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Revista de la Facultad de Derecho

Print version ISSN 0797-8316On-line version ISSN 2301-0665

Rev. Fac. Der.  no.46 Montevideo June 2019  Epub June 06, 2019

https://doi.org/10.22187/rfd2019n46a7 

Doctrina

Por Uma (Trans-)Modernidade num “Mundo em Estado de Quantum Critic”, de Willis Santiago Guerra Filho

Por Una (Trans-)Modernidad en un “Mundo en Estado de Quantum Critic”, de Willis Santiago Guerra Filho

For a (Trans-)Modernity in a “World in State of Quantum Critic”, by Willis Santiago Guerra Filho

Osvaldo Estrela Viegaz1 
http://orcid.org/0000-0002-9657-2200

1Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brazil. Contato: o-viegaz@uol.com.br


Resumo:

Analisarmos o mundo atual requer considerarmos diversas nuances próprias do ser humano e que se encontram esquecidas, escondidas diante de uma realidade que se mostra condicionante a uma formação acrítica. Pensarmos num mundo em estado de quantum critic para fomentar a tomada de consciência crítica que possibilitará a superação do pensamento paradigmático cristalizado atual para pensarmos numa outra realidade, uma (trans-)modernidade, uma modernidade em transformação, nos propondo a encarar, debater e criticar nossa condição, permanência e atuação nesse mundo desumanizador. É assim que devemos nos enxergar nesta realidade simulada para tentarmos, então, sair dessa situação e pensarmos em outras práticas possíveis no futuro, práticas essas centradas no ser humano capaz de lidar com sua condição e aceitar que pode ser ele o agente causador, tanto da catástrofe como da mudança, cabendo a ele a escolha, cabendo a ele reconhecer o quantum critic e a partir dele ensejar mudanças profundas na sociedade. É a isto que se propõe este breve esboço investigatório.

Palavras-chave: quantum critic; (trans-)modernidade; transmutação; paradigma; estado de exceção

Resumen:

Analizar el mundo actual requiere considerar diversos matices propios del ser humano y que se encuentran olvidados, escondidos ante una realidad que se muestra condicionante a una formación acrítica. Pensar en un mundo en estado de quantum critic para fomentar la toma de conciencia crítica que posibilitará la superación del pensamiento paradigmático cristalizado actual para pensar en otra realidad, una (trans-)modernidad, una modernidad en transformación, proponiéndonos encarar, debatir y criticar nuestra condición, permanencia y actuación en ese mundo deshumanizador. Es así que debemos ver en esta realidad simulada, para intentar entonces salir de esa situación y pensar en otras prácticas posibles en el futuro, prácticas centradas en el ser humano capaz de lidiar con su condición y aceptar que puede ser él el agente causante, tanto de la catástrofe como del cambio, correspondiendo a él la elección, y escoger el quantum critic y a partir de él, dar lugar a los cambios profundos en la sociedad. Es esto lo que se propone este breve esbozo de investigación.

Palabras clave: quantum critic; (trans-)modernidad; transmutación; paradigma; estado de excepción

Abstract:

Analyzing the current world requires us to consider different nuances proper to the human being and that are forgotten, hidden before a reality that is conditional to an uncritical formation. Think of a world in a quantum critic state to foster critical awareness that will enable us to overcome the present crystallized paradigmatic thinking to think of another reality, a (trans-)modernity, a changing modernity, proposing to face, debate and criticize our condition, permanence and performance in this dehumanizing world. This is how we should see ourselves in this simulated reality so that we try to get out of this situation and think about other possible practices in the future, practices centered on the human being able to deal with his condition and accept that he can be the causal agent of both, catastrophe or change, fitting to him the choice, it is up to him to recognize the quantum critic and from it to bring about profound changes in society. This is the purpose of this brief investigative outline.

Keywords: Quantum Critic; (Trans-)Modernity; Transmutation; Paradigm; Exception State

Introdução

O mundo moderno encontra-se frente a um grande dilema, outro mais dentro de tantos que já se fizeram e ruíram ao longo do Século XX e também deste jovem Século XXI, que quase tudo carrega do seu antepassado, inclusive as agruras e incapacidades de lidar com as reflexões sobre a essência e a existência ―principalmente se considerarmos toda a relação proveniente do que Auschwitz proporcionou ao mundo ocidental―, reflexões essas mais do que preponderantes em dias nos quais a total perda de identidade se transmuta numa perda do próprio ser humano em sua completa desumanização ―o que somente é viável pela desumanização realizada pela própria obra humana.

Essa necessária reflexão nos leva a pensar em formas de visão e construção da realidade, ou seja, em como a construção irreparável do mundo é uma condição profana existente no seio sagrado do mundo em que vivemos, com sua necessidade de desativação. O importante neste sentido é então compreendermos que o estado de exceção enquanto regra foi o responsável pela criação dos campos de concentração e que ainda existe um “restar” entre o que foi realizado e o que levamos na atualidade como fundamento constitutivo do moderno ―ou para aqui utilizarmos um termo que nos é mais similar, numa “(trans-)modernidade”, numa modernidade que se encontra ainda em transmutação e transformação, mas que não somos capazes de lidar totalmente diante das lacunas que se colocam para compreendermos o verdadeiro papel do ser humano nesta relação.

Temos por certo uma dificuldade por pensarmos sempre em termos evolutivos, isto é, que as sociedade evoluem e praticamente deixam para trás seus fundamentos, sua base fundamental de existência, sua própria história cultural que é suplantada por modelos que buscam um algo diferente e diferenciado sem atentar-se em considerar os próprios problemas que permanecem das partes que não foram analisadas com o todo e que, por isso, permanecerão existindo e influenciando as relações sociais, políticas, econômicas e jurídicas, como se revela nossa capacidade de afirmação que vivemos em regimes democráticos responsáveis pelo fim e a derrocada do totalitarismo quando estamos diante da incapacidade de lidar justamente com as lacunas existentes que nos levam a dizer que as democracias são igualmente totalitárias, constituídas num estado de exceção que não aprendemos a desconstruir, mesmo após o que Auschwitz significou, sendo esta simulação democrática um arquétipo destrutivo do ser em sociedade e do qual a (trans-)modernidade pode ser um meio para se alcançar outros fins.

Pensarmos, então, numa abertura possível num mundo fechado, simulacrado numa realidade disforme que precisa ser novamente encontrada, ou melhor dizendo, reencontrada é considerarmos que existe a possibilidade dessa tomada de consciência nos levar a uma (trans)modernidade que realmente transforme, com o mundo em estado de quantum critic. Vivemos num período de transformações das mais variadas, principalmente dos instrumentos tecnológicos desumanizadores que se propagam e encarceram o ser humano em realidades distintas, sem as quais, por certo, hoje encontrar-se-ia perdido e sem estruturas para prosseguir numa sociedade que não há espaço para ele quando sua tecnologia é ultrapassada.

Reconhecer o mundo em estado de quantum critic ―e que aqui deixaremos de esmiuçar para estudarmos em momento oportuno―, como propôs o professor Willis Santiago Guerra Filho, é reconhecer que existe uma parcela da filosofia ―e, por isso, da própria humanidade― que possibilita ao entendimento de que existe uma transformação social e que seu momento encontra-se no presente, com as muitas possibilidades que nossa atual condição nos permite pensar. É reconhecermos, portanto, que a filosofia ainda tem um papel a cumprir no auxílio indispensável de se devolver a humanidade ao homem, algo que foi retirado com os campos de concentração e que se constitui ainda na atualidade como uma lacuna entre os acontecimentos e a compreensão que temos deles.

O mundo em estado de quantum critic, na pós-modernidade da era dos extremos, é perquirida como forma indelével de pensarmos em termos de reconciliação do homem consigo próprio. Este é o intuito de uma (trans)modernidade na atualidade da exceção contemporânea como regra: incutir um senso distinto de humanidade, em que não se tenha um simples agrupamento de pessoas viventes em sociedade, como igualmente que os ideais e vínculos em comum possam ser restabelecidos em comunidade, através de sua transformação.

Modernidade e Exceção: conflitos do Eu em sua relação com o Eu e o Nós

Refletirmos em termos de “evolução” significa, nas formas modernas, pensarmos sempre voltados ao futuro. É assim com as questões tecnológicas ou mesmo com o desenvolvimento de áreas da ciência. Mas seria o mesmo com relação ao pensamento humano? Seria o caso da filosofia, da história, da sociologia ou da psicologia serem vistas e postas como sobreposições de visões sem se considerar, nestes interstícios, os movimentos que a humanidade realiza? Ou mesmo em que condições se pode considerar essa gama de humanidades como justaposição de pensamentos, ignorando-se o passado e esperando, miraculosamente, aquilo que os “filósofos futuros” têm a oferecer?

