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Revista de la Facultad de Derecho

versión impresa ISSN 0797-8316versión On-line ISSN 2301-0665

Rev. Fac. Der.  no.42 Montevideo jun. 2017

https://doi.org/10.22187/rfd201713 

Artículo original

Terrorismo no Brasil: análise crítica do quadro normativo e institucional

El terrorismo en Brasil: un análisis crítico del marco legal e institucional

Terrorism in Brazil: critical analysis of the legal and institutional framework

Paulo Henrique Faria Nunes1 

1Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil. Professor de Direito Internacional. phfnunes@gmail.com


Resumo:

O terrorismo é um crime que requer a cooperação interestatal em razão da dimensão transnacional que alcançou nas últimas décadas. Entretanto, ainda não existe uma definição legal universal. Assim, os Estados discutem a necessidade de prevenir e reprimir um delito indefinido. Este artigo analisa o quadro normativo e institucional brasileiro concernente ao combate ao terrorismo. O país ratificou os principais atos globais e regionais sobre o assunto e, recentemente, aprovou leis para coibir o financiamento e definir o crime de terrorismo. Isso ocorreu em virtude de pressões para a implementação das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e das Recomendações da FATF (Financial Action Task Force, 2012) (Gafi) e da realização de eventos internacionais no país, a exemplo das Olimpíadas em 2016. A adequação da legislação às diretrizes internacionais relativas ao financiamento foi uma decisão acertada, mas a definição adotada pela lei antiterrorismo (lei 13.260/2016) apresenta falhas e revela a tentativa do Brasil conciliar a aspiração de se afirmar como global player e a tradicional política de neutralidade e preferência pelo soft power.

Palavras-chave: terrorismo; Brasil; crimes internacionais; segurança; defesa

Resumen:

El terrorismo es un delito que requiere la cooperación intergubernamental debido a la dimensión transnacional que logró en las últimas décadas. Sin embargo, aún no existe una definición legal universal. Por lo tanto, los estados argumentan la necesidad de prevenir y suprimir un delito indefinido. En este artículo se analiza el marco regulatorio e institucional de Brasil en materia de lucha contra el terrorismo. El país ha ratificado las principales acciones globales y regionales en la materia y recientemente aprobó leyes para frenar la financiación y definir el delito de terrorismo. Esto se debió a las presiones para aplicar las resoluciones del Consejo de Seguridad de las Naciones Unidas, las Recomendaciones de Acción Financiera (GAFI) y la celebración de eventos internacionales en el país, como los Juegos Olímpicos en 2016. La adecuación de la legislación a directrices internacionales sobre la financiación fue la decisión correcta, pero la definición adoptada por la ley antiterrorista (ley 13.260 / 2016) es defectuosa y revela el intento de Brasil de armonizar el deseo de afirmarse como global player y la tradicional política de neutralidad y preferencia por el soft power.

Palabras clave: terrorismo; Brasil; crimen; seguridad; defensa

Abstract:

Terrorism is a delict that requires multilateral cooperation, moreover because of its transnational dimension. Nevertheless, there is no universal legal definition for terrorism. Hence, states discuss the necessity of prevent and punish an undefined delict. This article analyses the legal and institutional Brazilian framework concerning terrorism. Brazil ratified the main global and regional acts about this subject and, recently, has passed laws in an attempt to curb the financing and reach a legal definition. This is the consequence of the pressure for the implementation of the UNSC resolutions and FATF recommendations and the promotion of international events such as the Olympic Games (2016). The adequacy of the legal framework to the international guidelines concerning the financing of the terrorism was a good decision but the definition adopted by the antiterrorism law (n. 13.260/2016) is flawed and reveals the Brazilian purpose of harmonizing the aspiration to assert itself as a global player and the traditional policy of neutrality and preference for the soft power.

Keywords: Terrorism; Brazil; International Crimes; Security; Defense

Introdução

Existe um consenso mundial acerca do risco que o terrorismo representa para a segurança interna e internacional no século XXI. Antes, os Estados consideravam os seus pares as principais ameaças e traçavam estratégias para definir, ainda que momentaneamente, seus aliados e adversários.

A transição do século XX para o XXI, marcada pelo fim da Guerra Fria e pela globalização, não é somente um divisor temporal. Nesse momento, novos atores ganham espaço nas agendas nacionais relativas à segurança e à defesa e, posteriormente, constata-se que a cooperação internacional é imprescindível. Crimes transnacionais como tráfico de drogas, contrabando de armas, tráfico de seres humanos, terrorismo não podem ser reprimidos sem diálogo e cooperação interestatal. O mesmo é válido para a resolução de problemas ambientais transfronteiriços (regionais e globais) ou questões comerciais (v.g. descaminho, violação de direitos de propriedade intelectual).

