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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.38 no.2 Montevideo dic. 2022  Epub 01-Dic-2022

https://doi.org/10.5935/2079-312x.20220013 

Articles

INTERPRETAÇÕES PARA OS SEGMENTOS (h) E (ɦ) EM MODELOS FONOLÓGICOS

INTERPRETACIONES PARA LOS SEGMENTOS (h) Y (ɦ) EN LOS MODELOS FONOLÓGICOS

INTERPRETATIONS FOR THE (h) AND (ɦ) SEGMENTS IN PHONOLOGICAL MODELS

1Universidade Federal do Rio Grande do Norte. cmcunha63@gmail.com

2Universidade Federal do Rio Grande do Norte. tiagocaian1@gmail.com

3Universidade Federal do Rio Grande do Norte. gabriel-sales@outlook.com


Resumo

Os segmentos (h) e (ɦ) têm sua descrição articulatória colocada em um limbo, considerando diversas interpretações teóricas, por nem se conformarem articulatoriamente como segmentos vocálicos e nem como consonantais. Esse impasse resulta de interpretações e representações não adequadas às suas características articulatórias. Levando isso em consideração, este trabalho objetiva problematizar as interpretações desses sons nos modelos estruturalista, gerativista padrão e autossegmental (Geometria de Traços). Como metodologia, revisitamos as concepções estruturalista, gerativista e autossegmental sobre o status consonantal de um som, além de verificar o tratamento dado aos fones (h) e (ɦ). Como resultados, identificamos que a fonologia estruturalista interpreta os sons analisados como consoantes, já a linha gerativa padrão e a Geometria de Traços interpretam-nos como glides. Diante disso, propomos mudanças na representação desses sons, para o português do Brasil (PB), a partir da Geometria de Traços, de modo a acomodar fonética e fonologicamente os segmentos em análise.

Palavras-Chave: Sons glotais; Segmento consonantal; Segmento semivocálico

Resumen

Los segmentos (h) y (ɦ) tienen su descripción articulatoria ya colocada en un limbo, considerandos distintas interpretaciones teóricas, ni se conforman articulatoriamente como segmento vocálico, ni tampoco como consonántico. El impase resulta de las interpretaciones y de las representaciones que no se adecuan a las características articulatorias de estos sonidos. Teniendo en cuenta, este trabajo tiene como objetivo problematizar las interpretaciones de los segmentos en los modelos estructuralista, generativista estándar y autosegmental. Como metodología, revisitamos estas concepciones sobre el status consonántico de un sonido, además de comprobar el tratamiento dado a los fonos. Como resultado, identificamos que la fonología estructuralista interpreta los sonidos analizados como consonantes, mientras que la línea generativa estándar los interpreta como glides. Ante eso, proponemos cambios en la representación de estos sonidos, para el portugués de Brasil (PB), mediante la Geometría de Rasgos, a fin de acomodar la fonética y fonológicamente los segmentos en análisis.

Palabras-Clave: Sonidos glotales; Segmento consonántico; Segmento semivocálico

Abstract

The (h) and (ɦ) segments, in several theoretical interpretation, have their articulatory description placed in limbo, as neither conform articulatively as a vowel nor consonant segment. The impasse surrounding these sounds description resulted from interpretations and representations that are not adequate to their articulatory characteristics. Taking this into account, we aimed to problematize the interpretations of these sounds in the structuralist, generative standard and autosegmental (Feature Geometry) models. As methodology, we revisited the structuralist, generativist and autosegmental conceptions about the consonant status of a sound, in addition to checking the treatment given to (h) and (ɦ). As a result, we identified that structuralist phonology interprets the analyzed sounds as consonants, where as the standard generative and autosegmental lines interpret them as glides. For this reason, we propose changes in these sounds representation, for Brazilian Portuguese, based on the Feature Geometry, in order to acommodate phonetically and phonologically the analyzed segments.

Keywords: Glottal sounds; Consonant segment; Glides

1. Introdução

Os segmentos (h), desvozeado, e (ɦ), vozeado1, são sons da fala amplamente produzidos em diversas línguas naturais, além de serem participantes de processos fonético-fonológicos também produtivos. A realização desses segmentos encontra-se em sistemas linguísticos diversos, inclusive de famílias distintas, como é o caso da língua indígena Xerente (Jê) (Souza, 2017), do inglês americano e do português brasileiro (PB), que registram, respectivamente, palavras a exemplo de (waˈhə̃) ‘eu’, (həˈloʊ) ‘hello’ e (ɦɛaliˈzah) ‘realizar’.

No que diz respeito aos produtivos processos fonético-fonológicos, podemos destacar o de debucalização, no qual um segmento perde seu ponto de articulação na cavidade oral e passa a ser produzido na região laríngea, resultando no segmento (h). Este processo é de fácil identificação no português brasileiro, língua em que representações de fricativas supraglotais podem converter-se, em determinados contextos fonéticos, em (h), conforme constatam Aragão (2009), Hora e Pedrosa (2009) e Silva e Godinho (2014).

No entanto, mesmo mostrando tal produtividade nas línguas naturais, os segmentos aqui focalizados tendem a não receber um tratamento consensual, considerando as teorias fonológicas. Silva (2014) e Silva e Godinho (2014) constataram, em estudo sobre a representação do processo de debucalização, entraves teóricos aplicados ao segmento (h), como, por exemplo, o próprio conceito de consoante. São questões epistemológicas como essa que geram dificuldades quanto à interpretação desse segmento no âmbito fonético-fonológico.

Para a discussão sobre o tratamento de (h), este trabalho objetiva (i) problematizar as interpretações fonético-fonológicas de (h) e (ɦ) nos modelos estruturalista, gerativo padrão e autossegmental; e (ii) propor, para a Geometria de Traços (Clements e Hume, 1996), uma configuração diferenciada do nó Raiz e de outros nós, intermediários ou terminais, para reinterpretar (h), geralmente analisado, no PB, como obstruinte (+cont) glotal. Como metodologia, revisaremos concepções fonológicas do Estruturalismo (Trubetzkoy, 1962; Jakobson, 1967; Câmara Jr., 2001), do Gerativismo (Chomsky e Halle, 1968; Schane, 1975) e da vertente Autossegmental (Mccarthy, 1994; Clements e Hume, 1996; Rose, 1996).

Este artigo, na sequência, subdivide-se em oito seções fundamentadas, grosso modo, em três eixos: o tratamento do segmento (h) em três linhas teóricas, a identificação de problemas em algumas das interpretações assumidas e a proposição de uma interpretação aplicável ao som em foco, com base na Geometria de Traços de Clements e Hume (1996). Guiaremos a revisão da literatura destacando as propriedades articulatórias e funcionais atribuídas a sons consonantais de uma forma geral, para que, assim, cheguemos à interpretação de (h).

