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Revista de la Facultad de Derecho

Print version ISSN 0797-8316On-line version ISSN 2301-0665

Rev. Fac. Der.  no.43 Montevideo Dec. 2017

https://doi.org/10.22187/rfd2017n2a3 

Doctrina

O Décimo Segundo Camelo no Poder Judiciário: uma análise a partir da Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiético

El Duodécimo Camello en el Poder Judicial: una análisis de la Teoría de los Sistemas Sociales Autopoyético

The Twelfth Camel in the Judicial Power: a analysis from the Theory of Social Systems Autopoietic

Pedro Ernesto Neubarth Jung1 

Leonel Severo Rocha2 

1Universidade Feevale, Brazil. E-mail: pedroneubarth@gmail.com

2Universidade Federal de Santa Maria, Brazil. E-mail: leonel@unisinos.br


Resumo:

O estudo abordará a forma como os Órgãos Judiciais Colegiados vêm se comportando perante a presença de um elemento externo “Décimo Segundo Camelo” ao subsistema jurídico. Examinando-se, assim, como o subsistema do Direito lida com a introdução de um elemento externo em sua operacionalização, através da observação sistêmica de Luhmann. Deste modo, para se atingir o determinado fim, utilizar-se-á métodos qualitativos de pesquisa, os quais auxiliaram nesta pesquisa, acrescentando-se, ainda, elementos práticos como a análise de um caso prático em específico, o qual será amparado por referencias bibliográficos, buscando-se, assim, soluções ao problema proposto.

Palavras-chave: sistemas autopoiéticos; tribunais; comunicação; subsistema do direito; Niklas Luhamnn

Resumen:

El estudio abordará la forma en que se comportan los Organismos Judiciales Colegiados frente a la presencia de un elemento externo al subsistema jurídico, el “Décimo Segundo Camello”. De esta manera, se examinará cómo el subsistema de derecho trata la introducción de un elemento externo en su operacionalización, a través de la observación sistémica de Luhmann. Es así que, para alcanzar el objetivo específico, se utilizan métodos cualitativos de investigación ya empleados en este estudio, incorporándose, también, elementos prácticos como el análisis de un caso en particular, el que será respaldado por referencias bibliográficas, buscándose así, soluciones al problema propuesto.

Palabras-clave: sistemas autopoyéticos; tribunales; comunicación; subsistema de derecho; Niklas Luhmann

Abstract:

This paper addresses the behavior of Collegiate Judicial Bodies in the presence of an external element, the legal subsystem - the "Twelfth Camel". This analysis examines how the legal subsystem deals with the introduction of an external element in its operation, through Luhmann’s systemic observation. Thus, to accomplish this particular purpose, qualitative research methods previously applied in this study are used in addition to practical elements, such as the analysis of a particular case study, supported by bibliographic references. This is how solutions to the problem presented have been sought.

Keywords: autopoietic systems; courts; communication; legal subsystem; Niklas Luhmann

Introdução

A presença de um Décimo Segundo Camelo no Poder Judiciário, é algo praticamente corriqueiro, uma vez que, não são poucos os casos em que este gera irritações ao próprio subsistema do Direito, assim como, o Direito em relação a outros subsistemas da sociedade. Nesta senda, pretende-se utilizar a Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiética, de Niklas Luhmann, para observar estas irritações geradas, objetivando-se, para tanto, constatar como o subsistema do Direito lida com a introdução de um elemento externo em sua operacionalização, assim como, subsidiariamente, identificar, o Décimo Segundo Camelo nos casos relacionados ao bloqueio de aplicativos de comunicação, pelo sistema jurídico. Nesta senda, argui-se, portanto, a seguinte problemática: a presença do Décimo Segundo Camelo confirma a operação do subsistema de maneira correta ou a conduz a um raciocínio errôneo das decisões judiciais, apresentando, assim, consequências diretas ao subsistema do Direito?

