representam casos em que ausência de capacidade contributiva é reconhecida pela própria Constituição, que considera que os fatos imunes não representam manifestação econômica tributável (Nogueira, 1992, p. 31). Para essa corrente, o resultado da atividade do contribuinte é integralmente aplicado na realização de valores consagrados constitucionalmente como de interesse social, razão pela qual tais manifestações de riqueza são afastadas da tributação (Schoueri, 2019, p. 435).
Contudo, mesmo que não se considere que as imunidades representam situações em que está ausente a capacidade contributiva, é inconteste que, enquanto limitações constitucionais ao poder de tributar, elas estabelecem espaços de “intributabilidade”, em que os entes tributantes não podem exercer sua competência para instituição de tributos (Torres, 1999, p. 51). Por este caminho, não haveria que se falar em renúncia de receita, enquanto decisão política que representa perda de arrecadação potencial sobre fatos imunes a ser retratada no orçamento.
A regra imunizante é estruturante do sistema tributário, sendo prévia à própria tributação e de hierarquia superior (Aguiar; Nami, 2017, p. 78). Embora não represente uma renúncia de receitas, para fins de transparência e controle social, é importante que o orçamento explicite qual é o custo desses benefícios tributários estabelecidos pela CRFB, até para que, em algum momento, essas decisões sejam submetidas ao escrutínio público e, eventualmente, revisitadas.
Avaliar o impacto econômico de regras imunizantes e registrar no DGT da LOA tem o objetivo de conferir transparência ao efeito que tais normas geram nas receitas públicas. O efeito, a que alude o art. 165, § 6º, é o impacto econômico das medidas.
Registrar o custo estimado das imunidades no DGT não significa que haveria direito de tributar fatos protegidos pelas regras de imunidade, significa apenas que o impacto negativo destas regras deve ser considerado na apuração da receita. Até para que a sociedade saiba que, na hipótese de sua eventual supressão, haveria um volume maior de receitas disponíveis para atender às necessidades públicas.
CONCLUSÃO
A ambiguidade que permeia as menções a gastos tributários escamoteia aspectos importantes da teoria e pode limitar sua aplicação.
Como técnica de apuração do custo, gastos tributários são uma teoria neutra, aplicável como ferramenta para medir os custos de medidas implementadas por meio do sistema tributário, sejam elas fruto de decisões interventivas da ordem econômica ou não. Estimar o custo de um benefício fiscal por meio dos gastos tributários não altera seu regime jurídico.
Renúncia de receitas é uma consequência orçamentária que pode ser quantificada por meio da teoria dos gastos tributários e decorre de uma decisão política de conceder ou ampliar benefícios tributários. Porém, a teoria dos gastos tributários também pode ser utilizada para estimar o custo de limites estruturantes do sistema tributário (como imunidades) ou protetoras da capacidade contributiva (isenções técnicas), que não implicam a escolha deliberada do Estado em não arrecadar tributos, alocando economicamente recursos para outros agentes econômicos.
Benefícios tributários são situações favoráveis proporcionadas pelo sistema tributário a contribuintes. Independentemente de sua natureza, esses elementos podem ter seu impacto econômico estimado pela teoria dos gastos tributários e incluídos no DGT que acompanha o projeto de LOA, com objetivo de conferir transparência a esta forma de alocação econômica de recursos. Dar publicidade aos custos públicos de medidas de políticas fiscal possibilita um juízo sobre a conveniência de sua manutenção.