2. Interpretação para (h) na Fonologia Estruturalista (Fonologia Clássica)

Trubetzkoy (1962), na obra Principles of Phonology, faz distinção articulatória entre vogais e consoantes, considerando os diferentes modos da passagem de ar no aparelho fonador. Em sua descrição, ele menciona:

(...) that properties that are specifically consonantal can refer only to various types of obstructions or to the ways of overcoming these obstructions. They may therefore be called properties based on the manner of overcoming an obstruction (Ueberwindungsarteigenschaften). Properties that are specifically vocalic, on the other hand, can only refer to the various types of absence of an obstruction, that is, practically speaking, to the various degrees of aperture. They may therefore be called properties based on degree of aperture (Oeffnungsgradeeigenschaften) (Trubetzkoy, 1962: 94)2.

Logo, segmentos cuja produção é marcada por algum tipo de obstrução da passagem de ar são considerados consoantes; por outro lado, sons produzidos com ausência de obstrução, quanto à passagem de ar, são vistos como segmentos de propriedade vocálica. Destacamos que, pela descrição apresentada, Trubetzkoy não limita a região do trato vocal para a ocorrência da obstrução. Portanto, tem-se uma área de obstrução não marcada para a produção de um segmento consonantal.

Em consonância à definição proposta, Jakobson estabeleceu, na teoria fonológica, as primeiras noções sobre conjuntos de traços distintivos inerentes aos sons das línguas naturais. Dentre esses conjuntos, destaca-se o de sonoridade, que envolve o traço consonantal ou não consonantal. Tal oposição caracteriza-se pela presença vs. ausência de obstrução no tubo vocal (Jakobson, 1967). A partir da compreensão de que tubo vocal e trato vocal correspondem à mesma área do aparelho fonador, podemos atestar, novamente, uma delimitação de área de obstrução não restrita à cavidade oral. Isso significa que, na vertente estruturalista, sons produzidos com obstrução realizada, de um modo geral, da região laríngea aos lábios podem ser classificados como consoantes.

Feitas essas considerações, discutiremos a interpretação de Câmara Jr. (2001). O autor, baseado principalmente nos pressupostos de Trubetzkoy e Jakobson, tece importantes considerações fonético-fonológicas aplicadas ao português. Na primeira parte do livro, intitulada “A segunda articulação ou Fonologia”, o linguista discute a noção de fonema, de segmentos consonantais e vocálicos do português, bem como as possibilidades de formação silábica nessa língua.

Sobre a noção de segmentos consonantais, Câmara Jr. (2001: 37-38) traz à reflexão duas noções: uma de viés fonético e outra de viés fonológico.

Basicamente, do ponto de vista fonético, consoantes correspondem a sons cuja passagem de ar, no momento da produção, apresente “seja uma oclusão, ou fechamento, seja uma constrição, ou aperto, seja uma oclusão parcial que desvia a direção da corrente de ar, ou uma tremulação da língua que imprime uma vibração à corrente de ar”; ou seja, a produção de um som com algum tipo de obstrução do jato de ar utilizado em sua realização.

A descrição acima equivale aos chamados modos de articulação das consoantes. Com relação a esses modos, Câmara Jr. (2001) reúne os sons de acordo com a classificação de Jakobson (1967), segundo a qual agrupam-se segmentos de ordem oclusiva - auditivamente plosivas-, constritivas - auditivamente fricativas -, nasais - sons com ressonância pela cavidade nasal -, laterais - segmentos produzidos com obstrução na região central da cavidade oral e saída do ar pela lateral da língua - e vibrantes - “(...) com vibração rápida ou prolongada da língua, ou da úvula, ou fricção faríngea” (Câmara Jr., 2001: 38).

Já no que diz respeito à classificação de sons consonantais pelo viés fonológico, o autor aponta para o lugar que a consoante ocupa na estrutura silábica. Nesse caso, as vogais ocupam o centro da sílaba, nomeado núcleo, enquanto as consoantes são os sons que ficam em volta desse centro, ou seja, nas margens silábicas, denominadas ápice e coda.

Tendo em vista as descrições estruturalistas apresentadas, aplica-se ao segmento (h), no PB, status consonantal. Em uma perspectiva ainda articulatória, define-se tal fone pelo modo de articulação fricativo/constritivo. Segundo Massini-Cagliari e Cagliari (2012), consoantes fricativas são aquelas “(...) produzidas com um estreitamento em qualquer parte do aparelho fonador (da glote até os lábios), de tal modo que o ar fonatório, passando por essa parte, produza fricção” (p. 131). No caso de (h), essa fricção é produzida na região glotal. Ainda a respeito do ponto de articulação glotal, Silva e Godinho (2014) destacam a pesquisa de Garallek (2013), que discute, do ponto de vista articulatório, a oclusiva glotal, (ʔ). Este pesquisador pontua que:

The space between the vocal folds (roughly two thirds of the glottis) is often referred to as the ligamental or membranous glottis, in contrast to the space between the arytenoid cartilages, known as the cartilaginous glottis. Typically, (ʔ) is thought to envolve the closure of both of these parts of the glottis. (Garellek, 2013: 14-15)3.

Como a obstrução de (ʔ) (oclusiva glotal) e de (h) ocorre na mesma região laríngea, mais especificamente na glote, os fones oclusivo e fricativo mencionados são produzidos por meio, respectivamente, do fechamento completo ou do estreitamento da glote - parte do aparelho fonador composta por muitas membranas e músculos.

Partindo desse entendimento para (h), cabe ainda destacar que, quanto ao aspecto funcional, esse segmento, no PB, constitui apenas margens silábicas, ou seja, as posições de aclive e de coda, configurando, na visão estruturalista, a natureza consonantal desses segmentos.

Ademais, na literatura, as fricativas glotais também podem ser denominadas consoantes constritivas laríngeas (Malmberg, 1978), nomenclatura em consonância com a apresentada.

3. Interpretação para (h) na Fonologia Gerativa Padrão

Com intuito de agrupar os sons da fala, a partir de características acústico-articulatórias em comum, foram formuladas, ao longo dos estudos linguísticos, diversas propostas, representadas por teorias fonológicas distintas. A pesquisa, no nível de análise fonético-fonológico, estabelece a noção de traços distintivos, isto é, propriedades distintivas ou feixes de traços dos sons, que permitem a decomposição de cada segmento em unidades menores (Bloomfield, 1973). Uma formalização de conjuntos de traços foi posta por Jakobson et al. (1952). Os traços propostos eram binários e baseados, principalmente, em propriedades acústicas.

Posteriormente, a Teoria dos Traços abrangeu novas formulações, inclusive a da Fonologia Gerativa Padrão (Chomsky e Halle, 1968). Em SPE, há também a defesa de que os sons são constituídos de traços distintivos, de caráter acústico e/ou articulatório, como nasalidade, sonoridade, tipo de constrição. Para Chomsky e Halle (1968), os segmentos são configurados por matrizes de traços. Cada traço tem uma representação binária - (+) para a presença de uma determinada propriedade e (-) para a ausência desta mesma propriedade - e não há, entre os traços, uma hierarquia.

