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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.34 no.1 Montevideo jun. 2018

https://doi.org/10.5935/2079-312x.20180008 

Artículos

A nomeação lúdica e os nomes lúdicos: uma análise do funcionamento semântico-enunciativo da apelidação e dos apelidos de pessoa

The ludic nomination and the ludic names: a Semantical-enunciative analysis of personal nicknaming and nicknames

Vinícius Massad Castro1 

1Universidade Estadual de Campinas. vinimc831@gmail.com


Resumo:

Em minha dissertação de mestrado (Castro 2013), analisei a apelidação e os apelidos de pessoa tendo como corpus a lista telefônica por apelidos do ano de 2011 dos moradores da cidade de Cláudio (MG), a Apelista 2011. As análises foram feitas dentro do quadro teórico-descritivo da Semântica do Acontecimento proposta por Guimarães (2002, entre outros).

Feita a descrição das regularidades formais dos apelidos (fonética, morfológica e morfossintática) e a descrição da cena enunciativa da apelidação, pude compará-las com descrições realizadas por Guimarães (2002) para o que chamei de nomes jurídicos e nomeação jurídica de pessoa. Essa comparação me permitiu mostrar um funcionamento próprio da apelidação e dos apelidos de pessoa e caracterizá-los respectivamente de nomeação lúdica e nomes lúdicos inspirado na tipologia de discurso proposta por Orlandi (1983). Neste artigo apresento, fazendo algumas revisões, as descrições que me permitiram chegar a esse resultado.

Palavras-chave: apelidação de pessoa; apelidos de pessoa; enunciação; semântica

Abstract:

In my master’s dissertation (Castro 2013), I analysed personal nicknaming and nickames having as a corpus the 2011 phone book by nicknames of the residents of Cláudio (MG), the Apelista 2011. The analysis were developed inside the Semântica do Acontecimento framework proposed by Guimarães (2002, among others). Having done the description of the formal regularities of the nicknames (phonetical, morphological and morphosyntatical) and the description of the nicknaming enunciative scene, I could compare them with the descriptions developed by Guimarães (2002) for what I called personal juridical names and juridical nomination.

This comparison allowed me to show a proper functioning of the personal nicknaming and nicknames and characterize them respectively as ludic nomination and ludic names inspired by the typology of discourses proposed by Orlandi (1983). In this paper I present, making some reviews, the descriptions that allowed me to reach this result.

Keywords: personal nicknaming; personal nicknames; enunciation; semantics

1. Introdução

Ao longo de nossas vidas nomeamos e somos nomeados das mais diversas maneiras. Prenomes e sobrenomes, apelidos, pseudônimos, entre outros tipos de antropônimos são os produtos dessas práticas enunciativas através das quais somos identificados e identificamos nos diferentes espaços sociais.

A nomeação jurídica é feita pelos pais para os filhos no registro da certidão de nascimento em um cartório. Nessa certidão, os pais definem um nome jurídico para seu filho/sua filha e cabe ao cartorário dizer se ele é ou não adequado. Esse nome é composto por, pelo menos, um prenome e um sobrenome justaposto ou preposicionado. Temos então, por exemplo, Luiz Silva, Pedro Amaral Magalhães, Carla Rodrigues de Galantes, Pedro de Castro etc. Por meio da nomeação jurídica somos identificados para o/pelo Estado ao sermos identificados como pertencentes a uma família.

Outra nomeação que acontece ao longo de nossas vidas é a apelidação. O apelido pode ser dado por diferentes pessoas: pelo tio, pelo primo, pelo vizinho, pelo amigo, pelos pais, etc. Ao contrário do nome jurídico, um apelido não sofre as restrições jurídicas do cartório. Ele sofre restrições que se constroem a margem delas e, nessa condição, esse nome produz outros sentidos. Grandão, por exemplo, pode produzir um sentido jocoso, proibido para o nome jurídico, quando apelida uma pessoa de baixa estatura. Um apelido também pode significar o afeto entre o apelidador e o apelidado. Isso normalmente aparece com os hipocorísticos: Lulu (para o Luiz Silva), Carlinha (para a Carla Rodrigues de Galantes), etc.

Em minha dissertação de mestrado (Castro 2013) pude estudar, dentro de uma perspectiva enunciativa (Guimarães 2002), a apelidação e os apelidos de pessoa. Os diferentes sentidos que o apelido produz e as diferentes regularidades formais nas quais eles significam, assim como a especificidade da cena enunciativa da apelidação, me levaram a considerá-la como nomeação lúdica e os apelidos como nomes lúdicos em relação ao funcionamento enunciativo da nomeação jurídica e dos nomes jurídicos.

Neste artigo, apresento, fazendo algumas revisões, as análises que me permitiram chegar a esse resultado1.

2. A cena enunciativa da nomeação jurídica

Para pensar o funcionamento dos nomes jurídicos de pessoa, Guimarães (2002: 33) tem como corpus alguns nomes: Getúlio Dornelles Vargas, João Belchior Marques Goulart, Antônio Cândido de Melo e Souza, Joaquim Mattoso Câmara Júnior, João Café Filho2. O primeiro gesto de análise do autor sobre esses nomes é fazer uma descrição das regularidades morfossintáticas. Os nomes jurídicos seriam formados por: prenomes: Getúlio, João, Belchior, Antônio, Cândido, Joaquim; sobrenomes: Vargas, Marques, Goulart, Melo, Souza, Mattoso, Câmara, Café, etc.; e, especificadores: Júnior, Filho.

O nome próprio jurídico de pessoa seria uma construção linguística em que um sobrenome determina um prenome. Essa determinação pode se dar por justaposição - é o caso de Dornelles Vargas em Getúlio - ou por preposição - é o caso de Melo e Souza em Antônio Cândido. Em ambos os casos, essa determinação é, para Guimarães, uma determinação semântica e ela significa o pertencimento a uma família. Getúlio Dornelles Vargas, por exemplo, significa que há um Getúlio que é da família Dornelles Vargas. Quanto aos especificadores, eles também teriam um funcionamento de determinação semântica. Joaquim Mattoso Câmara Júnior significa que há um Joaquim da família Mattoso Câmara que é filho de um outro Joaquim Mattoso Câmara.

Para adentrar na análise semântico-enunciativa dos nomes jurídicos de pessoa, a primeira questão que Guimarães (2002) se coloca é saber como, no espaço de enunciação do Brasil3, os pais nomeiam seus filhos.

Essa pergunta o leva a configurar a cena enunciativa4 da nomeação jurídica.

De acordo com o autor, pensar numa possível configuração para essa cena não pode apagar o fato de que há uma lei do Estado brasileiro que impõe aos pais (não necessariamente biológicos) a obrigação de nomear seus filhos.

Dar um nome jurídico a uma pessoa se faz, portanto, “do lugar da paternidade (locutor-pai) que se configura como um lugar social bem caracterizado” (Guimarães, 2002: 36). E de que perspectiva do dizer o locutor-pai enuncia um nome para o alocutário-filho/filha? De uma perspectiva individual (enunciador-individual5) “na medida em que os pais nomeiam como aqueles que escolhem, segundo querem, um nome” (Guimarães, 2002: 36).

3. A cena enunciativa da apelidação ou nomeação lúdica

Em minha dissertação de mestrado analisei o funcionamento enunciativo dos apelidos de pessoa tendo como corpus os apelidos de moradores da cidade de Cláudio (MG) registrados na lista de telefone por apelidos da cidade do ano de 2011 (Apelista 2011, Zanetti 2011)6.

