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Lingüística

On-line version ISSN 2079-312X

Lingüística vol.34 no.2 Montevideo Dec. 2018

https://doi.org/10.5935/2079-312x.20180021 

In Memoriam

Suzana Alice Marcelino da Silva Cardoso1 (1937-2018) In Memoriam

Dinah Callou1 

1Universidade Federal do Rio de Janeiro


Foi com muito pesar que a comunidade científica recebeu a notícia do falecimento inesperado de Suzana Alice Marcelino da Silva Cardoso, ocorrido na manhã do dia 2 de maio de 2018.

Suzana Alice Valois Coutinho Marcelino da Silva Cardoso, como costumava chamá-la, de brincadeira, reunindo todos os seus sobrenomes de solteira e de casada, formou-se em Letras Neolatinas, na Universidade Federal da Bahia, em 1960, fez o Mestrado em Letras e Linguística, também na UFBA, em 1979, e, o Doutorado, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2002. Convivemos por mais de 60 anos, desde o final da década de 1950, contemporâneas no curso de Letras, naquela época, na antiga Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia, mais tarde, unidas pela amizade, formação e ideais comuns, mesmo que geograficamente distantes. Partilhamos várias experiências, bons e maus momentos, divergimos e concordamos, na prática pessoal e profissional.

Do seu curriculum vitae, na página da Plataforma LATTES/CNPq, constam informações resumidas sobre a sua atuação como linguista e sua intensa produção científica. As atividades desenvolvidas por Suzana Cardoso relacionam-se à condução da pesquisa linguística no país, como Presidente da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), de 1993 a 1995, a Coordenação do Grupo de Trabalho (GT) de Sociolinguística da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL), de 1992 a 1994, a participação, desde a sua fundação, da Associação de Linguística e Filologia da América Latina (ALFAL), a organização, na Universidade Federal da Bahia, de eventos acadêmicos, como o Simpósio sobre a Diversidade Linguística no Brasil, o Seminário Nacional sobre a Diversidade Linguística e o Ensino da Língua Materna, o I Congresso Internacional da Associação Brasileira de linguística (ABRALIN), a Jornada dos Dicionários2 e o Seminário Caminho e Perspectivas para a Geolinguística no Brasil, por ocasião do qual Suzana propôs o Projeto Atlas Linguístico do Brasil.

Recebeu o título de Professora Emérita pela UFBA, foi Diretora-Presidente do Comitê Nacional do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), Pesquisadora 1B do CNPq, atuava no programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura/PROPAP/UFBA e era Editora emérita da revista Estudos Linguísticos e Literários. Desde 2016, ocupava a cadeira 28 da Academia de Letras da Bahia e também era membro da Academia Mater Salvatoris, confirmando o viés religioso da versátil Suzana. Como celebrar a contribuição científica de Suzana Alice Marcelino da Silva Cardoso para o conhecimento do Português Brasileiro? Personalidade plural, não só no campo profissional, mas também no político e religioso, era extremamente ativa, desbravadora, firme e consistente nas suas ideias, e fazer um texto que seja um retrato, afetuoso e enaltecedor da sua carreira científica é um desafio.

Foi uma dialectóloga extremamente produtiva, com atuação recorrente na área do Léxico, coordenou e executou o Atlas Linguístico do Brasil, auxiliada por uma equipe que conseguiu congregar e manter. Personalidade agregadora - era chamada carinhosamente de Madre Superiora por toda a equipe - foi, sem dúvida, como bem lembrou Jacyra Mota, colega e amiga de todas as horas, sua parceira dos mesmos sonhos, seu braço direito, a pessoa do nosso grupo original da Faculdade aquela que soube levar adiante o legado de Nelson Rossi de criar uma mentalidade dialetológica entre nós e realizar o sonho, tantas vezes adiado, de realizar um Atlas Linguístico do Brasil (ALiB). Este Atlas já conta, hoje, com a publicação dos dois primeiros volumes - o de introdução e o das primeiras cartas linguísticas3, referentes a 25 capitais brasileiras4.

A programação dos volumes seguintes - com a análise dos dados que constam das 159 cartas publicadas e daqueles ainda em análise, e a inclusão de todas as localidades que constituem a sua Rede de Pontos - mostra a vitalidade do Projeto e o acerto de sua proponente.

