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InterCambios. Dilemas y transiciones de la Educación Superior

versión impresa ISSN 2301-0118versión On-line ISSN 2301-0126

InterCambios vol.7 no.1 Montevideo  2020  Epub 01-Jun-2020

https://doi.org/10.2916/inter.7.1.5 

Investigaciones y experiencias

Formação docente inicial e as discussões sobre a inclusão. Análise do currículo do curso de pedagogia de uma universidade pública da região norte do Brasil

Initial teacher training and discussions about inclusion. Analysis of the curriculum of the pedagogy course of a public university in the north of Brazil

Formación docente inicial y las discusiones sobre la inclusión. Análisis del currículo del curso de pedagogía en una universidad pública de la región norte de Brasil

Ana Keully. Gadelha dos Santos Darub1 
http://orcid.org/0000-0001-7165-5563

Gardênia Lídia Chaves Soares2 
http://orcid.org/0000-0001-8058-6600

Pricila Kohls dos Santos3 
http://orcid.org/0000-0002-3349-4057

1Universidade Federal do Acre, Brasil. Contacto: ana.keully@hotmail.com

2 Universidade Católica de Brasília, Brasil. Contacto: gardenialidia@hotmail.com

3Universidade Católica de Brasília, Brasil. Contacto: pricila.kohls@gmail.com


Resumen:

El derecho a la inclusión escolar de personas con discapacidades, trastornos del desarrollo global y altas habilidades /superdotación es un logro que desencadenó la necesidad de que la educación de los docentes recurra a la discusión sobre este tema. El presente estudio pretende identificar, en el plan de estudios de educación inicial, qué asignaturas se ofrecen y si satisfacen las necesidades de los estudiantes de pregrado para que puedan desarrollar, a través de sus prácticas pedagógicas, clases que aborden las necesidades educativas específicas del público de la educación especial. En este proceso de formación de futuros docentes, ¿están los marcos curriculares compuestos de asignaturas obligatorias y específicas relacionadas con la educación inclusiva? ¿La carga de trabajo es suficiente y bien distribuida durante el curso? ¿Se comunican con la educación especial? ¿Hay puntos compatibles y/o divergentes con el plan de estudios con respecto a las leyes relacionadas con la educación inclusiva? Estas y otras preguntas son parte de una discusión que ha sido tema y preocupación de maestros e investigadores en el área de educación y que ha norteado las discusiones de este estudio. Los resultados indican que no es suficiente insertar en el currículo de los cursos de formación de docentes algunos cursos sobre el tema de inclusión educativa. Estas asignaturas deben planificarse en función de la realidad escolar de la que el futuro docente formará parte en el ejercicio de su labor profesional.

Palabras clave: inclusión educativa; formación inicial del profesorado; currículo; pedagogía

Resumo:

O direito a inclusão escolar de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação é uma conquista que desencadeou a necessidade da formação docente voltar-se para a discussão desta temática. Neste processo de formação de futuros professores, a estrutura das matrizes curriculares está composta por disciplinas obrigatórias e específicas relacionadas com a educação inclusiva? A carga horária é suficiente e bem distribuída durante o curso? Elas se comunicam com a educação especial? Há pontos compatíveis e/ou divergentes com o currículo em relação às leis relacionadas com a educação inclusiva? Estes e outros questionamentos fazem parte de uma discussão que tem sido tema e preocupação de docentes e pesquisadores da área de educação e que nortearam as discussões do presente estudo. O objetivo geral da pesquisa foi identificar, no currículo da formação inicial, quais são as disciplinas ofertadas e se elas atendem as necessidades dos graduandos para que estes estejam aptos a desenvolver, através de suas práticas pedagógicas, aulas que contemplam as necessidades educacionais específicas de estudantes público-alvo da educação especial. A metodologia utilizada para a realização deste estudo caracteriza-se como pesquisa documental, de cunho mais qualitativo, não ignorando os aspectos quantitativos que contribuíram para a formulação de dados para análise. Os resultados apontam uma insuficiência de disciplinas com o objetivo de preparação para práticas educacionais inclusivas, contribuindo para uma formação docente embrionária a qual dificulta a inclusão dos alunos com necessidades educacionais específicas. Além disso, observou-se que não é suficiente inserir nos currículos dos cursos de formação de professores algumas poucas e generalistas disciplinas sobre a temática inclusão. Essas disciplinas precisam ser planejadas, com base na realidade escolar que o futuro professor irá fazer parte no exercício de sua profissão.

