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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.34 no.2 Montevideo dic. 2018

https://doi.org/10.5935/2079-312x.20180020 

Artículos

História da linguística e retórica revolucionária

History of linguistics and revolutionary rhetoric

Ronaldo de Oliveira Batista1 

1Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP/Brasil) ronaldo.obatista@gmail.com


Resumo:

Este texto trata de três questões: (i) a natureza narrativa da história como registro de acontecimentos; (ii) o papel da retórica na seleção e explicação de fatos históricos na linguística; (iii) a construção do papel de líder revolucionário nos estudos sobre a linguagem e sua recepção brasileira. Para tanto, a Historiografia da Linguística será o eixo teórico-metodológico condutor das reflexões que serão propostas, em diálogo com uma Filosofia e Teoria da História. Um estudo de caso acompanha as reflexões teóricas, com destaque para a análise da elaboração da imagem histórica de Noam Chomsky como líder revolucionário, tal como simbolicamente representado nas obras As ideias de Chomsky e Revolução na linguística. A discussão aponta para uma avaliação crítica dos tipos de historiografia elaborados ao longo da história da ciência da linguagem e sua contribuição para a reflexão sobre a história e suas representações.

Palavras-chave: Historiografia da Linguística; Retórica; Revolução Científica; Noam Chomsky

Abstract:

It is intended to raise three questions: (i) the narrative nature of history as a record of events; (ii) the role of rhetoric in the selection and explanation of historical facts in Linguistics; (iii) the “revolutionary leader” role construction in the language studies and its Brazilian reception. For that, the Historiography of Linguistics will be the theoretical-methodological axis and will conduct proposed reflections, within Philosophy and Theory of History. A case study follows the theoretical reflections, emphasising the analysis of the elaboration of the historical image of Noam Chomsky as “revolutionary leader”, as symbolically represented in the worksAs ideias de Chomsky Chomsky's ideas and Revolução na linguística Revolution in Linguistics in his Brazilian translations. The discussion points to a critical evaluation of the types of historiography elaborated throughout the history of the science of language and its contribution to the reflection on history and its representations.

Keywords: Historiography of Linguistics; Rhetoric; Scientific Revolution; Noam Chomsky

1. Introdução

Este artigo pretende discutir: (i) a natureza narrativa da história como registro de acontecimentos; (ii) o papel da retórica1 na elaboração de discursos persuasivos na seleção e explicação de fatos históricos na ciência da linguagem; (iii) a elaboração retórica do papel de Noam Chomsky como líder de uma alegada revolução nos estudos sobre a linguagem, tendo em vista a recepção brasileira desse papel no contexto da linguística da década de 1980.

Para tanto, a Historiografia da Linguística será o eixo teórico-metodológico condutor das reflexões propostas, a partir do uso de categorias como: a) camadas técnica, teórica e contextual-institucional (Swiggers 2017) - que visam à caracterização de um programa de investigação e sua circunscrição social em grupos de especialidade; b) retórica - os discursos persuasivos a partir dos quais se percebe e se divulga o saber sobre a linguagem (Batista 2015, 2016, 2017, 2018a, 2018b); c) tipos de história - que definem modos por meio dos quais se observa a história e, assim, se elabora uma historiografia (Koerner 2014).

Ao lado dessas categorias que sustentam a análise aqui empreendida, elementos teóricos advindos da Filosofia e Teoria da História são considerados também, tendo em vista a compreensão do registro historiográfico como elaboração de uma narrativa.

Dois materiais específicos serão analisados para ilustrar a reflexão: os livros Revolução na linguística (Blecua 1979) e As ideias de Chomsky (Lyons 1983), que destacaram uma imagem de revolução linguística na proposição da Gramática Gerativa (no modelo chomskiano da década de 1960), sob liderança de Noam Chomsky a partir da segunda metade do século XX.

Os aspectos destacados para discussão no início deste texto delineiam a divisão da reflexão em suas partes: uma primeira que trata da narratividade na reconstrução histórica; uma segunda que problematiza o papel da retórica, no sentido adotado em Historiografia da Linguística (Batista 2015, 2016, 2017, 2018a, 2018b); uma terceira que se vale da recepção brasileira às ideias de Noam Chomsky e da Gramática Gerativa (no contexto dos anos 1960-1980) para um estudo de caso sobre a elaboração retórica de revoluções na narrativa historiográfica.

Uma conclusão coloca em discussão, ao lado da síntese do que se pretendeu apresentar neste artigo, os modelos de historiografia e seu papel na reconstrução da história de um campo intelectual e/ou científico, tendo em vista iniciar uma discussão sobre o impacto gerado por retóricas na história da linguística.

2. História como registro e elaboração narrativa

A condição de narratividade do texto histórico foi discutida em importantes ensaios sobre a filosofia e a teoria da história (cf., por exemplo, Hegel 1883-1836 1996; Ricoeur 1968; Schaff 1995; Dosse 2003; Malerba 2016 2).

Pensar o registro histórico como produção discursiva localizada subjetivamente (sem que com isso se entenda falta de critérios teóricos e metodológicos em torno de procedimentos científicos)3 é tarefa de natureza epistemológica que coloca em posição suspeita a busca de objetividade total e neutralidade absoluta de uma análise histórica que teria de descrever os fatos sem espécie alguma de interferência do ponto de vista do historiador4.

Tal visão positivista sobre o registro histórico dominou a perspectiva definidora do fazer histórico, por exemplo, no século XIX5, ainda que Hegel6 tenha alertado para o caráter seletivo de toda análise e discurso históricos, pois estes partem essencialmente de um processo de seleção de objetos analíticos.

Essa visão do filósofo contribui para que possamos reforçar uma perspectiva contemporânea sobre a atividade historiográfica, que reforça a ausência de isomorfia entre história (conjunto de eventos situados temporalmente em uma cultura e sociedade) e historiografia (entendida como narrativa que se elabora sobre a história)7.

De qualquer modo, reconhece-se, como o fez Schaff em texto de 1971, que haverá sempre uma tensão, de natureza talvez insolúvel, entre a oposição subjetivo vs. objetivo na elaboração das narrativas históricas, exigindo do historiador olhar atento diante de possíveis desvios e incongruências de julgamentos por demais pessoais e enviesados8.

Nesse sentido, compreende-se que a elaboração de uma narrativa historiográfica é circunscrita a seu momento histórico e aos objetivos do historiador. Essa perspectiva implica ressaltar o caráter de narratividade de uma análise e de um texto históricos, produtos da seleção e da interpretação de um historiador que operou recortes e definiu parâmetros de análise. Uma atividade historiográfica, portanto, que precisa ser compreendida em meio ao discursivo da produção intelectual (resultante de um ponto de vista que se assume) e à necessidade de critérios metodológicos de observação que garantam a natureza científica e não enviesadamente pessoal de uma interpretação sobre eventos da história.

Há, assim, uma construção dinâmica de um fato histórico (elaborado narrativamente no discurso do historiador), selecionado e legitimado pela narrativa histórica. Essa visão considera uma narrativa historiográfica como produto discursivo, elaborado e construído a partir de propósitos variados daquele que se coloca na posição do historiador. Faz-se eco, por conseguinte, à reflexão - destacada por Schaff (1995: 141) - de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) no Emílio ou Da Educação (1762), para quem “é inevitável que os fatos descritos na história não sejam a imagem exata dos mesmos fatos tais como aconteceram: mudam de forma no pensamento do historiador, moldam-se aos seus interesses, tomam a cor dos seus preconceitos”.

Essas considerações nos parecem suficientes para apoiar uma posição que entende o registro e a análise históricos como produção discursiva a respeito de um fato histórico. Essa produção discursiva é, assim, uma elaboração retórica, no sentido de que é uma escrita cujo objetivo é ressaltar um fato e agentes em meio a tantos outros, e, portanto, convencer e persuadir em torno das escolhas feitas pelo historiador.