Ter a Apelista como corpus foi pensar a configuração da cena enunciativa da apelidação no espaço de enunciação do Brasil a partir dela enquanto um acontecimento de linguagem7. Tomemos alguns apelidos como exemplo primeiramente:

Adilson Advogado

(Adilson G. Moreira) r das Paineiras, 331 - 3381-2716

Afonso da Padaria

(Afonso C. Ribeiro) r Cristal, 180 - 3381-1955

Alemão

(Edson F. Malta) r Cristal, 254 - 3381-3500

Almeida (Helvécio G. Almeida) r dos Expedicionários, 53 - 3381-7296

China Carioca

(Jeferson Souza) r Dr. José Lobo, 25 - 3381-3440

Zezinho (José R. M. Filho) Av Araguaia, 434 - 3381-2344

A enunciação dos apelidos na textualidade da Apelista constitui uma cena enunciativa em que um locutor-publicitário (da Apelista) enuncia um apelido para uma pessoa do ponto de vista genérico, enquanto um enunciador genérico8.

Falo em um locutor-publicitário, levando em conta que a Apelista funciona como um material publicitário da cidade para a própria cidade. Além dos diferentes estabelecimentos comerciais que nela anunciam seus produtos, as primeiras páginas são dedicadas a apresentar fatos históricos de Cláudio. Edições anteriores traziam a narrativa do surgimento dos apelidos de alguns claudienses e a história do nome da cidade, por exemplo. Na edição de 2011, essas páginas apresentam imagens das reportagens concedidas por Erica Zanetti a diferentes programas de televisão para a divulgação das Apelistas.

Quanto ao enunciador genérico, o assumo tendo em vista que a enunciação de um apelido na lista só acontece se o apelido já circula de forma estabilizada na cidade; uma vez que chamar Zezinho a José R M Filho, por exemplo, é repetir o apelido pelo qual todos os claudienses já conhecem José R M Filho. Na textualidade da Apelista o locutor-publicitário diz por exemplo que Zezinho é como todos já chamam José R M Filho e ele mora na Avenida Araguaia, número 434 e seu número telefônico residencial é 3381-2344.

Enquanto acontecimento de linguagem, a enunciação dos apelidos na Apelista se sustenta porque recorta como passado a enunciação da apelidação dos moradores de Cláudio. Essa é a enunciação que torna José R M Filho em Zezinho. Para funcionar, essa última enunciação recorta como passado a enunciação da nomeação jurídica José R M Filho. Considero então que a cena enunciativa do apelido na Apelista inclui a cena enunciativa da apelidação do apelidado, que se sustenta a partir da cena enunciativa de sua nomeação jurídica.

A cena enunciativa da apelidação de José R M Filho em Zezinho se configura por um locutor-x que fala de um lugar coletivo, ou seja, enquanto um enunciador coletivo9.

Tendo os apelidos da Apelista como corpus não é possível delimitar com precisão de qual lugar social de locutor o apelido é enunciado. Para suprimir essa falta, analisei narrativas de apelidação de alguns claudienses presentes na edição de 2002 da Apelista (quando ela ainda se chamava Listapel, Zanetti e Diniz 2002). A partir disso, foi possível mostrar que vários lugares sociais podem se configurar como locutor-x e alocutário-x na apelidação. Foi possível identificar, por exemplo, um locutor-pai, locutor-irmã, locutor-amigo, alocutário-filha, alocutário-amigo, alocutário-irmã. Digo, portanto, que na apelidação temos um locutor-x e um alocutário-x, tomando o x aqui como a forma de representar a possibilidade de lugares sociais diferentes se configurarem como esses lugares de dizer.

Quanto ao enunciador coletivo, justifico sua presença na cena de apelidação de Zezinho pois se trata de uma renomeação que trabalha sobre o prenome José do nome jurídico José R M Filho.

Na análise semântico-enunciativa dos nomes jurídicos, Guimarães (2002) se pergunta por que alguém que foi nomeado João Rodrigues pode, no uso corrente, se tornar apenas João ou apenas Rodrigues. Para o autor esse é “um processo de designação que se dá para alguém, a partir da enunciação dos pais, mas num processo de certa forma distinto” (Guimarães, 2002: 38). De meu ponto de vista, esse processo pode ser compreendido como o processo de apelidação.

Para Guimarães (2002: 38), quando João Rodrigues se torna apenas João, tem-se uma enunciação que, ao incluir a nomeação jurídica, desmonta a determinação do sobrenome sobre o prenome. Isto se daria por um locutor-x que enuncia como um enunciador coletivo. Já quando João Rodrigues se torna apenas Rodrigues, teríamos uma enunciação que inclui a nomeação jurídica desmontando a determinação do prenome sobre o sobrenome10.

Nesse último caso, teríamos um locutor-x que fala como um enunciador genérico. A diferença de enunciadores na constituição da cena enunciativa desse processo estaria ligada, de acordo com Guimarães, à diferença do prenome e do sobrenome na língua portuguesa no Brasil:

“No espaço de enunciação do Português no Brasil há uma distribuição da língua tal que renomear pelo nome [prenome aqui] inclui no lugar de renomeação o próprio renomeado. É como um nós, do qual o renomeado faz parte. Por outro lado renomear pelo sobrenome é falar do lugar de um acordo genérico no qual se diluem o lugar que diz e a pessoa renomeada” (Guimarães 2002: 38).

Na medida em que Zezinho deriva de , um percurso possível para explicar a constituição desse apelido seria considerar que, ao rememorar o nome jurídico do apelidado, José R M Filho, essa apelidação trabalha na direção da desmontagem da determinação do sobrenome sobre o prenome José e em seguida trabalha sobre esse próprio prenome. Daí surgiria Zé e depois Zezinho, derivado com morfema de diminuitivo [-inho].

No caso da apelidação de Helvécio G. Almeida em Almeida teríamos um locutor-x que nomeia de um lugar genérico, pois há aí um trabalho na direção da desmontagem da determinação do prenome sobre o sobrenome.

Na cena enunciativa da apelidação de Edson F. Malta em Alemão, configura-se um locutor-x e um enunciador genérico.

Tal enunciador pode se configurar a partir de um dizer de que Toda pessoa cuja cor da pele é muito clara e cujos cabelos são loiros é um alemão.

Essa mesma configuração de cena enunciativa poderia aparecer para China Carioca. Nesse caso o locutor repetiria o dizer de que Todo aquele que tem olhos como as das pessoas chinesas é da China e todo aquele que nasceu no Rio de Janeiro é carioca. Nessa perspectiva, apelidar Alemão ou China Carioca, por exemplo, seria “se mostrar dizendo com todos os outros: se mostrar como um indivíduo que escolhe falar tal como outros indivíduos” (Guimarães, 2002: 25).

Em Adilson Advogado (Adilson G. Moreira) e Afonso da Padaria (Afonso C Ribeiro), temos um enunciador coletivo. Esse enunciador se justifica pela desmontagem da determinação do sobrenome sobre o prenome e sua remontagem através da justaposição de um nome de uma profissão no caso de Adilson Advogado e de uma preposição a um nome de estabelecimento comercial em Afonso da Padaria. Nessas renomeações, não interessa mais saber quem Afonso ou Adilson é para o Estado (aquele que pertence à família dos Moreira e aquele que pertence à família dos Ribeiro, respectivamente), mas sim saber o lugar social que eles ocupam na cidade de Cláudio e que todos dizem que eles ocupam: o de advogado no caso de Adilson Advogado e o de dono empresário, ou cliente, ou funcionário (isso não se especifica) no caso de Afonso da Padaria.

4. A nomeação jurídica X a nomeação lúdica

Enquanto na nomeação jurídica o locutor-x e o enunciador são sempre os mesmos, o locutor-pai e o enunciador individual, na nomeação lúdica o lugar social de locutor não se especifica como um único, podemos ter diferentes lugares sociais de locutor, locutor-pai, locutor-irmã, locutor-chefe, por exemplo, e o enunciador é coletivo ou genérico.