Palavras-chave: inclusão educativa; formação docente inicial; currículo; pedagogia

Abstract:

The right to school inclusion of people with disabilities, global developmental disorders and high skills/giftedness is an achievement that triggered the need for teacher training to turn to the discussion of this theme. In this process of training future teachers, are the structures of the curricular matrices composed of mandatory and specific subjects related to inclusive education? Is the workload sufficient and well distributed during the course? Do they communicate with special education? Are there points that are compatible and/or divergent with the curriculum in relation to laws related to inclusive education? These and other questions are part of a discussion that has been the theme and concern of teachers and researchers in the area of ​​education and that guided the discussions of this study. The general objective of the research was to identify, in the curriculum of the initial training, which are the subjects offered and if it meets the needs of the students so that they are able to develop, through their pedagogical practices, classes that address the specific educational needs of students target audience of special education. The methodology used to carry out this study is characterized as documentary research, of a more qualitative nature, not ignoring the quantitative aspects that contributed to the formulation of data for analysis. The results point to an insufficiency of disciplines with the objective of preparing for inclusive educational practices, contributing to an embryonic teacher education which makes it difficult to include students with specific educational needs. In addition, it was noted that it is not enough to include a few generalist disciplines on the subject of inclusion in the curricula of teacher training courses. These subjects need to be planned, based on the school reality that the future teacher will be part of in the exercise of their profession.

Keywords: educational inclusion; initial teacher training; curriculum; pedagogy

Introdução

Historicamente o curso de pedagogia e a formação do professor têm enfrentado várias mudanças em seu currículo. E estas são resultantes e inerentes das necessidades e interpretações das transformações ocorridas ao longo da história, as quais promovem novos olhares sobre o aluno, como por exemplo, é o caso da inclusão da pessoa com deficiência e/ou necessidade educacional específica na escola comum inclusiva.

O paradigma da inclusão escolar desconstruiu ideologicamente a perspectiva cultural, social, legal e científica da participação de pessoas com deficiência na sociedade. Até meados da década de 1990 estas pessoas eram expostas a atendimentos restritos por serem consideradas incapazes de aprender.

Neste sentido a perspectiva histórico-cultural de Vygotsky contribuiu para o reconhecimento da condição de sujeitos capazes de aprender, se a eles fora ofertado um ensino adequado.

A partir deste entendimento, o presente estudo tem por objetivo analisar e identificar as disciplinas inseridas no currículo do curso de pedagogia de uma universidade pública a partir da necessidade de formação de professores aptos a lecionar em ambientes educacionais inclusivos, bem como suas possibilidades para desenvolver e aproximar-se de argumentos, visões e contextos em que evidencia a inclusão dos estudantes com deficiência e o respeito às suas particularidades.

A formação inicial de professores possui um papel acadêmico e social muito importante no processo de preparação dos futuros profissionais da educação. A competência de ensinar pessoas em processo de formação, em crescimento cognitivo, bem como em pleno desenvolvimento de suas potencialidades e habilidades requer uma arquitetura de conhecimentos para que a professora ou professor iniciante sintam-se aptos a desempenhar sua função.

Ao analisar o currículo do curso é preciso ter um olhar voltado para a diversidade numa concepção que possa oferecer condição adequada que garanta o ensino de qualidade atendendo também as necessidades da pessoa com deficiência.

Indicadores apontam para a insuficiência e fragilidade que os docentes do curso de pedagogia sentem para atuar com os estudantes, pois estes demonstram a necessidade de uma formação continuada e que também aconteça no cotidiano do espaço educacional, visando o atendimento das necessidades dos professores em regência. A reestruturação do currículo deste curso, assim como a reconfiguração de programas para a formação continuada dos docentes para inclusão escolar, não tem avançado em sua dialogicidade.

Inclusão escolar e a formação de professores

A história da educação de pessoas com deficiência revela que a exclusão é um fenômeno de origem histórica, que perpassou escola, currículo e a formação de professores com a tendência a equiparar o que é mais comum como sendo a norma universal para a orientação das práticas educativas (Arroyo, 2008).

