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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.35 no.2 Montevideo dic. 2019  Epub 01-Dic-2019

https://doi.org/10.5935/2079-312x.20190020 

Artículos

Inovações na expressão de agentividade:Episódios marcantes da trajetória linguística da criança

Innovations on the expression of agentivity: Remarkable episodes in child’s linguistic trajectory

1Universidade Estadual de Campinas, CNPq, rosattie@yahoo.com.br


Resumo:

Os atos de fala, na sua especificidade, têm lugar assegurado no estudo da interação adulto-criança. Ao focalizar situações do dia-a-dia de crianças brasileiras aprendendo o português, este artigo examina fatos de língua indissociáveis de suas condições discursivas. Serão analisados atos de nomear, de auto-predicar (na primeira pessoa) e outros que recortam sob determinada perspectiva eventos do cotidiano. A análise, voltada tanto ao dizer (le dire) quanto ao dictum (le dit), mostra que os dados selecionados em torno da expressão de agentividade (via metodologia longitudinal), encerram produções, algumas previsíveis, outras nem tanto; e revelam episódios marcantes da relação de cada sujeito com a língua. Se tal cenário faz apelo ao contexto da enunciação, ele não é, como procuraremos mostrar, menos determinado ou comprometido com fatos de língua.

Palavras-chave: inovações; nomear e predicar; atos de fala; perspectiva; jogo dinâmico da interação

Abstract:

Speech acts, in their specificity, play an important role in the study of child-adult interaction. In focusing on daily interactions of Brazilian children learning Portuguese, this article analyses linguistic facts as inseparable from their discursive conditions. Acts of naming and self-predicating (about 1st person), and others where children focus everyday events from a given perspective will be analyzed. The analysis, takes into account bothle direandle dit, and shows that the data selected in terms of their expressing agentivity (longitudinal methodology), includes both, predictable productions, and surprising innovations, which provide striking examples of how each subject inter-relates to his language. The type of approach here adopted is as attentive to the universe of enunciation, as it is committed with the language facts.

Keywords: innovations; naming and predicating; speech acts; perspective; interaction dynamism

1. Introdução1

Os contornos assumidos em cada ato de fala estão naturalmente implicados em qualquer investigação interessada em contemplar a flexibilidade com que a língua se mostra em situações rotineiras de interação.

Quando se focalizam os primeiros anos de vida da criança junto a seu interlocutor privilegiado: mãe, pai ou outro membro da família, a atividade linguística de ambos é inseparável de sua inserção dentro de um quadro em que se incluem, quem fala, a quem se fala, as expectativas que cada qual reconhece no outro a quem a fala é dirigida. Aí estão basicamente os elementos que configuram um leque de atos ilocucionais, atualizados em turnos de diálogo. Tais elementos conduzem-nos a explorar o cotidiano de meninos e meninas entre 2 e 5 anos de idade, observados em contexto natural. O material recolhido exibe um cenário complexo da lingua(gem) em ação, em situações multifacetadas.

Reconhecer tal complexidade coloca os investigadores frente a necessidade metodológica de eleger o diálogo como unidade de análise -compromisso central na proposta teórica de De Lemos, marco do interacionismo defendido pela autora (1982, 2002, entre outros)-. A abordagem, apoiada no contexto de produção dos enunciados, confere importância à interpretação da fala da criança pelo adulto, que lhe atribui “sentido e intenção” (De Lemos 1992: XII)2.

Dado o alcance do tema: (in)flexibilidade pragmática, seria desejável na introdução, mencionar linguistas cuja preocupação com a descrição dos enunciados inscreve-se numa perspectiva semântica abrangente, adequada para fundamentar e integrar o trabalho com a lingua(gem) na infância. Deveríamos, então, discutir a delimitação dos campos da semântica e pragmática? Ou ser completos num levantamento das contribuições teóricas no que toca à pragmática? Neste trabalho renunciamos a tal ambição, limitando-nos a recordar a atualidade de Austin (1962) no panorama dos estudos contemporâneos3.

À medida que a análise o exija mencionaremos a contribuição de Benveniste (1948 e 1966), Ducrot e outros, cujos nomes surgirão naturalmente, durante a discussão do próprio dado, de maneira que torna-se possível identificar nossos pontos de fundamentação teórica conforme os domínios empíricos se sucedem, justificando a teoria pela própria natureza da empiria -entrelaçamento que sempre foi a tônica de nossos escritos.

Como ponto de partida, suficiente para nossos propósitos, cabe mencionar a passagem abaixo que procede do linguista Oswald Ducrot:

A descrição semântica de uma língua, considerada como conjunto de frases ou de enunciados, não só não pode ser acabada, como não pode ser empreendida de forma sistemática, se não mencionar desde o início, certos aspectos da atividade linguística realizada graças a essa língua. (Ducrot 1987: 63).

Tal afirmação coloca em discussão a não-autonomia da semântica em relação a certos aspectos da pragmática, e leva a questionar a estrutura em camadas, “cebolar4, pela qual sintaxe, semântica e pragmática seriam espaços disciplinares independentes e sucessivamente ordenados, cabendo à pragmática, a última camada, tratar dos elementos para completar a interpretação do enunciado, pela inclusão dos aspectos referentes ao uso da linguagem. Questão longe de ser pacífica, pois “a semiosis individual sempre envolve a relação triádica entre sinais, designações e utilizadores” (Dascal 1982: 10). É somente através de um esforço teórico de abstração -completa este autor- “que podem ser isolados para investigação certos aspectos desse fenômeno complexo”. Isto posto, assume-se a não-autonomia da semântica em relação a pragmática (e da sintaxe em relação à semântica), enquanto posição teórica dentro da qual inscreve-se a presente pesquisa, voltada para dois conjuntos de dados do processo de aquisição da linguagem.

Na parte 3, primeira seção (§3.1), abordamos os atos de nomear e predicar, em contextos específicos, nos quais emerge um processo produtivo de criação de palavras ou de expressões de maior extensão (sintagmas predicativos). Este conjunto leva à seguinte indagação: de quem se fala? Do (agente) profissional ou do autor ocasional de uma ação presente? Em qualquer dos casos a enunciação nos episódios selecionados é marcadamente “original”.

Na segunda seção (§3.2), discutimos como a criança recorta os eventos em que está em jogo a atribuição de responsabilidade por um estado de coisas, eventos conhecidos na literatura como causativos.

O que faz a articulação destes domínios empíricos, aparentemente independentes? -uma pergunta que interessa responder. Como veremos, é a noção de agentividade, presente tanto em predicações ou auto-predicações, quanto na estrutura complexa dos eventos expressos em enunciados contendo verbos ou perífrases causativas. Um e outro contemplam aquele que faz algo, ou que é reputado como responsável por algo que se cumpre ou se cumprirá no palco dos acontecimentos do dia-a-dia.

Para o pesquisador interessado nas mudanças observadas no processo de aquisição da linguagem, outra pergunta importante é: como língua e fala se articulam nesta descrição? Já de pronto podemos situar nossa posição, trazendo a menção Claudia de Lemos e Cecilia Rojas.

Seria fácil citar textos mais recentes das autoras, mas ao valorizar a inclinação pioneira para o estudo da interação5, voltamos o olhar para De Lemos (1982) e para Rojas Nieto (1995). Na primeira, De Lemos chama a atenção para o papel estruturante da fala do outro na fala da criança, com exemplos emblemáticos, que dispensam reapresentação. Sigo, assim, para uma passagem de Rojas6. Nele a autora divisa os jogos de linguagem, e, ao mesmo tempo, direciona o leitor para os processos que, neste espaço, tornam possível o estabelecimento de relações; relações que permitem observar a emergência de processos gramaticais. A importância disto se demonstra tanto teórica quanto empiricamente.