Quanto ao lugar social de alocutário, na nomeação jurídica, se configura sempre um alocutário-filho/filha, já na nomeação lúdica, o alocutário-x é variado: podemos ter alocutário-filho/filha, alocutário-irmã, alocutário-amigo, entre outros.

A cena enunciativa da nomeação jurídica estabelece, portanto, uma relação do tipo nomeado por X-filho/filha de X, e a cena enunciativa da nomeação lúdica estabelece uma relação do tipo apelidado por Y-diferentes possibilidades de relação com Y.

Uma outra diferença entre a cena enunciativa da nomeação jurídica e da nomeação lúdica é que a situação de atribuição do nome é institucionalizada na primeira e não é institucionalizada na segunda. O nome jurídico é atribuído sempre de um pai para um filho/filha em um cartório, diante de um cartorário, para se legitimar enquanto tal. Já o nome lúdico, como mostraram as análises das narrativas de apelidação de alguns claudienses, se dá entre colegas, nas ruas da cidade, na vizinhança, entre pai e filha nos espaços da casa, entre colegas de trabalho, no ambiente de trabalho, etc.

A tabela abaixo resume as diferenças entre a cena enunciativa da nomeação jurídica e a cena enunciativa da nomeação lúdica:

Tabela 1: Cenas enunciativas: nomeação jurídica X nomeação lúdica 

CENAS ENUNCIATIVAS
Nomeação jurídica Nomeação lúdica
Lugar social de locutor locutor-pai locutor-x
Lugar social de alocutário alocutário-filho/filha alocutário-x
Enunciador enunciador individual enunciador coletivo ou enunciador genérico
Relação nomeado por X-filho/filha de X apelidado por Y-diferentes possibilidades de relação com Y
Atribuição institucionalizada não institucionalizada

Mostrar as diferenças entre a cena enunciativa da nomeação jurídica e da apelidação é importante para caracterizar a última como uma nomeação lúdica. Mas para isso ainda é necessário analisar o funcionamento semântico-enunciativo dos apelidos. Apresento essa análise após a descrição de suas regularidades formais a seguir.

5. Os apelidos ou nomes lúdicos

O recorte do memorável da cena enunciativa da nomeação jurídica do apelidado em Zezinho é mais sensível do que em Alemão porque em Zezinho explicita-se um trabalho de renomeação sobre o nome jurídico do apelidado como explicado no item 3. Se não é possível notar esse trabalho em Alemão, isso não significa que a nomeação jurídica não funcione como memorável nesse apelido. A apelidação aqui, ao contrário de Zezinho, não marca a rememoração de um trabalho sobre o nome jurídico do apelidado, ela instala um outro signo (um gentílico, “alemão”, no caso) e pode ou não trabalhar sobre ele. Em Alemão, não é possível perceber esse trabalho. Já em Lobinho (Lucélio A Cordeiro), por exemplo, é possível considerar um trabalho sobre Lobo; haveria aí uma derivação com morfema de diminutivo.

Em minha dissertação, separei 840 de 895 apelidos da Apelista de 2011 em dois grandes grupos: os apelidos do Grupo A, chamados de apelidos que retomam o nome jurídico do apelidado; e os apelidos do Grupo B chamados de apelidos que não retomam o nome jurídico do apelidado. Não vou mais assumir a divisão dos apelidos nesses termos, pois, na verdade, ela não se sustenta assim. Se o que tenho chamado de nome jurídico é a estrutura formada por um prenome + (+ prenome) sobrenome (+ sobrenome), a maioria dos apelidos do Grupo A não opera um trabalho sobre ela, eles trabalham na verdade sobre uma renomeação produzida a partir dessa estrutura, o que, para mim, já funciona como um apelido.

Os apelidos do Grupo A já são, portanto, em sua maioria, o produto de uma série de renomeações pelas quais passa o nome jurídico do apelidado depois da, como mostrou Guimarães (2002), desmontagem da determinação do prenome sobre o sobrenome ou o inverso. O que os diferencia dos apelidos do Grupo B é o fato de rememorarem essa desmontagen na medida em que sua forma o denuncia por meio de resquícios dos nomes jurídicos dos apelidados.

Tendo isso em vista, proponho chamar agora os apelidos do Grupo A de apelidos que rememoram a desmontagem do nome jurídico do apelidado e os apelidos do Grupo B de apelidos que não rememoram a desmontagem do nome jurídico do apelidado.

Assim como a divisão em termos de retomada ou não do nome jurídico, essa nova divisão pode ser feita a partir dos nomes jurídicos que aparecem entre parênteses para cada apelido da Apelista de 2011. Ela não altera o conjunto de apelidos dos Grupos A e B propostos na dissertação, como também não muda a situação dos apelidos chamados Indeterminados. Devido ao modo como certos nomes jurídicos aparecem abreviados na Apelista não foi possível incluir 55 dos 895 apelidos nem no Grupo A e nem no Grupo B. Esses apelidos foram chamados Indeterminados e não foram analisados. Alguns exemplos são: Luquinhas (Alexandre L R T) - não é possível dizer se o L é uma abreviação de Lucas, de onde derivaria Luquinhas; Chico (Paulo F Gregório) - não é possível dizer se o F é uma abreviação de Francisco, de onde derivaria Chico.

No Grupo A temos apelidos como Magdália do Tubarão, Maria do Anísio, Almeida, Cacá, Carlinho e Maeli. Esses apelidos têm como nomes jurídicos respectivamente Magdália F Santiago, Maria F Mansur, Helvécio G. Almeida, Carmem A Souza, Carlos J Silva e Ismael G Fonseca.

O primeiro e o segundo apelidos, Magdália do Tubarão e Maria do Anísio, são construídos a partir dos prenomes das apelidadas, Magdália e Maria, respectivamente. Almeida é construído a partir do último sobrenome de Helvécio G. Almeida. Cacá é construído a partir da sílaba Ca do prenome Carmem de Carmem A Souza, assim como Carlinho é construído a partir do prenome Carlos de Carlos J Silva. O apelido Maeli é construído a partir das duas últimas sílabas do prenome Ismael de Ismael G. Fonseca.

Esses três últimos apelidos são exemplares do que a literatura em morfologia e lexicologia chama de hipocorísticos. Segundo Monteiro (1986: 209): “(...), em sentido estrito, o hipocorístico designa uma alteração do prenome ou sobrenome”.

Alguns hipocorísticos, porém, não deixam notar facilmente uma alteração do prenome ou do sobrenome do apelidado como em Cacá (Carmem A Souza), Carlinho (Carlos J Silva) e Maeli (Ismael G. Fonseca).

É o caso, por exemplo, dos apelidos Ladico e Ladica para os apelidados cujos prenomes são Geraldo e Geralda respectivamente11.

A sufixação dos morfemas de diminutivo, [-ico] e [-ica], aos prenomes Geraldo e Geralda respectivamente formou o hipocorístico Geraldico e Geraldica. Através de um processo de metátese12, o “l” da sílaba “ral” se desloca para a frente da sílaba transformando-se em “la” e, após a supressão da sílaba “ge”, forma-se Ladico e Ladica13.

A partir desses hipocorísticos forma-se uma série de outros como Dico e Dica, Lado e Lada. Exceto por Geraldico e Geraldica, na Apelista 2011 encontramos todas as formas de hipocorísticos formados a partir de Geraldo e Geralda14. Todos eles foram alocados no Grupo A15.