A comunicação dos sistemas sociais na qual o ser humano se faz presente, ancora o pressuposto de que a norma é um dogma, isto significa que as construções jurídicas não podem se distanciar dos parâmetros estabelecidos por elas, muito menos, confrontar-se com si próprias. Deriva-se deste quesito, contudo, as dificuldades para tratar-se de assuntos legais modernos, deparando-se o operador do direito com a ausência de pressupostos legais ou, quando as soluções ofertadas, que por sua vez não satisfazem a necessidade de justiça. Isso ocorre, pois, o Direito é uma ciência cultural e seu conteúdo expõe-se às agitações culturais, necessitando, às vezes, que o intérprete se valha de meios externos para atingir os seus fins, ou seja, tira proveito de procedimentos integradores (Tomaz, 2005). Enfim, pretende-se utilizar métodos de abordagem indutiva, acompanhado de técnicas de pesquisa qualitativa, consultas a referenciais bibliográficos como doutrinas e, também, jurisprudências, a fim de se abranger respostas aos problemas propostos.

A vida, obra e a Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiético de Niklas Luhmann

Niklas Luhmann é considerado o grande teórico da sociologia do final do século vinte, tendo estudado Direito na Universidade de Freiburg e trabalhado alguns anos na Administração Pública. Contudo, foram nos anos 60, após ter estudado Administração e Sociologia em Harvard e ter sido influenciado por Talcott Parsons e sua Teoria dos Sistemas Sociais, que começou a ser notoriamente conhecido. Em 1966 foi titulado Doutor pela Universidade de Münster e em 1969 foi o primeiro professor chamado, a lecionar, na recém-fundada Universidade de Bielefeld, onde permaneceu até o início dos anos 90 (Mansilla, 2005).

Luhmann é um dos autores que mais contribui para o desenrolar-se da Teoria Sociológica, seus esforços de vida se orientaram pela construção de uma grande teoria, capaz de dar conta da sociedade e da sua vasta gama de fenômenos sociais. No entanto, com o passar dos anos, a execução de seu projeto resultou em uma enorme produção intelectual Luhmanniana (Mansilla, 2005).

Deste modo, a Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiético criada por Luhmann buscou levar em consideração o fato de que a comunicação é a operação elemental em que a complexidade social é construída, desenvolvendo-se, ainda, numa Teoria da Comunicação que permiti-se se entender os processos que tem lugar na interação, na organização e na sociedade. Com esta opção, afastou-se a tradição sociológica de que o átomo da sociedade é a ação, percebendo-se, por conseguinte, que a comunicação - de acordo com Niklas Luhmann - é necessariamente social, enquanto que a ação deve ser adjetiva - como a ação comunicativa - a fim de se tornar um elemento da sociedade (Mansilla, 2005).

Posto isto, Leonel Severo Rocha escreve a respeito da Pragmática-Sistêmica de Luhmann que, “esta se inspira numa dialética e, com isso, coloca que o mais importante não é uma perspectiva que está em Habermas de se obter o consenso, mas dizer que, ao contrário, o sentido da sociedade é a produção de diferença”. Assim, percebe-se que Luhmann não buscou em sua teoria ideologias consensualistas, mas sim a diferença entre elas, sendo, deste modo, sua teoria crítica aos conhecimentos tradicionais, motivos estes pelo qual pode sua Teoria da Sociedade, e compreensão de mundo, ser compreendida como uma Teoria Contemporânea (Rocha, 2005).

Destarte, convêm ressaltar-se que a Pragmática-Sistêmica de Luhmann parte da análise da Teoria dos Sistemas Sociais de Talcott Parsons, no entanto, este somente utilizou-se desta em uma primeira etapa de sua vida acadêmica, vindo em seus últimos textos a voltar-se a uma epistemologia autopoiética, acentuando-se, assim, a sistematicidade do Direito como auto-reprodutor de sua categoria (Rocha, 2005). Leonel Severo Rocha, assim, exemplifica a respeito desta introdução da perspectiva autopoiética na Teoria da Sociedade que:

A perspectiva sistêmica autopoiética (pragmático-sistêmica) permite afirmar que por trás de todas as dimensões da semiótica, notadamente, as funções pragmáticas da linguagem nos processos de decisão jurídica, estão presentes, redefinidos no interior do sistema, a problemática do risco e do paradoxo. Nesta linha de idéias, é que se pode entender porque Luhmann, (...), define o direito (na Sociologia do Direito, 1972) como “uma estrutura de generalização congruente em três níveis: temporal (normal, social (institucionalização) e prático ou objeto (núcleo significativo)). (Rocha, 2005)

Desta forma, compreende-se que o sentido e a forma de processamento da complexibilidade são, também, dimensões da própria complexibilidade, ou seja, estas três dimensões da complexibilidade do sistema são acessíveis pelo próprio sistema (Mansilla, 2005). Luhmann, assim, passou a dar, por conseguinte, mais atenção às operações de autopoiese, baseando-se nos trabalhos de Humberto Maturana, aplicando-se a comunicação que, através dos sistemas sociais como redes de comunicação, produziriam seu próprio sentido e não as células e organismos vivos (King, 2009).