Desse modo, há uma elaboração narrativa no registro histórico, não como invenção, mas como produção discursiva que busca alcançar determinados sentidos que são do interesse do historiador produzir. Há, portanto, na atividade historiográfica, um componente retórico, de enunciação persuasiva, que nos interessa destacar neste artigo9. Para isso, vamos associar a noção de história como narrativa orientada de acordo com interesses do historiador à noção de retórica como entendida em Historiografia da Linguística (Batista 2015, 2016, 2017, 2018a, 2018b), para argumentar que registros históricos sobre a história dos estudos da linguagem são também, para além de seu valor descritivo documental, elaborações narrativas que procuram persuadir os leitores de determinados aspectos que são do interesse daquele que escreve uma história ressaltar e destacar.

Essa reflexão não deixa de se relacionar com a classificação dos tipos de história proposta por Koerner (2014: 20-21), na qual uma historiografia pro-domo seria aquela historiografia que procura ressaltar, em detrimento de outras considerações que lhe seriam necessariamente complementares, uma teoria/um autor/um programa de investigação com ideal propagandístico. Nesse tipo de historiografia, há um viés muito acentuado para destacar fatos históricos como únicos, originais e à parte do desenvolvimento histórico, ou seja, como uma verdadeira revolução na produção do conhecimento.

3. Retórica em Historiografia da Linguística e a elaboração de imagens simbólicas10

Entende-se “retórica” em Historiografia da Linguística como uma manifestação linguístico-discursiva, em busca de persuasão, de um agente da produção ou recepção de estudos sobre línguas e linguagem, circunscrito a um programa de investigação (Swiggers 2004) e a um grupo de especialidade (Murray 1994).

Essa prática enunciativa se faz por meio de um gênero discursivo específico e de atos de fala que estabelecem rupturas ou continuidades, pertencimentos ou exclusões a comunidades intelectuais e/ou científicas, em um eixo histórico de desenvolvimento de ideias e saberes.

Essa retórica é veiculada em modalidades enunciativas associadas a imagens simbólicas (ethos) elaboradas discursivamente e produzidas pelos próprios atos de fala (imersos nos efeitos de sentido implicados no que se considera como ideal científico ou intelectual em uma época), engendrados em um contexto social e ideológico, que define cada ato enunciativo como singular e específico, a partir de um sujeito enunciador da linguagem (e também de um sujeito coenunciador, como interlocutor de discursos), inserido em um embate de forças entre a transparência (efeito de sentido) e a opacidade da linguagem11.

Considerar retórica como elemento pertinente a análises historiográficas traz como consequência a afirmação de que a ciência e o conhecimento intelectual devem ser situados em um panorama histórico e também sociológico, pois se entende ciência (ou a produção intelectual) como produto de uma situação social específica, que pode ser observada nos meios de troca do conhecimento, que passa a adquirir valores a serem alcançados ou negados, um capital reconhecido pelas comunidades de pesquisadores e intelectuais.

Analisar qual o papel da retórica na legitimação de ideias linguísticas é, a nosso ver, tarefa que pode ser executada a partir de um quadro sociorretórico.

Esse quadro de análise considera que os discursos produzidos em situações específicas de interação verbal em torno da produção intelectual e científica no campo dos estudos da linguagem apresentam padrões que caracterizam, por sua vez, modos de interlocução e sua circunscrição social.

Interessam a esse quadro, entendido como recurso analítico para compreender a história da linguística, tarefas do seguinte tipo:

  • a) compreender como se constrói a legitimidade de um saber por meio do discurso adotado por agentes históricos da produção e recepção de ideias linguísticas;

  • b) analisar recursos linguísticos e argumentativos utilizados na elaboração de retóricas de ruptura ou de continuidade;

  • c) interpretar os saberes, e o discurso que veicula esses saberes, em sua circunscrição histórica, social e ideológica.

Considerar o quadro sociorretórico como ferramenta de análise em Historiografia da Linguística leva em conta observar as seguintes categorias que podem permitir a análise de retóricas adotadas:

  • a) contexto histórico de produção e recepção de retóricas;

  • b) modos de divulgação da retórica;

  • c) imagens simbólicas produzidas pela retórica (ethos);

  • d) relações polifônicas estabelecendo confluências e pertencimentos históricos a comunidades científicas e intelectuais presentes na retórica adotada;

  • e) estratégias de argumentação na elaboração retórica;

  • f) estrutura textual da retórica e o que ela evidencia de interesses e pressupostos.

A partir desse quadro de análise, pretende-se compreender de que modo se elabora um discurso histórico sobre revoluções científicas nas ciências da linguagem. Ou seja, parte-se do pressuposto de que o discurso sobre a história, elaborado por autores que pretenderam de algum modo refletir sobre ou apresentar ideias linguísticas historicamente situadas, é construído retoricamente, distante, portanto, de uma imagem de neutralidade assumida por certo discurso histórico principalmente após as correntes historiográficas do século XIX.

Nesse sentido, a retórica adotada por autores, ao divulgar a obra de um determinado linguista (em um contexto histórico específico), engendra, por ela mesma, a imagem histórica desse cientista considerado, por exemplo, como revolucionário e inovador no campo de conhecimentos em que se situa.

Cabe, ainda, ressaltar a necessidade de observar com cuidado o que historicamente se considera ou se determina como revolucionário em tradições de pesquisa. A noção de revolução como uma onda que elimina e desconsidera o passado em absoluto precisa ser relativizada, pois as revoluções talvez sejam muito mais obra de uma retórica revolucionária do que de uma revolução de fato (cf. Koerner 2002: 151-209; 2014: 175-274).

Em seu clássico de 1978, Laudan é um dos filósofos da ciência que coloca em suspeição a noção de revolução científica12, destacando que as assim alegadas grandes transformações na história da ciência estão, muitas vezes, em relação direta com aqueles conjuntos de saberes que elas pretendem retoricamente superar e ultrapassar.

Sendo assim, a própria reconstrução de uma história e dos agentes dessa história são produtos da retórica de autores que em seu discurso elaboraram imagens simbólicas que sustentam um ethos específico, com valor persuasivo quando passa a figurar no quadro descritivo e explicativo do desenvolvimento histórico de uma área e de uma disciplina (cf. Joly 2007).

No próximo item, elementos do quadro sociorretórico serão considerados na análise de dois livros13 que fixaram uma imagem simbólica de líder revolucionário para Noam Chomsky. Esses livros (traduzidos e publicados no Brasil na década de 1980) não se definem exatamente como história da linguística, mas ao apresentar e discutir ideias de Chomsky o fazem em uma circunscrição histórica; desse modo, pode-se argumentar que os livros acabam por propor uma história de um período da ciência da linguagem.

As duas traduções foram publicadas num momento da história da linguística brasileira que experienciava a forte presença do programa de investigação da Gramática Gerativa (principalmente articulado em torno do modelo padrão presente em Aspects of the Theory of Sintax, publicado por Chomsky na década de 1960) nos estudos linguísticos no Brasil, tanto que foi nas décadas de 1970 e 1980 que se pôde observar uma concentrada publicação em torno das propostas gerativistas no modelo padrão (Batista 2010, 2015).

Na próxima seção, contextualiza-se a linguística brasileira da década de 1980 e a presença do programa da Gramática Gerativa para, em seguida, analisar de que modo os dois livros selecionados contribuíram para fortalecer no Brasil uma imagem de revolução científica em torno de Noam Chomsky.

4. A recepção brasileira às ideias de Chomsky: história e retórica revolucionária

4.1. Chomsky e o programa da Gramática Gerativa14 em sua recepção no Brasil15

No contexto das ideias linguísticas dos anos 1960-1970, a Gramática Gerativa chomskiana, em seu modelo padrão, definia-se como um programa de investigação que assumia sua visão de língua e seus procedimentos metodológicos específicos fundamentalmente em torno do estabelecimento de uma concepção inatista da linguagem humana e de princípios operatórios que procuravam descrever e caracterizar o componente biológico (a gramática universal) capaz de gerar a produção e compreensão de unidades linguísticas de diferentes línguas.