No Grupo B temos apelidos como Bezerro, Bola, Querosene, Ceará, Edmundo, Bilisia, Tartôgo, por exemplo. Esses apelidos têm como nomes jurídicos respectivamente Eduardo E. Franklin, Maria R C Alexandre, Antônio F Santos, Francisco A N S, Márcio J Rodrigues, Roberto M. de Souza e Vilson F Barroso.

A seguir, apresento as regularidades formais dos apelidos dos Grupos A e B. Elas descrevem suas regularidades fonéticas, morfológicas e morfossintáticas. É importante lembrar que descrever a regularidade formal de um fato de língua/linguagem não significa elaborar um conjunto de regras que viabilizam o surgimento dos fatos ou um mecanismo indutivo de produzir generalizações. Como explica Guimarães (1987: 17), ela serve para preencher o hiato entre o nível dos fatos (nível da observação) e o nível descritivo-explicativo.

5.1 As regularidades formais dos apelidos do Grupo A

Quanto à forma fonética16, os apelidos do Grupo A podem sofrer redução fonética ou não.

Exemplos de apelidos que não sofrem redução fonética, ou seja, preservam a forma fonética, são: Adilson Advogado (Adilson G. Moreira), Afonso da Padaria (Afonso C Ribeiro), Geraldo Abelha (Geraldo M C Silva), Almeida (Helvécio G. Almeida), Catarina (Catarina B Sousa), Wander da Gráfica (Wander J Pontes), etc.

A redução fonética pode preservar a sílaba tônica do apelido ou não. No primeiro caso temos como exemplo: Bida (Concebida M Alexandre), Betina (Albertina Canaan), Bela Cozinheira (Isabel R. Morais), Bela do Tuniquinho (Isabel A. Assis), Paulinho Gordo (Paulino G Prado), Nando Gás (Fernando I Souza), Zé do Óculos (José A Freitas), etc.

No segundo caso temos como exemplo: Dada (Geralda R Marcelino), Dora (Doralice F S Santos), Geninho (Eugênio P Gama), Belo Biscoiteiro (Belisário Pinto), Chicão do Bicho (Francisco X Alves), Dudu do Janjão (Eduardo O Teixeira), Afonsinho Marcineiro (Afonso A da Cunha), Elvinha da Praça (Élvia M M Cecotti), Zimbão (Orozimbo M Amaral) etc.

Quanto à forma morfológica, os apelidos podem apresentar derivação com morfemas de aumentativo e diminutivo, ou não apresentar derivação. Entre os apelidos que apresentam preservação da forma fonética não ocorre derivação. Servem de exemplo aqui todos os apelidos mencionados no primeiro parágrafo.

Os apelidos reduzidos foneticamente com preservação da sílaba tônica podem apresentar derivação, mas é mais raro; encontramos aí apenas um exemplo: Paulinho Gordo (Paulino G Prado). É mais comum não ocorrer derivação entre esses apelidos: Bida (Concebida M Alexandre), Betina (Albertina Canaan), Bela Cozinheira (Isabel R. Morais), Bela do Tuniquinho (Isabel A. Assis), Nando Gás (Fernando I Souza), Zé do Óculos (José A Freitas), etc.

Entre os apelidos reduzidos foneticamente sem a preservação da sílaba tônica, também pode ou não haver derivação. Exemplos do primeiro caso são: Geninho (Eugênio P Gama), Chicão do Bicho (Francisco X Alves), Afonsinho Marcineiro (Afonso A da Cunha), Elvinha da Praça (Élvia M M Cecotti), Zimbão (Orozimbo M Amaral), etc. Exemplos do segundo caso são Dada (Geralda R Marcelino), Dora (Doralice F S Santos), Belo Biscoiteiro (Belisário Pinto), Dudu do Janjão (Eduardo O Teixeira), etc.

Quanto à forma morfossintática, os apelidos podem aparecer composicionados ou não. Quando há composição, ela sempre ocorre por meio da preposição de um sintagma ou pela justaposição de um nome ou adjetivo.

Como exemplos de apelidos com preservação da forma fonética, sem derivação e sem composição, temos: Catarina (Catarina B Sousa), Almeida (Helvécio G. Almeida), etc. Exemplos de apelidos dessa mesma ordem, mas com justaposição são: Adilson Advogado (Adilson G. Moreira), Geraldo Abelha (Geraldo M C Silva); e com preposição de sintagma são: Afonso da Padaria (Afonso C Ribeiro), Wander da Gráfica (Wander J Pontes), etc.

Não há ocorrências de apelidos com preservação da forma fonética, com derivação e composição.

Como exemplos de apelidos reduzidos foneticamente com preservação da sílaba tônica, com ausência de derivação e ausência de composição, temos: Bida (Concebida M Alexandre), Betina (Albertina Canaan), etc.

Apelidos dessa mesma ordem, mas com justaposição de nome ou adjetivo são: Bela Cozinheira (Isabel R. Morais), Nando Gás (Fernando I Souza), etc; e com preposição de sintagma são: Bela do Tuniquinho (Isabel A. Assis), Zé do Óculos (José A Freitas), etc.

Apelidos reduzidos foneticamente com preservação da sílaba tônica, com derivação e sem composição não ocorrem. Há apenas um exemplo de apelido dessa mesma ordem mas com justaposição: Paulinho Gordo (Paulino G Prado). Apelidos com preservação da sílaba tônica, com derivação e compostos por preposição de sintagmas não ocorrem.

Exemplos de apelidos reduzidos sem a preservação da sílaba tônica, sem derivação e sem composição são: Dada (Geralda R Marcelino), Dora (Doralice F S Santos), etc. Um exemplo de apelido dessa mesma ordem mas justaposto a nome ou adjetivo é: Belo Biscoiteiro (Belisário Pinto), etc.; e preposicionado a sintagma é: Dudu do Janjão (Eduardo O Teixeira), etc.

Exemplos de apelidos reduzidos sem preservação da sílaba tônica, com derivação e ausência de composição são: Geninho (Eugênio P Gama), Zimbão (Orozimbo M Amaral), etc.

Um apelido dessa mesma ordem, mas com justaposição é: Afonsinho Marcineiro (Afonso A da Cunha), etc. Exemplos de apelidos sem a preservação da sílaba tônica, com derivação e com preposição de um sintagma são: Chicão do Bicho (Francisco X Alves), Elvinha da Praça (Élvia M M Cecotti), etc.

Veja na tabela 2 ao final do artigo as regularidades formais dos apelidos do Grupo A.

5.2 As regularidades formais dos apelidos do Grupo B

Quanto à forma fonética, os apelidos do Grupo B, assim como os do Grupo A, podem aparecer reduzidos foneticamente ou não. No grupo B, a não redução, ou seja, a preservação da forma fonética, é mais comum. Alguns exemplos são: Alemão (Edson F. Malta), Paraná (José E Almeida), Pelé (Lázaro R Silva), Boneco do Fundão (Antônio C Paula), Galo Chapa (Helvio A Vilaça), Neném da Água (Almir V Almeida), Tindora (Geraldo L Santos), China Carioca (Jeferson Souza).

Quando há redução fonética, ela pode preservar a sílaba tônica do apelido ou não. A preservação da sílaba tônica é pouco comum. Há poucos exemplares aqui: Fia (Maria L da Silva), Roia (Luiz C C Gonçalves), Repoio (Júnior Rodrigues), Fia do Colera (Maria D F Martins), Fia do Tate (Luiza M P Sousa). Fia, por exemplo, mostra um trabalho sobre o apelido Filha. Ocorre uma redução fonética que preserva a sílaba tônica /fi/ e incide sobre a segunda sílaba /lha/, suprimindo sua parte consonantal.