Este artigo se dedica à análise do terrorismo no Brasil e, mais especificamente, do quadro normativo e institucional. A abordagem leva em consideração que, embora o país não seja alvo de ações terroristas nem apresente problemas políticos internos que favoreçam o surgimento de grupos terroristas, os contextos regional e global obrigam o governo brasileiro a aperfeiçoar as leis e os órgãos competentes de segurança e defesa nacional.

A história recente da América do Sul é marcada pela atuação de grupos paramilitares e promoção de atentados violentos contra alvos civis (v.g. Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia; Movimento Revolucionário Tupac Amaru e Sendero Luminoso (Peru); Movimento de Esquerda Revolucionária - Exército Guerrilheiro dos Pobres - MIR-EGP (Chile)). Uma vez que o Brasil é vizinho direto de todos os países sul-americanos, com exceção de Chile e Equador, o monitoramento das zonas fronteiriças é uma necessidade indiscutível.

Os notórios atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque e Washington, intensificaram as discussões globais relativas ao terrorismo e suas fontes de financiamento.

Apesar do discurso uníssono sobre a necessidade de reprimir esse crime contra a humanidade e de um grande número de atos normativos internacionais e nacionais sobre o tema, ainda não há uma definição universalmente aceita de terrorismo.

A primeira parte do trabalho é dedicada ao conceito de terrorismo no âmbito internacional. As duas outras seções são dedicadas à estrutura normativa e institucional brasileira. A seção 2 cuida dos principais órgãos nacionais e de sua atuação. Finalmente, faz-se uma análise da lei antiterrorismo brasileira (lei 13.260/2016).

Para a elaboração deste trabalho, consultou-se a bibliografia especializada nacional e estrangeira. Além disso, pesquisou-se em fontes primárias como atos legais, projetos de leis, relatórios, decisões e resoluções de organismos internacionais. Ressalta-se, por último, o recurso ao direito comparado como ferramenta para melhor compreender e empreender uma análise crítica da lei 13.260/2016.

Terrorismo: aspectos gerais

Política e medo são elementos indissociáveis. O exercício do poder pressupõe uma relação de subordinação, por mais que se busque legitimar democraticamente a organização política. O medo, ou o terror, é um instrumento de aquisição e exercício de poder. Igualmente, pode ser uma ferramenta na luta contra um governo opressor ou uma potência alienígena.

Hugo Grotius, ao analisar a origem do termo “território”, cita o jurisconsulto Pomponius. Para este autor, cuja opinião não é a mais aceita, o vocábulo deriva “do TERROR da autoridade judicial exercida em cada país” (Grotius, 1901). Nicolau Maquiavel (Maquiavel, 2000) lembra que é recomendável a um príncipe ser temido e amado, mas, caso não consiga as duas coisas, é melhor ser temido. Thomas Hobbes menciona igualmente o terror como um elemento fundamental para a ordem soberana: “graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles” (Hobbes, 2000).

As práticas terroristas, o emprego da violência com propósito político, é anterior à concepção de terrorismo. Na Idade Média, fanáticos religiosos recorreram à assassinatos políticos e exércitos e tropas mercenárias usavam a barbárie com o fim de atemorizar e facilitar a subjugação. A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) também foi marcada pela prática de atos interpretados como terrorismo de Estado. Não obstante, “o terrorismo moderno nasceu com a Revolução Francesa, e com ele a expressão ‘terrorismo’” (Chaliand e Blin, 2007).

A definição jurídica de terrorismo e, consequentemente, o tratamento da matéria como crime, não é uma questão simples. Os assassinatos do rei Alexandre I da Iugoslávia e do ministro das relações exteriores francês - Louis Barthou - por um terrorista croata em 9 out. 1934 estimularam a produção de normas internacionais destinadas ao combate e à punição do terrorismo. Aos 16 nov. 1937, a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Terrorismo e a Convenção para a Criação de um Tribunal Penal Internacional foram adotadas em Genebra. O parágrafo 2.º do art. 1.º da primeira Convenção conceitua o terrorismo como “(...) atos criminosos dirigidos contra um Estado e destinados ou calculados para criar um estado de terror nas mentes dos indivíduos, ou de um grupo de pessoas ou da população em geral”.

Os atos acima citados jamais entraram em vigor em virtude de divergências sobre as regras concernentes à extradição que levaram a um número insuficiente de ratificações.

A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Terrorismo restringiu o alvo das ações aos Estados. O terrorismo está relacionado a algum conflito político, mas os alvos não são necessariamente estatais. Atualmente, admite-se majoritariamente que o terrorismo pressupõe a violência contra a população civil.

Um problema que ainda persiste é a apresentação de um conceito sem uma definição. Conforme o dispositivo transcrito, consideram-se terrorismo quaisquer “(...) atos criminosos dirigidos contra um Estado (...)”. No entanto, adota-se universalmente o princípio da legalidade no direito penal: nullum crimen, nulla poena sine lege (não há crime nem pena sem lei). Em um Estado de direito, a lei define as condutas criminosas e as respectivas penas.