O conjunto de traços que compõe o modelo gerativo padrão divide-se em traços de classe principais, traços de cavidade, traços de modo de articulação, traços de fonte e traços prosódicos. Dentre essas divisões, são relevantes, para a análise em curso, os traços de classe principais, tendo em vista que eles são os responsáveis pelos diversos agrupamentos de tipos de sons.

Os traços de classe são: (±silábico), (±soante) e (±consonantal). Do ponto de vista positivo, o primeiro traço marca segmentos que constituem núcleo silábico; o segundo aplica-se a sons cujas produções permitam o vozeamento espontâneo; e o terceiro, por sua vez, caracteriza segmentos que apresentam obstrução da passagem de ar.

Ainda a respeito do traço (±consonantal), Chomsky e Halle (1968) postulam que sons consonantais “(...) are produced with a radical obstruction in the midsagittal region of the vocal tract; nonconsonantal sounds are produced without such an obstruction” (p. 302). Com essa concepção, são considerados segmentos consonantais apenas aqueles que apresentam constrição na região mediossagital do trato vocal, ou seja, na cavidade oral4.

Assim, a abordagem da Fonologia Gerativa Padrão formula o seguinte quadro 1, dos tipos de segmentos, decorrente do conjunto de traços de classe principais:

Quadro 1: 2ª proposta de Classe de Traços Principais (Chomsky e Halle 1968: 354) 

Considerando a formulação apresentada, o (h) não é interpretado como consoante obstruinte, pois é um som articulado fora do trato oral. Portanto, para Chomsky e Halle (1968), a classificação dada ao (h) é a de glide, porque, além de ter articulação produzida na região laríngea, também não constitui pico silábico, sendo produzido na posição marginal da sílaba.

Ainda sobre tal interpretação, e de acordo com a primeira proposta de classe de traços principais, (h) é tido como glide tipo II, por ser produzido na região glotal, diferindo, assim, dos glides tipo I - (w) e (j) -, que são produzidos na região supraglotal.

Quadro 2: 1ª proposta de Classe de Traços Principais (Chomsky e Halle 1968: 303) 

Schane (1975), em relação ao (h), se opõe a Chomsky e Halle (1968) quanto à aplicação do traço (+soante), entendendo, assim, que se trata de uma produção (-soante). No entanto, por limitar a obstrução de um segmento à região da cavidade oral, Schane (1975) mantém a interpretação de Chomsky e Halle (1968) de (h) como um glide laríngeo. A aplicação do termo glide unificando subconjuntos de segmentos bem distintos articulatoriamente ((j, w) e (h, ʔ))5 só tem sentido se for feito contraste com conjunto de segmentos cuja produção é restrita à cavidade oral. Outra propriedade atribuída aos segmentos em destaque neste artigo diz respeito ao traço (±contínuo). Sobre tal traço, Chomsky e Halle afirmam que na

(...) production of continuant sounds, the primary constriction in the vowel tract is not narrowed to the point where the air flow past the constriction is blocked; in stops the air flow through the mouth is effective blocked. (Chomsky e Halle, 1968: 317)6

De modo mais abrangente, o som (h) é considerado (+contínuo), visto que, para sua produção, há uma obstrução parcial do ar em determinado ponto do aparelho fonador. A aplicação de traço (±contínuo), nessa abordagem, não se mostra problemática para nossa discussão, pois esse traço pertence à classe de traços de modo de articulação ((contínuo), (metástase retardada) e (tenso))7.

Por fim, cabe-nos esclarecer que, mesmo (h) sendo interpretado como glide laríngeo no SPE, sua funcionalidade, em sistemas diversos, conduz à aplicação do valor consonantal: a possibilidade de ocorrência apenas nas margens silábicas.

Outro ponto que corrobora para a interpretação de (h) como segmento consonantal obstruinte (não se aplicando a concepção de glide), diferentemente das semivogais (j) e (w), é o fato de não haver registro de (h) como um dos constituintes de ditongo.

A aplicação do traço (-consonantal) a (h), conforme Chomsky e Halle (1968), é problemática, por exemplo, para alguns sistemas linguísticos. Verifica-se que há estudiosos que, mesmo embasando-se na Fonologia Gerativa Padrão, para descrever segmentos do português, apresentam uma adaptação diferente do postulado por essa teoria para (h), ao aplicar-lhe o traço (+consonantal).

Ainda que corresponda à função que efetivamente esse segmento exerce na língua, o ajuste feito é superficial, visto ser desconsiderada a formulação que há para representação de cada traço. Nesse tipo de ajuste, como não há o estabelecimento de reformulação conceitual, pois é feita apenas a aplicação direta do traço - no caso focalizado, de (+consonantal) para (h) - cria-se um conflito teórico.

A título de exemplo, o quadro 3 referente à matriz fonética dos segmentos consonantais e vocálicos do português brasileiro, encontrada em Silva (2017)8, aplica a (h) o traço (+consonantal).

Quadro 3: Matriz fonética do segmento (h) (Silva 2017: 212) 

4. Representação de (h) na Teoria Autossegmental: a Geometria de Traços

Após sondarmos a interpretação aplicada ao som (h) nas correntes estruturalista e gerativa padrão, partiremos para a representação desse segmento na Fonologia Autossegmental, mais detalhadamente na Geometria de Traços, de Clements e Hume (1996).

A Fonologia Autossegmental está situada no conjunto de modelos fonológicos não lineares. É um desdobramento do modelo gerativo, considerando a configuração de muitos dos traços assumidos. Fundamentalmente, a Fonologia Autossegmental diferencia-se da Gerativa pelo caráter autossegmental aplicado aos traços, negando, consequentemente, o princípio de bijectividade.

Por meio dessa negação, um traço não está limitado apenas à matriz de um único segmento, podendo espraiar-se para a articulação de outro. A linha autossegmental inova, ainda, por estabelecer uma relação hierárquica entre traços e conjunto de traços.

Dentre as vertentes da Fonologia Autossegmental, encontra-se a Geometria de Traços (Clements e Hume, 1996). Esse modelo fonológico parte do viés articulatório para representar segmentos e processos fonológicos que ocorrem nas línguas naturais.

A figura 1 abaixo representa a configuração para as consoantes, segundo essa abordagem.

Figura 1: Conformação da geometria das consoantes (Clements e Hume 1996)9  

Considerando o diagrama aplicável para a representação de segmentos consonantais, grosso modo, podemos dividi-lo em quatro nós: (i) o Raiz; (ii) o Laríngeo; (iii) o Nasal; (iv) o de Cavidade Oral (CO). O nó Raiz, de acordo com a marcação atribuída aos traços maiores (±soante), (±aproximante) e (±vocoide), permite reconhecer quatro grupos de segmentos: obstruintes, nasais, líquidos e vocoides; além disso, por meio dos traços aplicáveis ao nó Raiz, é possível hierarquizar os grupos de segmentos em uma escala de sonoridade10. O nó Laríngeo, por sua vez, possibilita a marcação de estado da glote e das cordas vocais, mobilizado na produção de determinados sons.