É nesta senda que se adentra ao subsistema do Direito na Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiético, pois, trata-se o mesmo de um subsistema distinto, uma vez que, aventa-se o fato de o Direito ser um sistema autoprodutor, implicando-se suas próprias operações como sendo auto-referentes, ou seja, em outras palavras, suas decisões se referem a si mesmas, dentro do próprio sistema ou de si próprio.

Percebe-se, que esta diferença funcional, somente, é possível, pois, se trata o Direito de uma sistemática autopoiético, isto é, um subsistema operacionalmente fechado e auto-referente, entretanto, isto não se separa por completo da sociedade e dos de mais subsistemas. Ao contrário, significa apenas que por tratar-se do subsistema do Direito este é quem define os seus próprios limites, o que é relevante, ou não, para o seu entorno e quais as irritações, ao seu entorno, que poderão desencadear mudanças dentro de si próprio (Mansilla, 2005).

No entanto, é na sociedade globalizada moderna que se perfila um problema ainda mais importante, qual seja, o evento de que em determinados ambitos da sociedade o Código ou o Direito, não pode ser aplicado, surgindo-se, assim, um meta-código de inclusão/exclusão (Mansilla, 2005). Nesse ponto nos espelhamos com os limites do Direito que são enfrentados por Luhmann da seguinte maneira:

Aquí nos enfrentamos al famoso problema de si estos límites se establecen de modo analítico o em modo concreto; es decidir, si se establecen mediante um observador o mediante el objeto mismo. Si se responde: “de modo analítico” - y algunos creen erróneamente estar obligados a ello por razón de que están situados em la teoría científica -, entonces se concede a cualquier observador el derecho a su própria objetividad. De esta manera nos encontramos outra vez ahí em donde se constata la imposibilidad de una conversación interdisciplinaria. Por eso nosostros respondemos: “por médio del objeto”. Esto lleva directamente a afirmar: el derecho mismo determina cuáles son los límites del derecho. El derecho mismo determina, por lo tanto, qué es lo que pertenece al derecho y qué es lo que no. Las divergencias de opiniones se trasladan, entonces, hacia la pergunta: cómo ocurre esto. (Luhmann, 2005)

Portanto, através desta passagem, consegue-se identificar um caminho com quatro pontos basilares que respondem a respectiva problemática: 1. A teoria que melhor descreve, atualmente, como algo produz seus próprios limites em relação ao seu entorno é a própria teoria dos sistemas; 2. Recusada a opção “analítica”, para determinação dos limites, far-se-á necessário organizar uma observação de segundo plano, ou seja, deve-se observar um objeto como se tratando de um observar que se oriente como um objeto; 3. Com o conceito de sistema observador, explorar-se-á um caminho epistemológico construtivista; 4. Se por acaso chegarmos aqui, abrem-se possibilidades de se discriminar uma forma de observação jurídica do direito e outra sociológica: a sociológica observara o direito de fora, já à jurídica observa a si mesma de dentro (Luhmann, 2005).

Destarte, é por estes motivos que a teoria sistêmica deve ser considerada uma teoria do conhecimento, necessitando-se ter em mente que toda a observação e toda descrição deve ser apoiada em uma diferença que, consequentemente, deve ser distinta, a fim de que quando constar-se algo afastado, teremos objetos, já ao constarmos algo por noções opostas, teremos conceitos (Luhmann, 2005).

Assim, abrange-se sobre a Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticas, como o anteriormente já exposto, que se trata essa de uma teoria capaz de se autorreproduzir, resolvendo, assim, a seus problemas com base em soluções tomadas anteriormente, contudo, é diante desta afirmação que questiona-se sobre o que aconteceria ao se inserir um paradoxo no subsistema do Direito?