A redução fonética que não preserva a sílaba tônica é mais comum do que a preservação da sílaba tônica. Os exemplos aqui são os apelidos derivados com morfema de aumentativo ou diminutivo: Bodão (Cláudio A F Luiz), Burrinho (Carlos A Freitas), Lobão (Carlos R A Costa), Lobinho (Lucélio A Cordeiro), Lobão do Bar (Geraldo A S), Minininha do Dila (Maria L L Silva), Tampinha (Rosa A S Fernandes), Zebrinha (Euzébio S N).

Quanto à forma morfológica, os apelidos do Grupo B podem apresentar ou não derivação com morfemas de aumentativo ou diminutivo.

Há ausência de derivação entre os apelidos que preservam a forma fonética e entre os apelidos com redução fonética com preservação da sílaba tônica. Exemplos do primeiro caso podem ser os apelidos do primeiro parágrafo; exemplos do segundo caso são os apelidos do segundo parágrafo. A derivação ocorre apenas nos casos de redução fonética sem a preservação da sílaba tônica, como ocorre com os apelidos ao final do parágrafo anterior.

Quanto à forma morfossintática pode haver a ausência de composição, o que é mais comum, ou a composição por meio da preposição de um sintagma ou por meio da justaposição de um nome ou adjetivo, o que é mais raro.

Entre os apelidos que apresentam preservação da forma fonética e ausência de derivação, a ausência de composição é mais comum. Exemplos desse caso são: Alemão (Edson F. Malta), Paraná (José E Almeida), Pelé (Lázaro R Silva), Tindora (Geraldo L Santos). Quando há composição, ambos os tipos ocorrem. Exemplos de apelidos dessa mesma ordem mas seguidos por justaposição de nome ou adjetivo são: China Carioca (Jeferson Souza), Galo Chapa (Helvio A Vilaça), etc.; e seguidos por preposição de sintagma são: Boneco do Fundão (Antônio C Paula), Neném da Água (Almir V Almeida), etc.

Como não há ocorrências de apelidos com preservação da forma fonética e derivação com morfemas de aumentativo ou diminutivo, não há ocorrências de apelidos com ou sem composição nessa ordem.

Entre os apelidos que apresentam redução fonética com preservação da sílaba tônica e ausência de derivação há três casos com ausência de composição: Fia (Maria L da Silva), Roia (Luiz C C Gonçalves), Repoio (Júnior Rodrigues). Não há exemplos de apelidos dessa ordem mas com justaposição de nome ou adjetivo. Há dois exemplos de apelidos dessa ordem com preposição de sintagma: Fia do Colera (Maria D F Martins), Fia do Tate (Luiza M P Sousa).

Como não há ocorrências de apelidos com redução fonética com preservação da sílaba tônica e derivação, não há ocorrências de apelidos com ou sem composição nessa ordem.

Entre os apelidos que apresentam redução fonética sem a preservação da sílaba tônica e ausência de derivação, não ocorrem exemplos de apelidos com ou sem composição.

Entre os apelidos que apresentam redução fonética sem a preservação da sílaba tônica e derivação com morfema de aumentativo ou diminutivo, há casos de ausência de composição, como em: Bodão (Cláudio A F Luiz), Burrinho (Carlos A Freitas), Lobão (Carlos R A Costa), Lobinho (Lucélio A Cordeiro), Tampinha (Rosa A S Fernandes), Zebrinha (Euzébio S N); e casos de preposição de sintagma, como em: Lobão do Bar (Geraldo A S) e em Minininha do Dila (Maria L L Silva). Não há ocorrência de apelidos dessa ordem com justaposição de nome ou adjetivo.

Veja na tabela 3 ao final do artigo as regularidades formais dos apelidos do Grupo B.

Tendo apresentado as regularidades formais dos apelidos dos Grupos A e B, vamos agora confrontá-las com as regularidades formais dos nomes jurídicos conforme descritas por Guimarães (2002) e apresentadas no item 2.

5.3 Nomes jurídicos X nomes lúdicos: semelhanças e diferenças entre as regularidades formais

Quanto à redução e a preservação da forma fonética, os nomes jurídicos não admitem a redução fonética, enquanto os nomes lúdicos admitem. Essa diferença está ligada a diferença no funcionamento semântico desses dois nomes como será mostrado a partir do item seguinte. Os nomes lúdicos expressam muitas vezes o afeto entre o apelidador e o apelidado e a redução fonética é uma das formas oferecidas pela língua para fazer o afeto significar. Já aos nomes jurídicos, não é permitido expressar afeições.

Quanto às formações morfológicas, os nomes jurídicos não admitem derivação com morfemas de aumentativo ou diminutivo. Essa afirmação pode parecer equivocada quando se tem conhecimento de prenomes como Terezinha, por exemplo. Apesar desse prenome apresentar uma terminação em [-inha], ela não significa necessariamente a possibilidade de derivação morfológica no nome jurídico. O que pode estar em jogo aqui é a possibilidade de apelidos formados pela derivação de morfemas de diminutivo em [-inho] ou [-inha] se tornarem prenomes de um nome jurídico.

A ausência de sufixação no nome jurídico e a presença de sufixação nos apelidos também estão ligadas às diferenças enunciativas entre estes nomes. Por meio dos morfemas de aumentativo e diminutivo é possível produzir uma série de sentidos sobre o apelidado que vão desde o afeto até o menosprezo. Nenhum desses dois sentidos é permitido ao nome jurídico expressar.

Quanto à morfossintaxe, tanto os nomes jurídicos quanto os lúdicos não admitem preposições do tipo com, a ou para. Ambos admitem a preposição de que pode aparecer contraída com os determinantes o(s) e (a)s na formação da determinação por meio de sintagmas preposicionados.

Em relação a conjunções, os nomes jurídicos admitem a conjunção e enquanto os nomes lúdicos não. É importante refletir sobre isso. Nos nomes jurídicos a conjunção e articula sobrenomes como em Antônio Cândido de Melo e Souza. A sua ausência nos apelidos significa a ausência de sobrenomes nos apelidos e, por conseguinte, a ausência de prenomes. Como afirma Fernández Leborans (1999: 81), um nome se define como prenome quando anteposto a um sobrenome e um nome se define como sobrenome quando precede um prenome.

Se assumo essa parte da definição de Fernández Leborans, é porque ela sustenta em partes o que tenho chamado de nome jurídico a partir da descrição de Guimarães (2002). A sua especificidade morfossintática é ser composta por justaposição ou por preposição de um prenome a um sobrenome.

A ausência desses nomes entre os apelidos significa a especificidade da regularidade lexical do nome jurídico em relação a eles - são formados por prenomes e sobrenomes -, e também a especificidade da regularidade lexical dos apelidos em relação ao nome jurídico - não são formados por prenomes e sobrenomes.

Ainda é importante chamar atenção para a regularidade lexical de marcação de relação familiar encontrada nos apelidos e mostrar sua diferença na nomeação jurídica.

Enquanto o nome jurídico lança mão das palavras filho, júnior e neto, os apelidos Piruá Filho (Agnaldo M Santos) e Piruá Véio (Alvimar M Santos), alocados no Grupo B, e os apelidos Geraldo Boro Filho (Geraldo A C R) e Geraldo Boro Pai (Geraldo M Rodrigues), alocados no Grupo A, mostram que os apelidos se valem das palavras filho, véio e pai.

A diferença está no fato de os nomes jurídicos marcarem a relação familiar no nome dos filhos ou netos, por meio da justaposição de filho ou júnior ao final do nome jurídico do filho e por meio da justaposição de neto ao final do nome jurídico do neto, ao passo que os apelidos marcam essa relação no apelido do pai e do filho, através da justaposição de véio ou pai ao final do apelido do pai e através da justaposição de filho ao final do apelido do filho.