Desde as mais remotas civilizações, observa-se a praxe de omissão de atendimentos adequados às diferenças, ocasionadas principalmente pela criação de padrões sociais que fundamentaram as diretrizes das atividades coletivas, impondo restrições sobre a vida de pessoas, que por circunstâncias desconhecidas, nasciam com alguma característica contrastante (Bianchett y Freire, 1998).

Na perspectiva de Durkheim, com base na análise da autora Tomasini (1998), o padrão existe por uma questão de ordem social, em que a maioria das pessoas correspondem às características físicas, sociais e psíquicas mais aceitas, logo, um indivíduo ao ser comparado ao grupo constituído por semelhanças, precisa corresponder a coesão social para ser aceito. Do contrário torna-se sinônimo de negação da ordem. A coesão social é mantida pelas semelhanças entres os indivíduos (Bianchett, y Freire, 1998).

A influência da ideia de coesão social conduziu a segregação de pessoas com deficiência do ambiente escolar comum até o século XX, dando origem a um sistema paralelo. De um lado encontrava-se a escola comum que negava a diversidade ao se voltar para o trabalho com os estudantes uniformes, do outro lado estavam as instituições especiais, destinadas aos diferentes. Tratava-se de uma seleção entre capacidades e aptidões para a homogeneização da educação (Mendes, 2006; Imbernón, 2016).

Neste cenário, não se tinham muitas expectativas quanto ao desenvolvimento e aprendizagem de pessoas com deficiência, em virtude das características singulares de aprendizagens destes sujeitos. O modelo de ensino segregado não proporcionou grandes avanços para a aprendizagem de pessoas com necessidades educacionais específicas, principalmente por ofertar um ensino pouco desafiador, não assegurar a escolarização e possuir características de ações didáticas que transitavam entre práticas terapêuticas e a aquisição de habilidades pré-escolares. A ênfase estava na tentativa de recuperação das falhas que a deficiência impunha aos indivíduos, desconsiderando a necessidade de aprendizagens dos conteúdos curriculares desenvolvidos nas escolas comuns (Mendes, 2010).

A educação inclusiva tem origem no processo de questionamento da ineficácia e do prejuízo social que o sistema paralelo de ensino impôs as pessoas com deficiência ao longo da história. A principal reivindicação deste movimento se consolida no respeito às diferenças e justiça social, garantindo ao cidadão com deficiência o direito de desfrutar das mesmas conquistas legais que as pessoas sem deficiência.

Segundo Mendes (2006), este princípio, que ganhou força em meados da década de 90, trouxe o reconhecimento que ao ignorar as diferenças dentro das escolas, estava-se acentuando as desigualdades “… e por isso pregava a necessidade de reforma educacional para prover uma educação de qualidade para todas as crianças” (p. 395).

Em 2007, no Brasil, acontece a publicação da Política nacional da educação especial na perspectiva inclusiva. Este documento trouxe orientações ao sistema de ensino para o compromisso de uma educação inclusiva e de qualidade para todos, garantindo a incorporação da educação especial ao sistema comum de ensino, mediante da oferta do atendimento educacional especializado, a formação de professores, a acessibilidade e a articulação com a família e a comunidade para proporcionar o alcance dos níveis mais elevados de ensino para pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista e dotados e talentosos.

A educação especial na perspectiva inclusiva agora, dentro da escola, e de responsabilidade desta, orienta o sistema de ensino a organizar-se para promover condições de aprendizagem e desenvolvimento para todos.

Para consubstanciar este ideal, é apropriado, dentre outros desafios de mudanças estruturais, uma reforma na formação inicial e continuada de professores, que seja capaz de desorganizar os currículos tradicionais vigentes, viciados no fenômeno homogeneizador da sociedade, que ao longo da história tem tolhido os direitos dos sujeitos diferentes, reconstruindo este currículo de modo a preparar o professor para o desafio do diverso (Arroyo, 2008).

Em uma sociedade que em sua origem constituiu o padrão que inferioriza as diferenças, é pertinente que a formação de professores se preocupe com a problemática de ruptura com os paradigmas históricos de sujeitos únicos.