Tomando por parâmetro a marcação positiva, o nó Nasal marca a passagem de ar pela cavidade nasal. Por fim, o nó CO divide-se no nó terminal (±contínuo) e no nó intermediário Ponto de Consoante (PC). Ainda pelo caráter positivo, o primeiro corresponde à passagem de ar pelo trato oral, já o segundo marca o traço de articulação oral envolvido na produção dos segmentos ((labial), (coronal), (dorsal)).

O diagrama arbóreo apresentado deixa transparecer a influência de princípios instaurados na Fonologia Gerativa Padrão. Um exemplo dessa influência é delimitar o ponto de obstrução, na produção de consoantes, ao nó PC - cujos traços são (labial), (coronal) e (dorsal) - que, por sua vez, está sob o nó CO. Essa delimitação revela o assentimento da concepção de segmento consonantal posta por Chomsky e Halle (1968), que restringe o caráter consonantal apenas a segmentos produzidos com interrupção da corrente de ar na cavidade oral.

Por assumirem a definição gerativa de segmento consonantal, Clements e Hume (1996) classificam (h) como glide, assim como Chomsky e Halle (1968), uma vez que esse segmento não possui ponto de articulação na cavidade oral. Isso é demonstrado no seguinte excerto:

Note that debuccalized sounds are always realized as (-consonantal) ((+vocoid)) glides. This fact follows directly from the standard definition of (+consonantal) ((-vocoid)) segments as sounds produced with a radical obstruction in the midsagittal region of the vocal tract (Chomsky and Halle 1968). Sounds without oral place features can have no such obstruction, and so are necessarily nonconsonantal. (Clements e Hume, 1996: 199)

Apesar disso, vários trabalhos, embasados no funcionamento de (h) em línguas como o PB, a exemplo de Câmara Jr. (2001) e de Monaretto et al. (2014), interpretam esse segmento como uma consoante, revelando uma correspondência aparente com o traço (+consonantal) desse som, nos termos da Fonologia Gerativa, e com o traço (-vocoide), na configuração da Geometria de Traços. No entanto, seguindo rigorosamente as formulações de Chomsky e Halle (1968) e de Clements e Hume (1996), evidencia-se uma incongruência, tendo em vista a interpretação de (h) como glide, nessas formulações. Consequentemente, mostra-se necessário fazer uma reformulação no modelo adotado - no caso deste trabalho, na Geometria de Traços.

Feita a retomada dos modelos fonológicos, mais especificamente no que diz respeito ao tratamento articulatório do segmento (h), desenvolveremos, na sequência, a interpretação para (h), de modo que haja uma confluência entre abordagem fonética e abordagem fonológica. Nossa análise fundamenta-se na Geometria de Traços (Clements e Hume 1996), no entanto, como indicado, faremos uma proposta de reformulação.

5. Problematização do limbo de (h) na Geometria de Traços

Enquanto a Fonologia Clássica estabelece diversas classificações de modo de articulação para as consoantes, a Geometria de Traços proposta por Clements e Hume (1996) organiza os segmentos de uma língua em apenas quatro grupos - abrangendo, inclusive, os segmentos vocálicos -, sendo eles obstruintes, nasais, líquidos e vocoides. No PB, a consoante (h), sendo tratada como fricativa na Fonologia Estruturalista, é correspondente, em análises fundamentadas na Geometria de Traços, a uma consoante obstruinte (+cont). Desse modo, seu nó Raiz teria de ser marcado (-soante), (-aproximante) e (-vocoide), o que implica a atribuição do valor 0 na escala de sonoridade, como os demais segmentos obstruintes.

Tal intepretação vai de encontro à proposta de Clements e Hume (1996), de acordo com a qual (h) é classificado como glide laríngeo, conforme reforçado no trecho a seguir.

(...) laryngeal glides, unlike true consonants and vowels, have no distinctive oral tract features. In this view, (h) is only characterized by the laryngeal feature (+spread glottis) (Clements, 1985), acquiring its oral tract phonetic characteristics from its phonetic context (Keating, 1988). (Clements e Hume, 1996: 196-197)

Portanto, o traço (-vocoide), aplicado ao nó Raiz de (h) no PB, não reflete a proposta dos autores, uma vez que Clements e Hume (1996: 200), ao discutirem o processo de debucalização, mostram que segmentos oclusivos, fricativos e nasais são passíveis de se converterem a (+vocoide), conforme afirmação a seguir: “(...) Laryngeal features and (+nasal) are not affected, and the resulting segment is shifted to a (+vocoid) glide due to its lack of a place node”.

Nessa perspectiva, fica evidente que a caracterização de um segmento consonantal consiste em ponto de articulação na cavidade oral. Tal delimitação revela uma inconsistência na descrição do (h), aplicada ao PB.

A percepção da incongruência entre modelo teórico e valor/função do (h) nos sistemas linguísticos não é inovadora. Silva (2014) e Silva e Godinho (2014) já apontam, em diversos modelos, inadequações na representação de (h), advindas, inclusive, da própria delimitação do conceito de consoante assumido. Contudo, se considerarmos a discussão de McCarthy (1994)11, essa inconsistência pode ser desfeita, visto que há possibilidade de estender a caracterização de consoante a duas áreas de articulação, uma com articulador reconhecidamente ativo - cavidade oral - e a outra caracterizada por ser uma área que abrange da laringe à orofaringe - mais especificamente, da glote até a raiz da língua.

A aplicação de ponto à primeira área marcaria segmentos consonantais bucalizados, enquanto a aplicação de ponto à segunda área resultaria em formas consonantais debucalizadas. Sendo assim, o segmento (h), no PB, a partir de Clements e Hume (1996), é interpretado como um segmento debucalizado - embora seja questionável quanto a ser consonantal ou não -, enquanto, fundamentado em McCarthy (1994), pode ser tratado como consonantal, e com ponto de articulação referente à área faríngea.

Dimensionando a questão ao formulado por Clements e Hume (1996), proporemos, a seguir, modificações na Geometria de Traços, a fim de amenizar divergências entre o funcionamento de (h), no PB, e a aplicação do modelo dos referidos autores.

Nossa proposta é baseada na concepção de status consonantal apresentada por Trubetzkoy (1962) e por Jakobson (1967), já discutida na seção 2 deste trabalho, a qual não delimita área específica do aparelho fonador para ocorrência de obstrução. Com isso, dada a participação da região da glote para a produção de (h), consideraremos, para o PB, na configuração do nó Raiz desse segmento, a marcação (-vocoide).

Ademais, argumentaremos que o valor (-aproximante), aplicável ao nó Raiz da geometria desse segmento, não demonstra ser satisfatório. Além disso, a própria hierarquia do traço (± contínuo) sob o nó Cavidade Oral pode ser analisada como problemática, por ser reflexo da concepção gerativa de segmento consonantal.