Puesto que los objetos lingüísticos aparecen ante el niño desplegados en el tiempo, como formantes de juegos de lenguaje diversos y no patentemente relacionados, resulta necesario rastrear los procesos que dan lugar al establecimiento de la identidad entre las diversas ocurrencias de un mismo elemento tanto cuanto al establecimiento de relaciones entre elementos o procesos lingüísticos diversos, inicialmente aislados o independientes; y de manera paralela, plantear las consecuencias y significado que tiene el establecimiento de tal tipo de relaciones para el elemento individual (Rojas Nieto 1995: 1; itálico nosso).

Em tela, língua e fala estão contemplados, assim como deve ser -modo de abordar o dado que presidirá nossa análise na seção 3-. Antes de seguir adiante, cumpre apresentar a metodologia da pesquisa.

2. Metodologia

A evidência empírica deste trabalho repousa sobre o método longitudinal naturalístico. Os dados de que nos servimos procedem do acompanhamento de dois sujeitos principais, A. e J., através de gravações sistemáticas (A.) e de dados de diário (A. e J.). Selecionamos também dados de fala espontânea de outras crianças: V., Da., De. e Al., filhas de pais universitários, em processo de aquisição do português como língua materna.

O material de A., V. e Da. faz parte do acervo do Projeto de Aquisição da Linguagem Oral, colhido nos anos 1970-80 sob a coordenação da prof. Claudia de Lemos. Abrange sessões semanais de gravação (30 minutos): A. (2;8 a 5 anos); Da. (1;7 a 5 anos), atualmente disponíveis no Centro de Documentação Alexandre Eulálio/CEDAE-UNICAMP, para consulta online.

Já os registros de J., Al. e De. procedem apenas de diários, feitos pelas mães. No caso de A., vale lembrar, o diário é fonte complementar a seus registros gravados. A. e J. são irmãs e filhas da pesquisadora7.

Ao material dos sujeitos acima nomeados acrescentam-se alguns dados procedentes do trabalho de Santos (1997), compreendidos na mesma faixa de idade que os de A. e J.

Não é novidade que o método longitudinal naturalístico se beneficia amplamente de ocorrências captadas na observação diária por familiares (às vezes também por professores). O diário representa assim uma contribuição valiosa que enriquece o registro periódico obtido nas gravações. Exemplificamos com um dado do corpus de A., extraído desta fonte auxiliar: no parque infantil, ao ver a mãe precipitar-se para o balanço querendo balançar, A., 3;8.15 de idade, dispara, em tom apreensivo, com voz de quem pede cautela: Mãe, não sei se este balanço vai te cair (Figueira 1985: 77). O fraseado inicial exibe uma opinião (não sei se = eu acho que…), mas o tom sugere também um ato de advertência ou recomendação, próximo mesmo de uma exclamação: Atenção! Este balanço vai te cair. Uma cena que interessa duplamente: pelo emprego causativo de um item não-causativo (cair por derrubar) e pelo ato de fala que tal enunciado encerra: uma advertência da criança ao adulto imprudente!

3. Análise e discussão

3.1. Nomear e predicar em atos de fala originais

Algumas décadas de cuidadosa observação da fala dos pequenos produziram dados hoje clássicos na literatura da área. É famosa a sequência: “Yara (four years old): What’s that? -Mother: It’s a typewriter. -Yara (frowning): No, you’re the typewriter, that’s a typewrite”; diálogo reapresentado junto a oportuna ocorrência de Alexander, filho de Yara, reproduzindo, em tom contestador, basicamente o mesmo fenômeno recolhido uma geração atrás. Deste modo, tal ocorrência recebeu merecido destaque no tratamento, em nosso trabalho anterior, a nomes para “aquele que faz”.

(the four-year-old son of Yara (...), was cooking with his mother and got very angry)

Alexander. I’m not the cook, I´m the cooker, Mummy. I’m the cooker today

(mother explained that the stove was the cooker)

Alexander (furious). No, no, no, that’s the cook, it’s me the cooker.

Karmiloff-Smith e Karmiloff-Smith 2001: 80.

No presente artigo é no contexto de uma discussão mais ampla que este tópico é recolocado, com vistas a contemplar, tal como indicado no título do trabalho, a expressão de agentividade, em estruturas que focalizam -como verá o leitor- não apenas a estrutura da palavra morfologicamente complexa, mas o enunciado como um todo, no seu universo enunciativo. Isto inclui considerar não apenas os dados expostos em 3.1, mas também aqueles em 3.2.

Feito este esclarecimento sobre os passos da investigação atual, é preciso dizer que não basta dizer que sob os nomes typewriter e cooker alinham-se outros: farmer, singer, dancer, fato que convoca a analogia na criação de nomes para designar ocupações (se sing, singer, então typewrite, typewriter; cook, cooker...).

É preciso mostrar que as respostas de Yara e de Alexander encerram um ato de fala importante: são enunciações replicantes. Sob o esquema geral Não é X, é Y, as crianças contestam aberta e claramente seu interlocutor, em pronunciamentos que, de resto, vêm atestar uma regularidade linguística a que já são sensíveis.

Estamos num terreno onde os achados se acumulam sob o nome geral de agentivos8, domínio fácil de conduzir a investigação a contexto recorrente em algumas culturas: as conversas sobre profissões. O que a literatura reserva-nos neste tópico?

No contexto latino-americano, a pesquisa sobre o espanhol (mexicano) e sobre o português (brasileiro) já têm o que exibir. O tema foi ampla e detidamente explorado no espanhol mexicano por Auza et al. (2001), em pesquisa experimental, voltada à produção de crianças entre 3 e 7 de idade. De nossa parte, falas espontâneas de crianças brasileiras conduziram-nos ao tratamento de inovações, no interior de uma hipótese assentada sobre a noção de analogia, do aparelho conceitual saussuriano (Figueira 2015, 2018a). Como afirma Saussure (1916) 1967: 271): “el lenguaje de los niños rebosa de ellas (innovaciones analógicas)”.

No quadro de uma hipótese funcionalista, Auza et al. (2001) investigam a presença de uma estratégia produtiva. Para tanto, utilizaram-se de um procedimento, nomeado “prueba de ocupaciones”, que consistia em solicitar aos sujeitos, agrupados por idade, que nomeassem ocupações profissionais (telefonista, aeromoza, pintor, panadero, lechero e outras), totalizando 47 nomes de profissão.

No espanhol os sufixos de nomes de profissão são tão abundantes quanto no português (esp. panadero, taxista, pintor ; port. padeiro, taxista, pintor ), de tal modo que os achados dos pesquisadores do México interessam-nos amplamente. Merece destaque, na resenha feita em 3.1.1., um aspecto deste estudo, que favorece ponto de contato com os dados que recolhemos via método longitudinal, material para o qual proporemos uma análise voltada ao dito e o dizer (3.1.2.).

3.1.1. O estudo de Auza et al. (2001). Em destaque: arquitero, pilotero. O que revelam?

A morfologia enquanto sede de inovações, encontra acolhida na produção de Clark (1982) desde artigo sob sugestivo título “The young word-maker”. Em publicação seguinte novos achados são apresentados, entre eles: Am I a good hanger? (Eu sou um bom pendurador?), proferido pela criança, ao pendurar um desenho com fita adesiva (Clark 1997a: 330). O tópico, retomado adiante, apresenta inovações procedentes de dados de diário, uma delas registrada aos 2;07.0: I’m gonna RUN, and RUN, and RUN, cos’ I’m a BIG RUNNER (Clark 2003: 271). Aliás, o interesse por dados desta fonte leva-nos a achados de Bonnet e Tamine-Gardes (1984: 95), para o francês: crémeur (mangeur de crème), poubellier (celui qui vide les poubelles).