No século XX, sobretudo após a criação da Organização das Nações Unidas, começa-se um processo de internacionalização do direito penal. São muitos os atos que definem condutas como crimes internacionais (v.g. tráfico de drogas, tráfico de animais silvestres, violência contra a mulher, tráfico de pessoas, escravidão). Porém, a definição legal permanece uma questão interna. A política antidrogas e a legislação de países como Brasil, Holanda e Indonésia são completamente distintas embora todos busquem reprimir o tráfico de entorpecentes.

Os casos de crimes definidos internacionalmente com as respectivas penas são excepcionais e pressupõem a livre manifestação da vontade dos Estados em se obrigarem. O Estatuto do Tribunal Penal Internacional (1998) apresenta claramente delitos (crimes contra a humanidade, crimes de guerra, genocídio) e penas. Muitas ações terroristas podem ser enquadradas na noção de crime contra a humanidade: “(...) ataque generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil (...)” (art. 7º, caput).

Ao longo do século XX e do atual, vários atos internacionais apresentaram conceitos sem que o mundo chegasse a uma definição universal de terrorismo. Dentre os principais instrumentos convencionais no âmbito das Nações Unidas, destacam-se: Convenção Relativa às Infrações e a Certos Outros Atos Cometidos a Bordo de Aeronaves (1963); Convenção para a Repressão do Apoderamento Ilícito de Aeronaves (1970); Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil (1971); Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, Inclusive Agentes Diplomáticos (1973); Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns (1979); Convenção sobre a Proteção Física dos Materiais Nucleares (1980); Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aeroportos que Prestem Serviços à Aviação Civil Internacional, complementar à Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil (1988); Convenção para a Supressão de Atos Ilegais contra a Segurança da Navegação Marítima (1988); Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança das Plataformas Fixas Situadas na Plataforma Continental (1988); Convenção Internacional para a Supressão de Atentados Terroristas a Bomba (1997); Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo (1999).

De caráter regional, merecem ser citadas: Convenção Européia para a Repressão do Terrorismo (1977); Convenção da SAARC sobre a Supressão do Terrorismo (1987); Convenção da União Africana sobre a Prevenção e Combate ao Terrorismo (1999);Tratado da Comunidade dos Estados Independentes sobre Cooperação no Combate ao Terrorismo (1999); Convenção de Xangai sobre o Combate ao Terrorismo, ao Separatismo e ao Extremismo (2001) ; Convenção Interamericana contra o Terrorismo (2002); Convenção do Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo sobre a Luta contra o Terrorismo (2004); Convenção sobre a Luta contra o Terrorismo na África Central (2005); Convenção da ASEAN sobre a Luta contra o Terrorismo (2007).

Nota-se que a partir dos anos 1970, começa um intenso processo de discussão e negociação a fim de se chegar a uma definição consensual. O terrorismo, como visto acima, não é algo novo. Grupos de diversos países já recorriam a essa prática nas primeiras décadas do século XX, a exemplo do israelense Irgun Zvai Leumi (Organização Militar Nacional), Exército Republicano Irlandês (IRA) e Euskadi Ta Askatasuna (ETA - Pátria Basca e Liberdade). Esses movimentos têm em comum a luta para a constituição de um Estado soberano e suas ações estavam concentradas em uma área limitada.

A partir dos anos 1960, membros de grupos insurgentes e/ou terroristas começam a trocar informações e a trabalhar em cooperação (Follain, 1998). Esse intercâmbio ocorre principalmente entre facções europeias (v.g. Baader-Meinhof) e organizações do Oriente Médio e norte da África. Assim, o terrorismo se torna um problema transnacional, o que demanda a ação coordenada entre órgãos e agências de segurança e defesa.

A revisão dos acordos citados extrapolaria os limites de um artigo. No entanto, é possível indicar a principal dificuldade no estabelecimento de uma definição formal para terrorismo: trata-se de um crime-fim, que depende de um crime-meio. Provocar um incêndio ou causar uma explosão é crime contra a incolumidade pública (art. 250 e 251 do Código Penal - decreto-lei 2.848/1940), mas não é necessariamente um ato terrorista. Isso só ocorrerá quando houver o preenchimento de certos requisitos.

Stephen Nathanson aponta quatro elementos essenciais para caracterizar o terrorismo :

1. They are acts of serious violence.

2. They are committed in order to advance a political goal.

3. They generally target limited numbers of people in order to influence a wider audience of ordinary people and/or public decision-makers.

4. They intentionally kill and injure innocent people. (Nathanson, 2007)

O ataque deliberado e intencional a não combatentes é um dos elementos mais marcantes desse delito (Bellamy, 2009). Assim, por mais que a ação esteja inserida em um contexto de luta política, há uma tendência de não equipará-la aos demais crimes políticos. A Declaração sobre Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional, adotada pela Assembleia Geral em dezembro de 1994 (resolução 49/60), considera os atos terroristas “(...) injustificáveis em todas as circunstâncias, quaisquer que sejam as considerações políticas, filosóficas, ideológicas, raciais, étnicas, religiosas ou de qualquer outra índole (...)”.