Para a proposta de reformulações pretendidas neste artigo, é relevante, em primeiro lugar, considerar, conforme analisa D’angelis (1998 apudCunha 2004), que algumas línguas possuem sons consonantais cuja obstrução não ocorre na Cavidade Oral (CO). É o caso, no PB, da fricativa (h), cuja obstrução da passagem de ar é realizada na região da glote. Sem problematizar teoricamente, a geometria do segmento (h), no PB, como parte do grupo de segmentos obstruintes, teria a seguinte representação (Figura 2):

Figura 2: Representação arbórea 

Como exposto acima, o diagrama arbóreo de (h) apresenta o traço (+ cont) subordinado ao nó CO. Entretanto, esse segmento não possui articulação oral, uma vez que a obstrução durante sua produção é efetivada por meio do estreitamento da glote (região laríngea) - característica motivadora de sua classificação como consoante debucalizada. Dessa maneira, interpretamos que a alocação de (± cont) sob CO não é a escolha mais adequada, uma vez que promove a limitação desse traço a segmentos com articulação estritamente produzida nessa região.

Para solucionar esse problema, D’angelis (1998 apudCunha 2004) propõe a realocação de (± cont) diretamente sob o nó Raiz12. Com essa nova formalização, segmentos debucalizados não apresentam o nó CO em sua geometria - já que não possuem traços alocados sob esse nó - e, ainda assim, apresentam o traço (± cont), uma vez que, subordinado ao nó Raiz, o traço não se torna restrito a nenhum articulador. Com a adaptação assumida, a geometria de (h) apresenta a seguinte configuração:

Figura 3: Representação arbórea parcialmente modificada 

Quadro 4: Escala de sonoridade (Clements e Hume 1996

A adequação mencionada na geometria de (h) permite o encaminhamento de outra indicação de mudança no modelo de Clements e Hume (1996), a ser feita, desta vez, na configuração do nó Raiz dessa consoante (que, consequentemente, não se limitará a ela). A compreensão mais abrangente para o (h), no PB, é a de que se trata de um segmento obstruinte. Portanto, teria sua representação de nó Raiz marcada (-soante), (-aproximante) e (-vocoide). Porém, tendo em vista que, na produção desse som, há livre passagem de ar na CO - posterior à fricção especificamente na região da glote - é possível interpretar a configuração (+aproximante) como mais produtiva na representação do nó Raiz de (h). Ainda, por se tratar de um segmento oral, cuja produção é feita sem a passagem de ar também pela cavidade nasal, o traço soante preserva o valor negativo (-soante). Em consequência dessas formulações, há o entendimento de que o nó Raiz do segmento (h) apresente os traços (-soante), (+aproximante) e (-vocoide). Clements e Hume (1996), contudo, formalizam apenas quatro configurações possíveis para o nó Raiz dos segmentos, cujo desdobramento permite a formulação da escala de sonoridade abaixo.

Quadro 5: Escala de sonoridade (Clements e Hume 1996

De acordo com o quadro acima, a configuração proposta para o nó Raiz de (h) estaria mais próxima daquela já estabelecida para as consoantes nasais, pois essas consoantes possuem apenas um traço maior de valor positivo. Porém, visto que (h) apresenta obstrução tanto na região da glote quanto na cavidade nasal, não é produtivo inserir esse segmento no mesmíssimo grupo das nasais, (+soante) (-aproximante).

6. Acomodação do segmento (h) em agrupamento consonantal

A efetiva adequação proposta no nó Raiz de (h) decorre em uma reorganização das classes de segmentos, na conformação da escala de sonoridade. Propomos, então, a seguinte configuração dessa escala.

Quadro 6: Nova proposta de escala de sonoridade 

Com essa escala, verifica-se que as subdivisões obstruinte e nasal, vistas na escala de sonoridade apresentada por Clements e Hume (1996), sofrem alteração. As nasais se fundem às obstruintes, considerando a característica articulatória em comum: todas são produzidas com um grau acentuado de obstrução da passagem de ar no aparelho fonador. A classificação que propomos apresenta consoantes obstruintes negativas e positivas. As negativas correspondem às já conhecidas obstruintes (equivalentes, na Fonologia Clássica, às oclusivas, fricativas - exceto (h) e (ɦ) - e africadas), consoantes que apresentam todos os traços do nó Raiz negativos. As obstruintes positivas envolvem as obstruintes (+cont), (h) e (ɦ) e as consoantes nasais, conjunto de segmentos que possuem pelo menos um traço positivo no nó Raiz. Dadas as características pontuais, subclassificam-se em obstruintes positivas oral e nasal. A partir dessas formulações, entende-se que as obstruintes negativas, ao serem articuladas, apresentam um grau maior de interrupção da passagem de ar do que o grau de obstrução apresentado pelas obstruintes positivas. Preserva-se, ainda, uma diferença gradual na interrupção de ar, ao serem comparadas as produções de um segmento consonantal obstruinte nasal e um obstruinte oral.

A partir dessa modificação, pode-se entender como representantes naturais do grupo das obstruintes negativas todas as consoantes do PB que correspondem ao tratamento de Clements e Hume (1996) como obstruintes. Dessa forma, assumindo a terminologia da Fonologia Clássica, excetuando-se as fricativas glotais, as demais fricativas, as oclusivas, e as africadas constituem esse grupo, o qual recebe marcação 0 na nova escala de sonoridade, conforme demonstrado acima.

O grupo das obstruintes positivas, por sua vez, resulta do critério, como já mencionado, de tais segmentos apresentarem apenas um traço positivo no nó Raiz. Com os ajustes assumidos, tanto as nasais quanto as conhecidas fricativas glotais são alocadas nesse mesmo grupo, diferenciando-se entre si apenas por se tratar de consoantes nasais e orais.

A configuração da escala de sonoridade proposta contempla: 1. realocação das consoantes nasais como obstruintes; 2. subagrupamento das obstruintes em negativas e positivas; 3. subagrupamento das obstruintes positivas em oral e nasal. Os demais grupos de segmentos, líquidos e vocoides, ficam inalterados. Além disso, o número de agrupamentos de segmentos permanece o mesmo adotado por Clements e Hume (1996), de forma que os valores da escala de sonoridade não são modificados.

Com a reconfiguração da escala de sonoridade, é estabelecida uma oposição entre segmentos obstruintes e não obstruintes no PB, ou seja, uma oposição entre segmentos com características mais consonantais e menos consonantais. Ainda com base na escala de sonoridade constituída, é possível estabelecer, para o PB, uma relação de maior interação entre segmentos nasal e obstruinte debucalizado, considerando, por exemplo, o processo fonético-fonológico do apagamento em coda, como formas fonéticas de arquifonemas. Em coda, eles têm, fonologicamente, representação debucalizada. As nasais em coda são representadas pelo arquifonema debucalizado /N/ e os róticos, por sua vez, são representados pelo arquifonema /R/, também debucalizado13. Verificamos que há, em comum entre essas representações, o envolvimento de formas debucalizadas e a possibilidade de preenchimento da posição de coda simples ou complexa, neste caso ocupando a posição C1.

Por outro lado, a representação Ø do arquifonema nasal é mais produtiva diante de outra consoante no onset da sílaba seguinte, enquanto a representação Ø do /R/, no que diz respeito ao seu correspondente fonético (h), é mais aplicável diante de silêncio. Com essas considerações, apontamos uma naturalidade no agrupamento que envolve segmentos obstruintes positivos nasal e oral.