Vamos ao espanhol mexicano. A investigação de Auza et al. (2001) considera o peso da derivação: pesca-dor, lech-ero e outros nomes mais, enquanto exemplos de estrutura produtiva e transparente. Esta se dá a ver em novas formações, por exemplo: plantero (= aquele que planta), em lugar de jardinero, uma criação que chamaríamos de previsível, já que segue padrão apto a exibir sua produtividade. A literatura sempre saudou a inovação no desempenho das crianças como indício de uma regularidade em vias de ser estabelecida. Auza et al. (2001) dão um passo além ao dirigirem sua atenção à classe de palavras de raíces oscuras. Ao fazê-lo, focalizam um aspecto da estrutura da palavra, por si só relevante para uma teoria geral dos signos. Voltam-se para palavras -como chamam- de “poca motivación”. Citam, por exemplo, piloto, arquitecto e também: soldado, mecánico, policía. Trata-se de itens lexicais que, diferentemente de pesca-dor, lech-ero, ou mesmo plant-ero (para jardin-ero), poderiam, a nosso ver, ser assim caracterizados: (i) são resistentes a analisabilidade em formantes: piloto, arquiteto, mecánico; (ii) apresentam dificuldade em identificar motivação semântica afeita ao profissional assim nomeado: soldado (aquele recebe soldo?).

Fala-se, então, no texto dos autores, em opacidad semántica -expressão escolhida para fazer referência ao fato de que, no caso de alguns signos, a relação semântica não pode ser identificada clara e abertamente num formante independente da cadeia fônica (um sufixo derivacional)9.

Neste cenário, acompanhando Slobin (1982), os autores referem-se a uma situação cognoscitiva em que “algunas palabras o formas lingüísticas atraviesan por ciertos problemas semánticos y morfosintácticos”, período em que “se elaboran formas alternativas” (Auza et al. 2001: 157, grifo nosso). Na interpretação de Auza et al. a noção de estratégia entra como noção descritiva para explicar formações estranhas à fala do adulto, como arquitero e pilotero. Tais palavras estariam numa “sala de espera” para serem, a seu tempo, incorporadas como arquitecto, piloto, convergindo para o léxico do adulto.

Nesta condição de provisoriedade estão belos exemplos de formações divergentes. Retenhamos arquitero e pilotero, com vistas a compará-los com inovações de crianças brasileiras. Desafiada, desde o início de minha atuação na área, pelo dado divergente, colecionei certo número de falas espontâneas, não-elicitadas, apresentadas a seguir. Serão cotejadas com os dados do espanhol mexicano, quando é o caso de fato em comum.

3.1.2. Nomeando o profissional ou o autor ocasional

A nomeação a profissionais conta com inúmeros exemplos, uma parte deles, como veremos, em contexto privilegiado: aquele em que a criança declina o que quer ser quando crescer. Uma busca em nossos arquivos reúne, nesta seção, episódios selecionados de V., Da., De., Al. e J. (3 a 5 anos de idade). O material se completa com dados recolhidos por Santos (1997), da mesma faixa de idade.

Alguns deles foram apresentados em publicação anterior, e aqui retornam porque formam um conjunto maior de produções que interessam não só do ponto de vista da estrutura formal como do discurso que vêm a integrar, contribuindo para ampliar e diversificar a pesquisa de um domínio continuamente revisitado no cenário geral da aquisição das línguas10.

No caso do português, a primeira observação a ser feita diz respeito ao leque de formações derivacionais para se referir àquele que faz. Uma variedade de sufixos competem para a formação de deverbais ou denominais em língua portuguesa: /-dor(a)/, /-eiro(a)/, /-ista/, os dois primeiros comportando no feminino marcas explícitas de gênero.

Para começar escolhemos uma interessante conversa entre coetâneos: V. e Da., acompanhada pela investigadora11:

Da. (3;09.10) com a investigadora e a filha da investigadora, V. (4;8.9). As crianças fazem pinturas.

Da.:Tô com a mão suja. Eu tô igual/ eu tô igual um/ um pintor.

V.:Só que nóis somos pintora. Existe pintora. (a)

Da.:Existe pintora, né?

Inv.:Existe.

Ve.:Existe pintora, não é?

Inv.:Claro.

V.: Tem pintora marida do pintoro. (b)

Aos 3;09.10 de idade, Da. conversa com V., alguns meses mais velha, dizendo a ela: Tô com a mão suja. Eu tô igual/ eu tô igual um/ um pintor. Nada a notar neste enunciado, mas o que se segue revela-se achado precioso, de superior aproveitamento para o pesquisador, despertando para dois temas. Vejamos como: em seu turno, V. pondera, fazendo a Da. um reparo: Só que nois somos pintora. Existe pintora. Observemos que pintora recebe a marca de gênero feminino, tal como esperado numa predicação feita a duas meninas.

No mesmo turno surge: Existe pintora, um complemento que parece ser uma confirmação de V. para si mesma, ou mesmo uma leve correção ao que dissera Da. De sua parte, Da., hesitante, põe em dúvida a nomeação da amiguinha: Existe pintora, né? -pergunta que, acompanhada de né?, é um pedido de confirmação, respondido pela investigadora, que acompanha a cena e dela participa: Existe. Turno seguinte, é a vez de V. conferir: Existe pintora, não é?, recebendo novamente a resposta positiva da parte da investigadora: claro. O que vem adiante -ver (b) em (1)- é um ato de fala que chama atenção pelo tom abertamente assertivo com que V. põe um ponto final na questão: Tem pintora marida do pintoro. Esta asserção levanta questões importantes para o investigador.

Comparemos (a) com (b): A predicação de V. em (a): Só que nóis somos pintora. Existe pintora, começara dentro do esperado. Cedendo a um raciocínio analógico (o par marido-mulher), sua elocução ganha força no último turno, (b), com o inquietante: Tem pintora marida do pintoro, pronunciamento em que, segundo parece, a palavra pintora comparece no estatuto de mencionada, um dado riquíssimo para a análise.

O pesquisador encontra, neste único pronunciamento, denso material para explorar a marcação gênero-sexo. O enunciado de V. envolve um par de heterônimos (port. marido-mulher), que comparece na sua fala num produto insólito: marida está por mulher. Mas não só: o mesmo ato de V. inclui uma segunda marca insólita: pintoro formou-se a partir da forma feminina pintora, destoando do esperado ou previsto na língua dos adultos!

São enunciações desta natureza que nos interessam. Temos privilegiado, ao longo da pesquisa, formações divergentes (ou “erros”), como dado de eleição (Figueira 1996). Elas não deixam indiferente nenhum observador (pesquisador ou não), e são por isto mesmo comumente referidas a título de anedota familiar. Como tais, nos surpreendem e nos fazem sorrir, pois transcorrem em atos de fala em que a criança se expressa, muitas vezes, sem o menor sinal de hesitação quanto à forma de seu dizer: Eu vou na dentista, a Renata vai no dentisto -eis como ficou marcada a diferença entre os dois profissionais (mulher e homem, respectivamente) na fala de uma criança de 3 anos (Figueira 1996)-. O efeito? Um dado engraçado, dado de graça para o investigador. Muitos destes ditos afloram em contextos em que, decidida, a criança declina o que quer ser quando crescer.

Vejamos alguns exemplos em que jogam os sufixos derivacionais: Al. (3;9.21): Mãe, quando eu crescer eu quero ser desenhora (ad. desenhista); De. (3 anos): Quando crescer quero ser cabeleirista! (ad. cabeleireira)12. Deslocados de lugar, fenômeno que denominamos ciranda de sufixos (Figueira 2018a), registram-se: /-ora/ em lugar de /-ista/; /-ista em lugar de /-eira/; e ainda: /-eiro/ no lugar de /-or/. Este último, em fala de J. (3;11.10), na pergunta: Quem pintou este quadro, pai? Deve ser uns pinteiro, né? (pinteiro = ad. pintor), dirigida ao pai pela menina, que contemplava, curiosa, um quadro numa parede.