Se quanto à tecnologia e em alguns ramos da ciência não é possível se considerar uma involução, focando especificamente na filosofia, não há como desconsiderar essa hipótese, mas não num sentido pejorativo que geralmente se aplica à esta suposição, e sim numa construção de se olhar ao passado para se prescrever uma possibilidade de humanização naquilo que se considera enquanto pós-modernidade, que se encontra, em verdade, ultrapassada em toda sua evolução, mais mística do que real, tornando a imprimir a desumanização do homem pelo próprio homem como seu paradigma dominante e constitutivo, sem se considerar que a (trans-)modernidade, a modernidade em constante transformação, deve ser encarada como uma realidade e não como mera utopia de loucos.

Analisando, por exemplo, o limiar do Século XX, veremos como os regimes totalitários ―talvez aqui o ponto mais característico do que seria a pós-modernidade― foram preponderantes para o que se seguiu na segunda metade do século. Veja-se que também os países do chamado Cone Sul, durante a Guerra Fria (1945-1989/1991), sofreram com governos ditatoriais militares e que seu fim levaria, ao menos em teoria, a uma maior profusão de ideários centrados na liberdade e na igualdade. Entretanto, temos que estas construções se fazem num sentido inverso, isto é, a evolução se mostra uma desenvolução, uma involução ―naquele sentido pejorativo que não desejamos aqui empregar― que nos leva a períodos novamente sombrios. A humanidade fracassou, mesmo depois dos campos de concentração e do que restou de Auschwitz e se não repetiu seus acontecimentos, não fez nada para entender como os dispositivos jurídicos foram utilizados para que o homem fosse desumanizado e, linguisticamente, deixasse de ser até mesmo um homem.

Esse fracasso da humanidade foi o que permitiu que os ideários do iluminismo e do contratualismo fossem purgados, fazendo com que o estado de exceção, antes considerado como uma implicação da exclusão-inclusiva preponderante para fomentação da indistinção entre zoé e bíos se torne a regra no Estado Moderno, permitindo que a suspensão da norma seja apenas uma ponta de algo ainda maior, que configura, sim, a suspensão do próprio ser humano em sua humanidade, que lhe é retirada dentro deste paradoxal estatuto que passa a configurar a exceção como política do contemporâneo e sem a qual não se é possível pensar nem mesmo o que seria um Estado Moderno, já que é sua regra premente de existência.

O sistema político não ordena mais formas de vida e normas jurídicas num espaço determinado, mas contém no seu interior uma localização deslocadora que o excede, na qual toda forma de vida e toda norma pode ser virtualmente capturada. O campo como localização deslocadora é a matriz oculta da política em que ainda vivemos, a qual devemos aprender a reconhecer através de todas as suas metamorfoses. (Agamben, 2015).

Existe um considerável problema na atualidade da qual não se pode fechar os olhos, um problema em muito criado pela pretendida derrocada dos regimes totalitários e do discurso democrático envolto dessas características. Diz-se isso em virtude do grande apelo que temos dentro dessas democracias modernas para ideários ―muitos dos quais iluministas e contratualistas(1)― sobre pontos que os regimes totalitários e, principalmente, o nazismo com os campos de concentração, tornaram inócuos em uma realidade diferente daquela que se apresenta em fundamentos modernos (ou pós-modernos).

A isso que Agamben trata enquanto “metamorfoses” do campo de concentração que devemos nos atentar não nos regimes totalitários, mas dentro do que se tem do discurso democrático, pois é neles que devemos aprender a reconhecer como nossas vidas, como um todo, encontram-se inseridas numa fratura do tempo e do espaço, no qual o estado de exceção se posiciona como fomentador da política, inclusive e sobretudo das democracias que se estabelecem dentro de parâmetros primordiais para todo e qualquer ser humano, ao mesmo tempo que não é capaz de lidar com a desumanização ocorrida nos campos de concentração e que se fazem presentes mesmo na atualidade, revestidas e outros preceitos que, conforme bem observado por Giorgio Agamben, se tornam metamorfoses da exceção e, propriamente, do próprio campo de concentração em seu modelo mais atual.

As mudanças dentro desta conjuntura premente da modernidade na qual as democracias colocam como ultrapassadas criam a lacuna que separa a real compreensão do ocorrido nos campos de concentração daquilo que se tem através do discurso da derrocada dos regimes totalitários, imprimindo uma importante questão que deveria a todos nós ser levantada como fundamento de entendimento da atual realidade que, como dita, encontra-se na exceção do campo de concentração como matriz deslocadora da realidade. Trata-se, pois, de uma indagação salutar para compreensão de tudo o que passamos: “o que é um campo, qual é sua estrutura jurídico-política, porque acontecimentos semelhantes puderam ter tido lugar ali?” (Agamben, 2015). É uma conjuntura complexa e difícil de ser pensada para um regime democrático, mas fundamental para que se tenha a real quantificação e alcance do que foram os campos de concentração e sua aferição mesmo após a queda dos regimes totalitários como parte integrante da formação política ocidental.

É por esta constatação que Giorgio Agamben atesta que a violencia soberana fundadora do Estado não se encontra num pacto/contrato ―daí a importância de sua filosofia para o que se considera a derrocada do contratualismo― e sim na exclusão-inclusiva da vida nua, do estado de exceção que não mais é mero constitutivo de uma ordem, como é a própria regra dessa existência estatal.

A violência soberana não é, na verdade, fundada sabre um pacto, mas sobre a inclusão exclusiva da vida nua no Estado. E, como o referente primeiro e imediato do poder soberano é, neste sentido, aquela vida matável e insacrificável que tem no homo sacer o seu paradigma, assim também, na pessoa do soberano, o lobisomem, o homem lobo do homem, habita estavelmente na cidade. (Agamben, 2010a).

O fundamento da violência é essencial para se compreender como o estado de exceção se fomentou como regra na modernidade e imprimiu mesmo nos ditos regimes democráticos um conceito diferenciado do direito, da política e do próprio ser humano, tanto que se tornou necessário um ramo específico do direito chamado de “direitos humanos” para se intencionar e classificar o que é um “ser humano”, dando a entender que, se existem direitos humanos, existem os “direitos inumanos”, algo que para nós se torna claro quando consideramos os acontecimentos dentro do campo de concentração e como estes foram criados através de institutos político-jurídicos, ou seja, a mesma política e o mesmo direito que são capazes de criar os direitos humanos criam também os direitos inumanos.

A esta conjuntura da pós-modernidade não podemos escapar, pois é dentro desse discurso democrático que vemos ruir muitas das considerações inerentes ao próprio homem ou que ao menos assim deveriam ser consideradas. Tem-se, portanto, que embora o campo de concentração tenha sido “apagado” junto com os regimes totalitários, que o discurso democrático dentro do que seria o fim desses regimes não nos permite enxergar as metamorfoses constantes do estado de exceção, que imprimem caracteres outros que deveriam ser considerados para toda e qualquer análise fundada nas relações político-jurídicas, já que as próprias democracias, em verdade, transmutam o estado de exceção ―tanto as características do totalitarismo como dos campos de concentração― e criam novos modelos de acepção desta constatação, que encontram-se escondidas dentro de um discurso que não nos permite enxergar a ação da metamorfose da exceção, ou seja, mesmo nas democracias as relações se fundam numa violência tal qual a exclusão do campo de concentração, uma regra estatal.

Não somente isso. Se, doutro lado, prosseguirmos em análise sobre o que as democracias bradam como seu fundamento ―o pleno exercício da liberdade― veremos também como a dificuldade de sua real efetivação é um forte indício de que essa evolução não abarca o ser humano, mostrando que ela, a evolução, não somente encontra barreiras fortíssimas, como igualmente se constitui fator preponderante duma total alienação e apreensão do ser linguístico.

Não há mais nada, na linguagem, de Deus, do mundo, do revelado: mas, nesse extremo desvelamento nadificante, a linguagem (a natureza lingüística do homem) permanece mais uma vez escondida e separada e atinge assim, pela última vez, o poder, não dito, de se destinar em uma época histórica e em um estado: a era do espetáculo e do niilismo consumado. Por isso, o poder fundado na suposição de um fundamento vacila hoje em todo o planeta e os reinos da terra encaminham-se, um depois do outro, para o regime democrático-espetacular que constitui o acabamento da forma Estado. Muito antes das necessidades econômicas e do desenvolvimento tecnológico, o que empurra as nações da terra para um único destino comum é a alienação do ser lingüístico, o desenraizamento de todo povo da sua morada vital da língua. (Agamben, 2013).