O professor, como mediador no processo de aprendizagem, assume um papel importante para a promoção das mudanças almejada pela inclusão. Neste sentido, a formação docente é responsável por incrementar, de modo eficiente, os pressupostos que atenderão aos desafios que compõe uma sociedade em transformação e que requer da escola muito mais do que a transmissão dos conteúdos sistematizados. A inclusão tornou-se uma inevitabilidade, fazendo-se inevitável, também, a orientação da prática pedagógica.

Compreende-se, portanto, que a formação docente é parte indispensável na construção das mudanças desejadas na educação e na sociedade. A inclusão escolar torna-se uma política ilusória a julgar pelo despreparo dos professores. É impossível existir uma escola inclusiva se a formação docente não for inclusiva. É no ato da formação docente que os subsídios para a prática reflexiva, que se fazem necessários à inclusão de pessoas com necessidades educacionais específicas, deverão ser discutidos e consolidados.

Metodologia

Frente à necessidade de mudanças estruturais e práticas promovidas pela implementação da política de inclusão escolar, faz-se necessário conhecer o percurso formativo dos professores, com o objetivo de compreender o modo como tem se organizado a formação docente para capacitação destes profissionais, tornando-se relevante para o campo da pesquisa em educação.

Assim, o presente estudo caracteriza-se como pesquisa de abordagem qualitativa, sendo realizada por meio da técnica da análise documental desvelando aspectos novos sobre a inclusão educacional no âmbito da formação docente. Os documentos analisados serviram para exploração da temática abordada e contribuíram para a análise da organização dos componentes curriculares que fundamentam a formação de futuros docentes da educação básica.

Para o estudo e discussão desta realidade, buscou-se junto ao site de uma universidade federal o ementário do curso de pedagogia e demais informações públicas que pudessem ajudar para o alcance do objetivo deste artigo. Salienta-se que, por questões éticas, a identificação da instituição pesquisada foi mantida em sigilo.

Após realização deste levantamento, foram feitas leituras minuciosas do conteúdo das ementas, separando as disciplinas que traziam discussões sobre a educação especial. Em seguida, realizou-se os cálculos da carga horária total do curso, carga horária por campo de disciplinas e porcentagem de discussão destinada à preparação dos acadêmicos para a prática da inclusão.

Resultados e discussões

Para fins de organização da análise ora apresentada, realizou-se um levantamento do conteúdo das ementas das disciplinas, em busca de informações sobre a natureza de cada uma das disciplinas, categorizando-as por temáticas de discussão conforme ementas, plano de curso e áreas de concurso. E assim realizou-se o cálculo percentual que cada um desses campos ocupa no currículo do curso. Obtendo os seguintes resultados:

Tabela 1:  Cálculo percentual por áreas. 

Para a elaboração desta tabela, considerou-se as disciplinas eletivas e optativas por estarem compondo o projeto de formação do curso, mesmo que em alguns períodos tais disciplinas não sejam ofertadas.

Os resultados obtidos com a realização deste levantamento revelam que as disciplinas com abordagem filosófica, sociológica e histórica são que se apresentam em maior número, com um total de 20% da quantidade de disciplinas ofertadas ao longo do curso. Um detalhe que chama bastante atenção é que todas essas disciplinas deste grupo são de caráter obrigatório.

As disciplinas com discussões sobre os temas de desenvolvimento humano, organização, política e gestão da educação, alfabetização na perspectiva do letramento e educação especial contabilizam 5,33% do número de disciplinas do currículo cada grupo.

Vale destacar que dentro destes grupos existem disciplinas eletivas, como no caso do grupo da educação especial, cuja disciplina Atendimento Educacional Especializado ao Aluno com Deficiência Visual possui este caráter.

As disciplinas de ensino que possuem uma abordagem mais direta aos conteúdos que serão ensinados pelos professores nas séries iniciais do ensino fundamental ocupam 16% do total de disciplinas do curso. Porém, na descrição das ementas não se faz menção ao trabalho com as diferenças na sala de aula.

Infância, estatística, educação indígena e educação a distância juntas ocupam 8% do total de disciplinas. Enquanto que as discussões sobre currículo ocupam apenas 2,66%.