Outras ocorrências, como aquela destacada em (1), convocam-nos para uma discussão sobre forma básica ou derivante, tema relevante para os estudos sobre formação de palavras. O desconcertante pintoro é a contraparte masculina de pintora , forma feminina, circunstancialmente tomada, naquele diálogo, como ponto de partida para referir o profissional do sexo masculino13.

Num levantamento empírico de certa abrangência o investigador se depara com achados que o conduzem a explicar não só que converge como o que diverge da fala adulta. Em qualquer deles assiste-se a movimentos de mise en rapport, ou, se tomarmos a passagem de Rojas Nieto, ao estabelecimento de relações14, fato que encontra acolhida no aparelho conceitual saussuriano. Só para ilustrar com um exemplo: quero ser cabeleirista (ad. cabeleireira) perfila-se à dentista, pianista, florista, ao toque de relações associativas. Tal cenário solicita um olhar para o fato linguístico (a ocorrência divergente), mas não exclui considerar os efeitos do ato de fala na cena enunciativa. Estes podem ir do estranhamento e surpresa, até ao riso, que assoma no adulto interlocutor (Figueira 2007).

Santos (1997) reuniu diálogos como professora de escola maternal, material valioso para o domínio semântico em tela. Um deles merece atenção por ser semelhante a um dado de Auza et al. (2001)15.

2.L1 (4;03.02) com outra criança e a professora estavam se preparando para ir embora.

L1:Olha lá gente, o planteiro está consertando o jardim!

(Santos 1997: 119; ocorrência retomada de Figueira 2018a)16

A novidade está na base derivante planta, e não jardim, que é de onde deriva o nome do profissional encarregado de cuidar das plantas no jardim. Não é a única criação deste tipo entre os sujeitos de Santos. O episódio 3 convida-nos a seguir a cena que transcorre no contexto abaixo, buscando penetrar no ato de fala de cada qual: criança (T.) e adulto (P.).

3. A professora, T1 (2;11.02) e outras crianças estavam discutindo sobre como fazer uma casinha para o coelho que as crianças haviam ganhado.

T1:Por que não faz que nem o caseiro?

P1:Como assim?

T2:É, que nem o caseiro, com tijolo e cimento... (Santos 1997: 122, citada em Figueira 2018a).

T., 2;11.02 de idade, toma a palavra e sob a forma da pergunta: Por que não faz que nem o caseiro?, coloca uma sugestão para abrigar o coelho. Ou seria uma proposta? (a qualidade do ato de T. fica interrogada). Tão logo ouve o que lhe diz o menino, a professora o interpela num pedido de explicação, querendo entender de quem ele falava.

Este diálogo permite discutir o conceito de encronia (Enfield e Levinson 2006). O achado leva a discorrer sobre a adaptabilidade no uso da língua: por um lado, pela boca da criança, propensa a inovações ou improvisações (caseiro para quem faz/constrói casa); por outro lado, capaz de conduzir, quando é o caso de uma homonímia, à necessidade de explicação para desfazer dúvida de interpretação. Com efeito, a indagação da professora: Como assim? leva a pensar que cabia dúvida. Acaso falava o menino daquele que guarda a casa? A dúvida se desfaz no turno final, na resposta de T.: É, que nem o caseiro, com tijolo e cimento...

A coincidência formal entre dois produtos afetara o adulto mas não a criança (opacidade à homonímia, Figueira 2018b). “Capturada”17 por uma associação facultada pelo mecanismo da língua, caseiro repousa sob o modelo de outros nomes de agente que assim se formam (pão: padeiro, sapato: sapateiro, casa: caseiro) e a criança -resta reafirmar- fica indiferente ao sentido de caseiro, equivalente a ‘guardião de casa’. Eis o que se conclui aqui sobre língua e discurso.

Retomemos agora planteiro, ao lado de caseiro, para um comentário comum. Ambos ocorrem em atos de fala contendo criações para profissionais que, no léxico do adulto, são referidos por outras palavras: jardineiro e pedreiro, nomes que assim se formaram -e se firmaram- historicamente, ao longo do tempo, consagrados pela coletividade. Se no percurso de L. e T. com a língua materna assumiram, como visto acima, outra roupagem (planteiro e caseiro), o efeito no interlocutor é o de surpresa diante de possibilidade latente da língua. De onde emerge? Respondemos: de relações, tão legítimas quanto aquelas que justificam as designações correntes entre adultos. Eis o que a língua é: um tesouro de significantes, espaço para atos de fala inovadores que, pela boca das crianças, nos é dado a conhecer e a admirar pelo seu potencial criativo.

Prosseguiremos com uma peça da coleção de Santos (1997). Ela aproxima-nos da discussão conduzida pelos colegas mexicanos para arquitero e pilotero, embora não seja exatamente igual.

4.Naquele dia Raphael (3:08,17) chegou com uma roupa diferente e sapato mocassim (falando com as cozinheiras).

Co1:Nossa Raphael, você está chique hoje!

R1: É que hoje é aniversário do Fernando. (irmão do Raphael)

Co2:E esse sapato? Tá brilhando, hein?

R2:É que meu pai me levou no engraxateiro. (Santos 1997: 121)

De quem falava R., ao falar à cozinheira sobre seu sapato lustroso? -Do engraxate, profissional que usa graxa para polir os sapatos (o apelo semântico está contemplado na raiz, mas não é bem este o ponto a ser deslindado). Engraxateiro , como farmaceiro , em (5), pedem a mesma explicação:

5. No horário da entrada, após ler um bilhete que Matheus (4;2.17) havia trazido.

P1.: Quer dizer que você vai sair mais cedo para ir numa formatura?

Mt1: É que meu tio se formou e vai ser farmaceiro. (Santos 1997: 125)

O resultado confirma a pressão estrutural dos nomes em /-eiro/, ao toque de relação (mise en rapport), no tecido da língua, com outros nomes que lhe são aproximáveis.

É possível associar a produtividade de um padrão ao que Saussure descreve como motivação relativa do signo. Esta mostra-se tanto nos achados dos pesquisadores mexicanos (arquitero e pilotero), quanto naquelas pesquisas cujo método consiste em flagrá-los em acontecimentos diários, como (4) e (5).

Convocar Saussure (e Benveniste, como veremos adiante) para este território nada mais é do que dar à derivação morfológica seu papel no funcionamento da língua, tal como se apresenta de modo exuberante, ou melhor, transbordante, na infância por cada sujeito. Ela expõe, em última análise, um mecanismo pelo qual a língua entretece na fala, relações, das previsíveis às imprevisíveis.

A circunstância de registrarem-se formas alternativas (como as chamaram Auza e coautores), ou divergentes (como as chamei), permite conhecer “criações”, algumas, provisórias, cujo destino poderá ser o esquecimento -caso de engraxateiro na aquisição do português ou pilotero, na aquisição do espanhol mexicano. Outras acabam por soar tão aceitáveis (o typewriter de Yara; ou o plantero, da criança mexicana), que levam-nos a recusar para elas o termo “erro”, ou, se tomá-lo, assumir seu poder heurístico na abordagem dos meandros pelos quais uma criança se torna falante de sua língua.

Dito isto, estendemos agora a análise para nomes que mencionam aquele que faz, sem ser este propriamente um profissional. Para tanto aproximamo-nos da brilhante análise de Benveniste (Nom d’agent et nom d’action, 1948), de quem Milner (2003: 98) faz justa apreciação: “hay que separar, observa (Benveniste), el nombre del autor ocasional de una acción, que actúa en alguna circunstancia particular (única o no, poco importa), y el nombre del agente funcional, que tiene por tarea definitoria, profesional incluso, el cumplir una determinada acción” (grifos do autor).