A recepção das ideias de Noam Chomsky, o reconhecido fundador da Gramática Gerativa (principalmente por meio dos seus textos de 1957 e 1965), nos Estados Unidos e na Europa veio acompanhada de uma intensa retórica revolucionária, que estabeleceu ruptura com o estruturalismo norte-americano bloomfieldiano e com outras formas de descrição gramatical e de estudos linguísticos que até as décadas de 1950-1960 eram os correntes e mais produtivos. Historicamente, muitos atribuíram a Chomsky o papel de líder revolucionário e passou-se a considerar, em muitos círculos e por meio de muitos linguistas e historiadores da linguística, a presença de uma nova revolução científica na ciência da linguagem, superando aquela que teria se estabelecido por meio de Ferdinand de Saussure (cf., por exemplo, Newmeyer 1986, 1996)16. Nesse sentido, a camada contextual em que se inseriram os primeiros momentos de recepção à Gramática Gerativa, nas décadas de 1950-1960, nos Estados Unidos e na Europa, foi turbulenta e envolta nas imagens da ruptura e da revolução científica (cf. Harris 1993). No Brasil, esse contexto de recepção das ideias de Chomsky não foi muito diferente.

Considera-se o ano de 1967 como o marco da recepção brasileira à Gramática Gerativa, por conta da publicação da resenha da linguista Miriam Lemle para o livro de Chomsky Aspects of the Theory of Sintax, de 1965.

Em uma resenha de destacada retórica de ruptura, Lemle (1967) apresentava o programa da Gramática Gerativa (no modelo padrão) em tom de descontinuidade e novidade (cf. Batista 2010, 2015). Pode-se dizer que a partir dessa resenha o Brasil estava inserido em um contexto científico que identificava as ideias de Chomsky como inovadoras e revolucionárias.

Essa inserção do Brasil em um grupo que considerava Chomsky e suas ideias (tal como propostas nos anos 1960 e 1970) como revolucionários deve ser compreendida no contexto de uma ciência linguística que se fazia no Brasil da década de 1960 até pelo menos a década de 1980 e que foi essencialmente uma ciência de recepção (a prolongar a caracterização feita por Coseriu para a linguística latino-americana em 1976), marcada pela adoção de teorias e métodos a dados do português (Altman 1998: 131) e muitas vezes perseguindo as modas linguísticas (Castilho 1972-973: 511), conforme elas iam aparecendo nos centros reconhecidamente produtores de pesquisa original, principalmente localizados na Europa e nos Estados Unidos17.

Dessa recepção inicial em 1967, grupos se formaram, pesquisadores se estabeleceram no quadro teórico-metodológico do programa da Gramática Gerativa em seu modelo padrão, livros foram traduzidos e escritos por linguistas brasileiros, artigos foram publicados, pesquisa foi produzida e se ampliou o número de cursos que iniciavam alunos no programa gerativista (Batista 2007, 2010)18.

A recepção nas décadas de 1970 e 1980, no Brasil, foi marcada pela empolgação e pela adoção, pelos linguistas que se filiaram ao programa gerativista, do princípio de que de fato se estava diante de uma revolução, a revolução chomskiana.

Quando uma pessoa medianamente inteligente e intelectualmente sincera lê um trabalho iluminador, sente o desejo de compartilhar a experiência pensante com colegas. Para mim, ler Syntactic Structures foi uma experiência pensante sensacional, um momento desses muito raros na vida. Foi em 1962 que esse livrinho chegou às minhas mãos, lá no Museu Nacional do Rio de Janeiro . Recursividade e transformações sintáticas já estavam lá. Certamente o fino livrinho azul da Mouton chegou às mãos de outras pessoas no Brasil. Algumas entenderam que estava ali uma nova visada sobre língua. Outras não entenderam. As que entenderam e amaram foram o marco introdutório, sem nome e sem oficializações ainda. Houve também as que entenderam e não amaram, porque entenderam que aquilo mexia com os alicerces do ensino escolar de línguas. Depois veio Aspects of the Theory of Syntax, o segundo passo no empreendimento de focalizar o cerne da capacidade humana de linguagem: a natureza gerativa da sintaxe. (Depoimento pessoal, citado em Batista 2007)

Não sei se houve propriamente um marco do início do programa gerativista no Brasil . Nos finais dos anos 1960, houve um artigo da Miriam Lemle na Tempo Brasileiro que foi bastante influente. Foi através dele que eu, por exemplo, fiquei sabendo alguma coisa a respeito da Gramática Gerativa. Logo depois houve os primeiros cursos de Gramática Gerativa; além da Miriam na UFRJ, posso citar os de Carl Harrison e John Martin, por exemplo, nos Institutos de Linguística realizados em São Paulo, Salvador e Belo Horizonte (1969-1970). Nessa época começaram a surgir os primeiros trabalhos de pesquisa - as teses de doutorado de Mary Kato e Leila Barbara e a tese de livre-docência da Eunice Pontes. Esses foram os primeiros professores de Gramática Gerativa no Brasil. Tudo aconteceu bem rápido, mais ou menos de 1968 a 1974. Em 1972-1974, chegaram os primeiros brasileiros com doutorado nos EUA: o primeiro foi o Antonio Carlos Quícoli, que foi trabalhar na Unicamp. O segundo fui eu, que cheguei em fevereiro de 1974 para a UFMG. Logo depois tivemos Yonne Leite e Margarida Basílio (UFRJ). Nessa época apareceram mais alguns estrangeiros (principalmente americanos): Anthony Naro (UFRJ), Quentin Pizzini (Unicamp e PUC-Campinas). (Depoimento pessoal, citado em Batista 2007)

Por toda a década dos 70, desse primeiro impulso saíram dissertações de mestrado, teses de doutorado, inúmeros trabalhos que, embora publicados bem poucos, circularam entre os “iniciados” e se divulgaram em sessões específicas nos encontros científicos nacionais (SBPC) e regionais (GEL-SP). (Franchi 2004: 452)

De acordo com Batista (2010), o grupo de especialidade brasileiro produziu, publicou e divulgou trabalhos que seguiam linhas de reflexão e de aplicação metodológica semelhantes ao que se fazia em centros de pesquisa localizados no exterior. O que se pesquisou no Brasil acompanhou a determinação de temas privilegiados em trabalhos e abordagens que eram recebidos pela comunidade incipiente de pesquisadores nacionais em Gramática Gerativa. Tal aspecto foi visto, em contraponto a uma retórica revolucionária positiva em relação ao programa gerativista, de forma negativa por alguns pesquisadores.

A meu ver não houve desenvolvimento do gerativismo no Brasil. Durante todo o período, o que se fez foi seguir modelos, discutir problemas e propor soluções inspiradas diretamente no que se fazia no estrangeiro, principalmente nos EUA e, a partir de 1980, também na França, Holanda... (Depoimento pessoal, citado em Batista 2007)

A necessidade de comparação entre as línguas e a necessidade de descrições teoricamente homogêneas para essas comparações exigiu que os pesquisadores se debruçassem sobre determinados aspectos da língua portuguesa. O curioso é que a seleção dos problemas a serem estudados é determinada fora daqui. (Depoimento pessoal, citado em Batista 2007)

Foi exatamente nesse contexto de efervescência acadêmica em torno das alegadas (negadas ou assumidas como) novidades da Gramática Gerativa que a linguística brasileira se viu orientada, ao lado de outros programas de investigação que eram empreendidos no Brasil, para uma produção em torno das ideias de Chomsky.

Entre os muitos (tendo em vista o contexto nacional limitado de publicação em ciência no Brasil) artigos e livros publicados, dos manuais traduzidos (cf. Batista 2007), destacamos a publicação de dois livros que tiveram como objetivo principal situar as ideias de Chomsky na linguística que se produzia nas décadas de 1970 e 1980. Os dois livros foram traduzidos no final da década de 1970 e no início da década de 1980, evidenciando que os anos oitenta seriam de intensa presença da imagem simbólica de Chomsky como líder de uma revolução que se estabelecia na ciência da linguagem da época.

Nos próximos itens, vamos analisar de que modo esses livros elaboraram e divulgaram essa imagem de revolução, considerando o discurso produzido nesse material como a elaboração de uma retórica revolucionária que engendrou imagens de revolução e descontinuidade na história da linguística.

4.2. Chomsky e sua linguística em As ideias de Chomsky

Na tradução brasileira de As ideias de Chomsky, de John Lyons, o texto informativo na 4a. capa - que tem a função persuasiva de chamar a atenção de potenciais leitores - adota uma retórica que destaca o papel de ruptura da linguística de Chomsky.