Vale acrescentar aos itens indicados por Stephen Nathanson (Nathanson, 2007) o uso psicológico da violência e a finalidade de chamar a atenção para uma causa: progapanda by deed (“propaganda pela ação” (Merari, 2007)

Apesar da preocupação com o terrorismo, a Guerra Fria foi um período de tensão aberta entre Estados ou blocos de Estados. Os dois lados recorreram ao financiamento de grupos paramilitares, que também praticavam ações terroristas, como instrumento de intervenção indireta . O fim da Guerra Fria e a globalização transformam a percepção estatal sobre as ameaças globais. Os crimes transnacionais ganham paulatinamente espaço nas agendas de segurança e, consequentemente, o terrorismo.

A guerra tradicional, por séculos a preocupação predominante da política de defesa, cede cada vez mais lugar para as “ameaças não tradicionais”. Esse fenômeno foi intensificado após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque e Washington. O ataque contra a principal potência mundial acelerou a produção de resoluções do Conselho de Segurança da ONU (CS) e aumentou a pressão sobre os países-membros para a adoção de medidas concretas no enfrentamento do financiamento ao terrorismo. De setembro de 2001 até o final de 2015, o CS aprovou mais de trinta resoluções sobre o assunto .

As resoluções 1368 e 1373 foram adotadas logo após os atentados contra o World Trade Center e o Pentágono.Os dois instrumentos instam os Estados a adotar medidas legais para punir o terrorismo, bem como a prestação de apoio e o financiamento. Nesse mesmo contexto, criou-se um Comitê Antiterrorismo para supervisionar a implementação das resoluções.

O ponto mais controverso dessa discussão é a linha tênue que separa facções terroristas de grupos insurgentes e beligerantes pois, frequentemente, ambos invocam o princípio da autodeterminação dos povos para legitimar suas lutas.

De forma geral, entende-se que as organizações terroristas atuam por meio de células descentralizadas e direcionam suas ações, predominantemente, a alvos civis. Grupos insurgentes e beligerantes têm uma estrutura semelhante às forças armadas estatais. Entretanto, o problema se torna mais complexo quando forças paramilitares recorrem ao terrorismo. Segundo Nathanson (2007),

If freedom fighters try to achieve their goals through nonviolent tactics or attacks on military personnel, then they are not using terrorist means to fight for freedom, but if they commit serious acts of violence against innocent people, they are using terrorist tactics.

A diferença fundamental é que o insurgente (freedom fighter) luta contra um Estado soberano com o objetivo de alcançar autonomia política ou mudar a ordem vigente, ao passo que o terrorista usa como alvo a população civil de forma a coagir um Estado ou mesmo toda a comunidade internacional.

Tanto a ação de grupos armados contra o Estado quanto o terrorismo são duramente reprimidos. A Constituição brasileira considera as duas situações crimes inafiançáveis (art. 5.º, incisos XLIII e XLIV). Além disso, dentre os princípios que regem as relações internacionais, o Brasil reconhece o repúdio ao terrorismo (art. 4.º, VIII).

O insurgente tem status de combatente reconhecido internacionalmente e pode ser beneficiado com a concessão de asilo político. A prática de atos terroristas, mesmo por pessoas envolvidas em uma luta legítima, impede a invocação da não extradição por crime político (art. 5.º, LII, da CF).

Desde a fracassada Convenção de 1937, a sociedade internacional não conseguiu produzir uma definição jurídica universal de terrorismo. A Assembleia Geral da ONU aprovou, em setembro de 2006, a Estratégia Global Antiterrorismo (resolução 60/88 ). Os Estados-membros se comprometem, nos considerandos do documento, a envidar esforços para se chegar a uma convenção sobre terrorismo internacional, incluindo-se uma definição legal. Os Estados têm autonomia para regulamentar internamente a matéria, mas leis diferentes podem levar a interpretações conflitantes.

O Congresso Nacional aprovou recentemente a lei 13.260/2016 que define o terrorismo no Brasil, tema da seção 3 deste artigo. A seção seguinte apresenta os principais órgãos brasileiros que atuam no combate ao terrorismo.

A estrutura institucional de combate e prevenção do terrorismo no Brasil

O terrorismo é uma questão que diz respeito simultaneamente à segurança pública e à defesa nacional. Essa, tal qual a repressão ao narcotráfico e outros crimes transnacionais, é uma das questões que mais suscitam debates relativos à atuação do Estado e dos seus órgãos internos. Ademais, em virtude da atuação transnacional de organizações terroristas, a cooperação internacional requer ações coordenadas de órgãos domésticos e entidades estrangeiras e intergovernamentais.

Inicia-se esta seção com uma breve apresentação dos conceitos acima mencionados e dos órgãos brasileiros dedicados à prevenção e ao combate às ameaças terroristas.