A separação entre agente (funcional) e autor (ocasional) pareceu-nos de importância capital para a análise que busca o dito e o dizer. Diferentemente dos casos até agora examinados em que a criança menciona um profissional ou projeta para si um futuro profissional, assistimos a cenas em que a criança nomeia-se autora de uma ação que se desenrola com ela no momento da enunciação. Segue-se um exemplo do corpus de J., aqui retomado pela pertinência quanto ao ato de fala inovador que exemplarmente ilustra.

Enquanto aspira o ar, ao sentir aroma de algo saboroso na cozinha, J., ao mesmo tempo em que faz o que faz (seguir o cheiro), descreve-se como tal:

6. J:Eu sou seguidor de cheiro (4;6.20)

Neste caso a menina apresenta-se cumprindo uma ação ocasional, descrevendo-se em primeira pessoa e no presente do indicativo, ao se referir àquilo que efetivamente está a fazer.

Não se trata de reprodução de outras falas, mas de uma expressão que brota para aquele acontecimento que, como falante, protagoniza.

O termo original18 cumpre neste caso o papel de caracterizar: (i) a expressão nova, posta em circulação, (ii) o ato contemporâneo à ação performada naquele momento único.

Não menos marcantes no percurso com a língua, são as outras inovações aqui já mostradas, na aquisição de três línguas. Fazem juz igualmente ao termo original: ing. No, you´re the typewriter, that´s a typewrite; port. Tem pintora marida do pintoro; esp. plantero (= jardinero), etc.

Todo este conjunto atrai aqueles que se detêm na observação da linguagem na infância: seja porque a fala das crianças chega a tocar limites consolidados da língua (veja-se o que foi chamado de ciranda de sufixos), seja porque eventualmente recobre ato contemporâneo ao próprio acontecimento (único, irrepetível) que se presta a descrever.

3.2. Como as crianças recortam os eventos

Nas últimas décadas a investigação em torno das construções causativas conheceu grandes avanços Shibatani (2002: 6) mas reconhece o autor que “a great deal about the grammar of causation still remains a mystery”. Seu estudo pioneiro (1976), ao propor distintos modos de causação, serviu de inspiração para explorar na aquisição da linguagem sua vinculação às condições discursivas (Figueira 1985 e 1986). Dispúnhamos para tanto dos dados longitudinais de A. (2;8 a 5). Hoje, através de dados inéditos (a maioria de J.), interessam-nos principalmente os efeitos dos recortes em que estão envolvidos actantes, dispostos sob certa perspectiva ou ponto de vista.

Trata-se, especificamente, de mostrar como a noção de agentividade, embutida nas construções causativas, contribui para estender e diversificar a discussão iniciada em 3.1. Se há domínio onde a noção alcança uma boa exploração quanto ao dito e ao dizer, esta é, sem dúvida, na expressão de causa-efeito.

Para começar é preciso dizer que a leitura de Shibatani importa para qualquer investigação voltada à gramática das construções causativas (sua sintaxe e semântica), mas dado o escopo deste trabalho interessa-nos valorizar logo de início uma intuição bem captada por Lyons (1977: 491), ao afirmar, com propriedade: "as human beings, we are particularly interested in the results of our purposive actions and in the effects that our actions have upon patient”. Isto marca uma importante propriedade das construções causativas: a telicidade. O evento causativo é um accomplishment (Vendler 1967), isto é, um acontecimento que conduz a uma mudança de estado (ou locação) da entidade afetada (pessoa ou objeto) por um causador. Há portanto um efeito nada desprezível no contexto de cada enunciação. Este, como veremos, nem sempre associável a um único agente.

Eis o ponto que trazemos à discussão: causa-efeito é uma relação complexa que conduz a um quadro de papéis: quem faz o que e com qual resultado ou objetivo.

Tais elementos podem estar explicitamente nomeados, ou então, obscurecidos por uma apreensão do evento dirigida apenas ao puro resultado (portanto, com omissão daquele que faz). Numa boa parte das vezes, este é o próprio sujeito da enunciação que está envolvido no acontecimento.

Admite-se, por um lado, que a cadeia dos acontecimentos estabelece uma ordem: a causa precede o resultado, mas uma tomada de perspectiva do falante deixa aberto o cenário a mais de um recorte possível. Eis o lugar em que compete colocar a questão da (in)flexibilidade pragmática. Neste palco o papel do contexto é importante. Em muitos casos, decisivo. Mas pode também se mostrar -isto pode acontecer!- de uma incompletude embaraçosa19.

Feita esta breve introdução, seguiremos predominantemente para o cenário da infância de J., indagando acerca da constituição das relações de causa e efeito no cotidiano desta criança, dos 2 até 3;11 de idade. Antes, um rápido olhar para a literatura de nossa área.

A noção de perspectiva surge primeiramente num artigo de Eve Clark (1997a), retomada em Clark (1997b), e posteriormente, sob o título Choosing a perspective, em duas passagens de Clark (2003). Neste ela expõe pormenorizadamente vários estudos acerca da alternância entre formas verbais causativas versus intransitivas não-causativas ou entre formas verbais locativas e ativas versus passivas, procurando enxergá-las, no processo de aquisição, como “escolhas que marcam a perspectiva do falante” (Clark 2003: 218). Com isto, Clark amplia e diversifica o universo empírico capaz de comportar uma abordagem através desta noção.

Tomasello (2003a: 168) introduz a noção de perspectiva, como um modo particular de interpretar coisas e eventos, “moldado para certas situações comunicativas e não para outras”. Volta-se preferencialmente para a causação manipulativa direta: o agente, o alvo e o instrumento, em suas múltiplas realizações gramaticais, “complexidades sintáticas” da mesma “cena referencial”. Passa, assim, pelas construções causativas, pelas construções impessoais ou passivas sem agente; e, na busca por esgotar as formas de expressão, inclui a clivagem, que põe em realce um constituinte da sentença. Seguem-se alguns exemplos, entre os doze que alista, num levantamento voltado às variações possíveis para uma ação manipulativa direta: Fred quebrou a janela com uma pedra, A pedra quebrou a janela, A janela quebrou, Foi Fred quem quebrou a janela (Tomasello 2003a: 215-216). Em obra posterior (Tomasello 2003b), contempla as construções, em inglês, com make, let e help, alcançando o leque de situações mais ricas e complexas da relação que une um efeito a uma causa, entre elas a causação indireta não-manipulativa. Elas estão no nosso horizonte empírico, e não podem ser ignoradas.

De nossa parte, assinalemos, desde já, um aspecto que não pode ser posto de lado num estudo que tenha por meta exibir a direção argumentativa que o uso desta ou daquela expressão simbólica acarreta no desenrolar do discurso, aspecto que procuraremos explorar.

Tomasello, interessado numa teoria da cognição humana, volta-se para a existência de certos padrões ou esquemas conceituais recorrentes, “pacotes pré-estabelecidos”, convencionados ao longo do tempo histórico (Tomasello 2003a: 217-218). Em suas palavras: “as crianças simplesmente os (esquemas conceituais) aprendem” (Tomasello 2003a: 218). Como não ignora, isto não ocorre independentemente do meio social em que elas se encontram. Em situações cotidianas estão em jogo entidades humanas com as quais as crianças interagem, e em grande parte delas observa-se um estado de coisas, a que elas não são indiferentes.