A ciência da linguagem é considerada em um momento crucial - revolucionário, como se pode entender implicitamente - diante do prometido alcance teórico que a proposta de Chomsky apresentava ao leitor brasileiro do início da década de 1980 (ecoando mesma promessa da edição inglesa original do início da década de 1970). Se outras contribuições dos estudos linguísticos na época são brevemente mencionadas, é o lugar retórico19 de qualidade20 que marca o breve texto da 4a. capa, que indica também os diálogos interdisciplinares da Gramática Gerativa com campos que possuem em sua imagem simbólica o valor do capital científico. Não à toa, a tradução brasileira, da editora Cultrix, inseriu o volume sobre Chomsky (seguindo o mesmo procedimento da editora inglesa original) na coleção “Mestres da Modernidade”.

Chomsky, assim, era situado, no projeto editorial, ombro a ombro com intelectuais como Marshall McLuhan, Jung, Popper, Lévi-Strauss, Marcuse, Freud, Reich, Wittgenstein, Lukács, Bertrand Russel, Laring, Weber e Einstein. Sem dúvida, para o projeto encampado pela editora brasileira, Chomsky estava alçado ao posto de grande intelectual, resultado da forte presença do linguista no cenário acadêmico da década de 1970 e do impacto que sua proposta da Gramática Gerativa teve no Brasil, já no final da década de 1960 (marco da recepção brasileira à sua proposta de ciência da linguagem).

Fazer parte da coleção com nomes como Freud e Einstein já conferia ao espaço ocupado pelo linguista e pela imagem simbólica que ele representava um argumento de inegável valor de autoridade intelectual e relevância científica. Nesse sentido, estava estabelecido o lugar de qualidade necessário para validar em termos qualitativos a importância da tradução do texto de John Lyons, no contexto da linguística brasileira da década de 1980, que tinha como um de seus programas de investigação de maior destaque exatamente o da Gramática Gerativa, como apontamos.

A tradução é do início da década de 1980 e foi feita por Octanny Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg, a partir do original inglês Chomsky, publicado pelo conhecido linguista inglês John Lyons em 1970, em uma coleção que também destacava, na editora de publicação original, o lugar do “mestre da modernidade”. Essa coleção era denominada “Fontana Modern Masters” e foi dirigida por Frank Kermode.

No Brasil, as duas primeiras edições da tradução foram coeditadas com a Universidade de São Paulo, o que indica também a presença de um capital de valor simbólico para a tradução, pois esta vinha referendada pela casa editora de uma das mais respeitadas instituições de ensino universitário e pesquisa no Brasil. As condições externas, portanto, em que a iniciativa da tradução estava circunscrita garantia não só prestígio para o livro, como o inseria numa dimensão acadêmica e intelectual que automaticamente o legitimava.

Na retórica de Lyons, captada pelos fragmentos que seguem, pode-se observar como recurso argumentativo o lugar da qualidade, atribuído a Chomsky, reforçado pelo uso de elemento caracterizador de conotação positiva (singular): ao linguista, Lyons atribuía um espaço exclusivo não apenas na linguística de sua época, mas também na história da ciência da linguagem. Como típico na retórica revolucionária que se associou à divulgação do pensamento de Chomsky, o uso das variadas formas morfológicas associadas ao substantivo “revolução” e ao verbo “revolucionar”.

No discurso histórico que Lyons construiu na caracterização da imagem simbólica de Chomsky, o novo foi ressaltado pelo comentário feito a respeito da idade do linguista norte-americano na época. Um ethos do jovem, inovador e competente cientista é delineado e divulgado para os leitores. Observe-se também que a legitimação das ideias linguísticas de Chomsky é elaborada: estando “certa ou errada”, as proposições teóricas da Gramática Gerativa já estavam validadas por si mesmas diante da influência que exerciam.

Mais uma vez, a retórica de Lyons é aquela que valida a presença do programa chomskiano ao mesmo tempo em que difunde um ethos privilegiado a Chomsky. A validação argumentativa no discurso de Lyons é tão presente que uma imagem negativa é atribuída àquele que ignorasse Chomsky e seu programa de investigação. Sem dúvida, um recurso argumentativo altamente persuasivo, interpelando o leitor a aderir à retórica que destacava a ruptura e a novidade a partir da linguística chomskiana, que no discurso de Lyons adquiria o status de um divisor de águas na própria história da linguística.

Chomsky é uma figura singular não apenas no panorama da linguística de nossos dias mas, talvez, em toda a história dessa disciplina. Seu primeiro livro, publicado em 1957, embora pequeno e relativamente despido de aspectos técnicos, revolucionou o estudo científico da linguagem. Hoje, contando Chomsky pouco mais de quarenta anos, ele fala com autoridade ímpar acerca de todos os aspectos da teoria da gramática. (Lyons 1983: 11)

Certa ou errada, a teoria gramatical de Chomsky é inegavelmente a que mais influência exerce e a que se destaca pelo seu dinamismo - e não há estudioso atualizado que se possa dignar a ignorar as contribuições teóricas trazidas pelo autor de Syntactic Structures. Qualquer “escola” de linguística, em realidade, tende a ser caracterizada, na atualidade, em termos da relação face a certas questões específicas que mantém com a posição adotada por Chomsky. (Lyons 1983: 11)

... a influência de Chomsky vem sendo presentemente sentida em diferentes áreas do conhecimento. Até agora, entretanto, o setor mais profundamente afetado pela “revolução chomskyana” é o estudo da linguagem ... (Lyons 1983: 14)

Cabe aceitar ou rejeitar seus argumentos, mas não cabe ignorá-los. E quem quer que deseje seguir e avaliar o peso desses argumentos deverá estar preparado para enfrentar Chomsky em seu próprio campo - o da linguística, ou investigação científica da linguagem. (Lyons 1983: 16)

Nos fragmentos a seguir, pode-se perceber como a retórica de Lyons elabora argumentativamente a inscrição de Chomsky na história da linguística. O lugar de qualidade é o que mais se apresenta retoricamente, inclusive acompanhado de um lugar de quantidade21, em que se destaca a impressão, nas entrelinhas do discurso de Lyons, que Chomsky causava nos anos 1970.

Ainda se verifica como Lyons fez uso do espaço institucional assumido por Chomsky - o prestigioso centro acadêmico e tecnológico do MIT, uma das cidadelas da ciência moderna - para retoricamente reforçar a legitimidade das ideias defendidas no programa gerativista chomskiano da época.

Como foi comum na retórica revolucionária daqueles que advogaram um lugar histórico muito específico para Chomsky, o vínculo da linguística com as humanidades era revisto. Fazer parte de um conjunto de saberes - as ciências naturais e exatas - conferia uma caracterização particular à proposta gerativista, que passava a incorporar as imagens simbólicas da ciência e do pensamento racional.

Mais uma vez, a retórica presente no discurso de revisão histórica que Lyons propunha assumia como uma de suas mais evidentes estratégias o estabelecimento de lugares de qualidade, evidenciados por breves comentários que aludiam à inserção social que o pensamento chomskiano havia conquistado desde o final da década de 1950, seja nos EUA, seja na Inglaterra, no também prestigioso espaço acadêmico ocupado pela Universidade de Oxford.

Também nessa linha de argumentação assumida pela retórica, a formulação matemática presente nas representações de estruturas e operações sintáticas conferia ao programa gerativista uma imagem de cientificidade que foi muito utilizada para reforçar a ruptura em relação a outras teorias linguísticas que estariam mais próximas das humanidades e, conclui-se na elaboração retórica, mais distantes da caracterização racional de ciência.