A permanência e a continuidade dum modelo que prega que estamos em constante evolução e que o retorno a um modelo anterior não seria possível devido ao alto grau de avanços ocorridos desde a Revolução Industrial e, em especial, com o pleno desenvolvimento do Século XX, talvez possa ser verdadeiro quando tratamos das tecnologias e das formas com que sua inserção na sociedade aconteceram, o que nem de perto pode se traduziria numa realidade apreensível, isto é, que o retorno não seria possível no atual grau de abstração da sociedade em termos da tecnologia e da importância dela em nossas vidas cotidianas ―mesmo este texto não poderia ter sido escrito, impresso e publicado sem instrumentos tecnológicos para tanto. Esta máxima, contudo, não deve e não pode alcançar e sobrevaler na sociedade em termos humanos, ou seja, não há como se pensar que nós, seres humanos inseridos nos Séculos XX e XXI, somos “mais evoluídos” do que nossos antepassados (e aqui, novamente, os campos de concentração nazistas e todas as continuidades totalitárias que se apresentam nas democracias em pleno estado de exceção estão para provar o contrário).

Aqui é importante ainda mencionar o que Giorgio Agamben, no trecho acima, nos traz como sendo “o poder fundado na suposição de um fundamento”, algo que se revela como ilustração de nossa realidade humana. O fundamento está numa suposição de fundamento, da mesma forma que na sociedade atual encontramo-nos lastreados por suposições das mais variadas vertentes que, ao final, nada dizem e nada trazem, somente a permanência e a constância do pensamento de que os olhos da humanidade devem estar sempre voltados ao futuro, em que o passado, como dado inalterado, não pode contribuir com a construção de um novo velho ser humano, que tenha suas ações voltadas ao bem do ser humano e não a interesses unicamente privados, voltados para a satisfação exclusiva do “Eu” e ignorando o seu plural, “Nós”, transformando-nos em pequenos capitalistas das relações do Eu com os demais em sociedade (ou seja: somente o lucro pessoal é o que importa em detrimento de todo o envolvimento que afetivo, emocional e social que se poderia ter visando a pluralização). É a polarização dum discurso que não fomenta outra coisa que não seu próprio fundamento da suposição de um fundamento, errático e errôneo, que nos faz caminhar para outros níveis que não encontram respaldo na realidade, mas numa tergiversação do que seria o real.

O ser humano, em sua incompletude, é colocado como um ser completo na modernidade: o homem enquanto centro do universo se transformou num adágio que, ao invés de fazer com que o homem volte seu pensamento ao homem, não a si próprio, resultou no individualismo exacerbado e impulsionado pelo capitalismo, sobretudo pela sua faceta voltada ao consumismo desenfreado, vendo ilusões a milhares ―e milhões― de pessoas que não podem por elas pagar. Enquanto esse desastre da obra humana ocorre, permanecemos encarcerados em nossas próprias proposições que nada propõe, em nossa liberdade totalitária e em nossos escudos de defesa voltados à qualquer reação realmente humana que poderíamos experimentar e que, em última análise, nos negando, causando os muitos sofrimentos e apreensões que convivemos nesta pós-modernidade doente e doentia.

O homem depressivo é aquele animal laborans que explora a si mesmo e, quiçá deliberadamente, sem qualquer coação estranha. É agressor e vítima ao mesmo tempo. O si-mesmo em sentido enfático é ainda uma categoria imunológica. Mas a depressão se esquiva de todo e qualquer esquema imunológico. Ela irrompe no momento em que o sujeito de desempenho não pode mais poder. Ela é de princípio um cansaço de fazer e de poder. A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível. Não-mais-poder-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagrassão. O sujeito de desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo. O depressivo é o inválido dessa guerra internalizada. A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade. Reflete aquela humanidade que está em guerra consigo mesma. (Han, 2017a).

Vivenciamos uma sociedade performática, cujas aparências e imagens contam mais do que o real que pode ser apreendido e vivenciado em plenitude do ser. O nosso imaginário, assim, está inundado das mais diversas formas de “mundos perfeitos” que não se concretizam na realidade, uma vez que essa perfeição somente é atingida, quando muito, unicamente na acepção da linguagem, nos ruídos que balbuciamos sobre a vida e que, na verdade, não encontram respaldo no real da sociedade, posto que somos seres imperfeitos e, em nossa imperfeição, construímos sociedades perfeitas, prontas e acabadas, sem qualquer perspectiva de se pensar quanto o melhoramento humano depende do reconhecimento de sua imperfeição, de um sujeito que está preparado para receber e ser recebido quando necessário, imprimindo no seu cotidiano as relações sociais como devem ser estabelecidas, não falseadas por caprichos destoantes do Eu em sociedade, que geram as doenças psicossomáticas que nos deparamos na atualidade e que fomentam percepções distintas do quanto somos atingidos e do quanto nos deixamos atingir por essas questões inerentes dos conflitos emergentes do Eu com o Eu e com o Nós, ou seja, das relações intrapessoais e interpessoais, do privado e do público.

Considerar a alienação do homem na atualidade e a possibilidade de mudanças dentro de sua estrutura epistemológica perpassa o reconhecimento de ao menos duas características: (1) que somos seres incompletos e, portanto, passíveis de mudanças e desenvolvimentos dos mais diversos; e (2) que não necessariamente devemos pensar apenas e tão somente no futuro, ignorando o passado, pelo contrário, podendo ser pensada com vistas ao futuro, mas com fundamentos e ideários dos quais já nos foram passados e repassados e que, em determinado ponto de nossa ignorância evolutiva lacrada em nossos simulacros interpessoais, deixamos para trás como algo ultrapassado e sem fundamento, que pode de maneira muito antagônica ser, em realidade, respostas às nossas angústias. Somente com o reconhecimento de nossa incompletude é que alcançaremos a necessária possibilidade emancipatória para reconhecermos que os ensinamentos passados podem estar voltados para o futuro se os compreendermos no presente, não num sentido messiânico ou utópico, mas enquanto forma possível para se desativar o dispositivo(2).

A ilusão da realidade nos faz entrar em espirais sem fim de aflição e angústia e ainda assim continuaremos criando meios de não aceitar os fatos, simulando nossas vidas como coisas reais de criações irreais. Não aceitamos que quando algo não possui solução deixa de ser um problema para se tornar um fato, o que nos atinge fortemente quando consideramos nossas tendências a fugir tanto dos fatos como dos problemas, encarando a tudo com possibilidades de soluções, mas sem pensar uma única solução, aumentando o sofrimento, a aflição e a angústia, que seriam menores caso aceitássemos e víssemos o mundo de outra maneira, de uma forma mais humana, que quer dizer, mais incompleta, com vistas às possibilidades de emancipação do Eu com o Eu e com o Nós. É assim que poderemos pensar numa abordagem diferente, abandonando o paradigma dominante e pensando em maneiras emergentes de se viver.

Deixou de ser possível conceber estratégias emancipatórias genuínas no âmbito do paradigma dominante já que todas elas estão condenadas a transformar-se em outras tantas estratégias regulatórias. Em face disto o pensamento crítico para ser eficaz tem de assumir uma posição paradigmática: partir de uma crítica radical do paradigma dominante tanto de seus modelos regulatórios como dos seus modelos emancipatórios para com base nela e com recurso à imaginação utópica desenhar os primeiros traços de horizontes emancipatórios novos em que eventualmente se anuncia o paradigma emergente. (Santos, 2000).

A experiência humana em termos de sociedade e de sociabilidade sofreu grande derrocada no Século XX. Se as filosofias iluministas, liberalista e contratualista impulsionaram e ensejaram transformações sociais das mais variadas estirpes, os campos de concentração trataram de apagar qualquer possibilidade de se pensar em termos de “soberania popular”, “cidadania” e “direitos humanos”. Pensar em (trans-)modernidade é pensar em como os institutos jurídicos possibilitaram os horrores tidos nos campos de concentração e, assim, sair desse paradigma dominante que nos cerca sobre uma realidade irreal e então tentarmos enfrentar conscientemente práticas emancipatórias que levem a um novo paradigma, a uma sociedade diferente que possa incutir verdadeiramente essa construção, não como ilusão ou sofrimento, mas como uma realidade constitutiva do ser humano.

Práticas meramente regulatórias são o fundamento de suposição que nos guia na vida cotidiana. Não basta estarmos inseridos num verdadeiro simulacro, precisamos ainda deixar e permitir que a irrealidade seja a condutora de nossas ações, algo que se prenuncia como verdadeiro problema, haja vista que seu resultado será um fato, não havendo solução para ele. Cabe-nos pensar, doutro ângulo, em práticas de emancipação neste sentido, para encontrarmos solução ao que ainda se constitui como um problema ou permaneceremos aguardando um ser humano “completo” quando não reconhecemos nossa “incompletude”, já que todas as bases se encontram numa realidade desumana e cuja sociabilidade está estruturada em práticas de referência repetitiva, nos tornando quase autômatos em ações automáticas que levam a resultados fáticos que nos induzem a um futuro sombrio, numa sociedade que muito provavelmente já tenhamos vivenciado muitas de suas formas.