Assim, é ao longo da interação com seus interlocutores que as crianças exercitam a alternância de pontos de vista, sob os quais um evento (complexo) vem a ser recortado. Em tais situações nem sempre é a perspectiva do parceiro de interlocução a que é adotada pela criança. Há que considerar recortes intrigantes quanto ao arranjo conceitual pelo qual se traça um elo causal entre efeito e causador20. Qual solução Tomasello reservaria para recortes incomuns? O autor se põe ao lado de uma teoria da mente, apostando numa conquista desenvolvimental dependente do “surgimento de sua (da criança) capacidade de compreender o outro como algo semelhante a um agente mental com pensamento e crenças próprios” (Tomasello 2003a: 218).

Estudos experimentais têm procurado avaliar a habilidade na compreensão de estados mentais. Montam-se, para tal, testes que visam conhecer o que os sujeitos sabem das relações expressas por verbos causativos a eles apresentados num cenário artificialmente criado (Freire 2013). Diferentemente, nossa pesquisa, sem pressupor uma pré-determinação na relação cognição-linguagem, propõe-se a acompanhar situações espontâneas do cotidiano infantil, em que as próprias crianças estão envolvidas nos acontecimentos que vêm a recortar enquanto interagem com seus interlocutores.

A análise busca, deste modo, valorizar aspectos do dia-a-dia em que estão imersos um adulto e uma criança em vias de se constituir como falante. Ou, em que estão, frente a frente, coetâneos. Do amplo material colecionado selecionamos os episódios a seguir. Não sem antes assinalar que trabalhos de natureza semântica e filosófica apontam a existência de dois componentes no núcleo básico do evento causativo: assimetria temporal e produção ou mudança. Pergunta-se: o que mais haveria a ser absorvido no recorte causa-efeito, quando a ação transformadora parte de uma entidade humana sobre outra (também humana), num transcorrer de tempo dimensionado em fases?

O diálogo abaixo, entre mãe e criança, ajuda-nos a responder. Aos 4;10 de idade, A. presenciara o desenrolar de um acontecimento cercado de tensão: a avó da menina, que estava de partida para sua cidade, recebera da mãe de A. (M.) uma indicação inadvertidamente errada quanto ao primeiro ônibus que deveria tomar para chegar até a rodoviária, de onde seguiria em viagem. M. tenta contornar os efeitos daquele engano, deslocando-se para a rodoviária, acompanhada da menina. Durante a gravação fala-se disto.

7.M. indicara ônibus errado para a avó de A. chegar à rodoviária. Quando percebe, aflitíssima, vai até a rodoviária, acompanhada de A. (4;10.1).

M.:Que dia que a vovó saiu daqui, filhinha?

A.:Ela saiu ontem.

M.:E que que aconteceu na hora da/da vovó ir embora?

A.:Na hora da vovó ir embora?

M.:É.

A.:Cê ... fez ela ir no om’bo errado. (a)

M.:Isso mesmo!

(Figueira 1985: 209)

Tendo acompanhado a aflição da mãe, a criança não ficou indiferente ao fato de que esta cometera um engano, fruto de uma distração. Em que pese este aspecto não-intencional, houve, contudo, um resultado que afetara a avó. É esta condição, de resto nada desprezível, que faz A. responder à pergunta da mãe, dizendo: Cê ... fez ela (a vovó) ir no om’bo errado, numa apreensão da cadeia causal que capta o acontecimento inicial (indicação do ônibus), e seu efeito resultante (o erro), dispondo os dois actantes ( e ela) numa estrutura gramatical, a perífrase fazer + V, marco importante no quadro geral da expressão de causatividade nos anos da infância (Figueira 1986). Esta construção, presente desde os 3 anos de idade na fala da menina, exibe em (7) uma faceta possível dos modos de causação registrados no corpus de A., entre as distintas nuances ou matizes de agentividade21. Como se vê, o recorte linguístico feito por A. daquela situação que ela presenciara não exime sua mãe da responsabilidade sobre a entidade afetada ou causada (a avó). A interpretação do enunciado de A. como ato de fala não escapa de ser uma atribuição de responsabilidade a M., e isto transcorre num contexto em que parece improvável a associação a um gesto intencional de M. Pode-se dizer que o cenário descortinado neste breve diálogo é um bom exemplo de um acontecimento significativo, recortado na fala de A., na medida da importância que assumira para esta criança (4;10 de idade), o episódio envolvendo sua mãe e sua avó. Por esta razão volta-se a falar dele no momento da gravação semanal. Pergunta-se agora: o que haveria a registrar em idade mais inicial, anterior aos 4 anos de idade? Em tela, dados inéditos de J.: (8) - (15), extraídos de seu diário, feito pela investigadora.

Aos 2 anos surpreendemos J. às voltas com objetos que caem, quebram, desaparecem da vista, pequenos desastres domésticos. E diante também de outros acontecimentos, pelo contrário, edificantes: aprender a cantar ou a desenhar.

A amostra abaixo desperta nosso interesse: (i) para o fato gramatical: uso de um item intransitivo em diátese transitiva-causativa22, (ii) para seus efeitos na cena de enunciação.

8. A mãe de J. (2;1.28) encontra gelatina caída no chão.

M.:(chateada). Caiu gelatina!

J.: (acusando-se). Eu caiu (= eu derrubei (a gelatina))

9.J. (2;1.13) esbarra na mamadeira que M. segurava.

M.:Ah, Ju! Cê deixou cair o leite!

J.:(responsabilizando a mãe). Mamãe caiu. (= mamãe derrubou (o leite))

10. M. leva as crianças -A. e J. (2;4.14)- para dormir. No escuro, ouve-se barulho de mamadeira caindo

J.:(responsabilizando a irmã). A Tatá caiu.

(em seguida, retificando)

J.:A Tatá deixou / a Tatá deixou o mamá caí.

Nos episódios acima, é de um alimento ou objeto, ao alcance da manipulação de alguém, que se fala23. Sua queda, ao ser relatada pela criança, toma dois caminhos: é assumida pelo falante (8); é transferida a outrem, (9) e (10), atribuída a quem detinha naquela cena a manipulação do objeto. Em (10), uma novidade gramatical, ausente em (8)-(9), emerge: a construção deixar + V, num relato em que J. atribui à sua irmã o ocorrido.

Uma situação mais “dramática”, próxima de um ato de imputação de culpa, transcorre em (11). Envolve um ato pregresso da mãe, que é introduzida na conversa por A. (irmã de J., 3 anos mais velha), interessada em saber por qual motivo J. está chorosa, emburrada.

11. A mãe negara algo a J. (2;9). Esta choraminga emburrada. A. acerca-se dela.

A.:Cê não gosta da mamãe? O que ela te fez?

M.:(metendo-se na conversa) Por que, Ju?

J.:(brava, para a mãe). Cê chorou eu. Eu chorei.

J. responsabiliza a mãe que lhe negara algo: Cê chorou eu. Esta sentença é seguida da expressão do resultado: Eu chorei. Entende-se porque a propriedade da transitividade, que comparece na primeira construção faça apelo ao discurso. Ela promove o intransitivo chorar a causativo (glosa: cê fez eu chorar) e estampa os papéis atribuídos aos envolvidos: (= M.) é apresentada como responsável pelo estado de desconforto do falante (J. = eu), numa sentença transitiva cê + Vtr: chorar + eu24.

Este ato de fala revela não só o ponto de vista da criança, ao evocar fato passado, atribuindo a M. a responsabilidade por seu estado, como também desperta-nos para a indagação: uma queixa? uma imputação de culpa? Um ou outro admitiriam como prováveis turnos seguintes -sinal de uma direção discursiva- uma justificativa de M. ou até mesmo seu pedido de desculpas, desdobramentos possíveis desta cena familiar… Resultado perlocucional.

Muito mais haveria a ser dito no cenário dos 3-4 anos de J., quando seguimos na observação de outros atos de fala. Chamam nossa atenção algumas justificativas. Algumas delas, como (12), envolvem ação compartilhada, espaço ideal para observar a emergência do plural nas formas verbais.