Do meu ponto de vista, a diferença entre as regularidades formais dos apelidos e dos nomes jurídicos é efeito do intenso trabalho polissêmico que constitui a apelidação quando comparada com o trabalho polissêmico da nomeação jurídica. Explico isso melhor na análise semântico-enunciativa a seguir.

6. Análise semântico-enunciativa dos apelidos

Em Análise de Discurso (AD), a palavra “lúdico” se refere a um tipo de discurso. De acordo com Orlandi (1983), há três tipos de discurso: o lúdico, o polêmico e o autoritário. A autora estabelece essa divisão ao analisar o discurso pedagógico no Brasil na década de 1970. Na época, Orlandi mostrou que esse discurso se caracterizava como autoritário.

Os critérios para a divisão dos tipos discursivos são dois: a interação entre os interlocutores e a polissemia.

A interação entre os interlocutores diz respeito ao modo como um locutor considera o outro e a reversibilidade entre eles no discurso. Quanto ao primeiro aspecto, entra em questão saber se “o locutor leva em conta seu interlocutor de acordo com uma certa perspectiva, não o leva em conta, ou a relação entre interlocutores é qualquer uma” (Orlandi 1983: 154). O aspecto da reversibilidade trata da dinâmica da interlocução: “segundo o grau de reversibilidade haverá uma maior ou menor troca de papéis entre locutor e ouvinte, no discurso” (Orlandi 1983: 154).

A polissemia em AD está relacionada ao modo como essa disciplina compreende a produção de linguagem. A paráfrase e a polissemia são os dois grandes processos responsáveis por essa produção (Orlandi 1983: 27).

Por meio da paráfrase, em todo discurso há sempre um retorno a um dizer já sedimentado sobre o objeto tratado pelo discurso: “a paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços de dizer” (Orlandi 1999: 36). A polissemia diz respeito à possibilidade do discurso romper com esse dizer já sedimentado ao qual ele sempre retorna.

Orlandi a chama de uma força na linguagem: “a polissemia é essa força na linguagem que desloca o mesmo, o garantido, o sedimentado” (Orlandi 1983: 27).

A produção de linguagem se dá, portanto, de acordo com a AD, sempre numa tensão entre a paráfrase e a polissemia: “entre o que é garantido e o que tem de se garantir” (Orlandi 1983: 27).

A polissemia enquanto critério para divisão de tipos de discurso se configura na relação dos interlocutores com o objeto de discurso. Essa relação pode se configurar de três maneiras diferentes de acordo com Orlandi (1983: 154): “o objeto de discurso é mantido como tal e os interlocutores se expõem a ele; ou está encoberto pelo dizer e o falante o domina; ou se constitui na disputa entre os interlocutores que o procuram dominar”. A autora ainda fala que dependendo da forma como a relação entre interlocutor e objeto se configurar “(...) haverá uma maior ou menor carga de polissemia de acordo com essa forma de relação” (Orlandi 1983: 154).

Enfim, os três tipos de discursos em AD são definidos assim:

Discurso lúdico: é aquele em que a reversibilidade entre interlocutores é total, sendo que o objeto do discurso se mantém como tal na interlocução, resultando disso a polissemia aberta. O exagero é o non sense.

Discurso polêmico: é aquele em que a reversibilidade se dá sob certas condições e em que o objeto do discurso está presente, mas sob perspectivas particularizantes dadas pelos participantes que procuram lhe dar uma direção, sendo que a polissemia é controlada. O exagero é a injúria.

Discurso autoritário: é aquele em que a reversibilidade tende a zero, estando o objeto do discurso oculto pelo dizer, havendo um agente exclusivo do discurso e a polissemia contida. O exagero é a ordem no sentido militar, isto é, o assujeitamento ao comando.

(Orlandi 1983: 154).

É importante, antes de prosseguir, explicitar uma ressalva de Orlandi (1999: 87) ao termo “lúdico”: “não se deve assim tomar, por exemplo, lúdico no sentido do brinquedo, mas do jogo da linguagem (polissemia)”. Ou seja, o sentido de jogo comumente associado ao sentido de lúdico17 não deve ser associado a uma brincadeira infantil ou a um mero divertimento, mas deve ser remetido a possibilidade de jogo da linguagem tratado em termos de polissemia.

Em uma análise do discurso irônico, Orlandi (2012) mobiliza o termo jogo para explicar o modo como esse discurso trabalha a própria linguagem e o referente.

No discurso irônico, o trabalho da linguagem sobre a própria linguagem funciona pelo eco e ruptura: ao ironizar a fala do interlocutor, se diz o contrário do que ele diz. Ou seja, ao mesmo tempo que a fala do interlocutor ecoa na ironia, a ironia rompe com ela.

Há aí um jogo da linguagem sobre a própria linguagem que afeta o modo como o referente é construído nesse discurso: ele aponta para a contradição entre dois estados de mundo diferentes; o estado do mundo referido no eco e aquele referido na ruptura.

Para falar de como o objeto de discurso está presente no âmbito das nomeações de pessoa vou pensar no modo como a referência a um sujeito é construída a partir delas pelo jogo da linguagem. A apelidação, no caso, pode construir a referência a um sujeito através de diferentes formas e sentidos, recortando características diferentes, independentemente de qualquer valor de verdade deduzido a partir dos fatos do mundo sobre o apelidado.

Seja, por exemplo, Alemão (Edson F. Malta), apelido do Grupo B. Ele pode significar de diferentes modos como a série de paráfrases18 mostra abaixo:

  • (1)Edson F. Malta é loiro como um alemão. Portanto, seu apelido é Alemão.

  • (2)Edson F. Malta tem olhos verdes como os de um alemão. Portanto, seu apelido é Alemão.

  • (3)Edson F. Malta tem a pele branca como a de um alemão. Portanto, seu apelido é Alemão.

  • (4)Edson F. Malta é casado com uma alemã. Portanto, seu apelido é Alemão.

  • (5)Edson F. Malta nasceu na Alemanha. Portanto, seu apelido é Alemão.

  • (6)Edson F. Malta tem a pele negra. Os alemães não têm a pele negra. A pele dos alemães é branca. Portanto, o apelido de Edson F. Malta é Alemão.

Seja ainda o apelido Lêta (Risoleta F Cecoti) do Grupo A. Ele pode significar de diferentes maneiras como as paráfrases abaixo mostram:

  • (7)Risoleta F Cecoti é uma pessoa com quem se tem uma relação afetiva. Portanto, seu apelido é Lêta.

  • (8)Risoleta F Cecoti é uma pessoa de baixa estatura. “Risoleta” é um nome muito grande para uma pessoa de baixa estatura. Portanto, seu apelido é Lêta.

No caso de Carlinho (Carlos J Silva) do Grupo A, podemos ter, por exemplo:

  • (9)Carlos J Silva é uma pessoa com quem se tem uma relação afetiva. Portanto, seu apelido é Carlinho.

  • (10)Carlos J Silva é uma pessoa de baixa estatura. Portanto, seu apelido é Carlinho.

  • (11)Carlos J Silva é filho de Carlos Silva. Portanto, seu apelido é Carlinho.

  • (12)Carlos J Silva é uma pessoa menosprezada. Portanto, seu apelido é Carlinho.

  • (13)Carlos J Silva é uma pessoa de estatura alta. Portanto, seu apelido é Carlinho.

Em China Carioca (Jeferson Souza), apelido do Grupo B, podemos ter, por exemplo:

  • (14)Jeferson Souza tem os olhos como os olhos de pessoas nascidas na China e Jeferson Souza nasceu no Rio de Janeiro. Portanto, seu apelido é China Carioca.