Com as reformulações aplicadas ao modelo de Clements e Hume (1996) -realocação do traço (±cont) sob o nó Raiz, a mudança da aplicação do valor atribuído ao traço (aproximante), no que diz respeito ao segmento (h), e a consequente mudança na escala de sonoridade -, a geometria de traços da consoante (h), obstruinte positiva oral, é formalizada. O diagrama abaixo representa a proposta de configuração para (h).

Figura 4: Representação arbórea com a modificação final 

7. Confronto de concepções: Nasal e Obstruinte

A configuração da escala de sonoridade que formulamos pode ser questionada, tendo em vista a inserção das nasais no grupo de obstruintes. Esse estranhamento, possivelmente, decorra da aplicação de soanticidade a segmento nasal, característica vinculada ao bom fluxo de ar no momento da produção desse tipo de segmento. A boa passagem de ar na articulação de um som é vista como promotora do vozeamento espontâneo (Ladeforged, 1975; Clements e Hume, 1996; Dubois, 2014). Nesse sentido, talvez, não se considere um segmento nasal como obstruinte, visto que um segmento desse tipo, comumente, tem uma articulação que apresenta bastante interrupção da corrente de ar, que impossibilitaria o vozeamento espontâneo.

Ainda que, de antemão, obstrução e soanticidade não entrem em confluência, um segmento nasal é tratado como soante, pois, apesar da obstrução na cavidade oral, esse tipo de segmento apresenta soanticidade, dada a livre passagem de ar pelo canal nasal. É compreensível, da mesma forma, o tratamento de segmento nasal como obstruinte, ao ser delimitada a obstrução da passagem de ar à cavidade oral - característica comum tanto às, pacificamente, obstruintes quanto às nasais (Ladefoged e Maddieson, 1996).

Ao focalizar o traço (-cont), na Geometria de Traços (Clements e Hume, 1996), aplicável a segmentos obstruintes e nasais, identifica-se uma convergência, entre esses segmentos, relativa à passagem de ar. Tais obstruintes reportam-se ao subagrupamento das (-cont), que se opõem às (+cont). Nota-se, por essas conformações, uma aproximação articulatória maior entre obstruintes e nasais ((-cont)) do que entre as obstruintes no conjunto mais amplo, o das (+cont) e (-cont).

Ainda que possa causar conflito, a correlação de nasal com obstrução, na literatura, não é uma aplicação inédita, proibitiva. Em Ladefoged (1975: 8), na apresentação dos modos de articulação, elencam-se o modo oclusivo nasal e o oclusivo oral, com menção à passagem de ar restrita à cavidade oral:

Nasal stop If the air is stopped in the oral cavity but the soft palate is down so that it can go out through the nose, the sound produced is a nasal stop. (...)

Oral stop If in addition to the articulatory closure in the mouth, the soft palate is raised so that the nasal tract is blocked off, then the airstream will be completely obstructed. Pressure in the mouth will build up and an oral stop will be formed. (grifos do autor)

A distinção entre oclusivas nasal e oral, portanto, deve-se ao fato de a primeira, apesar de apresentar interrupção completa da passagem de ar na cavidade oral, ser produzida com livre passagem de ar na cavidade nasal, em decorrência do abaixamento do vélum, o que não ocorre com oclusiva oral.

Pelo viés articulatório, tratar as nasais como obstruintes não interfere na possibilidade de elas serem soantes no PB. Tal posicionamento é justificado pelo seguinte fator: ainda que haja obstrução na cavidade oral durante sua produção, o traço de soanticidade desse tipo de segmento é preservado em decorrência do abaixamento do vélum, potencialmente promotor de vozeamento espontâneo. Dessa forma, há a produção de um segmento obstruinte positivo nasal, de acordo com a classificação proposta neste trabalho.

8. Interpretações para sons guturais: McCarthy (1994) e Rose (1996)

Com o estabelecimento da nova configuração para (h), tendo em vista seu funcionamento no PB, e do rearranjo da escala de sonoridade, passaremos, agora, a pontuar a relevância de tais adaptações, em comparação a outras abordagens que discutem a representação dos segmentos tradicionalmente assumidos como debucalizados na Fonologia Autossegmental.

McCarthy (1994), com base na fonologia de línguas semíticas, argumenta que os segmentos guturais constituem uma classe natural, a qual seria caracterizada, na proposta do autor, pelo traço (faríngeo) - compreendendo a região posterior do trato vocal. Exemplos de sons dessa classe são os laringais (h, ʔ), faringais (ħ, ʕ) e uvulares (χ, ʁ). Ainda nesse estudo, McCarthy apresenta diversos processos fonético-fonológicos encontráveis nessas línguas, que envolvem a assunção desse traço, a exemplo da restrição de sequência de consoantes homorgânicas em raízes de palavras.

A determinação do traço (faríngeo) apresentada pelo autor requer uma oposição entre a região anterior do trato vocal, caracterizada pelos traços (dorsal), (coronal) e (labial), e a região posterior. Enquanto os traços de cavidade oral são definidos com base em articuladores ativos envolvidos na produção dos segmentos, o traço (faríngeo) é concebido em termos de lugar de articulação. Em outras palavras, uma vez que três articuladores distintos podem estar envolvidos na produção de sons guturais (laringe, raiz da língua e dorso da língua), não é produtivo definir a classe natural dos segmentos laríngeos, faríngeos e uvulares com base em articuladores ativos. Então, os sons guturais são marcados pelo traço amplamente compreendido, (faríngeo), o qual se refere à área comum de articulação, que vai desde a laringe até a orofaringe.

No que diz respeito ao encaixamento desse traço em um modelo de Geometria de Traços, McCarthy (1994) sugere a ramificação, sob o nó Place, de um nó Oral, que ramifica os traços de articulação na região anterior do trato vocal, e do traço (faríngeo), que é aplicável a segmentos produzidos na região posterior.

Rose (1996), por sua vez, argumenta que o traço (faríngeo) definido por McCarthy (1994) não captura diferenças articulatórias entre segmentos pertencentes à classe de sons guturais. De acordo com a autora, segmentos uvulares e faríngeos constituem uma subclasse, em oposição aos laríngeos, por envolverem a retração da raiz da língua ou uma constrição na faringe durante sua produção.

Assim, em sua proposta de representação, Rose (1996) assume, como McCarthy (1994), duas ramificações sob o nó Place, uma sendo referente à área anterior e a outra referente à área posterior do trato vocal. Entretanto, diferentemente do que é definido por McCarthy, faríngeo passa a apresentar dois funcionamentos: o de traço ramificado do nó Place e o de nó intermediário, ramificando os traços (dorsal) e (RTR) - esses dois traços tendo referência, respectivamente, à participação do dorso da língua e à retração da raiz da língua. Nessa configuração, todos os segmentos guturais não laríngeos são especificados para o traço (RTR). Os uvulares, além desse traço, também apresentam o traço (dorsal).