12.Brincando de comidinha, as irmãs tinham feito sujeira no chão. A mais nova, J. (3;9.6), antes de M. falar qualquer coisa se apressa em dizer:

J.:Nós fimos (= fizemos) e limpamos.

O relato obedece a ordem sequencial dos eventos: primeiro a bagunça (nós fimos = fizemos); depois a limpeza ((nós) limpamos); duas iniciativas anunciadas em tom firme por J. Como é fácil concluir, aos 3 anos a criança reconhece as expectativas dos adultos e pode corresponder a elas. Por outro lado, há ocasiões em que J. não aceita ser implicada num acontecimento, caso em que observa-se a construção V3s + sozinho. Esta recobre preferencialmente situações em que o resultado é negativo: veja-se (13).

Outras vezes o acontecimento é, pelo contrário, admirável e admirado, como em (14). Numa fala contendo aprender por ensinar, a criança divide o mérito pelo feito com alguém: Tia Licinha é apresentada como iniciadora (co-autora?, principal autora?) de uma conquista de J. recebida com interesse e orgulho pelos familiares em cena25.

13.J. (3;11.03) brinca de puxar o zíper do agasalho da irmã. O pai interfere dizendo que basta ter estragado o zíper de seu próprio (da criança) agasalho

J.: (defendendo-se). Não foi eu. Estragou sozinho.

14. M. e A se surpreendem ao ver J. (2;9.18) cantar uma canção

M.: Quem te ensinou?

J.: A tia Licinha me aprendeu isso. (= ensinou)

(a mãe se admira; interpretando a surpresa da mãe como referente ao conteúdo do que dissera, J. confirma)

J.: É sim. A Lia Licinha me aprendeu.

Já é tempo de mostrar um diálogo em que o eu da enunciação desaparece totalmente, num pronunciamento impessoal, em que J. está envolvida apenas como sede do processo. Eis o contexto: ao preparar a menina para dormir, Dona Isabel (= DI.), ajudante da casa, veste-a com um pijama, satisfeita com a escolha feita. No dia seguinte, a primeira preocupação de J. é informá-la: Ficou mijão na roupa que você gostou ontem. Este diálogo interessa-nos duplamente.

15. No contexto doméstico J. (3;6.24) é estimulada pela avó e pela ajudante da casa (Dona Isabel) a não fazer xixi na cama. Na chegada desta, a menina apressa-se a informá-la:

J.: Mijou tudo na cama.

DI.: (-)

J.: Ficou mijão na roupa que você gostou ontem.

Comecemos por notar que J. é sensível às expectativas da senhora que, ao vesti-la, o fizera com muito gosto. Por isto J. conta prontamente: Mijou tudo na cama, e até completa no turno seguinte: Ficou mijão na roupa que você gostou ontem . A menina não sonega a informação cuja importância reconhece interessar a DI. -primeira observação-.

Por outro lado, não se implica no acontecido, talvez porque o que se passou escapara a seu controle, ou mesmo, a sua consciência e vontade26. Seu relato se faz em terceira pessoa ou, para sermos mais exatos, em não-pessoa -recordando aqui a interpretação magistral de Benveniste (1966) acerca da natureza dos pronomes. A forma assumida nos dois turnos de fala mostra o acontecimento na perspectiva do puro resultado. O domínio da história, conforme Benveniste.

Já podemos dizer, neste sobrevoo aos 2, 3, 4 anos de J., que há uma alternância entre recortar, de um lado, o(s) participante(s) do processo e, de outro, apenas o resultado, com apagamento do(s) causador(es). Os achados fornecem evidência adicional para o fato de que os enunciados não são meramente informativos, eles encerram um potencial argumentativo que move o discurso, definindo sua progressão. Projeta-se com isto uma direção argumentativa -marcada pelo modo como o dito se inscreve no dizer (Ducrot 1987)- ponto a ser aqui realçado, com dados de outras crianças.

Tal movimento toca de perto aqueles casos que vimos chamando de uma interação com mobilidade de posição do enunciador (Figueira 2011, 2014). São encontrados em momentos marcantes nos quais a resposta da criança ao adulto, pela surpresa que desperta, pede atenção para o gesto argumentativo que encerram. Por isso mesmo não passam despercebidos. Um exemplo chega-nos do Diário de Alice27. Acompanhemos o desfecho da conversa entre Al. e sua mãe.

16. Tentando convencer (ainda!) a Alice (2.9.18) a fazer o cocô no penico

M.: Alice, você me disse hoje que é uma princesa. É verdade?

Al.: É, eu sô p(r)incesa! (a)

M.: Então, sabia que princesa faz o cocô no penico?

Al.: Ah é?.... Ah... então eu sô a b(r)uxa malvada! (b)

O episódio (16) oferece-nos a oportunidade de retomar o tópico da seção 3.1, já que encerra duas auto-predicações sucessivas. Auto-predicações, vale notar, antagônicas: eu sou princesa e eu sô a b(r)uxa malvada, inscritas num curto e certeiro diálogo, primoroso para quem observa a flexibilidade dos papéis assumidos por Al.. Vejamos.

A conversa, habilmente iniciada pela mãe: Alice, você me disse hoje que é uma princesa. É verdade?, leva a menina a declarar: É, eu sô p(r)incesa! (a). A resposta é prontamente aproveitada pela mãe que diz: Então, sabia que princesa faz o cocô no penico? Note-se que tal fala teria por efeito levar Al. a aderir a uma mudança de comportamento, não fosse o que se observa no surpreendente final do diálogo (b).

Neste, vê-se que a primeira predicação de Al. é retrabalhada (rebatida) pela criança, que assume novo ponto de vista, distante do que lhe oferecera M. como modelo. Com efeito, sua segunda predicação, precedida de uma exclamação (Ah é?...), exibe uma rápida e eloquente virada de posição: Ah... então eu sô a b(r)uxa malvada!, ato de fala que contem o operador argumentativo então, o mesmo que fora empregado pela mãe, mas aqui a serviço de sua (de Al.) própria vontade e interesse. Resta para a mãe, a surpresa e o desconcerto! Como pode ver o leitor, só se surpreende quem tem em pouca conta a capacidade da criança de, deslocando-se de posição, inverter o rumo da conversa...

Nesta linha de registro anedótico, permito-me encerrar com um diálogo que me intrigou primeiramente como interlocutora e depois como pesquisadora. Do primeiro ao último turno, sua análise solicita o jogo de representações (Vogt 1989)28. Vejamos.

17. A. (4;6.23) pega um anel do armário da mãe; pressentindo uma bronca, vai logo dizendo

A.: Oh mãe, eu não vou sumir este anel não... (a) (sumir = fazer/deixar sumir)

M.: Ai, Anamaria, você não tem sossego! (b)

A.: Mas cê esconde num lugar que eu consigo pegar... (c)

O turno (a) de A. exibe uma fala que antecipa uma reação da mãe, fato por si só interessante enquanto representação que a menina faz do outro. Isto, porém, não é tudo. Após a exclamação da mãe Ai, Anamaria, você não tem sossego!, A volta-se para ela com uma fala desconcertante.

Ao dizer Mas cê esconde num lugar que eu consigo pegar (c), a menina oferece à mãe uma saída para esta se proteger ou se prevenir de suas ações, numa espécie de contra-argumentação à intervenção materna (b). Feita numa direção só aparentemente no interesse do outro! - uma vez que, começando por um mas (palavra tão estudada pela ANL/Teoria da argumentação na língua), a enunciação da menina contempla, na verdade, a si mesma, e poderia ser facilmente encadeada com: Pare de se queixar, mamãe! Coloque as coisas fora do meu alcance!