A individualidade premente em tempos de extrema ganância pessoal é um dos muitos motivos que nos impede de enxergarmos as inúmeras possibilidades decorrentes dessa emancipação por um paradigma emergente. Enquanto estagnados que estamos, nos tornamos incapazes de reconhecer que a (trans-)modernidade requer movimentos dentro do sistema, tornando-o capaz de lidar com a complexidade do mundo sem pensar ou lidar com novas possibilidades. Nosso estágio atual, entretanto, configura-se num engessamento de nossos individualismos e deixamos de perceber todo o mundo que se abre por meio de novas perspectivas paradigmáticas, que estão embaçadas, suplantadas e escondidas por um modelo neoliberal que prega a inércia do sujeito, fechado em suas doenças psicossomáticas.

O reconhecimento dessa situação é essencial para que possamos afastar essa nefasta realidade de nossas vidas e promover a superação paradigmática necessária para pensarmos em termos de (trans)modernidade, de uma modernidade em transformação constante, que visa novos caminhos a serem trilhados. Embora nosso esgotamento físico e mental, por vezes, nos levem a tentar adiar a aceitação de nossa própria situação, devemos entender que somente por essa prática poderemos sair do comodismo de ideias prontas e acabadas para seres humanos incompletos, algo que, por si só, demonstra-se conflitante em seus termos.

O mundo em Quantum Critic (de Willis Santiago Guerra Filho)

Se devemos entender o reconhecimento de uma situação ao qual leva pensarmos uma possibilidade de (trans-)modernidade, uma modernidade que pode ser vista como sempre em transformação, precisamos igualmente identificar como os gatilhos prementes de existência dessa motivação podem ser encarados na realidade. Essa mudança nos é proporcionada pela análise da nossa própria condição, que se apresenta como preponderante para compreensão dessa possibilidade de mudanças com o reconhecimento de nossa situação nadificante num mundo em pleno e completo estado de exceção que enseja, por isso, uma releitura de nossos caminhos e conclusões.

Assim, o mundo que conhecemos, se tomado por ponto de partida o seu estado de quantum critic, deve ser visto como o mundo em que as partículas coisificadas acontecem nos extremos, no limiar da mudança entre um e outro fundamento de existência, como a fronteira extrema que separou nos campos de concentração o humano do não-humano. Se tomarmos como indícios dessa vivência o mundo em quantum critic, por via de consequência confirmaremos a máxima trazida por Eric Hobsbawm ―talvez um e senão o maior dentre os historiadores (OEV)― que vivemos numa “Era dos Extremos”(3), já que vivemos um século breve e extremado, todo ele edificado em catástrofes e crises que permeiam a existência humana e que se fundaram nossas experiências políticas, históricas, sociais e jurídicas(4).(Hobsbawm, 1995).

Essa conclusão é muito significativa para nós, já que é nos extremos máximos, como próximo do zero absoluto (WSGF), que surge o quantum critic, a mudança e transição de fases que se torna inteligível mesmo encontrando-se na extremidade de tudo o que é conhecido. É no limiar de indistinção entre um estado e outro de transmutação que se encontra o quantum critic, manifestado neste infinitésimo de diferenciação entre seu estado atual e o novo que se prenuncia(5) .É nesta fase de transição que veremos a possibilidade de construção do mundo em quantum critic.

Da mesma forma que na natureza o quantum critic representa o infinitésimo ou velocidade instantânea entre as mudanças de fase, a fundamentação da ciência se encontra no quantum critic da transição do pensamento escolástico livre da álgebra para o pensamento moderno, totalmente dominado pela simbologia matemática. É deste ponto, ou mundo obscuro, de onde apostamos poderá surgir a filosofia superadora da dicotomia entre filosofia natural e filosofia humanística, uma dicotomia das dicotomias, quando outras haverão de ser igualmente superadas. (Guerra Filho, 2017).

A superação paradigmática que aqui se encontra é uma forma de se conceber novos caminhos à filosofia. É de se considerar, dentro das muitas possibilidades que se apresentam em nossa sociedade, que nos encontramos num “mundo obscuro”, um local extremado que pode significar a justa mudança da dicotomia que nos encontramos, com o reconhecimento do estado de exceção que se fomenta e fundamenta em nossa realidade. Essa terceira via, a filosofia superadora, se apresenta como um caminho viável no quantum critic do mundo atual, principalmente se a analisarmos sob um viés de uma (trans-)modernidade com vistas ao futuro, mas sem esquecer de sua própria história constitutiva e que pode, em suas acepções, mudar seu ângulo de investidura analítica e permear o passado para edificar essa nova filosofia visando antes de tudo o ser humano.

É o que pensamos quando colocamos em premência de fundamento a própria vida, esta muito relevada e ignorada nos Séculos XX e XXI. A completa desumanização do homem pelo próprio homem através de mecanismos e aparatos jurídicos que permitiram sua total eliminação ―seja pelos campos de concentração dos regimes totalitários ou pela bomba nuclear dos governos democráticos―, a vida que não vale a pena ser vivida, a segregação e pré-conceitos criados em torno de estrangeiros, refugiados ou minorias sexuais, são alguns dos exemplos mais pungentes que revelam que a vida humana encontra-se implicada em todas as relações que se estabelecem em sociedade, ainda que o lucro e o consumismo desenfreado não foquem nestas formas, ignorando a vida e enaltecendo o consumo do homem. É pela exclusão-inclusiva que essas vidas são vistas e, por isso, mera vidas biológicas, sem qualquer sentido de existência para além dessa constatação.

O moderno ―e quando assim colocamos tratamos especificamente das filosofias que construíram suas bases, mais especificamente o contratualismo e o liberalismo― fracassou em seu intento de colocar o homem como um ser que, por definição, é um sujeito consciente, sabedor de seus direitos e deveres, livre dentro da sua condição humana. O moderno foi enterrado quando os campos de concentração surgiram e diversos seres humanos foram descaracterizados de sua condição, subcategorizados em “raça inferior”, sem que se pudesse ter claro o ser e qual definição humana se recairia sobre esse ser. Trazer novamente a vida para ser inserida na filosofia enquanto construção viva juntamente a um ser que não encontra sua definição em tempos de pós-modernidade é reconhecer a importância da (trans-)modernidade nesta formação filosófica.

Nesta última perspectiva, há sentido no universo e esse sentido é a vida, não havendo sentido na vida para além de si mesma ―pelo menos, para os seres vivos. A filosofia, então, pode ser posta a serviço da vida, nesse ser vivo que somos nós, conscientes do fim da vida, o que pode nos tornar a vida sem sentido, cabendo à filosofia velar pela continuidade da vida nesse ser que a altera e questiona, altera-se questionando-a, tendo desenvolvido um conhecimento tal e uma organização social de tamanha complexidade e poderio que pode destruí-lo, rápida ou lentamente. E na base desse conhecimento está uma epistemologia, havendo ainda uma base biológica, vitalista, para a epistemologia, pois ela, como todo conhecimento, é uma função vital dos seres humanos. (Guerra Filho, 2017a)

A filosofia voltada à vida pode ser vista como uma filosofia com sentido, pontuando aqui que a comunidade que vem pode encontrar-se fundada nos questionamentos que a própria filosofia deve fazer, ou seja, nas formulações voltadas à vida, ao autoconhecimento que o ser humano, em sua finitude, deve lidar diariamente. É um despertar do coma(6),trazendo novamente a vida como parte da filosofia e suas implicações na vivência em sociedade, no mundo em quantum critic.

O quantum critic, então, é o momento do momento, o que caracteriza a linha tênue que separa entre um e outro e que se constitui como a massa crítica da transformação, da transmutação de uma realidade para outra. É dizer: o quantum critic, nas diversas áreas da ciência e das humanidades, é o ponto de mudança e transmutação de um estado ao outro e o reconhecimento de tal possibilidade dentro da epistemologia, da filosofia, é reconhecer que existe esse momento, esse infinitésimo de segundo que nos separa de uma e outra e que requer não somente nossa percepção aguçada para percebermos as nuances dessa transmutação, como igualmente que estejamos receptivos a ela. Encontrando-se num infinitésimo de momento, ser-nos-ia muito mais cômodo deixá-la passar ou ignorá-la, motivo pelo qual a constante autocrítica da nossa situação é fundamental para o reconhecimento desse quantum que nos caracteriza e que, em sentido particular, nos fomenta o verdadeiro avanço.