  • (15)Jeferson Souza nasceu na China e fala como os cariocas falam. Portanto, o seu apelido é China Carioca.

  • (16)Jeferson Souza nasceu na China e morou no Rio de Janeiro. Portanto, o seu apelido é China Carioca

  • (17)Jeferson Souza tem os olhos como os olhos de pessoas nascidas na China e fala como um carioca. Portanto, seu apelido é China Carioca.

Em Flávio Bode (Flávio B Silva), apelido do Grupo A:

  • (18)Flávio B Silva tem barba como as barbas de um bode. Portanto, seu apelido é Flávio Bode.

  • (19)Flávio B Silva é bravo como um bode. Portanto, seu apelido é Flávio Bode.

  • (20)Flávio B Silva tem um bode. Portanto, seu apelido é Flávio Bode.

  • (21)Flávio B Silva cria bodes. Portanto, seu apelido é Flávio Bode.

Em Lobão do Bar (Geraldo A S), apelido do Grupo B:

  • (22)Geraldo A S é uma pessoa de estatura alta, é esperto como um lobo e é dono de um bar. Portanto, seu apelido é Lobão do Bar.

  • (23)Geraldo A S é uma pessoa de estatura baixa, é perigoso como um lobo e trabalha em um bar. Portanto, seu apelido é Lobão do Bar.

  • (24)Geraldo A S é uma pessoa de estatura alta, tem hábitos noturnos como um lobo e frequenta um bar. Portanto, seu apelido é Lobão do Bar.

Em Afonso da Padaria (Afonso C Ribeiro), apelido do Grupo A:

  • (25)Afonso C Ribeiro é dono de uma padaria. Portanto, seu apelido é Afonso da Padaria.

  • (26)Afonso C Ribeiro trabalha em uma padaria. Portanto, seu apelido é Afonso da Padaria.

  • (27)Afonso C Ribeiro frequenta uma padaria. Portanto, seu apelido é Afonso da Padaria.

Cada uma das paráfrases identifica o sujeito apelidado através de uma característica ou de uma série delas que podem ser de ordens diversas: fisiológica, de relacionamento matrimonial (como no caso de Edson F. Malta ser casado com uma alemã), profissional, psicológica, de relacionamento afetivo, etc. Cada uma delas funciona como um modo diferente de construir a referência ao sujeito apelidado.

As paráfrases acima têm um funcionamento semântico-enunciativo específico.

As de número (1), (2), (3), (18), (19) tem um funcionamento metafórico; elas são construídas através da comparação de uma característica incomum entre o apelidado e um animal ou algum tipo de esteriótipo de uma nacionalidade. As paráfrases (4), (5), (7), (8), (9), (10), (11), (12), (20), (21), (22), (25), (26), (27) funcionam como uma metonímia: elas são construídas a partir de uma característica que seria própria do apelidado. As paráfrases (6) e (13) funcionam como uma ironia: elas geram uma contradição entre uma característica física do apelidado e as características que o apelido pode significar - Alemão pode significar alguém de pele branca e Carlinho pode significar pequenez, baixa estatura, pelo morfema [-inho].

As paráfrases (14), (15), (16), (17), (22), (23), (24) são construídas por mais de um funcionamento enunciativo. Em (14), por exemplo, a primeira parte, “Jeferson Souza tem os olhos como os olhos de pessoas nascidas na China”, funciona como uma metáfora e a segunda parte, “Jeferson Souza nasceu no Rio de Janeiro”, funciona como uma metonímia. Em (23), por exemplo, a primeira parte, “Geraldo A S é uma pessoa de estatura baixa” funciona como uma ironia em relação ao sentido de grandeza trazido pelo morfema [-ão] em “Lobão”, a segunda parte, “é esperto como um lobo”, funciona como uma metáfora e a terceira parte, “é dono de um bar”, funciona como uma metonímia.

Os diferentes funcionamentos enunciativos indicados pelas paráfrases para os apelidos acima revelam a grande abertura ou força polissêmica em funcionamento na apelidação. São vários os sentidos que podem significar o sujeito apelidado através de diferentes funcionamentos enunciativos e assim construir a referência a ele. Um ou mais de um funcionamento semântico pode constituir um apelido. Em Lobão do Bar (Geraldo A S), por exemplo, a paráfrase (23) se constitui pela ironia, a metáfora e pela metonímia ao mesmo tempo.

Por outro lado, a grande abertura ou força polissêmica se revela pelo fato de não ser possível indicar qual paráfrase e, por conseguinte, qual(is) funcionamento(s) semântico(s), são aqueles que constituem Lobão do Bar como um apelido para Geraldo A S, por exemplo. Isso afeta qualquer possibilidade de afirmação sobre um outro memorável recortado na apelidação.

Além do memorável da nomeação jurídica, a apelidação recorta um memorável que significa um modo de apresentar o sujeito, trata-se de um sentido para o sujeito que se constitui através dessas características de ordem diversas (fisiológicas, psicológicas, profissionais, matrimoniais, de relacionamento afetivo, etc.) mencionadas nas paráfrases.

Se Alemão (Edson F. Malta), por exemplo, funciona como uma das metáforas indicadas em (1), (2) e (3), estaria em funcionamento, além do memorável da nomeação jurídica, o memorável da fisiologia do corpo humano.

Se, ao contrário, o apelido funcionasse através de uma das metonímias indicadas em (4) e (5), seria rememorado o memorável das relações matrimoniais e de nacionalidade respectivamente. Mas se Alemão (Edson F Malta) funciona como a ironia indicada em (6), estaria em funcionamento o memorável da fisiologia do corpo humano novamente.

Se Lêta (Risoleta F Cecoti) funciona como a metonímia em (7), estaria em funcionamento o memorável das relações afetivas, mas se funciona como a metonímia em (8), estaria em funcionamento o memorável da fisiologia do corpo humano.

Em nenhum dos casos é possível afirmar com certeza qual é o memorável que funciona como um modo de apresentação do sujeito na apelidação, pois não é possível afirmar qual dos vários possíveis funcionamentos semânticos e suas respectivas paráfrases constituem o apelido para o apelidado.

Como diz Orlandi ao definir o discurso lúdico, o seu exagero é o non sense. Apelidos como Bilisia (Vilson F Barroso), Tartôgo (Geraldo A Gonçalves) e Tidanga (Álvaro Gonçalves), alocados no Grupo B, servem como exemplo do exagero polissêmico na apelidação. Não é possível descrever paráfrases para explicar o seu funcionamento semântico, por conseguinte, não é possível prever um funcionamento semântico-enunciativo para eles e muito menos um memorável de modo de apresentação do sujeito. Esses apelidos não retomam um signo previsto na língua como em Alemão (Edson F. Malta), Carlinho (Carlos J Silva), ou Lobão do Bar (Geraldo A S), por exemplo; a construção da referência aqui se dá pela criação de um novo signo, uma das formas pela qual a apelidação pode garantir o efeito de exclusividade e unicidade característico de um nome próprio.

A força ou abertura polissêmica na apelidação afeta também a língua, o que permite falar de um jogo sobre a língua. Esse jogo aparece nas diferentes formas fonética, morfológica e morfossintática consideradas aqui como as diferentes regularidades formais dos apelidos. Esse jogo fica ainda mais complexo se, quanto à forma fonética, por exemplo, vai-se além da regularidade de preservação ou não da sílaba tônica e observa-se o trabalho sobre outras sílabas.