Defesa nacional é o conjunto de políticas e ações concernentes à defesa do território pátrio e dos princípios fundamentais e/ou sensíveis da ordem política democrática (soberania, independência dos poderes constitucionais, organização político-administrativa, democracia, direitos fundamentais). As Forças Armadas (FA), conforme o art. 142 da Constituição Federal (CF), são encarregadas dessa tarefa.

Em um Estado democrático de direito, o titular da soberania é o povo. Portanto, as FA (Exército, Marinha e Aeronáutica) são submetidas a um controle civil, o Presidente da República é o seu comandante supremo. E, ainda assim, diante de situações mais graves (v.g. declaração de guerra, estado de defesa, estado de sítio, intervenção da União nos Estados federados ou no Distrito Federal ), o poder decisório é compartilhado com o Congresso Nacional, que deverá autorizar o Presidente da República ou referendar sua decisão.

Registra-se que os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica exercem uma relevante função consultiva e são membros natos do Conselho de Defesa Nacional. Esse órgão, assim como o Conselho da República, deve ser obrigatoriamente ouvido pelo Presidente da República antes de decretar intervenção e estado de defesa ou solicitar autorização para decretar estado de sítio, declarar guerra ou celebrar a paz.

Do ponto de vista constitucional, a segurança pública é o conjunto de políticas e ações com o propósito de garantir a integridade das pessoas e de seu patrimônio, a tranqüilidade e a harmonia social. Trata-se de um dever do Estado e um direito-dever do cidadão. Conforme o art. 144, o Poder Público exerce esse múnus por meio dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Os três níveis político-administrativos têm funções próprias no sistema de segurança pública. A Polícia Civil e a Polícia Militar estão vinculadas aos governos estaduais; e os municípios podem constituir guardas municipais com o fim de proteger o patrimônio público.

Tradicionalmente, o conceito de defesa remete às ameaças externas e a segurança à ordem interna. Não obstante, essa divisão rígida não atende mais à realidade pois, cada vez mais, verifica-se a necessidade de coordenação dos órgãos de segurança e defesa.

A Política Nacional de Defesa (PND), aprovada pelo decreto 5.484/2005 , retrata a preocupação do governo brasileiro e apresenta conceitos em sintonia com as novas ameaças e desafios no item 1.4:

Para efeito da Política de Defesa Nacional, são adotados os seguintes conceitos:

I - Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais;

II - Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas

As ações tendentes à defesa nacional têm ênfase na expressão militar e visa preservar o país contra ameaças preponderantemente externas. Deduz-se, portanto, que as Forças Armadas são o principal instrumento na política de defesa nacional, mas não o único; e os riscos não são oriundos unicamente do exterior.

O terrorismo é um dos problemas que requerem a ação coordenada dos órgãos de segurança e defesa.

Dentre os componentes da Segurança Pública no Brasil, a Polícia Federal (PF) é a instituição com vocação natural para lidar com o terrorismo, uma vez que ela é responsável por “apurar infrações penais contra a ordem política e social (...), assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional (...)” (art. 144, § 1.º, I da CF) e “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União” (art. 144, § 1.º, IV da CF). Além disso, a PF atua no policiamento marítimo, aeroportuário e fronteiriço, o que a aproxima fisicamente das Forças Armadas.

Por ser atualmente um fenômeno transnacional, o terrorismo requer a ação coordenada dos órgãos de segurança e defesa. A rigor, o problema não afeta diretamente o Brasil ou a América Latina, mas isso não muda a necessidade de prevenção em relação a futuras ameaças. Conquanto o país não seja alvo direto de grupos terroristas, crimes a eles vinculados são presentes no território nacional, a exemplo do narcotráfico e do contrabando de armas de fogo (Almeida, 2015). Ademais, não se pode menosprezar que o Brasil - dadas as suas dimensões física, política, econômica e militar - é o maior player na América do Sul (Correa, 2014). A grande extensão territorial, o número expressivo de embaixadas estrangeiras e organismos intergovernamentais e a presença de investimentos de grupos transnacionais colocam o país em visibilidade no cenário internacional, o que traz consigo a necessidade de adoção de medidas antiterroristas e o engajamento em iniciativas multilaterais sobre a matéria.

A PF é o representante da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) no Brasil. Na sua estrutura, o Comando de Operações Táticas, instituído em 1988, lida diretamente com as ações contraterroristas (Jacini, 2002) (Cepik, 2010). Os membros desse comando de elite são responsáveis pela execução de tarefas de inteligência policial de natureza preventiva e atuam em coordenação com outros órgãos - Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Interpol, Forças Armadas, secretarias estaduais de segurança pública (Jacini, 2002).

A Abin atua em conjunto com os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e busca, por meio dos adidos de inteligência , o intercâmbio de informações. A agência elenca sinais que possam evidenciar intenções de atos terroristas no país, o que consequentemente facilita a identificação e monitoramento de suspeitos de envolvimento com organizações extremistas.