As quatro disciplinas que trazem discussões sobre a educação especial são: Fundamentos da Educação Especial, Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), Atendimento Educacional a Crianças Hospitalizadas e Atendimento Educacional Especializado ao Aluno com Deficiência Visual.

As ementas das referidas disciplinas são (Tabela 2):

Tabela 2:  Ementas 

Em análise das ementas destas disciplinas verifica-se que:

A disciplina de Fundamentos da Educação Especial, obrigatória, é voltada para a discussão de aspectos genéricos das questões a respeito da inclusão escolar, tendo como foco central conceitos norteadores e discussões básicas sobre abordagens didáticas, limitadas a uma carga horária de 60 h/a. Sendo insuficiente para promover uma discussão mais profunda e consistente.

A disciplina Língua Brasileira de Sinais, obrigatória, se propõe a ensinar a utilização da LIBRAS em contexto com a pessoa surda, além de discutir aspectos legais, sintáticos, morfológicos e fonológicos da língua. Considerado a complexidade do estudo de uma língua e o tempo necessário para que esta aprendizagem se consolide, entende-se que 60 h/a é insuficiente para o alcance dos princípios propostos na ementa.

A disciplina Atendimento a Crianças Hospitalizadas, obrigatória, apresenta como proposição o estudo das políticas, diretrizes e funcionamento administrativo e pedagógico das classes hospitalares, além de atividades práticas de docência, para este público específico, de alunos que estão matriculados na educação infantil e ensino fundamental, mas se encontram amparados pela pedagogia hospitalar.

Das três disciplinas obrigatórias, a disciplina acima é a única que propõe na ementa atividades de cunho prático, todavia, destina-se a um número muito reduzido de alunos, em comparação com os demais sujeitos aos quais se destinam os serviços da educação especial.

A disciplina Atendimento Educacional Especializado ao Deficiente Visual, eletiva/optativa, oferta conhecimentos e estudos sobre as especificidades da deficiência visual que vão desde características gerais sobre a deficiência até as adaptações curriculares e tecnologias que se fazem necessárias para a inclusão. Esta disciplina se revela bastante significativa para fomentar a prática docente desses futuros professores, a julgar por apresentar aspectos essenciais para orientação do trabalho com pessoas cegas e baixa visão. Todavia, trata-se de uma disciplina não obrigatória.

A meta 4 do Plano Nacional de Educação estabelece a universalização da educação básica e acesso ao atendimento educacional especializado para todos os alunos público-alvo da educação especial entre 4 e 17 anos. De acordo com os indicadores de monitoramento da meta supracitada, em 2017, 90,9% das pessoas com deficiência e ou necessidades educacionais específicas, dentro da faixa etária estabelecida na meta 4, estavam matriculadas em classes comuns do ensino regular e/ou na educação de jovens e adultos (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Inep, 2018). E esse número só tende a aumentar.

Oliveira e Vieira (2010) realizaram uma pesquisa quantitativa sobre o trabalho docente na educação básica no Brasil, a amostra representativa apresentada indicou que 42% dos sujeitos docentes entrevistados possuíam alunos com algum tipo de deficiência em suas turmas de atuação.

Esses números traduzem a necessidade de uma formação que contemple o preparo profissional adequado para ensinar todos os alunos, no mesmo ambiente de aprendizagem, considerando a competência de planejamento e a execução de situações de aprendizagens significativas.

A inclusão escolar tem se tornado a cada novo ano uma ação real em termos de inserção desses alunos nas salas de aula comum, por ser uma ação real, não pode ser negligenciada no processo de formação docente. Formar profissionais despreparados, para este desafio de universalização do acesso à educação básica, significa perpetuar a exclusão. Estar inserido não é sinônimo de inclusão, haja vista que esses alunos possuem necessidades educacionais específicas que precisam ser atendidas.

Bioto-Cavalcanti (2017) descreve o currículo como sendo um projeto de formação. No currículo consta, explicita ou implicitamente, o que se valoriza como conhecimento nas disciplinas escolares, a perspectiva de escola, de sociedade e de ser humano. Portanto, é através deste projeto de formação que políticas se consolidam e ideologias se perpetuam, ou por sua vez podem ser modificadas.