O Décimo Segundo Camelo no subsistema do Direito

Inicialmente, a de se esclarecer que trata-se a proposta do Décimo Segundo Camelo de uma metáfora, um modelo prático utilizado por Niklas Luhmann, para exemplificar a presença de paradoxos no cotidiano profissional do subsistema do Direito e, também, sua necessidade e não necessidade (Luhmann, 2004). Desta forma, conta a “estória” que um rico beduíno realizou a sua sucessão através de testamento, deixando para os seus três filhos onze camelos que deveriam ser partilhados conforme a sua última vontade. O primeiro filho, Achmed, deveria receber a metade dos camelos. O filho do meio, Ali, ficaria com um quarto destes. Já o terceiro filho e mais novo deles, Benjamin, teria o direito de receber um sexto dos camelus (Luhmann, 2004).

Assim, com a morte do beduíno, o seu filho mais velho, Achmed, reivindicou os seus seis camelos, entretanto, isto representava mais do que a metade dos camelos, o que resultou, imediatamente, em protestos por parte dos seus outros irmãos. Diante do impasse gerado, o conflito fora levado a um sábio local, que ofertou um de seus camelos, a fim de se ver resolvido o presente problema, arguindo que - se Alá assim o quiser vocês restituiriam o meu camelo - com doze camelos em posse, os irmãos deram, assim, início a divisão. Achmed receberá metade, ou seja, seis. Ali ganhara um quarto, isto é, três. Benjamin, por sua vez, percebeu seu um sexto, dois camelos. Deste modo, foram os onze camelos partilhados e o sábio teve o seu décimo segundo devolvido (Luhmann, 2004). Nesse contexto, percebe-se que se observarmos a questão, sob uma ótica de segunda ordem, como a realizada pelo sábio, teremos resultados totalmente diferentes, ou seja, paradoxais (Rocha, 2009), nesse sentido, fazendo uso das palavras de Leonel Severo Rocha:

Não é possível, nas sociedades complexas, uma ruptura radical entre passado e futuro. Assim, algumas questões do normativismo podem estar ainda muito presentes em certas questões e, para outras, não fazerem nenhum sentido. (...) Existem passagens, portais, que se fecham e não fecham. Depende da observação do problema. (...) Do ponto de vista temporal, eventos do passado ainda estão presentes aqui, hoje, e outros já desapareceram. (Rocha, 2009)

Percebe-se, deste modo, que “a introdução de uma referência externa assimetriza esses paradoxos. Há princípios, há valores, há consequências etc. Mas os paradoxos não se resolvem apenas se desdobram para novas configurações” (Bahia e Simioni, 2010). Juliana Neuenschwander Magalhães diz assim a respeito desta irresolução dos paradoxos, que “o grande desafio da lógica contemporânea é o de descrever, de maneira não paradoxal, que a realidade é paradoxal” (Magalhães, 2013, 292)

Ainda, em relação aos paradoxos no direito, percebe-se que estes constituem a forma como observamos as acomodações auto-referenciais no interior do sistema, podemos assim em um primeiro momento nos guiar pelas normas e decisões, ou seja, através das normas alcançaremos o objeto das decisões, as quais seguem suas próprias normas, após serem textualizados, tornando-se objetos das próprias decisões (Luhmann, 2004).

Compreende-se, portanto, que este processo resulta em um circulo de auto-referencia, ou seja, uma decisão somente é uma decisão, pois reage às expectativas da norma, cumprindo e apresentando, também, um leve desvio em relação a elas mesmas (Luhmann, 2004). É importante destacar-se, também, que o termo paradoxo na sistemática autopoiética “refere-se a um fenômeno da observação e da descrição - (...). A observação dos paradoxos bloqueia a observação e a descrição do sistema, embora a própria autopoiesis do sistema continue às cegas” (Magalhães, 2013). Busca-se, assim, se identificar, ou não, há presença do Décimo Segundo Camelo nas operações do subsistema do Direito e a condução desta a um raciocínio errôneo ou adequado das decisões judiciais. Através desta compreensão, Juliana Neuenschwander Magalhães doutrina sobre os paradoxos nas teorias clássicas do Direito, que:

Se nós observarmos as teorias clássicas do Direito, num nível superior de observação de suas observações, então podemos ver que estas teorias têm se caracterizado pela tentativa de evitar o encontro com esse paradoxo, lançando mão de instrumentos semânticos provisórios e ineficientes. (Magalhães, 2013)

Desta maneira, pode-se entender que é através da observação pela teoria dos sistemas que a autorreferência ocorre, causando paradoxos através dos quais é possível que os sistemas sociais se desparadoxem, permitindo-se, portanto, a inclusão de assimetrias que, posteriormente, proporcionam a capacidade de se reconectar operações as operações (Magalhães, 2013).