Se nos falta o conhecimento matemático para entendermos as partes em relacionamento com o todo (WSGF), nos falta também a capacidade de reconhecimento dos temas importantes de redescobrimento da vida e que se inserem nesta mesma realidade. Falta-nos, assim, a sobriedade para enxergamos nossa incapacidade ―e, portanto, que somos seres incompletos numa modernidade que insiste em nos tornar completos― para compreendermos essas situações da vida. São muitas transmutações para pensarmos num quantum critic filosófico e possível, sabendo realizar os devidos questionamentos para entendermos o mundo, a realidade e reconhecermos a mudança do nosso estado de coma ao mundo em quantum critic que se apresenta, aberto a mudanças.

Esta filosofia nova, a que denominaríamos sem restrições como filosofia quântica, do quantum critic, necessita entender minuciosamente a ciência moderna para fazer as perguntas apropriadas, a fim de que a ciência atual procure também estas respostas, ou estaremos destinados à estagnação, atolados em informação e sem um quadro referencial que a transforme em comunicação, entendimento e, mesmo, porque não dizer, amor. (Guerra Filho, 2017b).

A receptividade ou não dessa nova filosofia quântica se mostrará fundamental para encontrarmos os parâmetros de respostas necessários. Uma “pureza” filosófica está longe de cogitação quando pensamos nesta acepção dos quanta, motivo pelo qual entendemos a proposição do professor Willis Santiago Guerra Filho ao tratar sobre nossa incapacidade de lidar com questões que permearam o pensamento humano desde a Antiguidade, premeditando a nós, pós-modernos, uma incompletude por nos encontrarmos distantes de debates intrínsecos à nossa existência, de temas que nos são muito caros e que relevamos para incutir apenas que o todo está presente em todas as partes, sem considerarmos, doutra vida, as relações que se podem (e devem) estabelecer entre as partes e o todo.

Temos um amontoado de informações que nada dizem, que não nos dizem respeito e, ainda assim, a consideramos mais valorativas do que as questões que realmente poderiam incorporar algum sentido à vida, como a filosofia se colocando a serviço dessa vida, desse sentido que procuramos empregar a ela ao mesmo tempo que fugimos de todas as confrontações necessárias para sua formação, para nossa própria formação. Ignoramos os questionamentos que nos fariam seres humanos melhores, enquanto outros, pautados num discurso que não nos pertence, são colocados como fontes de nossas “mais notáveis” mentes, na tentativa de prever um futuro impossível de previsão, que agem e nos impedem de pensarmos as relações das partes com o todo numa realidade atual, tornando nosso pensamento macro ―quando somente o todo nos interessa― ou micro ―quando a parte nos traz objetos de interesse― sem considerar como ambos se relacionam e se intermedeiam nas formas de um sistema social em que estamos todos inseridos, numa condição nadificante que perpassa o não-reconhecimento das muitas possibilidades do momento do quantum critic.

Vemos então que não podemos ter uma visão de mundo voltada ao determinismo ou, caso contrário, estaríamos encarcerados em doutrinas fechadas, prontas e acabadas, não ocorrendo possibilidades de se repensar o nosso pensar e, mais do que isso, não tendo qualquer como considerar uma nova forma de filosofia que possa surgir com o mundo em estado de quantum critic, ou seja, com o pensamento voltado às possibilidades de transmutação, de transformação, de (trans)modernidade, dentro de uma sociedade que não seja determinada, mas incerta(7), sendo sua única certeza as possibilidades que se abrem, afinal de contas, “simplesmente, não tem mais sentido, no mundo ultracivilizado ocidental, continuar pregando o que não seja a in(ter/trans) disciplinaridade das filosofias, seu emaranhamento quântico” (Guerra Filho, 2017a), reconhecendo-se a necessidade de pensarmos fora dessa realidade que nos é apresentada ―e podemos dizer que é criada, simulada, simulacrada (além de simulada é lacrada, fechada), que nos traz dores e sofrimentos― neste estado de transmutação para pensarmos novas maneiras de se ver o mundo e o ser humano.

A análise estrutural, ao revelar o quantum filosófico em diversas formas de pensamento, no campo mais amplo da filosofia e outros mais restritos, em relação ao primeiro, como o da filosofia jurídica ou mais amplo, como o da Teoria da Comunicação, permite não apenas que elas sejam melhor conhecidas, até por meio de uma quantificação, como também traz consigo a possibilidade de se propor rearranjos de maneira mais consciente, tal como até o presente não teria ocorrido, realizando verdadeiros experimentos filosóficos. (Guerra Filho, 2017a).

O quantum que a filosofia carrega em suas estruturas pode ser encontrado nas mais diversas áreas do conhecimento e, da mesma forma que a filosofia se encontra receptiva às formas de quantificação que lhe são fomentadas, entendemos também que a filosofia, ao cumprir um papel quantitativo na vida, no seu sentido, nos permite concebermos novos modelos de estruturação de nossas próprias faculdades, que em nossa modernidade foi relevada, ainda que se tenha o colocamento do ser humano como centro e como sujeito da relação de conhecimento com o objeto, o seu deslocamento é fundamental para que possamos entender essa transmutação do mundo, no infinitésimo possível do extremo em que o quantum critic cumprirá seu papel de inovar a realidade, de transformá-la, de levar a pós-modernidade marcada pela desumanização à uma (trans-)modernidade que reconhece na filosofia quântica diferentes formas de concepção dessas mudanças.

Por mais cômoda que nossa realidade possa parecer, as tentativas de abrirmos a porta da casa e sairmos às novas perspectivas do mundo é ainda mais difícil de tentar. Temos apego ao que conhecemos, mesmo que nesta realidade a dor e o sofrimento sejam os principais estímulos que recebemos do mundo. Quando reconhecemos a sociedade em estado de quantum critic, a possibilidade de sairmos deste “veneno mortal” ―ou mesmo do nosso coma existencial― se apresenta como uma possibilidade viável de construção de um novo ser humano, de uma nova filosofia e de uma nova realidade, cujas partes se relacionam com o todo e cuja permanência dessa realidade a qual estamos apegados não se torna viável.

As transmutações decorrentes deste novo estágio, quando reconhecido e aceito, levam a um novo estado, em que o apego às coisas permanentes e certas, como se o futuro pudesse ser determinado e previsível, modificam nossa visão do mundo e da transformação possível. Se estamos apegados à realidade da forma que a vemos, ainda que com todos os sofrimentos dela decorrentes, o futuro será condicionado a este mesmo sofrimento, ao permanente que o apego não permite modificar. Veja-se então que o quantum critic nos oferece uma possibilidade de libertação, calcada numa incerteza, numa perspectiva de se pensar o humano com outra visão, voltado a outros interesses e cujo apego não estará em sua concepção da realidade, que somente lhe causa sofrimento, mas na possibilidade de focar em sua vida, dentro de uma comunicação que possa realmente levar ao comunicar-se humano.

A rede global de comunicação, aclamada como porta de uma nova e inaudita liberdade e, sobretudo, como fundamento tecnológico da iminente igualdade, é claramente usada com muita seletividade ―trata-se na verdade de uma estreita fenda na parede, não de um portal. (Bauman, 1999).

A decorrência clara de vivermos apegados àquilo que nos traz sofrimento é a impossibilidade de sairmos desse espectro de visão, ou seja, estaremos sempre fadados a enxergar o mundo partindo desse apego sem igual à uma realidade que nos faz sofrer. É neste mundo abalado e de irreconhecimento do quantum critic, da partícula quântica que fomenta a transmutação de nossa situação dependente do sofrimento, que deve ocorrer a mudança, ensejado a (trans-)modernidade de sua característica transformadora, mudando nosso foco do apego à realidade para construção de uma realidade em que a filosofia poderá servir à vida, ao seu sentido mais salutar.

É no infinitésimo do extremo desse mundo em quantum critic que essa possibilidade se fará nascer. Aliás, com todos os acontecimentos do Século XX e também deste XXI, a Era dos Extremos nos permite conjecturarmos que este infinitésimo já se encontra em seu estado de quantum critic, faltando o nosso reconhecimento de sua evidenciação enquanto fator primordial na mudança e na superação paradigmática que devemos necessariamente perpassar para encontrarmos novas formas de lidar com a desumanização, com os dilemas e com todas as doenças psicossomáticas e físicas que acometem o homem na atualidade, através de uma filosofia que nos permita enxergar a (trans-)modernidade como um fator real de mudança, que não necessariamente virá do futuro, mas que se realizará nele.

Papel da (Trans-)Modernidade no mundo (em “Estado de Quantum Critic”)

Estamos num estágio de inegável transformação. A realidade em que estamos acostumados a vivenciar passa por verdadeira crise identitária que não lhe cega às possibilidades que se apresentam e que ensejam as transmutações necessárias. É dizer, sem margem para erro, que a cegueira coloca em risco enxergamos a manifestação do quantum critic no nosso mundo, estigmatizado pela não-aceitação de mudanças estruturais mesmo quando as próprias estruturas encontram-se flutuando, sem bases para permanência numa sociedade pautada pela ingerência do ser humano com relação ao próprio ser humano.