Ademais, Rose (1996) assume, para a representação de guturais, o envolvimento da Condição de Ativação de Nó (NAC), estabelecida por Avery e Rice (1989). Desse modo, em sistemas cujos inventários contêm, além de sons laríngeos, outros segmentos guturais, o nó Faríngeo deverá ser ativado para diferenciar tais segmentos. Por outro lado, em sistemas cujo inventário de guturais registra apenas sons laríngeos, estes não deverão ter especificação de ponto em sua representação. No PB, há pelo menos dois grupos de segmentos guturais: os laríngeos (h, ɦ) e os uvulares (χ, ʁ). Assim, na perspectiva da proposta da autora, para os segmentos do primeiro grupo, seria aplicado somente o traço (faríngeo), enquanto para os segmentos do segundo grupo seriam aplicados, ao agora nó Faríngeo, os traços (dorsal) e (RTR).

Na perspectiva da Geometria de Traços de Clements e Hume (1996), com acréscimo do traço (faríngeo) sob o nó Place (Rose, 1996), a configuração de (h) como fricativo glotal resultaria no seguinte diagrama (Figura 5):

Figura 5: representação de (h) como fricativo glotal 

As propostas descritas acima mostram-se relevantes por agruparem segmentos guturais em uma classe natural e por admitirem que o fato de segmentos laríngeos - foco da discussão neste artigo - serem debucalizados não implica ausência de ponto, desde que a área posterior do trato vocal seja reconhecida como a região da articulação - discussão já feita em consonância com Trubetzkoy (1962) e Jakobson (1967) para os segmentos consonantais.

Entretanto, a assunção de tais propostas, na íntegra, para o PB, apresenta dois impasses. O primeiro diz respeito à marcação do traço (-consonantal) aplicada por Rose (1996) aos segmentos laríngeos - correspondente a (+vocoide) em Clements e Hume (1996). No PB, como já argumentado, os segmentos glotais comportam-se como sons consonantais, tendo em vista ocuparem apenas margens silábicas e não participarem na formação de ditongos. A visão de segmentos laríngeos como glides é possivelmente condicionada à definição de consoante perpetuada desde SPE, a qual limita a obstrução na produção de segmentos consonantais à cavidade oral, ainda que, conforme descreve McCarthy (1994), segmentos guturais apresentem obstrução na região posterior do trato vocal.

O segundo impasse, esse sendo relacionado à representação fonológica de /R/ e seus correspondentes fonéticos, é consequente à determinação do primeiro, pois o primeiro é de caráter conceitual, relativo à delimitação de consoante, e o outro de caráter representacional, concernente ao não encaixamento de (h), no PB, como glide.

Ao entramos em consonância com Câmara Jr. (2001), que interpreta os róticos e seu arquifonema (o r-forte) como formas consonantais, nos distanciamos desses impasses. O r-forte, entretanto, conforme menciona o autor, refere-se a formas orais e guturais com diversos modos e pontos de articulação, que podem consistir em “golpes múltiplos junto aos dentes superiores, ou em vibrações da parte dorsal junto ao véu palatino, ou em vez da língua há a vibração da úvula, ou se dá além do fundo da boca propriamente dita uma fricção faríngea” (Câmara Jr., 2001: 50).

Câmara Jr., então, não explicita qual, dentre as realizações de r-forte, é a assumida como arquifonema. Neste artigo, argumentamos que a produção correspondente ao arquifonema é a de um segmento obstruinte positivo oral desvozeado (figura 6), cujo representante fonético (h), na Fonologia Clássica, corresponde à fricativa glotal.

Figura 6: representação de /R/ em nossa proposta 

Assumindo o diagrama de /R/, logo acima, acreditamos que haja uma representatividade mais facilitadora para descrever a correlação entre essa forma fonológica e suas formas fonéticas. Tomamos, assim, (h) como forma não marcada de /R/, dentre as formas fonéticas correspondentes, por ser o único a ser produzido na área mais posterior do trato vocal. Aplicando esse entendimento à proposta de Rose (1996), (h) é o representante fonético, em comparação com os demais fones guturais envolvidos, cuja representação arbórea tem faríngeo como traço, ou seja, não se estabelece como nó intermediário do qual podem ser ramificados os traços (dorsal) e (RTR). Enfim, a escolha do arquifonema como segmento obstruinte positivo oral desvozeado, correspondente à sua forma fonética (h), considerou o entendimento de forma não marcada.

A escolha de tal representante fonológico permite, por exemplo, mostrar o potencial da língua de estabelecer relação entre um segmento glotal, produzido na área de articulação mais posterior, e um segmento vibrante, produzido na área de articulação mais anterior. Essa abrangência articulatória está de acordo com o fato de, no PB, o condicionamento de realizações fonéticas de /R/ não decorrer de processos fonético-fonológicos, mas de fatores dialetais (Leite e Callou, 2010).

Tendo em vista que a discussão proposta no artigo objetiva acomodar (h) em agrupamento consonantal e que teve, desde o início, como referência basilar, Clements e Hume (1996), fizemos somente certa adaptação a traços articulatórios por eles já contemplados. Em nossa proposta para acomodação do (h) como representação de uma forma obstruinte positiva oral, assumimos a composição do nó Raiz com os traços (-soante) (+aproximante) (-vocoide), o traço (±contínuo) diretamente sob o nó Raiz e a ativação do traço (glote não constrita), sob o nó Laríngeo, apenas para representar segmentos glotais.

Ainda que tais alterações promovam mudanças nas classes de segmentos na escala de sonoridade, os valores permanecem e o ranqueamento entre os grupos de segmentos também. Desse modo, as alterações na geometria, para melhor representar o funcionamento consonantal de (h) no PB, são pontuais. Nesse viés, tanto consideramos a proposta de Clements e Hume (1996) quanto acreditamos conseguir situar o (h) entre os segmentos consonantais do sistema. Embora a proposta de Rose (1996) também se adeque ao tratamento do arquifonema /R/ como segmento glotal, optamos pela abordagem de Clements e Hume (1996), pelos critérios já postos. Lembramos ainda que, se seguíssemos Rose (1996), também seriam necessários ajustes para se chegar a uma interpretação adequada de (h) no PB.

9. Retomada do percurso

Estudiosos e teorias têm trazido à discussão diversas formas de interpretar o segmento (h). Vimos que Trubetzkoy (1962) já apresentava uma resolução para o tratamento de tal segmento, ao postular que uma consoante caracteriza-se pela obstrução da corrente de ar realizada de várias maneiras, ou seja, já havia o reconhecimento da obstrução da passagem de ar, mas não a limitava a lugares previamente especificados.

Vimos, também, que esse ponto de vista não foi mantido, posteriormente, por linguistas, a exemplo de Chomsky e Halle (1968) e Clements e Hume (1996). Em contrapartida, o acréscimo da área faríngea como lugar de articulação, defendido por McCarthy (1994) e Rose (1996), possibilita, consequentemente, pacificar a discussão sobre a constituição consonantal ou não de um segmento como (h). Ao trazer também a área posterior do trato vocal como um lugar de articulação, há uma consonância ao postulado por Trubetzkoy (1962). Vimos ainda que, com alguns ajustes à Geometria de Traços estabelecida por Clements e Hume (1996), pode ser resolvido, sem adição de novos traços, o impasse sobre o pertencimento de (h) a um grupo de segmentos, que no PB é de valor consonantal.