Pode-se compreender, assim, que através da cooperação entre dois subsistemas, por exemplo, o jurídico e o sociológico há uma pressuposição de “que a teoria reconheça as coisas que previamente deu por supostas a partir de sua função de “desparadoxação”. Desta forma, também a teoria do Direito pode transformar o paradoxo em uma qualidade do Direito” (Magalhães, 2013). Ciente destas possibilidades, Leonel Severo Rocha expõem em relação aos paradoxos e seu reconhecimento, que este deve estar:

Preparado para reconhecer e identificar todo o conjunto de fenômenos permanentes de auto-referência, paradoxo e contradições que permeiam o sistema jurídico. Esses paradoxos são inerentes à realidade do Direito e não podem ser suplantados por uma simples postura crítica (a qual apenas demonstra a existência de paradoxos dentro do sistema do Direito) ou por uma tentativa de suplantá-los mediante uma nova distinção, mas sim pela constatação de que os elementos que compõem o sistema do Direito - ações, normas, processos, realidade jurídica, estrutura, identificação - constituem-se circularmente, além de vincularem-se uns aos outros também de forma circular. (Severo Rocha, 2005)

Ainda, compreende-se, que a desparadoxização dos paradoxos e sua realidade circular do Direito, nos possibilita realizar:

(...) um fechamento operativo, no qual o Direito atua auto-referencialmente com seus elementos internos (...). Entretanto, com o escopo de orientar a (...) codificação binária (...), o sistema se abre para a influência do sistema social ou de outros sistemas parciais (Economia, Política, Religião, Moral, Ciência). Esta abertura somente é possibilitada devido à clausura operativa, pois quanto maior o fechamento de um sistema, mais estável e apto estará este a uma abertura cognitiva (sensorial). (...) apenas adquirindo relevância sistêmica e sendo internalizadas por este quando passíveis de adequação à codificação binária, obtendo um sentido jurídico (Rocha e Carvalho, 2002).

Assim sendo, abrange-se, a respeito do subsistema do Direito e seus paradoxos circulares, que estes devem depois de plantados os elementos necessários, serem capazes de produzir sua própria autoprodução, ou seja, ser capaz de se (re)alimentar, possibilitando ao mesmo, também, a capacidade de se auto-gerenciar (Rocha, 2005). Igualmente, deve-se ter claro que no subsistema do Direito temos como a organização mais relevante, diante do fato de se encontra no centro de todo o diálogo, o Poder Judiciário, que possui como função basilar a desparadoxizante, ou seja, a necessidade de tomar decisões frente às incertezas (Rocha, 2009). Ressalta-se por fim, ainda, que é devido à existência destes certos paradoxos, que ocorrem determinadas crises autopoiéticas no mundo, isto é, em virtude de não ser possível observar-se o mundo apenas a partir do Direito que se geram irritações que resultam na falta de eficácia e efetividade (Rocha, 2009).

Aplicação jurisprudencial ao presente estudo: operação correta ou raciocínio errôneo

Leonel Severo Rocha e Delton Winter de Carvalho (2002) doutrinam, a respeito da aplicação dos paradoxos no subsistema do Direito, que é preciso em um primeiro plano desmistificarem-se os abandonos de que a práxis jurídica não esta localizada em uma circularidade, ou seja, assumir de fato que o subsistema jurídico faz parte de uma realidade circular. Deste modo, necessário é haver um consenso quanto a circularidade do subsistema do Direito que carece de:

(...) instrumentos teóricos, que possibilitem a gestão desses paradoxos sem que haja bloqueio nos processos de tomada de decisão, através de uma análise do modo com que a práxis jurídica lida com os paradoxos decorrentes da auto-referência, conseguindo atingir uma certa estabilidade para o Sistema do Direito. (...) A auto-observação de como a práxis jurídica oculta/anula/trabalha estes paradoxos, com a finalidade de permitir a tomada de decisões jurídicas em contextos altamente complexos, remete a uma autológica construída auto-referencialmente, onde os Tribunais encontram-se no centro do Sistema Jurídico. Reforça-se, assim, o cunho pragmático desta epistemologia sistêmica que, de forma construtivista, presume e admite a realidade circular do Direito (Rocha e Caravalho, 2002).