Sem embargo, não é a reputação que Chomsky granjeou entre os estudiosos de linguística que lhe confere um posto entre “os mestres do pensamento moderno”. Afinal, a linguística teórica é uma disciplina esotérica, de que poucos ouviram falar e que era praticamente desconhecida até bem recentemente. Se a matéria, hoje em dia, se vê reconhecida como um ramo da ciência - que vale a pena estudar não apenas pelos seus méritos como pelas contribuições que pode dar para o estudo de outros temas - isso se deve, em grande parte, ao trabalho de Chomsky. Assevera-se que mais de mil professores e estudantes universitários acompanharam suas aulas (dadas na primavera de 1969, na Universidade Oxford) acerca da filosofia da linguagem e espírito. ... As aulas de Chomsky tiveram grande repercussão pela imprensa, que as divulgou por toda a nação inglesa. (Lyons 1983: 12)

É característico - e é simbólico de sua posição e influência - que a instituição onde Chomsky leva a efeito seus trabalhos em torno da estrutura da linguagem e das propriedades do espírito humano seja uma das cidadelas da ciência moderna, o Massachusetts Institute of Technology, e que as opiniões por ele expressadas ao sintetizar os resultados de suas pesquisas lembrem o que seria mais próprio de departamentos de humanidade de uma universidade tradicional. A contradição é apenas aparente. Em verdade, a obra de Chomsky sugere que as fronteiras convencionais existentes entre “artes” e “ciência” podem e devem ser abolidas. (Lyons 1983: 17)

A contribuição mais original e provavelmente a mais sólida, emprestada à linguística por Chomsky à linguística reside no rigor e precisão matemáticos postos na formalização das propriedades de sistemas alternativos de descrição gramatical. (Lyons 1983: 42)

Lyons, como vimos, elaborou uma imagem histórica de Chomsky próxima da figura de líder revolucionário; no entanto, é importante frisar, o discurso de Lyons também relativizou esse papel, nuançando um pouco a retórica da revolução assumida nas primeiras partes do livro. Lyons, como se pode perceber nos próximos fragmentos, relembrou brevemente a trajetória de formação de Chomsky e, muito implicitamente, acabou deixando a chave para uma interpretação que colocava em xeque a total ruptura proposta pela retórica vitoriosa e revolucionária do programa gerativista. Ao lado desse aspecto, Lyons apontou a presença de opiniões contrárias ao pensamento chomskiano, inclusive a sua própria. Mesmo assim, a retórica revolucionária vencia novamente nas palavras e no discurso de Lyons. A relativização feita parecia também ter sido mais um recurso retórico, um pouco a redimir o autor de um posicionamento muito direcionado para um discurso histórico que, no final das contas, realçou o papel da revolução e a figura do revolucionário atribuída a Noam Chomsky. O leitor brasileiro da década de 1980, portanto, tinha em suas mãos uma apresentação às ideias de Chomsky que, ainda que não totalmente assumida, reforçava o ethos do líder revolucionário.

Ora, Chomsky foi um dos alunos de Harris e, mais tarde, um de seus colaboradores e colegas; suas primeiras publicações muito se aproximavam, em espírito, às de Harris. Em 1957, quando publicado o primeiro livro de Chomsky, Syntactic Structures, ele já havia se afastado, como verificaremos da posição que Harris e outros bloomfieldianos haviam adotado quanto ao problema dos “procedimentos de descoberta”. ... Em anos recentes, Chomsky adotou posição crescentemente crítica relativamente à linguística “bloomfieldiana” e abandonou muitas das presunções que originalmente admitira. Convém sublinhar, todavia, não apenas que suas primeiras concepções se formaram dentro da escola “bloomfieldiana”, mas, também, que ele dificilmente poderia ter conseguido os progressos técnicos que em linguística registrou, se o terreno não houvesse sido preparado por estudiosos como Harris. (Lyons 1983: 35)

Não devo, porém, deixar o leitor com a impressão de que a posição de Chomsky é inexpugnável e que seus críticos são apenas incompetentes ou malevolentes. ... Conquanto meus pontos de vista sejam muito semelhantes aos de Chomsky em relação à maioria das questões, creio que, em alguns casos, ele extremou a posição que defende. (Lyons 1983: 108)

Que dizer, entretanto, das questões filosóficas de maior alcance que ele aventou em sua obra mais recente? Aqui, penso eu, o único veredito a que podemos chegar com base na evidência disponível é o de que a defesa do racionalismo feita por Chomsky não é tão convincente quanto sugere. (Lyons 1983: 110)

... registrei que devemos, pelo menos, encarar a possibilidade de que a teoria da gramática gerativa de Chomsky seja um dia abandonada, por consenso dos linguistas, como irrelevante para a descrição das línguas naturais. Devo acrescentar que pessoalmente acredito (e muitos linguistas partilharão dessa crença) que ainda que se revele falha a tentativa de Chomsky para formalizar os conceitos empregados na análise das línguas, essa tentativa terá aumentado amplamente nossa compreensão daqueles conceitos e, sob esse aspecto, não podemos senão considerar bem sucedida a “revolução chomskiana”. (Lyons 1983: 115)

4.3. Chomsky revolucionário em Revolução na linguística

A proposta da editora que publicava Revolução na linguística, no Brasil dos inícios da década de 1980 (o copyright da edição brasileira é de 1979, e a data de impressão gráfica é 1981) era dar prosseguimento a uma coleção de “grandes temas” - projeto editorial semelhante àquele em que se circunscrevia a publicação do livro de Lyons -, abordando a problemática do homem atual num conjunto determinado, unitário e coerente”, como nos informa a editora logo nas páginas iniciais do livro.

O título do livro define o teor da retórica adotada na história da linguística proposta por seu autor, o espanhol José Manuel Blecua: Revolução na linguística (tradução de F. P. Marques do original espanhol de 1973: Revolución de la lingüística).

Chomsky é essa revolução na linguística. Essa elaboração da imagem simbólica do norte-americano como líder revolucionário está presente em um discurso que a todo momento destacou uma atribuída, discursiva e historicamente, excepcionalidade ao papel de Chomsky no panorama da história dos estudos sobre a linguagem. No volume uma entrevista com o linguista destacava o papel atribuído a ele como personalidade fundamental na trajetória do conhecimento produzido sobre a linguagem.

O discurso de Blecua fazia eco a toda uma retórica revolucionária que permeou parte do pensamento linguístico das décadas de 1960-1980, como Randy Allen Harris destaca em seu livro sobre as “guerras na linguística” (1993).

Em Revolução na linguística, temos uma proposta editorial e um posicionamento retórico de Blecua que revia a produção do conhecimento em ciência da linguagem a partir da contribuição de Chomsky, que passava a ser um marco do desenvolvimento de ideias linguísticas em uma chave que compreendia a evolução histórica como linear e progressiva.

Cabe referência especial à organização do livro, pois já no índice temos uma visão específica de compreender o desenvolvimento da história da linguística na proposta de Blecua:

a) são duas as divisões principais do livro: “Antecedentes de uma revolução” (p. 7-80); “Inícios e triunfo da revolução” (p. 81-142). Essa divisão explicita o modo como Blecua percebia o desenvolvimento de uma história da linguística. O marco central da ciência da linguagem deslocava-se daquela visão predominante em muitas histórias da linguística em que a fundação científica é atribuída a Saussure. O ápice de uma revolução passava a ser situado no chamado “Triunfo da revolução” chomskiana, um dos capítulos da segunda parte do livro;

b) são considerados como antecedentes da revolução empreendida por Chomsky, na visão de Blecua, a linguística histórico-comparativa (1816-1916) e a linguística de base estruturalista (com seus desenvolvimentos nos EUA e na Europa), presente em Saussure e na semiologia, num recorte temporal de 1916 a 1957. Como marcos, o ano da publicação do Curso de linguística geral (1916) de Saussure e o ano da publicação de Estruturas sintáticas (1957) de Chomsky;

c) são destacados como início da revolução que teria se instalado no panorama das ciências da linguagem por Chomsky a linguística distribucionalista norte-americana (na qual o próprio Chomsky teve sua formação inicial de linguista) com Leonard Bloomfield e Zellig Harris e as propostas dos Círculos Linguísticos de Praga (berço europeu de escolas funcionalistas) e de Copenhague (centro do qual emerge a figura de Hjelmslev).

Como se pode ver, a orientação retórica do discurso histórico narrado por Blecua pontuava o lugar de relevância e excepcionalidade de Chomsky. Onde aparecia a figura do linguista norte-americano estava um léxico que delineava e certificava a imagem simbólica de líder revolucionário: revolução”, “pré-revolução”, “triunfo da revolução.