Quando se fala de educação inclusiva tem-se uma organização legal e política amplamente discutida, porém não executada em sua totalidade. Bem como, existe em nossa cultura, ideologias que classificam a espécie humana entre normais e anormais. Sobre esta dificuldade em lidar com as diferenças humanas decorrentes de deficiências, diz Vygotsky (2011):

Todo o aparato da cultura humana (da forma exterior de comportamento) está adaptado à organização psicofísiológica normal da pessoa. Toda a nossa cultura é calculada para a pessoa dotada de certos órgãos - mão, olho, ouvido - e de certas funções cerebrais. Todos os nossos instrumentos, toda a técnica, todos os signos e símbolos são calculados para um tipo normal de pessoa. (p. 867)

As formações generalistas são as grandes responsáveis por esta adaptação do aparato da cultura humana ao que se considera ser uma pessoa normal. A desconstrução dessa adaptação social é também responsabilidade da formação de professores, logo é responsabilidade do seu projeto formativo, o currículo.

Um levantamento das características dos currículos dos cursos de pedagogia realizado por Gatti (2010), conclui que apenas 3,8% das disciplinas trazem discussões sobre a educação especial (p. 1370). Número muito aquém do necessário.

No caso específico da pesquisa realizada neste estudo, das ementas das disciplinas do currículo do curso de pedagogia da universidade analisada, foi possível observar que do total de 75 disciplinas apenas 3 disciplinas obrigatórias e 1 optativa trazem discussões voltadas para as questões da educação especial.

Observando estes quatro componentes curriculares supracitados, identifica-se uma lacuna na formação destes professores ao que se refere as discussões de temáticas inerentes de públicos em maior número nas escolas, conforme dados do INEP (Tabela 3):

Tabela 3:  Número de matrícula da educação especial - classes comuns/2018 

Fonte dos dados: Sinopse Estatística da Educação Básica 2018.

Em termos percentuais, temos o seguinte resultado:

Figura 1:  Percentual de alunos com publico alvo da educação especial inclusos na escola comum.  

Estes dados apontam que o público com maior incidência nas classes comuns das escolas públicas é composto por alunos com deficiência intelectual, totalizando 56,9%. Seguindo por alunos com transtorno do espectro do autismo, com 14%, e alunos com deficiência física, com 10,4%.

Cabe destacar que estes três grupos possuem particularidades etiológicas e especificidades para o acesso e participação nas aulas. Pessoas com deficiência intelectual e autismo apresentam formas diferentes, e por vezes complexas, de aprendizagem, mas não impossibilidades. No caso específico de alunos com deficiência física, a tecnologia assistiva torna possíveis ações, comunicação, conquista da autonomia e da independência. Tornar conhecido o uso eficiente destes recursos possibilita a inclusão plena destes alunos, para isso faz-se necessário um profissional capacitado com fins de promover a inclusão e o desenvolvimento destes alunos.

Quando se negligencia o estudo e a reflexão de alguns grupos pertencentes à educação especial, durante a formação do professor, perpetuam-se mitos, inseguranças e exclusão escolar. Se o docente não sabe o que fazer com este aluno, qualquer coisa serve para que ele não incomode no desenvolvimento das atividades planejadas para os alunos uniformes.

Diante disso, observa-se que o currículo do curso de pedagogia tem priorizado, em sua proposta, públicos em menor número de alunos com necessidades educacionais específicas, incluídos nas classes comuns da educação básica, além propor uma disciplina generalista. Isso acarreta em uma formação insuficiente e perfunctória.

A esse respeito, analisa Tardif (2014):

Se o trabalho dos professores exige conhecimentos específicos a sua profissão e dela oriundos, então a formação de professores deveria, em boa parte, basear-se nesses conhecimentos. Mais uma, é estranho que a formação de professores tenha sido e ainda seja bastante dominada por conteúdos e lógicas disciplinares, e não profissionais. Na formação de professores, ensinam-se teorias sociológicas, docimológicas, psicológicas, didáticas, filosóficas, históricas, pedagógicas, etc., que foram concebidas, a maioria das vezes, sem nenhum tipo de relação com o ensino nem com as realidades cotidianas do ofício de professor. (p. 241)

Trate-se de uma formação docente generalista, desconexa com a realidade labiríntica que compõe as salas de aulas, trazendo poucas contribuições concretas para o professor e assim mantendo o paradigma da segregação dentro da escola comum que recebeu o rótulo de inclusiva.