Ainda, prosseguindo a respeito das ideias e dos posicionamentos apontados, os autores doutrinam, também, que:

A validade das legislações depende das decisões que as aplicam de uma forma interpretativa (Jurisprudência) e, esta interação demonstra que a legislação é um ponto de acoplamento entre o sistema jurídico e o sistema político, estando à legislação na periferia do sistema, enquanto que os Tribunais encontram-se no centro destes. Estas decisões judiciais, por sua vez, atuam normativamente/necessariamente na forma de uma distinção. Inobstante, o sistema mantém interações cognitivamente orientadas com o seu meio envolvente, isto é, de forma adaptável às possíveis frustrações. É neste sentido que a obrigatoriedade de prestação jurisdicional é um exemplo deste paradoxo, pois ao prever tal dogma, a legislação “vincula” normativamente (o sistema atua operativamente fechado) a uma abertura, cognitivamente orientada, (...) (Rocha e Carvalho, 2002).

Contudo, necessita-se estar ciente de que há uma agitação muito grande ao falar-se de uma abertura para o novo, pois, isto eleva a insegurança e, consequentemente, os riscos, porém, é através do equilíbrio e do fortalecimento das instituições que se atinge paradoxalmente o caminho para o gerenciamento dos riscos e se admiti o exercício e a capacidade de adaptação e aprendizagem do Sistema (Weber e Rocha, 2013).

Niklas Luhmann (Luhmann, 1990) escreve, assim, a respeito das funções do centro do sistema que servem estas para a dissolução de paradoxos, ou seja, uma decisão que obrigue a coletividade e o próprio autor desta, garante a organização do Estado e a imputação da ação pelos agentes individuais em relação à coletiva que, consequentemente, não pode agir individualmente, devendo sempre ser representada pelo todo. A fim dê-se exemplificar este descabimento/irritações a outros subsistemas provenientes de decisões judiciais, bem como, de paradoxos no subsistema do Direito, busca-se transcrever passagem de liminar concedida em decisão desparadoxizante do Tribunal de Justiça do Piauí, envolvendo o aplicativo WhatsApp:

A decisão questionada determinou, segundo relatado, a suspensão do acesso a aplicativo de comunicação instantânea notoriamente utilizado por milhões de pessoas em todo o mundo, em razão de existir, segundo o próprio mandado de folha 38 (dos autos 2015.0001.001592-4), certa recalcitrância quanto ao cumprimento de outra ordem judicial, cujo teor, por se encontra o processo originário protegido por segredo de justiça, reveste-se de incertezas.

A princípio, independentemente do teor da ordem descumprida, em hipótese alguma se justifica a interrupção de acesso a todo um serviço, cuja área de abrangência, sabe-se, transpõe as barreiras nacionais de qualquer nação e afeta, direta e surpreendentemente, a comunicação entre um sem número de pessoas, envolvendo não somente os usuários nacionais, mas também aqueles que, fora de nossas fronteiras, tentem contatar parentes, amigos e afins residentes no Brasil.

A fim de melhor ilustrar a falta de proporcionalidade que emana do ato questionado, imagina-se um juiz que, insatisfeito com a contumácia de determinada empresa telefônica em prestar-lhe informações sigilosas, determine a suspensão, em todo o território nacional, dessa modalidade de serviço de comunicação. Ou, em uma analogia mais rústica, determinasse esse juiz a interrupção da entrega de cartas e encomendas pelo correio, apenas baseada na suspeita de que, por exemplo, traficantes estariam fazendo transitar drogas por esse meio.