E não se pode ignorar, de fato, a força social e acadêmica de um grupo de especialidade, formado em torno de Chomsky e, principalmente, de jovens linguistas (cf. Harris 1993), que jogou com todas as fichas para sobrelevar a figura do linguista norte-americano como o nome central de uma linguística mais científica e próxima de respostas que sempre inquietaram as reflexões sobre a linguagem humana.

Resultado dessa retórica de ruptura com saberes anteriores às propostas de Chomsky se pode apontar, por exemplo, o destaque dado no próprio texto de Blecua aos títulos e postos acadêmicos que Chomsky havia recebido ainda na década de 1970 quando era bastante jovem, para os padrões de produção intelectual em ciências humanas.

Lembremos aqui que Lyons também ressaltava a figura e o sucesso do linguista norte-americano em As ideias de Chomsky.

No fragmento abaixo, Blecua construía discursivamente um panteão para os estudos linguísticos, do qual Chomsky fazia parte ao lado de figuras fundamentais na história dos estudos da linguagem. Logo nas primeiras páginas do livro, o ethos de um linguista que ultrapassava os limites tão cerrados das especializações e da docência e chegava a figurar face a face com nomes que faziam parte da própria fundação da linguística, após o século XIX, como uma ciência metodologicamente orientada.

O interesse pelas questões da linguagem, em progresso desde o século XIX, aumentou consideravelmente a partir dos trabalhos de F. de Saussure, E. Sapir e L. Bloomfield, já no século XX. Os trabalhos de Noam Chomsky, uma das figuras mais eminentes da linguística contemporânea, impulsionaram as investigações sobre a linguagem para caminhos de exatidão e precisão que até à data não tinham sido atingidos. (Blecua 1979: 9)

A crítica à linguística estruturalista norte-americana, principalmente formada em torno da figura de liderança de Leonard Bloomfield, era o que permitia construir retoricamente a oposição ao papel de Chomsky como líder.

A linguística gerativa de Chomsky era revolucionária, tanto que anteriormente às propostas gerativistas se estaria diante de um período pré-revolucionário, e a escolha lexical era o eixo condutor de uma retórica que imputava a Chomsky e à sua linguística o lugar argumentativo da qualidade, que excluía, consequentemente, tudo o que com ela não estivesse relacionado.

A retórica que imputava o lugar de qualidade definia as imagens que deveriam ser consideradas como opostas: a linguística distribucionalista norte-americana, principalmente, era o espaço da ciência inadequada, imersa em taxonomias e preocupação com a coleta de dados, que não poderia atingir o estado de ciência uma vez que incapaz de alcançar o ideal científico de explicação. Essa era a mensagem articulada na retórica de Blecua e presente no fragmento a seguir.

Se estávamos diante de um período pré-revolucionário, estaríamos diante também de um período inadequado diante dos alcances possíveis de uma ciência da linguagem. A retórica de Blecua, como já apontamos a partir de outros fragmentos, não era isolada historicamente, pois o alvo a combater pelo próprio Chomsky foi principalmente a linguística de Bloomfield e sua ancoragem epistemológica no behaviorismo, que Chomsky radicalmente negou em sua famosa resenha de 1959 para o livro de Skinner Verbal Behaviour.

A partir de 1957, acaba a época pré-revolucionária que, basicamente, se tinha caracterizado pelo gosto pela classificação de elementos tomados da observação direta, e começa a etapa autenticamente revolucionária, na qual se abandonam os interesses anteriores, as propostas teóricas e as metodologias, e o investigador, de acordo com as modernas teorias da ciência, começa a interessar-se pela construção de modelos de funcionamento e predição. (Blecua 1979: 40)

Materializada na forma do discurso histórico, que de partida ganha o valor de registro “objetivo” de fatos inseridos numa corrente temporal, logo de imediato legitimados pelo próprio ato de fazer história (de acordo com a imagem tradicional que temos da história como registro da verdade), a retórica de Blecua construiu um discurso histórico que formatava uma imagem do jovem e talentoso pesquisador capaz de levar a linguística a um outro patamar, de inegável valor científico.

À semelhança da retórica adotada por Lyons na década de 1970, como vimos, esse era o ethos discursivamente elaborado. No fragmento a seguir citado, observe-se a presença de uma caracterização extremamente positiva para o Chomsky do final da década de 1950: um jovem pesquisador, alicerçado em profundas e herméticas leituras a lhe conferir o cabedal teórico necessário para lançar uma “revolução na linguística” - “Chomsky tinha estudado profundamente matemática, lógica, teoria da ciência e - como é natural - linguística.

Não à toa, os discursos do final da década de 1950 e da década de 1960, os que eram partidários da linguística chomskiana, ressaltaram a juventude e a ousadia como um dos mais valiosos capitais de alçamento da figura de Chomsky como líder revolucionário, como se pode ver em várias passagens interpretativas do período feitas por Harris em seu The Linguistic Wars de 1993.

Na estrutura textual da retórica de Blecua, no fragmento a seguir, pode-se observar a orientação discursiva na seleção de um léxico e de expressões linguísticas em torno da noção de novidade, ousadia e quebra de paradigmas: “jovem investigador”, “autêntica revolução”, “primeira grande novidade”, “abandono dos métodos indutivos”, “deve superar”, “passar a uma situação”, “jovem linguista”, “novos progressos na teoria da ciência”, “evolução”, “passar uma primeira fase”, “a fase descritiva esgota-se em si mesma.

Em 1957, um jovem investigador norte-americano, Noam Chomsky, publicou um livro que provocou uma autêntica revolução nas concepções teóricas da linguística contemporânea. A obra intitulava-se Syntactic Structures (As estruturas sintáticas) e nela se demonstravam de maneira evidente a falta de adequação das teorias estruturais para responder aos complexos fatos da linguagem humana.

A primeira grande novidade que apresenta a teoria generativa é que pressupõe o abandono dos métodos indutivos na investigação ... . Chomsky considera que a linguística deve superar o estágio da descrição, com a qual os investigadores norte-americanos tinham obtido êxitos notáveis, e passar a uma nova situação: a construção de modelos de predição.

Neste aspecto, o jovem linguista norte-americano estava em consonância com os novos progressos da teoria da ciência, pois, por esses caminhos, a linguística seguia a evolução que haviam seguido outras ciências, como a astronomia ou a biologia. Todas as ciências têm de passar uma primeira fase de descrição minuciosa dos elementos que compõem o objeto de estudo, neste caso a linguagem, mas a fase descritiva esgota-se em si mesma, apesar de alguns estruturalistas, com Charles F. Hockett, pensarem que era possível partir da descrição e, por um processo de generalização, chegar a predizer todas as possíveis mensagens de uma língua natural.

Chomsky tinha estudado profundamente matemática, lógica, teoria da ciência e - como é natural - linguística, matéria em que tinha sido discípulo de dois grandes mestres estruturalistas: Harris e Jakobson. Esta bagagem cultural foi o que lhe permitiu aperceber-se da falta de adequação das teorias estruturais para fatos tão simples nas línguas naturais como a concordância. Para demonstrar esta inadequação teve de recorrer a demonstrações credíveis: estas demonstrações foram efetuadas graças ao aparelho formal lógico-matemático com que se dotou a nova teoria. Não se deve esquecer que generar é um termo matemático que significa “tornar explícito por meio de regras”. (Blecua 1979: 130)

Também como recorrente na retórica do final dos anos 1950, da década de 1960 e até pelo menos a segunda metade da década de 1980, a presença de um compromisso epistemológico na teoria de Chomsky ressaltava argumentativamente o lugar de qualidade que se atribuía à teoria gerativa.

Consciente de uma filosofia da ciência, a teoria ganhava mais um atributo positivo que a colocava ao lado dos ramos do saber que já haviam adquirido feição científica, como as ciências exatas e as naturais. Não à toa, as retóricas de ruptura que alçaram o pensamento de Chomsky ao patamar da revolução ressaltaram a preocupação da Gramática Gerativa com sua base epistemológica, como se pode ver no discurso de Blecua no fragmento seguinte, que inicia com uma construção modal (deverá ser explícita”) que imputava à proposta teórica de Chomsky a caracterização adequada de uma verdadeira ciência. Também no mesmo fragmento o lugar de qualidade é assumido diante de teorias anteriores que teriam falhado em sua elaboração epistemológica (“careciam os anteriores estudos linguísticos”).