Não lidamos com a vida e com nossa realidade da forma que deveríamos. Não enfrentamos nossos problemas, fugimos deles; tratamos fatos como problemas, procurando soluções para algo consumado, fático; não aprendemos com o sofrimento que o apego à realidade nos causa, pelo contrário, continuamos repetindo nossos erros. Consideramos, até por certos aspectos, fugaz e inútil lidarmos com determinadas situações, lidarmos com nosso próprio Eu, para enxergamos a vida de outra forma, duma forma quântica.

O legado da humanidade à (trans-)modernidade será, desta maneira, descer do pedestal em que o próprio homem se colocou e reconhecer que a transformação é factível e viável dentro de suas próprias formas. Se o homem retirou Deus e se colocou em seu lugar ―e aqui nem mesmo fazemos referência ao clássico ato de Napoleão Bonaparte ao arrancar a coroa das mãos do Papa Pio VII e se auto-coroando Imperador de França e mostrar a superioridade do poder terreno e mundano sobre o eterno e sagrado―, mas sim da pretensa autossuficiência humana frente à sua verdadeira forma, incompleta e frágil, reconhecendo-se, desta maneira, não somente a mudança do paradigma dominante atual, como nossas próprias mazelas e patologias, possibilitando o mundo em quantum critic de se realizar.

Aliás, este é outro problema que se relaciona com o quantum critic, caracterizado pela falta de empatia e de reconhecimento dentro do próprio grupo que existimos, não havendo o mínimo de respeito ao outro, ao diferente, que não é um inimigo, mas simplesmente alguém (uma parte) que está também neste mesmo mundo em transformação (o todo), algo que sem dúvidas recai até mesmo na forma com que a política e o governo se portam atualmente.

Donde antes la pertenencia social se definía em primer lugar por condiciones y status de distinto tipo (nobles y miembros de comunidades de culto, labriegos y mercaderes, padres de familia y parientes, habitantes de la ciudad y del campo, señores y clientes) y, sólo en un segundo momento, por la ciudadanía, con los derechos y deberes que implicaba, ahora es esta la que se convierte como tal en el criterio político de la identidad social. (Agamben, 2017).

Por isso, repensar o papel da filosofia na sociedade (trans-)moderna é essencial nesse mundo, nessa crise existencial em que estamos todos inseridos. Devemos pensar a filosofia de forma quântica, como uma partícula genética necessária para se compreender o mundo e enfrentar as discussões sobre ele. É pensar de formas interdisciplinares, pois a própria filosofia ao se permitir a abertura aos quanta, está se colocando em possibilidades de enxergamos o todo com relação às partes e de como igualmente nossa vida encontra-se conectada aos fenômenos, dos quais não estão dissociados de nossa vivência e, se assim o considerarmos, estaremos também a afirmar (e reafirmar) nossos sofrimentos, fazendo com que as condições políticas, sociais e jurídicas, longe de se permitirem transformam e superar o paradigma dominante, permaneçam engessadas e conservando sua imutabilidade.

Os fenômenos não estão desconectados da realidade, embora muitas vezes pareça que nós, humanos, sim, estamos totalmente dissociados da realidade e assim não identificamos os fenômenos, suas conexões e a interdependência do ser humano com todas as demais áreas, tornando o conhecimento tão precário e parcial quanto nossa própria existência nesse mundo, sem conseguir reconhecer e discernir nossa atuação e os reflexos causados por ela. Como alertado pelo professor Willis Santiago Guerra Filho, temos uma grande dificuldade ―herança de nossa modernidade― de reconhecermos a relação do todo com as partes, o que influi diretamente nas questões que envolvem nossa atuação na sociedade, principalmente por não conseguirmos lidar com essa realidade como ela deve ser enfrentada, aumentando nossos sofrimentos e nossos apegos a fundamentos que nada fundamentam, tornando dificultosa a mudança e a transmutação necessárias.

Este é um papel que, em tempos de total esgotamento físico e mental do homem, bem como dos fracassos liberais e contratualistas, que o reconhecimento do mundo em estado de quantum critic pode proporcionar, levando ao necessário autoconhecimento, à autocrítica, ao primordial desprendimento dessa realidade massacrante e sofrida que nos apegamos como se tudo estivesse bem e normal num navio naufragando. Tal parte constante da acepção crítica da realidade deve ser entendida na era dos extremos como a possibilidade de virada e da retomada de um pensar humano, uma vez que estamos vivenciando como a incapacidade de lidar com determinados pontos da história e do pensamento modernos ―como o estado de exceção enquanto ou os regimes totalitários encampam também a incapacidade que nos cerca para compreender a dominação de um paradigma que não nos abandona e, pelo contrário, concentra ainda mais sua forma de poder dentro da gerência governamental.

Si hoy en día presenciamos la dominación aplastante del gobierno y la economía sobre una soberanía popular que ha sido progresivamente vaciada de todo sentido, es tal vez porque las democracias occidentales están pagando el precio de una herencia filosófica que habían asumido sin beneficio de inventario. El malentendido que implica concebir el gobierno como simple poder ejecutivo es uno de los errores más cargados de consecuencias en la historia de la política occidental. Se ha discutido sobre el hecho de que la reflexión política de la modernidad se esconda detrás de abstracciones vacías como la ley, la voluntad general y la soberanía popular, dejando el problema del gobierno y su articulación de lo soberano. (Agamben, 2010b).

O governo não é apenas o poder executivo, mas engendra outros mecanismos e concepções que recaem sobre toda a forma de governabilidade e formação da vida em sociedade, sem que com isso tenhamos tempo de pensar se a política moderna é, de forma evidenciada, uma política democrática. A filosofia, em sua ânsia modernista de exigir a verdade absoluta, tornou-se em sua essência a não-filosofia, ensejando a desconstrução dessa formação dialética que lhe é própria. Deixou de pontuar a inconclusão para nos fornecer a segurança que todos necessitamos para viver, contribuindo para nossa cegueira da realidade e pela certeza de que somos seres completos, falácias essas vendidas e propagadas como verdades fundamentais de nossa existência e que, com o advento dos regimes totalitários, demonstrou a precariedade da vida humana nestas verdades e certezas que não combinam com nossa condição.

Este é um ponto crucial para se reconhecer o mundo em estado de quantum critic e que este reconhecimento nos propicia compreender. Não há a exigência da verdade, mas de que as condições atuais encontram campo de modificação, de transmutação ―de (trans-)modernidade― para pensarmos em como a vida humana incide nas relações sociais nas formas que se encontram estabelecidas e como podemos modificá-las, ensejando e construindo no ser humano outras possibilidades de vivência, estas não fundadas na certeza absoluta e perquirição da exigência da verdade e sim no entendimento e na aceitação de nossa condição de seres incompletos, inconclusos, em cuja realidade se vive não pela certeza e pela iminência de que a verdade deve ser encontrada a todo custo. Essa vida deixa de ser vida vivível ao excluir a dialética, própria do ser humano, para incutir a verdade como única forma possível de se viver. Encerrando as possibilidades de dialética num ser que é por essência dialético, a contemporaneidade cria no ser humano diversas doenças que lhe afligem a alma, o corpo e a psique sem lhe permitir quebrar os grilhões, já que apresenta uma única realidade possível e passível de vivência.

Ora, se vivemos tempos sombrios em termos de governo, igualmente não podemos deixar de considerar que a própria vida do homem assim está, como um prolongamento da sua vida social. Pensar que o mundo em quantum critic pode significar o resgate de uma essência filosófica que se encontra esquecida, suplantada nas instâncias inferiores enquanto a busca incessante por uma verdade, por uma certeza absoluta, constituem o fator de “segurança” humana é considerar que existe ainda como sair da caverna de nossa cegueira. A partícula do quantum critic se encontra, como colocado pelo professor Willis Santiago Guerra Filho, nos extremos e próximo a essas categorias que se intensificam ―como o zero absoluto―, sendo crível dizermos, neste momento, que a modernidade propagou a segurança, a certeza e a verdade de maneira tão contundente que as tornou absolutas, condição essa que, em nossa era dos extremos, permite o reconhecimento da necessária transmutação de um estado ao outro.

É a normalização do inadmissível que se torna prática certa de governo, tornando o estado de exceção a regra por excelência da modernidade, calcado em formas distintas de se considerar a vida inserida em sociedade ―como por exemplo eximir militares de investigação e processo em casos de assassinato.