De um modo mais geral, a delimitação da área articulatória para consoantes assumida por teóricos pós Fonologia Clássica cria um problema de inclusão do (h) em algum agrupamento de segmentos consonantais, visto seu funcionamento nos sistemas linguísticos determinar sua caracterização articulatória ora como glide, ora como consoante obstruinte. Para o PB, as descrições articulatórias comumente estabelecidas criam um tratamento forçado para esse tipo de segmento, por não haver correspondência direta entre a descrição articulatória defendida para o (h) e a composição dos traços originalmente postulada pela teoria assumida. Mostra-se problemático também o estabelecimento da correspondência direta entre a descrição articulatória de glide para o (h), ao se assumir determinada abordagem teórica, e seu valor consonantal no PB, considerando sua correlação a fatos fonético-fonológicos em que outros segmentos consonantais estão envolvidos e considerando ainda seu cotejo em relação aos demais segmentos consonantais da língua.

O enfrentamento do impasse criado na interpretação de (h) foi feito com a escolha da Geometria de Traços (Clements e Hume, 1996), acomodando o traço (±contínuo) diretamente sob o nó Raiz, e ampliando o conjunto de valores dos traços do nó Raiz. Tal mudança, consequentemente, promoveu a reconfiguração dos agrupamentos de segmentos na escala de sonoridade: consoantes obstruintes negativas, consoantes obstruintes positivas - nasal e oral -, consoantes líquidas e vocoides.

Este artigo se propôs a problematizar o status consonantal de (h) e a apresentar uma interpretação, baseada na Geometria de Traços de Clements e Hume (1996), para acomodar o (h) no grupo de segmentos consonantais do PB. Dada sua especificidade no sistema, foram feitas modificações na configuração da geometria dos segmentos estabelecida pelos autores, no entanto, mantivemos os traços por eles assumidos. Acreditamos que, com as adaptações feitas, é possível interpretar tanto a forma fonética (h) quanto a forma fonológica /R/ como consonantais, em acordo com o funcionamento manifesto no PB.

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1Ainda que a discussão em foco envolva as fricativas glotais vozeada e desvozeada, nos termos da Fonologia Estruturalista, para simplificar, faremos remissão apenas à desvozeada. Esclarecemos, também, que aplicaremos a terminologia da Fonologia Clássica, para facilitar a descrição, ainda que estejamos fazendo referência a outras abordagens.

2[...] que as propriedades especificamente consonantais podem se referir apenas a vários tipos de obstruções ou às maneiras de sua realização. Portanto, eles podem ser chamados de propriedades baseadas na maneira de realização de uma obstrução. As propriedades especificamente vocálicas, por outro lado, só podem se referir aos vários tipos de ausência de obstrução, isto é, na prática, aos vários graus de abertura. Por conseguinte, podem ser denominadas propriedades baseadas no grau de abertura. (Tradução nossa)

3O espaço entre as pregas vocais (aproximadamente dois terços da glote) é frequentemente chamado de glote ligamental ou membranosa, em contraste com o espaço entre as cartilagens aritenóides, conhecidas como glote cartilaginosa. Normalmente, acredita-se que [ʔ] envolva o fechamento de ambas as partes da glote. (Tradução nossa)

4Conforme Schane (1975); Mori (2012); Matzenauer (2014), a expressão “midsagittal region of the vocal tract” corresponde especificamente à cavidade oral.

5Os glides correspondentes às semivogais [j] e [w], articulatoriamente, têm uma produção bem distinta dos glides laríngeos, visto os primeiros serem produzidos com elevação do corpo da língua acima da altura máxima para produção das vogais mais altas, [i] e [u], diferindo da articulação de [h] e [ʔ], que apresentam, respectivamente, obstrução parcial ou total da passagem de ar.

6[...] na produção de sons contínuos, a constrição primária no trato oral não envolve uma interrupção completa da passagem de ar; na produção de sons não contínuos, o fluxo de ar através da boca é bloqueado por completo. (Tradução nossa)

7O traço [±cont], para a análise em foco, será problemático na abordagem da Geometria de Traços.

8Embora não seja o cerne de nossa discussão, há também a aplicação do traço [+alto], não correspondente à descrição de Chomsky e Halle (1968).

9A terminologia dos traços [glote constrita] e [glote não constrita] foi adotada de Matzenauer (2014) e corresponde aos traços [constricted glottis] e [spread glottis], na formulação de Clements e Hume (1996). Como, no PB, em relação ao estado da glote, há apenas segmentos caracterizados por [glote não constrita], condicionaremos a ativação desse traço à representação do [h], assumindo-o como traço diferenciador da configuração desse segmento em comparação às configurações das demais consoantes da língua.

10Conferir a discussão sobre escala de sonoridade na seção Problematização do limbo de [h].

11 McCarthy (1994) propõe que os segmentos produzidos na região posterior do aparelho fonador sejam reconhecidos como membros da classe natural dos sons guturais, caracterizada pelo traço de ponto [faríngeo]. Já Rose (1996), com o objetivo de diferenciar os segmentos guturais entre si, propõe que Faríngeo seja um nó intermediário, o qual abarcaria os pontos [dorsal] e [RTR] ([Retracted Tongue Root]). Na seção 8, detalharemos as propostas desses autores, em comparação às representações defendidas nas seções 5 e 6.

12Ressaltamos que essa modificação é aplicável à representação de todos os segmentos, não apenas à de [h]. Assim, com a realocação de [±contínuo] sob o nó Raiz, o nó Cavidade Oral abriga apenas o nó PC e seus dependentes, tanto na representação de vogais quanto na de consoantes.

13Argumentaremos, na seção 8, em favor desse representante fonológico.

NOTA: O problema de pesquisa foi discutido todo o tempo em conjunto, assim como o direcionamento da escrita do artigo. As seções de 1 a 4 foram escritas pelo autor Tiago Caian. As seções de 5 a 9, por sua vez, foram escritas de modo conjunto pelos autores Carla Maria Cunha e Gabriel Sales. A revisão técnica e a reescrita do artigo, como um todo, foram feitas em conjunto pelos três autores.

Nota de aceitação: Este texto foi aceito para publicação pelo único Diretor-Editor da revista, Adolfo Elizaincín, que agiu de acordo com o disposto na "Declaração de comportamento ético" da revista Lingüística https://www.mundoalfal.org/sites/default/files/revista/Declaracao_comp_etico.pdf), primeiro parágrafo do capítulo "Obrigações do Diretor-Editor". O Diretor-Editor, os revisores e os autores devem aderir explicitamente a esta declaração.

Recebido: 26 de Janeiro de 2021; Aceito: 19 de Maio de 2021

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