Natural de Jacobina, cidade do extremo norte da Chapada Diamantina, do Estado da Bahia, sempre exaltou suas origens. Seguia o lema do dialetólogo Manuel Alvar: “Permanecei fiéis à chamada da terra!”, haja vista a publicação, em 2015, de Alfredo de Deus, Alfredo dos pobres. Trajetória de um santo monge cisterciense em terras de Jacobina. E ainda escreveu um romance, publicado no ano passado, que traz referências, sem dúvida, a sua terra natal: “Casa-de-Nós-Todos. Um umbuzeiro sem umbuzada”, Salvador, Quarteto Editora. E cabe, ainda, como afirmou Jacyra, no pré-lançamento do Livro “Diversidade Linguística em Comunidades Tradicionais”5, em sua homenagem, da Pontes Editora, lembrar a cidadã Suzana Cardoso, atenta às desigualdades e aos preconceitos, que assim se expressa em um trecho do poema intitulado “Meu mundo”, em Re-trato6, obra dedicada à sua família e à infância na cidade onde nasceu.

(...)

Eu queria construir um mundo

de igualdade de direitos.

sem uniformidade no viver.

(...)

Um mundo de hoje,

que respeitasse o do amanhã.

Um mundo de todos,

mas de cada um.

A história de Suzana Alice se confunde com a do Instituto de Letras e da própria UFBA. Graduada em 1960, ingressou nos quadros do curso de Letras como docente em 1963, no qual formou inúmeras gerações de professores e pesquisadores. Em 1992, integrou a Lista Sêxtupla para escolha de Reitor da Universidade Federal da Bahia. Aposentada desde novembro de 2007, mantinha atuação ativa na Pós-graduação, orientando e dirigindo o importante projeto de pesquisa de âmbito nacional, o Projeto ALiB (Atlas Linguístico do Brasil), do qual era Diretora-Presidente desde o início. Sua participação no meio acadêmico sempre foi plena, com engajamento político nos movimentos reivindicatórios docentes e discentes ao longo de toda a sua carreira como servidora pública, atuando junto à Associação dos Professores da Bahia (APUB)7, que ajudou a fundar. A atividade acadêmico-administrativa e a produção científica de Suzana Alice não a afastaram, em nenhum momento, entretanto, da sala de aula. Os seus alunos, tanto os da graduação como os da pós-graduação foram seus receptores e inspiradores.

A Universidade Federal da Bahia que a acolheu desde a juventude, o Instituto de Letras, que ela ajudou a criar a partir de 1968 e lutou para a construção de sua sede no campus de Ondina, a família ALiB, seus colegas e amigos sempre irão sentir a sua falta. Seu exemplo e sua contribuição para o conhecimento da língua portuguesa irão permanecer e estarão sempre à disposição dos atuais e dos futuros pesquisadores da nossa língua.

Para terminar, acrescento observações de outra colega e amiga de sempre, Carlota Ferreira:

A ausência definitiva de uma companheira de trabalho pode ser suavizada, com esforço, ao se dar continuidade ao próprio trabalho. É uma maneira, sem dúvida, de homenageá-la. Mas se, coincidentemente, parte a amiga com a qual convivemos durante 60 anos, o vazio nunca será preenchido. Nossas vidas foram muito compartilhadas. Não têm mais eco: ideias, sugestões, propostas, confissões, dúvidas, desabafos...

E continuo. A maior homenagem que podemos fazer a pessoas como ela é continuar seu trabalho, seguir seu exemplo e dar conta de tarefas urgentes que só podem ser levadas adiante coletivamente. E vale repetir o que lembrei na necrologia a Rosa Virgínia Mattos e Silva, sua companheira de sala na Graduação e colega no Instituto de Letras da UFBA, citando um trecho do Livro das Aves: “Ca o que bõõ he sempre sse paga da bõa cõpanha pera aprender sempre deles bõõs custumes e boas façanhas”.

1 Agradeço a colaboração de Jacyra Mota e Carlota Ferreira

2As Jornadas dos Dicionários, que ocorrem, periodicamente, em diversos países, foi realizada conjuntamente com a Université Paris 13, com a qual a UFBA mantém intercâmbio até hoje, através do projeto CAPES-COFECUB.

3Cf. Cardoso, Suzana et al. Atlas Linguístico do Brasil, v. I e II. Londrina: EDUEL, 2014.

4Duas capitais — Brasília e Palmas — por razões metodológicas, não foram incluídas na Rede de Pontos do Atlas Linguístico do Brasil.

5Obra organizada por Marilúcia Oliveira, Romário Sanches e Edmilson de Sá e em fase de lançamento pela PONTES.

6CARDOSO, Suzana Alice Marcelino da Silva. Re-trato. Salvador: Quarteto, 2007. p. 136.

7Hoje APUB - Sindicato dos professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia.

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