Um dos paradoxos do estado de exceção quer que, nele, seja impossível distinguir a transgressão da lei e a sua execução, de modo que o que está de acordo com a norma e o que a viola coincidem, nele, sem resíduos (quem passeia após o toque de recolher não está transgredindo a lei mais do que o soldado que, eventualmente, o mate a esteja executando). (Agamben, 2010a).

A (trans-)modernidade é o momento de transformação, de transmutação da comunicação, do conhecimento e do ser humano pois é quando o homem se encontra no seu extremo da segurança de “verdades absolutas” que o quantum critic aparece. É por ele que o sentido da vida, aquele vínculo esquecido entre os homens na (e em) sociedade pode ser reconstruído, pensando não em termos únicos de uma sociedade, com sujeitos individualizados e individualistas, porém, em termos de comunidade, de humanização dos vínculos há muito esquecidos.

É necessário pensarmos em termos de sociedade e que esse pensamento possa ser, em suas medidas, crítico ao sistema operante na atualidade, criador duma realidade diametralmente oposta ao que se vive ―uma espetacular simulação do real― verificando no campo de atuação crítico do pensamento um permitir a novos caminhos para sairmos desse estado de torpor existencial que não nos deixa ir além de nosso apego incessante a esta simulação, ao que não nos traz nada de novo e permanece encampando nosso imaginário. Tanto é uma necessidade como uma realidade, posto que os regimes totalitários, longe de serem uma parte esquecida e apagada da história com o fim da Segunda Guerra Mundial, retoma com grande força não somente nos países Europeus, como igualmente no continente Americano (caso de Estados Unidos e, mais recentemente, o próprio Brasil).

A dialética, o ser crítico, é característica do humano. A passividade dos tempos pós-modernos ignora sua consciência universal e salutar, em que o pensamento não é voltado para algo crítico, político, fomentando debates e fundamentando sua vida em bases realmente vivas. Sua realidade, doutro modo, é acrítica, pautada na permanência da situação por mero comodismo, por não se permitir ao reconhecimento da mudança iminente que se aproxima e se lastreia através dessa (trans)modernidade, da modernidade que alcançou seu ponto crítico.

Dentro desse prospecto, verificamos como as condições psicossomáticas aumentaram significativamente, sendo que a depressão, hoje, se constitui como um dos principais problemas que nos levam a reconhecer o quantum critic, pois as relações sociais estão rompidas, já que não enxergamos como as relações do campo de concentração ainda se encontram presentes e fundamentando inclusive nossas relações políticas, estruturadas sobretudo na segurança jurídica como pressuposto de existência desses Estados.

O sujeito da obediência e o sujeito disciplinar se encontram com o outro, que se manifesta como Deus, soberano ou consciência moral. Estão submetidos a uma instância exterior, da qual provêm não apenas repressão e punição, mas também gratificação. O sujeito da sociedade de desempenho, ao contrário, é marcado por uma autorrelacionalidade narcisista. Em virtude da falta de gratificação por parte do outro, ele se vê obrigado a produzir sempre mais e cada vez com melhor desempenho. (...) A depressão pode ser qualificada como uma perturbação narcisista, tendo seu ponto de partida em uma relação rompida com o outro e também com a falta de relacionamento externo e com o mundo. (Han, 2017b).

O modelo instituído de convivência interpessoal abala também as possibilidades de convivência intrapessoal, que novamente, ao tornar para o exterior, estará corrompida e comprometida. Não que todas as formas de relações sejam nocivas, mas temos que a crescente onda pautada numa obediência extremada ―cuja constância de repressão, punição e gratificação se entrelaçam na mesma pessoa― leva à depressão que não somente é vista no sujeito, como em toda a sociedade, que se funda em pressupostos outros, buscando interesses desvencilhados com a real vida em sociedade. O ser humano deixa de ser compreendido em sua dialética de existência para viver tão somente focado em seu individualismo pungente e reinante, um sintoma muito característico dos tempos pós-modernos (desde a abdução e captura pelo celular e seus aplicativos até as redes sociais que possuem papel primordial no dessocializar).

A disfunção social que surge com as doenças psicossomáticas engendram um individualismo preocupante que passa a ser visto em outras áreas da vida, isto é, ganham força em terrenos que, teórica e oficialmente, não deveriam nem ao menos postular uma vaga. Quando o ser humano encontra-se doente, a sociedade igualmente se desvanece e passa a sofrer com seus próprios males, com suas doenças próprias de um corpo febril ―aqui não somente fazemos relação à medicina humana, como também à “medicina política”― tornando a relação do homo sacer com o poder soberano constitutiva do estado de exceção e ainda mais: do estado de exceção enquanto regra.

É o que se percebe com o surgimento dos regimes totalitários no início do Século XX e que hoje se concentra, quase um século após, no ressurgimento de um viés da extrema-direita em diversas partes do Mundo, imprimindo a relação de exceção como própria e características dessas supostas democracias, que antes de tudo e em verdade, se lastreiam pela exceção e por práticas totalitárias, tornando o discurso a principal forma de apreensão da sociedade e do ser linguístico. Veja-se como, por exemplo, a jurisdição de exceção possui papel fundamental para criar a situação de exceção ou mesmo para convalidar a exceção já existente, algo que fica muito evidenciado nos acontecimentos recentes da República Brasileira, mas especificamente o que ocorre desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, perpassando pelos desmandos da Lava-Jato e, mais recentemente, pela assunção do juiz responsável por essa operação sendo elevado ao cargo de Ministro da Justiça ―confirmando que os julgamentos eram e são políticos e denotando o estado de exceção como regra pelo Poder Judiciário.

A exceção estará presente na jurisdição quando suas decisões se apresentarem como mecanismos de desconstrução do direito, com finalidade eminentemente política, seja pela suspensão da própria democracia ―como ocorreu, por exemplo, na América Latina, em países como Paraguai e Honduras―, seja pela suspensão de direitos da sociedade ou parcela dela, como de fato ocorreu e ainda ocorre no Brasil. (Serrano, 2016).

As tendências e características totalitárias estão presentes de maneira muito marcante nos eventos mais recentes ocorridos no Mundo Ocidental, seja nos países do Hemisfério Sul ou Norte. A pujança de sua presença se faz sentir tanto nos atos com força-de-lei do Executivo como pela convalidação pelo Poder Judiciário, parte integrante do todo que é o Estado, que ao invés de sopesar juntamente ao Legislativo e Executivo para que um freie o outro, encontra-se na mesma máquina de instituimento do estado de exceção enquanto regra, tornando o homo sacer o fundamento originário da política moderna e que não pode ser ignorado ―como os campos de concentração o são― na construção de uma real (trans-)modernidade.

Aceitar a nossa condição de ser inconcluso e inserido no estado de exceção como regra é técnica de governo é o primeiro passo de reconhecimento para que a (trans-)modernidade seja um realidade, pois este é o infinitésimo de segundo para nós nos inserirmos no já existente quantum critic. É de se dizer que o ser humano precisa se encontrar em sua condição nadificante na atualidade e, com práticas emancipatórias, prover uma nova realidade e uma forma de se pensar em possibilidades outras que levem a verdadeiras formas democráticas que não perpassem o totalitarismo que vivenciamos na atualidade, com a crescente desilusão da política e a depressão com a vida.

A contribuição que a filosofia poderia permitir, nestes interstícios, se mostra quando vemos, apesar do nosso apego à realidade conhecida, que existe ainda insatisfação com essa mesma realidade, imprimindo, assim, um caráter de questionamentos das certezas e verdades absolutas impostas na modernidade. O quantum critic é, também, o momento de reconhecimento do pensamento crítico ao nosso estado atual, ensejando a mudança, a transmutação que a (trans)modernidade pressupõe e propõe, possibilitando sair da condição catatônica que leva à cegueira do totalitarismo social e inclusive do privado (com a depressão).

Considerações Finais

O mundo em estado de quantum critic é uma realidade se nos permitirmos enxergá-la sem nossos pré-conceitos, pré-juízos e se deixarmos de lado o apego incondicional que empregamos grande força e que, ao final, somente faz crescer as doenças psicossomáticas que nos afligem. Se nosso sofrimento possui como base a inclinação àquilo que nos distancia de nós mesmos e dos demais, vemos que esta constatação foi levada à um limite sem igual com as tecnologias e com o advento da pós-modernidade, que se afasta do ser humano na mesma medida que o exalta.

Se a (trans-)modernidade encontra-se no futuro projetado por esta realidade, mais do que nunca é preciso repensarmos então o que entendemos e o que podemos, teleologicamente, pensar sobre o que seria “um verdadeiro futuro”. É aqui que o reconhecimento do estado de quantum critic no mundo atual pode nos auxiliar a fornecer outras bases estruturais para considerarmos a modernidade em transmutação, em constante mudança, não estagnada em seus próprios fundamentos como se fosse a última ratio da evolução humana que, formada de seres pretensamente completos, somente faz transparecer sua incompletude e suas patologias mais severas do seu individualismo dominante em detrimento do humano, promovendo de forma muito evidenciada nas últimas décadas o ressurgimento de um pensamento totalitário e antidemocrático, que cresce de forma alarmante e assustadora em todas as partes do globo.