Algumas considerações

Para o alcance dos objetivos propostos pela Meta 4 do PNE, a formação docente assume papel central. Universalizar o acesso à escola comum inclusiva para pessoas com deficiência implica mudanças nas ideologias e práticas docentes, as quais podem ser conquistadas via uma profissionalização adequada.

Não é suficiente inserir nos currículos dos cursos de formação de professores algumas poucas e insuficientes disciplinas sobre a temática inclusão. Essas disciplinas precisam ser planejadas, com base na realidade escolar que o futuro professor irá fazer parte no exercício de sua profissão.

Para isso, os responsáveis pela elaboração e aprovação dos currículos dos cursos de licenciatura precisam se atentar para os coletivos diversos (Arroyo, 2008), no sentido de que não se pode ignorar a diversidade e as especificidades múltiplas que constituem o alunado público-alvo da educação especial, priorizando apenas alguns grupos em detrimento de outros, que por sua vez, no estudo apresentado, são mais numerosos.

Tal prática pouco contribui para o que preconiza o paradigma da inclusão, o qual propõe que a escola comum seja o ambiente mais adequado para o convívio com as diferenças e o estabelecimento da justiça social, além de não conceber as diferenças como um problema e sim como um desafio, que possibilitará aprendizagens que podem ser desenvolvidas com as devidas adaptações.

Como o professor é formado impacta diretamente no como ele enxerga os seus alunos. Se durante o percurso formativo ele não ouviu, não viu e não discutiu sobre a deficiência intelectual, por exemplo, ao se deparar com este aluno, a tendência é que este não seja reconhecido como aprendiz capaz. Pois, se pouco se sabe, pouco se faz.

A maioria das pessoas com deficiência continuam a margem da sociedade, são invisíveis, e isto parece ser o normal. Assim observamos o quanto é difícil romper com a prática da exclusão, onde mesmo quando se pensa fazer uma profissionalização adequada, se esta apresentar incongruências com a realidade da inclusão, corre-se o risco de classificar e hierarquizar as diferenças humanas.

Assim sendo, o alcance do princípio constitucional de educação para todos (artigo 205) passa pela formação docente, isso impõe as universidades o reconhecimento das diferenças como uma condição humana, sem priorizar algumas diferenças em detrimento de outras, conforme visto no estudo realizado no currículo do curso de pedagogia da UFAC.

Contudo, há necessidade de promover mudanças na estrutura curricular do curso em questão, de forma que todos os grupos da educação especial sejam atendidos no processo de formação dos futuros professores. Se todas as deficiências não forem contempladas no estudo e reflexão, durante o período de graduação, como poderemos exigir que no exercício da profissão, o professor reflita sobre o ensino dos alunos com deficiência que ele desconhece.

Considerando o objetivo traçado, sendo este o de identificar as características do currículo do curso de pedagogia no que se refere à formação de professores para a inclusão escolar, além dos dados coletados, foi possível discutir e analisar a real necessidade de reforma na estrutura curricular do supracitado curso, assim como as influências que este causa no exercício da docência e no processo de inclusão escolar.

Uma vez que, a inclusão educativa é um processo que deve iniciar desde os primeiros anos de vida, vê-se a necessidade de reorganização do currículo do curso de Pedagogia com vistas a ampliar a reflexão teórico-prática acerca do atendimento educacional do estudante com deficiência nos diferentes níveis da educação básica. Acreditamos que, ao abordar, nos cursos de formação inicial, a inclusão com maior ênfase e aprofundamento se estará viabilizando a inclusão educativa para os diferentes públicos, pois sabemos que a inclusão para ser efetiva deve e precisa ser trabalhada com todos os sujeitos e não apenas as pessoas com deficiência.

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Nota de contribución: 1. Concepción y diseño del estudio 2. Adquisición de datos 3. Análisis de datos 4. Discusión de los resultados 5. Redacción del manuscrito 6. Aprobación de la versión final del manuscrito. Todos los autores colaboraron en todas las etapas. La editora Beatriz Diconca aprobó este artículo.

Recibido: 03 de Noviembre de 2019; Aprobado: 20 de Febrero de 2020

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