Esta teoria, de acordo com rigorosos princípios científicos, deverá ser explícita e formulada com meios que permitam provar em qualquer momento a sua falsidade. ... Esta possibilidade proporciona uma base de autocorreção, de que careciam os anteriores estudos linguísticos de tipo estrutural. A partir de 1957, a autocorreção permitiu que, tanto Chomsky como os seus discípulos, tenham podido adequar a teoria às novas descobertas e investigações. Em 1965, publicava-se o livro do criador da escola, Aspectos da teoria da sintaxe, que estabelecia a base da teoria comum sobre a qual se trabalhou com extraordinária fecundidade nos últimos anos, ainda que entre os jovens investigadores tenham nascido várias correntes mais ou menos “heterodoxas” que trouxeram seiva nova e perspectivas muito originais à base teórica inicial. (Blecua 1979: 132)

A propor uma espécie de síntese da “revolução chomskiana”, Blecua destacou o caráter de completude do programa de investigação chomskiano, que em sua caracterização teórica e metodológica passava a ser investido de valores excepcionais e nunca antes vistos na ciência da linguagem, portanto adequados aos jovens investigadores, que com sua juventude e ousadia deveriam fazer parte do empreendimento científico proposto por Chomsky.

Esse era o chamado implícito presente o tempo todo na retórica de Blecua, que no discurso histórico, elaborado de modo enviesado como caracteristicamente presente nas histórias pro-domo, delineou uma imagem simbólica para Chomsky investida de ruptura, originalidade e cientificidade.

Como se observa, esta teoria engloba de uma maneira harmônica todos os níveis que tanto preocuparam os estruturalistas e apresenta um carácter completo. A relação indireta entre significado e som é patente no conjunto de regras e transformações que qualquer frase tem necessariamente de seguir.

Ambas as características, juntas à demonstração da falta de adequação das teorias estruturais, determinam que os jovens investigadores consideram esta teoria como base dos seus estudos e que, em poucos anos, o pensamento de origem chomskyano tenha adquirido um êxito extraordinário.

Do ponto de vista do esquema da revolução científica, nota-se uma maior continuidade do que a que as aparências parecem fazer-nos crer. Cada etapa é peça fundamental para a construção da seguinte, cada tipo de investigação foi necessário e, além disso, frutífero para o início de um conhecimento mais científico dessa maravilhosa faculdade da linguagem, cujos mistérios se negam tenazmente a ser desvendados. (Blecua 1979: 142)

5. Conclusão

Em texto originalmente publicado em 1994, na Encyclopedia of Language and Linguistics, Konrad Koerner, ao apresentar aos leitores a Historiografia da Linguística, elencava tipos de história, consequência de diferentes motivações para a elaboração de discursos históricos (cf. Koerner 2014: 17-28).

Dentre os tipos possíveis de escrita da história, Koerner apontava em perspectiva crítica um tipo de história caracterizada como “histórias da linguística comemorativas ou propagandísticas”. Esse registro histórico tem como ponto principal destacar como um conjunto de saberes se coloca em termos de ruptura com saberes anteriores, realçando de que modo se reivindica por descontinuidades em um discurso histórico que reforça conquistas que teriam ultrapassado limites até então conhecidos: “a reivindicação a favor da descontinuidade é o que caracteriza esse tipo de atividade” (Koerner 2014: 20).

Os dois discursos - As ideias de Chomsky e Revolução na linguística - que ilustrativa e brevemente foram analisados neste artigo podem ser classificados no tipo de história propagandística ou pro-domo. Ao ressaltar, e elaborar discursivamente pela retórica adotada, a figura de líder revolucionário em um jovem Chomsky, os também linguistas Lyons e Blecua, com algumas diferenças (como a relativização em Lyons do teor revolucionário do programa gerativista) e muitas semelhanças (como o destaque dado a uma figura jovem e revolucionária) ressaltaram a ruptura e a novidade que as propostas de Chomsky representavam historicamente a partir do final da década de 1950.

Ainda que Koerner pontue de modo severo que histórias propagandísticas podem perder seu valor histórico (“Parece que, conseguido o propósito propagandístico de alcançar seguidores para a nova ideologia, estes trabalhos rapidamente perdem o seu impacto inicial e o valor informativo”, Koerner 2014: 21), os livros e os discursos de caráter histórico aqui em discussão caracterizam uma época e o tipo de posicionamento intelectual validado em uma determinada sociedade e em um recorte temporal específico.

Assim, perecíveis ou não, As ideias de Chomsky e Revolução na linguística fazem parte de uma história da linguística brasileira em termos de recepção de ideias que circularam e se inscreveram de algum modo na ciência da linguagem feita por brasileiros e também na percepção que os brasileiros tinham como legítimo em termos de conhecimento sobre a linguagem.

A tradução dos livros, sua divulgação, publicação e circulação evidenciam que na década de 1980 (em um movimento iniciado no final da década de 1960) o pensamento e as ideias linguísticas de Noam Chomsky no Brasil tiveram reconhecimento e alcance até para além dos círculos fechados de grupos de especialidade, pois os livros podem também ser classificados como um material muito mais próximo da divulgação científica do que dos especializados manuais didáticos.

Colocar em questão essas traduções como discursos históricos que circularam na década de 1980 no Brasil nos permite alcançar algumas evidências de como se legitimou o conhecimento sobre a linguagem naquela época.

Como vimos anteriormente, a linguística brasileira também experienciava na década de 1980 a empolgação com a Gramática Gerativa em alguns centros de pesquisa e ensino e nas interações científicas entre alguns grupos de especialidade que caracterizam a produção científica nacional em ciência da linguagem nas décadas finais do século XX. Grupos de especialidade que produziam pesquisa e ensinavam linguística a partir das ideias de Noam Chomsky. Grupos formados por pesquisadores que também adotaram a retórica de ruptura e de revolução que caracterizou a escrita histórica dos livros que discutimos aqui.

O que procuramos mostrar neste artigo foi o modo como discursos históricos podem ser elaborados retoricamente a favor de determinadas ideias que lhes interessa divulgar, colocando em ponto privilegiado de observação a subjetividade de todo discurso, e também dos históricos, ainda que estes sejam muitas vezes percebidos pelo véu opaco do simulacro da objetividade. As palavras do alemão Wilhelm von Humboldt (1767-1835) parecem nos dar a chave para a conclusão deste texto:

A verdade do acontecimento baseia-se na complementação a ser feita pelo historiador ao que chamamos ... de parte invisível da história. Visto por este lado, o historiador é autônomo, e até mesmo criativo; e não na medida em que produz o que não está previamente dado, mas na medida em que, com sua própria força, dá forma ao que realmente é, algo impossível de ser obtido sendo meramente receptivo. (Humboldt 1821 2001: 80)

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1 A retórica a que aqui se faz referência é um arranjo discursivo de natureza essencialmente histórica já que busca, por meio de diferentes estratégias persuasivas, pela validação de um certo tipo de conhecimento situado em um determinado contexto intelectual e social.

2Para uma discussão sobre narratividade histórica e historiografia da linguística, v. Schmitter (1982, 2003).