Vivemos uma grande crise existencial e sem precedentes na história, muito em função das tecnologias que nos assolam, como igualmente de nossa própria condição maquinal, transformados em meros espectros de existência que não permitem o reconhecimento de nossa condição de fragilidade, incerteza e incompletude no mundo ―que o quantum critic permitiria perceber―, incidindo sobre nossas vidas, meras espectadoras de uma realidade inóspita, a impossibilidade de mudança se continuarmos concentrados em certezas e verdades distantes da vida, que se encontra em transmutação, caso consigamos perceber esses seus sinais.

A o mundo em estado de quantum critic é aquele que nos permite reconhecer que as transformações que necessitamos podem ter suas bases nas muitas crises da atualidade que, estruturadas nesta ausência de dialética e na passividade acrítica, somente produzirá igualmente um pensamento não voltado ao humano, apenas centrando esforços na “continuidade” da evolução do homem quando, em verdade, as reais evoluções não estarão concentradas no desenvolvimento do ser humano e em suas relações sociais ―totalmente mitigadas― e sim somente na concentração de pessoas em grupos, sem que qualquer vínculo essencialmente profundo e existencialmente verdadeiro possa ser estabelecido e mantido.

A (trans-)modernidade, a modernidade em transformação, pressupõe que estejamos cientes de nossa condição e, portanto, que possamos ser autocríticos para fomentar as críticas filosóficas, políticas, sociais ou jurídicas fundamentais que permitirão visualizarmos o mundo em quantum critic, bastando para nós sairmos de nossa condição alienante e encontrarmos seus vestígios, como formas de nos entendermos e entendermos o que é o quantum critic, em sua condição extrema que enseja as mudanças (até mesmo para se enxergar que as mudanças existem e são plenamente possíveis).

Aliás, é de se destacar que a ideia de algo em transformação não é moderna (pós- ou hipermoderna), já que o mundo, a sociedade e o ser humano encontram-se em constante mutação, ou seja, a única coisa que não muda é que as coisas mudam e se transformam, por isso considerarmos a modernidade como (trans-)modernidade, uma modernidade ainda em transformação e transmutação para alcançarmos, quem sabe, o reconhecimento do nosso estado e desse mundo em quantum critic e não como algo pronto e acabado, pensamento este característico da modernidade e que levou ao totalitarismo e aos campos de concentração.

É neste ponto crítico que o despertar do ser humano propicia o entendimento de que a era dos extremos chega a um momento derradeiro e que o quantum critic para transmutação dessa realidade é algo novo e possível, um algo humano e que pode servir ao seus sentidos, que se encontra em fase de ebulição, quando não apenas o reconhecimento dessa mudança, como principalmente as ações voltadas para sua realização deverão, por consequência, serem consideradas como partes do todo, relacionando-se entre si na interdependência humana, realizando-se o quantum critic do mundo e da filosofia, com a (trans-)modernidade preparada para suas mudanças e aberta a realizá-las: um salto do ser humano para fora de sua depressão (particular e social).

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Notas: Sobre o tema, bem exposta Carl Schmitt ao considerar todas as acepções e conceitos que se transformaram com a epopéia criada em torno do Estado e de como a nova configuração partindo de outras formas de constituição estatais modificou as estruturas da vida política na Europa, findando com o iluminismo que tentou se construir: “A parte europeia da humanidade vivia, até pouco tempo, em uma época cujos conceitos jurídicos estavam totalmente cunhados pelo Estado e pressupunham o Estado como modelo de unidade política. A época da estatalidade chega agora a seu fim. Não há que perder mais palavras a respeito. Com ela chega ao fim toda superestrutura de conceitos relacionados ao Estado, erguida em quatro séculos de trabalho intelectual por uma ciência jurídica pública e internacional eurocêntrica”. (Schmitt, 2009).

3Acerca do importante processo de desativação do dispositivo que fomenta, igualmente, uma mudança do processo de dessubjetivação que a configuração do sagrado sobre o dispositivo acarreta, Agamben bem coloca sobre a necessidade de se profanar o dispositivo (e com isso o sagrado): “No lugar do anunciado fim da história, assiste-se, com efeito, ao incessante girar em vão da máquina, que, numa espécie de desmedida paródia da oikonomia teológica, assumiu sobre si a herança de um governo providencial do mundo que, ao invés de salvá-lo, o conduz - fiel, nisso, à originária vocação escatológica da providência - à catástrofe. O problema da profanação dos dispositivos - isto é, da restituição ao uso comum daquilo que foi capturado e separado nesses - é, por isso, tanto mais urgente. Ele não se deixará colocar corretamente se aqueles que dele se encarregam não estiverem em condições de intervir sobre os processos de subjetivação, assim como sobre os dispositivos, para levar à luz aquele Ingovernável, que é o início e, ao mesmo tempo, o ponto de fuga de toda política”. (Agamben, G. (2014). O Amigo & O que é um Dispositivo? Chapecó: Editora Argos, p. 51).

4Cf. Hobsbawm, E. (1995). A Era dos Extremos - O Breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Editora Companhia das Letras.

5Bem explica Giorgio Agamben quando consideramos toda discussão que a própria forma do que é “democracia” nos permite pensar e conjecturar, com duas perguntas centrais para levarmos em consideração sobre qualquer possibilidade de debate democrático: “¿De qué se habla al hablar de democracia? ¿De qué racionalidad depende este término, exactamente? Una observación, por poca que sea, muestra que aquellos que debaten hoy en día sobre la democracia entienden por este término a veces una forma de constitución del cuerpo político y otras veces una técnica de gobierno. Así pues, el término se remite a la vez a la conceptualidad del derecho público y la de la práctica administrativa: designa tanto la forma de legitimación del poder como las modalidades de su ejercicio. Como es evidente para todo el mundo que, en el discurso político contemporáneo, este término se relaciona más frecuentemente con una técnica de gobierno ―que, como tal, no es para nada tranquilizador―, se entiende el malestar de aquellos que continúan usando el primer sentido de manera sincera”. (Agamben, G. (2010b). Nota Preliminar Sobre El Concepto de la Democracia. En: Agamben, G. et. al. Democracia, ¿En qué estado? Buenos Aires: Prometeo Libros, p. 11).

6Cf. Guerra Filho, W. S. (2017a). Quantum Critic: Conhecimento e Comunicação em Transmutação Físico-Matemática. Tese de Doutoramento em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), pp. 88-9.

7Cf. Guerra Filho, W. S. (2017b). Transmutação Epistemológica: o Jogo entre Ciência, Filosofia e Mundo (em Estado de Quantum Critic). En: Carnio, H. G., Carvalho Filho, N., Rêgo, C. N. M. (Orgs.). Coragem e Racionalidade Jurídica: O Jogo sem Fim do Direito (pp. 417-438). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, p. 420.

8Sobre o princípio da incerteza num mundo em quantum critic, podemos citar outra vez mais o professor Willis Santiago Guerra Filho: “O princípio da incerteza tem implicações profundas sobre como vemos a natureza, simplesmente tornando a mesma em algo muito próximo ao espírito, que experimenta a sensação de liberdade. Próximos já de completarmos um século de sua formulação, o principio da incerteza parece que não foi ainda devidamente apreciado por filósofos e sendo ainda motivo de muita controvérsia entre cientistas. O elo entre Heisenberg, Planck, Duns Scotus e Guilherme de Ockham não foi devidamente explorado, tendo em vista a ausência de uma filosofia do espírito renovada, como aqui se vislumbra. O principio da incerteza foi o fim do modelo determinista. Não podemos prever os acontecimentos futuros com exatidão ―o pior é que não podemos nem mesmo medir nosso estado atual de forma precisa, mas temos o parâmetro transcendental da incerteza, que é uma propriedade fundamental do universo, pois até Deus respeitaria a incerteza”. (Guerra Filho, W. S. (2017a). Quantum Critic: Conhecimento e Comunicação em Transmutação Físico-Matemática. Tese de Doutoramento em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), p. 85).

Nota: Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017). Bacharel em Direito pela Universidade Nove de Julho (2014). Licenciado em História pelas Faculdades Integradas de Guarulhos (2009). Pesquisador do grupo “Epistemologia Política do Direito”

Nota: A preparação do artigo é apenas o trabalho do autor

Recebido: 25 de Maio de 2018; Aceito: 07 de Novembro de 2018

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