A Abin é a representante brasileira no Comitê Interamericano contra o Terrorismo (Cicte) e no Foro Especializado em Terrorismo (FET) da Reunião de Ministros do Interior do Mercosul e Estados Associados.

A integração das entidades de inteligência, defesa e segurança para uma atuação multifacetada de repressão é imprescindível. Para isso, faz-se necessário discriminar as atribuições de cada instituição, a fim de que, na prática,haja complementaridade em vez de concorrência (Cunha, 2010). Com esse propósito, pouco antes dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em abril de 2016, o Ministério da Defesa, a Polícia Federal e a Abin anunciaram a formação do Comitê Integrado de Enfrentamento ao Terrorismo, do qual participam membros das Forças Armadas, policiais federais e oficiais de inteligência.

Registra-se ainda que o Brasil integra o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi ), cuja presidência lhe foi incumbida no período de julho de 2008 a junho de 2009. No terceiro trimestre de 2014, o país sofreu críticas por não se associar à coalizão internacional contra o Estado Islâmico, sob o argumento de ser contrário a intervenções militares como forma de combate. À mesma época, já bem próximo dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, o Gafi cobrou do governo brasileiro a adoção de leis com punições específicas para o financiamento do terrorismo. O não cumprimento dessas diretrizes acarretaria a inclusão do país em uma “lista negra” e a classificação do seu sistema financeiro como de "alto risco”.

Esse contexto leva à necessidade de se discutir a revisão do sistema jurídico brasileiro a fim de harmonizá-lo com as diretrizes internacionais antiterroristas. A realização de grandes eventos internacionais no Brasil torna o país alvo de críticas e pressões.

A seção seguinte analisa a nova lei antiterrorismo (lei 13.260/2016).

A lei antiterrorismo brasileira: um mal (des)necessário?

Como afirmado anteriormente, a proximidade dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro foi uma boa oportunidade para o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento ao Terrorismo (Gafi) exigido Brasil a adoção de uma legislação mais rígida.

O Gafi foi criado em 1989, quando da realização da cúpula do G-7 em Paris, com o objetivo inicial de promover políticas tanto nacionais quanto internacionais de combate à lavagem de dinheiro.Para atingir esse propósito, adota recomendações. A “produção normativa” logo após sua criação foi bem intensa e, ainda em 1990, já havia 40 recomendações. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, a agenda do Gafi conferiu mais destaque ao financiamento do terrorismo .Das 40 recomendações, 4 cuidam especificamente do terrorismo (FATF, 2012): n. 5 (Terrorist financing offence), 6 (Targeted financial sanctions related to terrorism and terrorist financing), 7 (Targeted financial sanctions related to proliferation) e 8 (Non-profit organisations).

Os Jogos Olímpicos são um evento global com a presença de muitos chefes de Estado, atletas de renome mundial e, evidentemente, turistas estrangeiros. Isso requer, naturalmente, a adoção de medidas de segurança. Vale destacar que os jogos de Munique (1972) e Atlanta (1996) foram marcados por ataques terroristas.

Muitos atos que podem ser classificados como terrorismo são crimes contra a incolumidade pública previstos no Código Penal (decreto-lei 2.848/1940 ), a exemplo de causar incêndio, provocar explosão ou usar gás asfixiante.

A discussão de uma lei antiterrorismo no Brasil não é fenômeno recente. No início dos anos 1980, o assunto já era intensamente discutido em virtude do contexto político dos anos 1960 e 1970, marcado por atentados contra agentes diplomáticos estrangeiros e pela ação de grupos rebeldes contrários à ditadura que se instalou em 1964 e agremiações de extrema direita.

Em 1980 , constituiu-se uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para debater a escalada da ação terrorista no país. À época, não havia consenso quanto à necessidade de uma legislação específica pois já existia uma lei de crimes contra a segurança nacional.

O relatório da CMPI , aprovado em agosto de 1983, apresenta declarações e depoimentos de várias autoridades. Dentre elas, são dignas de nota as palavras do Cel. Moacir Coelho, então Diretor do Departamento de Polícia Federal:

A fase da luta armada (1968-1972) encontrou as Polícias Federal e Estadual totalmente despreparadas para se oporem aos guerrilheiros urbanos e terroristas.

Esse despreparo dos policiais obrigou o prematuro engajamento das Forças Armadas em ações tipicamente policiais. Foi uma exigência inevitável mas que acarretou pesado desgaste àquelas Forças e motivou acirradas críticas dos adeptos dos guerrilheiros e terroristas.

Se a criação de algum grupo especial de combate ao terrorismo se revelar necessário que seja integrante da própria polícia.

Não há necessidade de uma lei, afora a da Segurança Nacional , para combater o terrorismo.

Não mantemos ligações com órgãos estrangeiros a respeito do terrorismo.