Estes pequenos mas instigantes diálogos abrem-se para uma discussão que possibilita caminhar dos mais corriqueiros, como (8) - (10), a outros menos comuns, como o caso -para voltarmos a J.- das adivinhas inventadas por esta menina aos quatro anos de idade, expressão máxima de uma mudança de posição, já que, ao se apresentar-se como desafiante, a criança assume o comando de um jogo, endereçando ao adulto uma pergunta-enigma da qual só ela pode avaliar a resposta. Fica o leitor convidado a conhecer este jogo verbal em outra publicação (Figueira 2014).

4. Considerações finais

Exibimos, neste artigo, alguns domínios da expressão de agentividade em enunciados cujo interesse não reside apenas no fato gramatical (troca de sufixo: desenhora por desenhista; uso de intransitivo com aumento da valência do verbo: cê chorou eu), mas no ato de fala que encerram. Ignorar esse aspecto da cena enunciativa que se desdobra sob nossos olhos seria empobrecer a descrição, despojada de um traço não-acessório nem secundário, mas constitutivo de sua dimensão enquanto fato de língua. Ou de linguagem.

Por esta razão dotamos a análise de uma atenção aos atos de fala, buscando qualificá-los: alguns como contestação ou réplica, outros como assunção de responsabilidade ou divisão de mérito; outros como imputação de culpa; outros ainda, como atos de predicação a si mesmo (ou ao outro), e assim por diante. Procuramos abordar as falas atentando à situação de que procedem, um imperativo para o pesquisador que deseja contemplar os aspectos “criativos” da língua mas também do discurso. Ademais, um exercício que desconhece fronteiras entre semântica e pragmática.

A abordagem não se encerra aqui. Alinhada à metodologia que inclui além de excertos de gravação valiosos registros de diário, um comentário final se faz necessário. Embora anotações cuidadosas que acompanham a transcrição, declinando o tom de fala da criança: assertivo, hesitante, contestador, revoltado, piedoso, meigo, conciliador, suplicante, enraivecido, e tantas outras variações, prosodicamente marcadas, possam contribuir para tornar mais exata a interpretação a ser conferida ao enunciado, há pontos de dúvida que derivam da própria indeterminação que perpassa o domínio da interação. Assim, como distinguir entre uma proposta e uma sugestão? Uma súplica e um pedido? Uma constatação (ou queixa) e uma acusação? Uma ordem e um conselho? Um conselho e uma advertência? Uma suposição e uma opinião? Não seria esta uma questão a ser considerada, principalmente em se tratando da criança, cuja experiência com a linguagem e o trato social encontram-se em constituição? Eis uma indagação, que não pode deixar de ser levantada no contexto sempre aberto e desafiante que é o da investigação da lingua(gem) na infância.

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1 Este artigo retoma alguns tópicos de publicações resultantes da pesquisa apoiada pelo CNPq, ampliando-os e diversificando-os. Sou grata a esta instituição e aos pareceristas anônimos pela leitura criteriosa.

2Nem sempre informações contextuais dão conta de elucidar o que a criança quer dizer, podendo haver cenas de difícil interpretação (Figueira 2014).

3Para uma apreciação do legado de Austin (1962) no cenário brasileiro, ver revista DELTA, Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada 32(3), 2016.

4Imagem usada por Dascal, no período fecundo (anos 80-90), em que se discutia, no Departamento de Linguística/UNICAMP, o papel do contexto na descrição linguística.

5Na convocatória ao XVIII Congresso da ALFAL (Bogotá), realçamos (Rojas Nieto e Figueira 2016) publicações sobre interação, das primeiras às mais recentes.

6Exposta no Encuentro de Investigadores, dedicado à operação de repetição, realizado em ALFAL-Veracruz, no grupo de que participavam Ingedore Koch, Rosa Montes, Cecilia Rojas entre outras presenças marcantes.

7Adiante na seção 3.2, apresentaremos preferencialmente ocorrências do corpus de J., dados até agora inéditos. Destinam-se a mostrar como aspectos estruturais da língua afloram em situações da interação cotidiana, numa dinâmica que requer uma compreensão dos atos de fala que encerram.

8Usa-se o termo agentivo como designação geral para aquilo que, a partir de Benveniste (1948, ver adiante), será distinguido como agente ou autor.

9O fato descrito pelos autores inscreve-se numa teoria geral dos signos tributária de Saussure. No domínio dos nomes de profissão coexistem, num estado de língua, palavras que repousam sob o arbitrário absoluto, ao lado de outras relativamente motivadas. Somente nestas últimas o segmento fônico final corresponde a uma carga semântica relevante, enquanto procedimento recorrente da língua.

10Ver dado de Yara e de Alexander supracitados.

11Recolhido por C. Vieira e R. Cruz, este dado pertence ao corpus de Da., mas põe em evidência V., de quem já mostramos (Figueira 2001) outra impactante declaração: O ônibus é o pai dos carros e a ônibas é a avó (dos carros).

12Núcleo continuamente enriquecido por achados de colaboradores, alguns deliciosamente singelos: Quando crescer eu quero ser sorvetista (sorveteiro); outros revelando admiração por um ídolo: Quando crescer eu quero ser rockista (roqueiro).

13Caso paralelo é a predicação de Al.: Minha mamãe é linda e meu papai é lindono. Lindono evoca, como forma derivante latente lindona (Figueira 2017).

14Para recobrir ocorrências -previsíveis ou imprevisíveis- empregamos a expressão francesa mise en rapport, alternando-a com: “ao toque de relações”, ambas adequadas para refletir o movimento da língua na fala da criança.

15 Auza et al. (2001) encontraram: plantero (ad. jardinero).

16Respeitamos as convenções notacionais originais, mas adotamos as indicações editoriais da Lingüística.

17Para a noção de captura, De Lemos (2002).

18Para a denominaçãoato de predicação originalinspirei-me na análise deDucrot (1975)para a expressãoJe trouve que, publicada na revistaSemantikos.

19Atribui-se geralmente ao contexto o papel de recurso infalível para decidir a interpretação de um enunciado, discussão reservada para outro trabalho.

20Ver “casos obscuros” (Figueira 1986).

21Para informações sobre o papel da construção fazer + V no percurso do subsistema de causatividade por A., ver Figueira 1985, onde o leitor encontrará uma exemplificação de modos distintos de causação.

22Para ocorrências semelhantes a (8) - (11) no corpus de A., ver Figueira 1985. Para o fenômeno em outras línguas, ver Clark (2003).

23Observe-se que o objeto está implícito nas duas primeiras: A Tatá caiu (a mamadeira).

24Compare-se (11) com a próxima cena que envolve manipulação direta, dentro do mesmo padrão gramatical. J. (2;9.10) diz à M., que usara mercúrio-cromo em seu machucado. J.: Cê doeu eu!

25O processo pelo qual alguém faz algo pode incluir um agente desencadeador. Um exemplo clássico: no aprender pode estar envolvido o ensinar - modalidade próxima à causação assistiva (Shibatani e Pardeshi 2002). O resultado do feito: positivo ou negativo, adequado ou inadequado, oportuno ou deslocado, dependerá das circunstâncias particulares a cada situação em se movem os participantes de uma ação conjunta.

26Segundo Shibatani (1976), vontade, consciência, intenção e controle são sub-noções da noção (prototípica) de agentividade.

27Adotamos as convenções notacionais da revista Lingüística na apresentação do episódio recebido de Daniela Marini-Iwamoto, mãe da Al. e linguista, a quem agradecemos.

28Episódios de A., igualmente interessantes, integram o artigo de Carlos Vogt.

Nota de autoría: Rosa Attié Figueira é a única responsável pela elaboração completa desta pesquisa

Recebido: 20 de Março de 2018; Aceito: 18 de Novembro de 2018

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