Apesar de, num primeiro momento essas analogias parecerem destoar um pouco da situação em apreço, deve-se lembrar que em todas essas três conjunturas, tem-se a mesma ideia, qual seja, a (tentativa de) paralisação de uma gigantesca e pesada estrutura, com inegáveis ramificações internacionais, diga-se passagem, em prol de uma investigação criminal que, muito provavelmente, possui um número limitadíssimo de suspeitos. (Tribunal de Justiça do Piauí, 2015)

Percebe-se, ainda, que são reiterados os casos em que magistrados, insatisfeitos com determinados respostas, aplicam decisões que irritam a outros subsistemas, afetando assim diretamente a coletividade, ou seja, não percebem a importância da desparadoxização e a necessidade de comunicação, entre os sistemas, em suas decisões, a fim de evitar-se inclusive paradoxos dentro do próprio subsistema jurídico. Assim, em virtude dos paradoxos e irritações, proveniente de decisões judiciais, como a trazida à luz, far-se-á necessária à presença de um sábio detentor de um Décimo Segundo Camelo, qual seja, o legislador observador, que precisará buscar uma forma de sanar os eventuais erros cometidos pelos magistrados em instâncias iniciais, através da observação, no que versa ao respectivo caso Niklas Luhmann nos ensina, assim, a respeito da função dos Tribunais no subsistema jurídico, que:

(...) como formas que apresentam sempre dois lados-seja como sistema e mundo circundante, seja como centro e periferia, seja como Direito e não-Direito. Toda a observação e descrição da unidade de uma multiplicidade ou da unidade de uma distinção fundamenta-se em última instância num paradoxo. Mas ela pode ao mesmo tempo tornar plausível a idéia de que trata apenas de um problema de observação e de que nenhum sistema chega à paralisação através da lógica. Devemos atentar apenas para a maneira pela qual o sistema dissolve o paradoxo da sua auto-referência; e uma possibilidade consiste em delegar essa tarefa a um centro do sistema, para o qual não há alternativas(Luhmann, 1990).

Deste modo, muitos são os eventos interligados e “conclusivos da complexidade e da necessidade de uma nova adaptação, que proporcione resultantes positivas em vez de paradoxos” (Weyermüller, 2014). Entende-se, portanto, que a presença do Décimo Segundo Camelo no subsistema do Direito, proporciona sim uma operação correta pelos Tribunais na busca por uma decisão desparadoxizante e sem grandes irritações aos demais subsistemas sociais, contudo, frequentes são as decisões judiciais paradoxais capazes de gerar grandes irritações aos demais subsistemas, gerando-se um raciocínio errôneo ao proferirem-se determinadas decisões judiciais.

Conclusão

Niklas Luhmann faleceu em novembro de 1998, no entanto, deixou uma herança de proporções incalculáveis a humanidade, sua Teoria dos Sistemas Sociais Autopoíetica, apresenta a sociedade como sendo composta por distintos sistemas operativamente fechados, capazes de proporcionarem eles próprios os elementos necessários para si mesmos, isto é, sistemáticas autopoiéticas. Contudo, estes mesmos sistemas são cognitivamente abertos, pois, são capazes de se auto-observar. Nesta senda, os paradoxos presentes no subsistema jurídico, muitas vezes possuem dificuldade em aceitar a introdução de elementos externos na sua operacionalização, entretanto, percebe-se que nos Tribunais a uma maior abertura, o que pode ser visto em analise ao caso envolvendo o aplicativo de comunicação, uma vez que, houve uma aceitação por parte do Tribunal em se adequar aos anseios da sociedade, aceitando para tanto o ingresso de um Décimo Segundo Camelo externo.

Contudo, é imperioso destacar-se a existência de dificuldade por parte dos magistrados de 1ª instância em aceitar a introdução de elementos externos, o que acaba gerando irritações não só ao próprio subsistema do Direito como, também, em outros subsistemas, gerando assim paradoxos, que necessitam ser combatidos através de uma decisão superior desparadoxizante. Enfim, constata-se, ainda, no que diz respeito ao problema levantado que a presença de um Décimo Segundo Camelo, confirma a operação do subsistema de maneira correta, apesar disso, existem casos em que a um raciocínio errôneo por parte dos proferidores de decisões judiciais, apresentando-se, assim, consequências que afetam de maneira direta em alguns casos específicos, como no analisado, toda uma sociedade local

Referências:

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Recebido: 24 de Maio de 2017; Aceito: 04 de Julho de 2017

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