Pouco meses após a conclusão dos trabalhos da CPMI, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Crimes contra a Segurança Nacional, a Ordem Política e Social (lei 7.170/1983), que menciona o terrorismo no art. 20:

Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.

A lei 7.170/1983 cita o terrorismo sem defini-lo, embora indique a causa e o propósito: inconformismo político e obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

A ausência de uma definição manteve aceso o debate sobre a necessidade de uma legislação mais explícita, sobretudo a partir dos anos 1990. Entretanto, o mundo mudou muito após a Guerra Fria. Antes, o terrorismo era uma preocupação interna e ligada a “grupos políticos subversivos”; a partir da década de 1990, o terrorismo começa a ganhar os contornos que o caracterizam no século XXI, sobretudo o caráter transnacional.

Muitos projetos de lei sobre o assunto tramitam no Congresso Nacional. A maioria busca definir ou tipificar o terrorismo; dois deles visam instituir um dia nacional de repúdio ao terrorismo (PL 5.791/2001 e PL 4.071/2004). Muitos apresentam definições que não são adequadas à conjuntura atual ou pecam por distorcerem a noção de terrorismo. Verifica-se, muitas vezes, uma confusão entre organizações terroristas, grupos paramilitares e movimentos sociais (Cepik, 2010), ao analisar o PL 6.764/2002, alerta que

(e)m termos de mudança de enfoque na legislação, creio que é preciso reverter a tendência inercial da legislação infraconstitucional brasileira em definir o crime de terrorismo em termos que o aproximam da dissidência política, da rebelião social ou da subversão armada. Presente já no Código Penal de 1940, essa tendência aprofundou-se com a Lei de Segurança Nacional de 1983 e alcançou sua expressão mais acabada no já mencionado Projeto de Lei n.º 6.764/2002.

Note-se a quantidade de situações que poderiam ser encaradas como atentados terroristas sob essa caracterização, inclusive a ocupação temporária e parcial de prédios públicos. As penas previstas para o crime de terrorismo nesse projeto de lei vão de dois a 14 anos (se o ato resultar em morte). Esse tipo de definição foi elaborado muito mais tendo em vista o Movimento dos Sem Terra (MST) do que a Al-Qaeda e nos parece não levar em conta a especificidade multifacetada do terrorismo contemporâneo e tampouco a severidade dos impedimentos que se colocam a uma tentativa de apreensão doutrinária e meramente normativa desse tipo de ameaça (Cepik, 2010).

Em atendimento às recomendações do Gafi e resoluções do Conselho de Segurança (CS) da ONU, aprovou-se a Lei 13.170 em outubro de 2015, cujo objetivo central é o rastreamento e o bloqueio em território nacional de bens e ativos pertencentes a pessoas e organizações ligadas ao terrorismo. Essa lei também busca harmonizar o sistema legal brasileiro à Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo (1999).

Embora a prevenção e a repressão ao terrorismo sejam mais questões mais urgentes do que a definição, o Congresso Nacional aprovou a Lei Antiterrorismo em março de 2016 (lei 13.260). Essa norma apresenta uma definição genérica e elenca algumas ações consideradas terrorismo:

Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

§ 1o São atos de terrorismo:

I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;

II - (VETADO);

III - (VETADO);

IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;

V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.

§ 2o O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.

Algumas considerações devem ser feitas sobre o dispositivo acima. Primeiramente, o caput do art. 2.º desvincula o terrorismo das lutas políticas. Em segundo lugar, a motivação apresentada se aproxima muito do crime de genocídio, cuja definição se encontra no art. II da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948) e no art. 6.º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (1998).

Tudo leva a crer que o país buscou atender às resoluções do Conselho de Segurança e recomendações do Gafi sem comprometer a relação com países, ou grupos de países, que relutam em associar o terrorismo às lutas emancipatórias. Esse é um ponto delicado para muitos Estados do Oriente Médio dos quais o Brasil vem se aproximando comercial e politicamente desde o início deste século. Vale também ressaltar que, em dezembro de 2010, Luís Inácio Lula da Silva reconheceu a Palestina como Estado.

O Brasil aspira o reconhecimento de sua posição como potência global. No entanto, não almeja associar sua imagem ao hard power nem a políticas intervencionistas.

A lei 13.260/2016 foi promulgada com oito vetos. No tocante ao art. 2.º, os dispositivos vetados diziam respeito aos seguintes crimes: “II - incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado” e “III - interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados”. Na mensagem 85/2016, lê-se que objeções foram feitas pelos ministérios da Justiça e das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos . A razão principal é a redação por demais ampla e imprecisa.

A nova lei também considera crimes a promoção, a criação, o auxílio, a participação e o financiamento de organizações terroristas. A tentativa (trabalhos preparatórios) é igualmente tratada como delito. Não obstante, a Presidência da República vetou dispositivos a fim de preservar a liberdade de expressão, bem como os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.