3“ ... ‘objetivo’ o que é livre de emotividade e, portanto, de parcialidade (em oposição com ‘subjetivo’ no sentido de ‘emotivamente colorido’ e ‘parcial’.” (Schaff 1995: 88)

4“ ... esperamos do historiador uma certa qualidade de subjetividade, não qualquer subjetividade, mas uma subjetividade que seja precisamente apropriada à objetividade que convém à história. Trata-se, pois, duma subjetividade exigida, exigida pela objetividade que se espera. Pressentimos, por conseguinte, que existe uma subjetividade boa e uma subjetividade má, e esperamos que se faça uma separação entre a boa e a má subjetividade, pelo próprio exercício do mister historiador.” (Ricoeur 1968: 24) “De qualquer maneira, podemos afirmar com toda a certeza que os valores e os juízos invadem o terreno do historiador, trazidos pelos vetores mais diversos que escapam muitas vezes ao controle do historiador e mesmo à sua consciência. Isso é um fato inevitável, necessário, de que é preciso tomar consciência, a fim de podermos exercer sobre os seus efeitos um controle consciente, evitando assim o extremismo que leva às deformações do conhecimento.” (Schaff 1995: 264)

5“Nas suas Leçons sur la philosophie de l’histoire, Hegel condena irrevogavelmente o dogma que se tornará querido dos positivistas, ou seja, o conhecimento histórico considerado como uma recepção passiva e um reflexo fiel dos fatos.” (Schaff 1995: 106)

6“Deve-se admitir incontestavelmente que uma história, seja qual for o seu objeto, conte os fatos sem intenção de que prevaleça um interesse ou fim particular. Mas com a banalidade de semelhante exigência pouco se adiantará, visto que a história dum assunto está intimamente conexa com a concepção que dela se faça. Por essa concepção se determina o que se reputa importante e correspondente ao fim, e a relação entre os estados intermédios e o fim implica uma seleção dos fatos que se devem mencionar, uma maneira de os compreender e o critério que os há de ajuizar.” (Hegel 1883-1836 1996: 379)

7Esta distinção é a assumida pela Historiografia da Linguística desde a década de 1970, principalmente a partir de Konrad Koerner. No entanto, é preciso relembrar que o termo história, desde seu emprego na Antiguidade Clássica e em Heródoto, mítico fundador da história como descrição, narração e testemunho, é polissêmico. Sendo assim, história deve ser entendida como o conjunto de ações que se desenrolam no tempo e também como registro e análise desse conjunto de ações (cf. considerações em Batista 2013). Na mesma linha de reflexão, a nomeação de historiógrafo deve-se aos trabalhos de Koerner, mas também é possível nomear esse historiógrafo como historiador, como presente em alguns trabalhos em Historiografia da Linguística, por exemplo, em Swiggers (2013). Já o termo historiografia também é usualmente empregado para se referir ao estudo das obras produzidas pelos historiadores ao longo da história.

8“Se por outro lado, o elemento subjetivo no conhecimento histórico é atualmente tão evidente que só podem negá-lo os guardiães do museu positivista, no momento em que o reconhecem os historiadores que atingiram o nível da ciência moderna, isto não invalidará o postulado da objetividade do conhecimento científico e, por conseguinte, o caráter científico da história?” (Schaff 1995: 66-67)

9Na Antiguidade clássica - berço ocidental do registro histórico -, a relação entre história, narratividade e retórica era presente: “Na Grécia e Roma antigas, as regras eram outras. A história era tratada no âmbito da retórica, estando portanto sujeita a determinadas normas de confecção do discurso, normas que a aproximavam e/ou a afastavam de outros domínios, como a poesia e a filosofia. E o próprio estatuto do historiador diferia bastante daquele que hoje nos é conhecido” (Joly 2007: 8). E ainda: “o protocolo de verdade adotado pelos historiadores antigos estava diretamente relacionado ao propósito de suas obras, condicionados a suas respectivas posições sociopolíticas”. (Joly 2007: 9)

10Esta parte do artigo retoma reflexões presentes em Batista (2015, 2016, 2017, 2018b).

11Essa retórica é de configuração complexa e contempla diferentes elementos que devem ser tomados como objetos de observação, uma vez que: a) se constrói em torno de diferentes estratégias argumentativas (seleção e elaboração de argumentos e seus modos de exposição) para persuadir os destinatários dos discursos que pretendem convencer sobre a legitimidade de saberes, técnicas, teorias e procedimentos metodológicos; nesse sentido ela diz respeito a argumentos que sustentam ideias linguísticas e que configuram a própria natureza de uma teoria a ser difundida, por exemplo; b) se desenvolve em uma rede de citações e alusões intertextuais que procuram validar ideias e saberes que são difundidos pelos meios discusivos e textuais empregados por um autor; nesse sentido ela diz respeito a uma ampla rede de citações e validações de conhecimento; c) contempla implícitos que articulam relações entre saberes em um eixo de diálogos entre tradições intelectuais e científicas; um autor se situa em comunidades argumentativas e em sua retórica leva em consideração pressupostos e subentendidos que estão na base do que afirma efetivamente; nesse sentido ela diz respeito aos implícitos que procuram persuadir os destinatários dos discursos.

12“Há muitos fatos que sugerem, contudo, que as revoluções científicas não são tão revolucionárias e que a ciência normal não é tão normal como supunha a análise de Kuhn.” (Laudan 2011: 187-188)

13Nosso principal interesse é verificar de que modo informações foram divulgadas no contexto brasileiro da época, por isso trabalhamos com as edições traduzidas. Possíveis desvios de tradução em relação aos textos originais escritos pelos autores (um, inglês; outro, espanhol) serão apontados se existirem, também com o intuito de destacar modos de circulação de ideias para os leitores brasileiros. São livros que pretenderam divulgar a Gramática Gerativa (em suas bases teórico-metodológicas propostas por Noam Chomsky na década de 1960) como programa de investigação na história da linguística. Os dois livros são distintos tanto em sua proposta, quanto em relação ao resultado final que estabelecem em suas escritas, mas, de qualquer modo, colocaram no eixo histórico a imagem simbólica de uma revolução nos estudos linguísticos.

14Quando se fizer referência ao programa de investigação em Gramática Gerativa se está considerando pesquisas em torno do modelo teórico-metodológico proposto por Noam Chomsky na década de 1960, reconhecido como o modelo padrão.

15Para uma análise da recepção brasileira à Gramática Gerativa, consultar Batista (2007, 2010, 2015).

16Konrad Koerner foi um dos historiógrafos que mais colocaram em discussão essa alegada revolução chomskiana, seus vínculos históricos e contribuições teórico-metodológicas de fato como ruptura absoluta com tudo o que havia sido feito em matéria de linguística até a presença de Chomsky no cenário da ciência da linguagem (Koerner 2002: 151-209; 2014: 175-274).

17“ ... observa-se que a sintaxe (gerativa) e a semântica (lexical) entraram em evidência no cenário brasileiro a partir de meados da década de setenta, em detrimento dos estudos de fonética, fonologia, e morfologia, dominantes na década anterior.” (Altman 1998: 197) Sobre a produção de artigos em periódico, em especial na Revista Brasileira de Linguística (num período entre 1974 e 1984), diz Altman (1998: 201-202): “ ... o modelo que causou maior impacto no período foi o modelo então chamado da Gramática Gerativo-transformacional (GGT), na versão que se convencionalizou chamar de ‘padrão’. Embora nem todos os pesquisadores que aderiram no período à tarefa de elaboração de uma gramática universal estivessem unanimamente de acordo com os desdobramentos que o modelo vinha tomando ... ”. Descreve ainda Altman (1998: 285): “Em Sintaxe, a produção dos anos setenta se fez dominantemente dentro do quadro gerativista. O impacto provocado pelas teorias gerativas e, em menor escala, por outras teorias formalistas propiciou a especialização teórica e a sofisticação nas metalinguagens de descrição do linguista”.

18Batista (2007) apresenta esses dados em um período de duas décadas, entre 1960-1980.

19Entende-se por lugar retórico: “armazéns de argumentos, utilizados para estabelecer acordos com o auditório. O objetivo é indicar premissas de ordem ampla e geral, usadas para assegurar a adesão a determinados valores e, assim, re-hierarquizar as crenças do auditório” (Ferreira 2010: 69).

20“Esse lugar retórico é muito comum nas propagandas, pois consiste na afirmação de que algo se impõe sobre os demais de sua espécie por ter mais qualidade, porque é único ou raro, original. O valor do único, do raro, expõe-se por sua oposição ao comum, ao vulgar, ao corriqueiro.” (Ferreira 2010: 71)

21“Encontramos o lugar da quantidade quando se afirma que uma coisa é melhor que a outra por motivos quantitativos. Funcionam como uma premissa maior subentendida, mas necessária para fundamentar a conclusão. Números são sempre persuasivos.” (Ferreira 2010: 71)

Recebido: 08 de Janeiro de 2018; Aceito: 29 de Junho de 2018

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