O novo marco legal brasileiro não é um fato isolado. Dentre os países sul-americanos, o Brasil foi o último a adequar sua legislação às recomendações do Gafi e resoluções do CS da ONU. O Quadro 1 permite verificar esse atraso por parte das autoridades brasileiras:

Fonte: Elaborado pelo autor 

Nos anos 1980, debates semelhantes aos ocorridos no Brasil aconteceram em alguns países vizinhos. Nota-se que o Chile possui uma lei antiterrorismo desde 1984. Embora o atual Código Penal colombiano seja de 2000, o de 1980 já tipificava o terrorismo (art. 187). O Peru, em virtude do combate a grupos extremistas (v.g. Sendero Luminoso) aprovou legislação específica no governo Fujimori; não obstante, alguns dispositivos foram declarados inconstitucionais no início deste século.

Não obstante, os Estados sul-americanos apresentam leis novas ou modificadas recentemente. O caso brasileiro é apenas mais um no subcontinente e no mundo.

Percebe-se que o Brasil evitou uma redação que possa implicar violação de direitos humanos e fundamentais e, consequentemente, acarretar a responsabilidade internacional do país (Piovesan, 2010). Deve-se ter em mente que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Chile em 2014 por aplicar a legislação antiterrorismo a dirigentes Mapuche (caso Norín Catrimán y otros (Dirigentes, Miembros y Activistas del Pueble Indígena Mapuche) vs. Chile ).

Os reclamantes chilenos foram condenados por “incêndio terrorista”. Contudo, a ação estava envolvida em uma luta por demarcação de terra indígena. Situação semelhante poderia ocorrer no Brasil, a exemplo de protestos decorrentes da construção de barragens (v.g. Belo Monte), conflitos entre índios e garimpeiros ou produtores rurais.

Constata-se, portanto, um aspecto positivo na lei 13.260/2016: evitar problema semelhante ao ocasionado pela aplicação da lei chilena. No entanto, a definição de terrorismo adotada é muito vaga. O caput do art. 2.º parece ter influência de entidades devotadas a questões como direitos humanos, gênero e igualdade racial, mas não transparece a participação dos órgãos de segurança e defesa na sua elaboração.

Considerações finais

O terrorismo não é um fenômeno novo na história. No entanto, é mais fácil denominá-lo do que defini-lo. Ao longo do século XX, produziram-se os primeiros atos internacionais referentes ao tema e muitos países tipificaram esse crime em seus sistemas jurídicos.

Apesar do consenso sobre a necessidade de prevenir e combater grupos terroristas, persiste a questão fundamental: trata-se de um crime contra a humanidade sem justificativa ou uma arma do oprimido (insurgente) contra o opressor (governo ilegítimo ou potência estrangeira)? Mesmo após a inserção do terrorismo na ordem do dia da política mundial, fato intensificado após setembro de 2001, ainda não há uma resposta uníssona.

O Brasil não é palco de atentados terroristas há algum tempo, mas certas questões o forçam a se pronunciar sobre o assunto e a adotar medidas internas: extensão territorial, problemas políticos e atentados relativamente recentes nos países vizinhos, projetos regionais (v.g. Conselho de Defesa Sul-americano) e a aspiração de obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Além disso, há a dimensão transnacional que o terrorismo alcançou nas últimas décadas e as pressões internacionais em virtude da necessidade de combatê-lo e impedir o seu financiamento.

Do ponto de vista institucional, verifica-se a urgência de coordenação entre os órgãos de segurança e defesa, bem como do incremento da infraestrutura e do número de agentes. Tudo indica que essas medidas são muito mais eficazes do que a aprovação de novas leis.

A inércia do governo brasileiro na adequação do regime jurídico nacional às resoluções do CS da ONU e das recomendações do Gafi, levaram o país a aprovar às pressas novas normas: lei 13.170/2015 e 13.260/2016. A primeira já seria suficiente pois, das questões relacionadas ao terrorismo atinentes ao Brasil, a mais urgente era a do financiamento. Cumpre ressaltar que o país ratificou as principais convenções mundiais e regionais sobre o assunto e participa dos mais relevantes organismos de cooperação (v.g. Interpol).

A criação de um ordenamento jurídico de combate ao terrorismo é um trabalho difícil e arriscado. Deve-se proceder com cautela, uma vez que leis antiterroristas precipitadas e mal elaboradas podem ameaçar os direitos fundamentais dos indivíduos

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Recebido: 01 de Outubro de 2016; Aceito: 12 de Março de 2017

Agradecimiento: A los coautores, académicos del curso de Relaciones Internacionales de la Pontificia Universidad Católica de Goiás: Daniela Anacleto Maciel (danielaanacleto7@gmail.com), Juliana Alves dos Santos (julianaalvesdossantos@live.com), Nayani Paula Rodrigues dos Santos (nanipaula19@gmail.com), Paola Dalla Nora Perin (paoladallanoraperin@gmail.com), Thalita Victória Ferreira Furtado (thalitavffurtado.tf@gmail.com)

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