Em Betina (Albertina Canaan), preservam-se as sílabas anterior e posterior à sílaba tônica, a sílaba anterior sofre redução; em Biana (Fabiana Souza), preservam-se as sílabas anterior e posterior à tônica; em Bida (Concebida M Alexandre) preserva-se a sílaba posterior à tônica; em Ceci (Cecília M Vaz) preserva-se a sílaba anterior à tônica; em Cacá (Carmem A Souza) reduplica-se a sílaba tônica; em Dada (Geralda R Marcelino) reduplica-se a sílaba pós-tônica; em Dandan (Daniel V B Amorim) reduplica-se a primeira sílaba anterior à tônica; em Ge (Maria Geralda), preserva-se a sílaba anterior à tônica.

É importante lembrar que o jogo sobre a língua e a linguagem não é um jogo sem regras como diz Orlandi. Mesmo sob a grande força polissêmica, a apelidação não extrapola regularidades previstas na língua e da linguagem.

Segundo Mori (2000: 175), os tipos de sílaba que podemos ter em palavras do português são as seguintes: CVC, CCV, CVCC, CV e V (sendo V = vogal e C = consoante), como o esquema abaixo mostra:

a.cor.do = V.CVC.CV

pers.pec.ti.va = CVCC.CVC.CV.CV

prá.ti.co = CCV.CV.CV

a.gru.par = V.CCV.CVC

A possibilidade de jogo sobre a forma fonética da língua mostrada nos apelidos acima não transgride a formação silábica do português brasileiro. Eles apresentam a regularidade CV, V e CVC do esquema de Mori:

  • Betina (Albertina Canaan) = CV.CV.CV

  • Biana (Fabiana Souza) = CV.V.CV

  • Bida (Concebida M Alexandre) = CV.CV

  • Ceci (Cecília M Vaz) = CV.CV

  • Cacá (Carmem A Souza) = CV.CV

  • Dada (Geralda R Marcelino) = CV.CV

  • Dandan (Daniel V B Amorim) = CVC.CVC

  • Ge (Maria Geralda) = CV

No caso do jogo sobre a linguagem, os sentidos se produzem através de funcionamentos semânticos reconhecidos no funcionamento enunciativo: a ironia, a metáfora, a metonímia.

As regras da língua e da linguagem são seguidas até mesmo quando a polissemia do jogo sobre elas é exagerada. Bilisia (Vilson F Barroso), Tartôgo (Geraldo A Gonçalves) e Tidanga (Álvaro Gonçalves) seguem o padrão silábico apresentado por Mori: Bilisia = CV.CV.CV.V, Tartôgo = CVC.CV.CV e Tidanga = CV.CVC.CV.

Enquanto nos apelidos a construção do referente pode se dar através de diferentes sentidos e funcionamentos enunciativos, na relação com diferentes regularidades formais de ordem fonética, morfológica e morfossintática, o que deflagra um grande jogo da língua e da linguagem, os nomes jurídicos não apresentam essa diversidade.

O nome jurídico tem que se configurar como um nome de gente no espaço de enunciação do português brasileiro. Ele não pode ser construído com outros tipos de nomes que não sejam prenomes, sobrenomes e os especificadores (Filho, Júnior, Neto) e devem seguir sempre a ordem prenome (+ prenome) + sobrenome (+ sobrenome) (+ especificador).

Quanto ao funcionamento da linguagem nos nomes jurídicos, o sujeito nomeado não pode ser significado por sentidos que não sejam os das relações de pertencimento a uma família. Sentidos constrangedores ou quaisquer outros são proibidos: a construção do referente, através da qual ocorre a identificação do sujeito no espaço enunciativo, só pode ser pelo sentido de pertencimento a uma família.

A preposição de é um lugar onde se nota bem a diferença de sentidos entre os nomes jurídicos e os apelidos. Enquanto nos primeiros ela significa o pertencimento a uma família, seja no caso da preposição de um sobrenome a um prenome ou entre sobrenomes, nos apelidos ela produz outros sentidos.

As paráfrases para os apelidos Lobão do Bar (Geraldo A S) e Afonso da Padaria (Afonso C Ribeiro) mostram isso. As metonímias “é dono de um bar”, “trabalha em um bar”, “frequenta um bar”, “é dono de uma padaria”, “trabalha em uma padaria”, “frequenta uma padaria” respectivamente em (22), (23) e (24) e em (25), (26) e (27) significam, através da preposição de, relações comerciais, no caso de (22), (24), (25), (27), e profissionais em (23) e (26).

Enquanto na apelidação a construção do referente e sua identificação podem ser feitas através de diferentes funcionamentos semântico-enunciativos, o funcionamento semântico-enunciativo na nomeação jurídica é apenas o da determinação de um prenome sobre um sobrenome e vice-versa e o da determinação entre prenomes e sobrenomes, quando há mais de um deles, através da justaposição ou preposição.

Essa diferença de funcionamento da língua e da linguagem na nomeação jurídica em relação à apelidação me permite dizer que na primeira não há um jogo da língua e da linguagem como há na segunda para a construção do referente. Isso diz respeito à polissemia em ambas as nomeações: a polissemia na apelidação é mais aberta, tem uma força maior, tem mais carga do que na nomeação jurídica.

Tendo em vista as análises realizadas até aqui, defino a força, a abertura ou a carga polissêmica como a concorrência de sentidos na construção da referência ao sujeito nomeado e na sua identificação em um espaço de enunciação.

Na apelidação, essa concorrência de sentidos aparece, por um lado, pela coexistência de vários sentidos possíveis de significar o sujeito pelo nome lúdico (ver, por exemplo, as paráfrases para os apelidos feitas acima), quanto pelo trabalho do nome lúdico sobre o nome jurídico: ao fazer isso, os apelidos produzem sentidos que o nome jurídico não é capaz de produzir; se o apelido tem sua especificidade enquanto nome de pessoa, ele tem na medida em que não produz os mesmos sentidos do nome jurídico.

Tudo isso mostra que a concorrência de sentidos na apelidação é maior do que na nomeação jurídica por isso há nela uma força, carga ou abertura polissêmica maior do que na última. E por isso considero a apelidação e os apelidos respectivamente como nomeação lúdica e nomes lúdicos em relação à nomeação jurídica, inspirando-me aqui no modo como Orlandi (1983, 1999) define o discurso lúdico e sua oposição aos discursos polêmico e autoritário.

Mas para que essa caracterização da apelidação como nomeação lúdica e dos apelidos como nomes lúdicos, a partir da noção de discurso lúdico de Orlandi (1983), seja coerente, ainda é preciso pensar a interação dos interlocutores nessa nomeação e contrastá-la com a interação entre eles na nomeação jurídica. Para isso a descrição da cena enunciativa das nomeações pode ajudar.

Quanto ao modo como o locutor considera seu interlocutor, na apelidação, ele o considera de dois lugares de dizer: o coletivo e o genérico. O primeiro é próprio das apelidações que preservam o prenome e trabalham sobre ele. Como diz Guimarães (2002: 38), ela “inclui no lugar de renomeação o próprio renomeado. É como um nós do qual o renomeado faz parte”. O segundo é próprio das apelidações que preservam o sobrenome e trabalham sobre ele, ou não trabalham sobre o nome jurídico do apelidado.

Quanto ao lugar social do qual o Locutor pode considerar seu interlocutor, na apelidação ele pode ser variado. Vários lugares sociais podem se configurar como locutor. Foi o que tentei representar considerando um locutor-x na cena enunciativa da apelidação. Essa é a base para os diversos tipos de relação que podem se estabelecer na apelidação: apelidado por Y - diferentes possibilidades de relação com Y.

Há reversibilidade entre os interlocutores na apelidação. O mesmo lugar social de locutor pode ocupar o lugar social de alocutário e vice-versa. Isso representa o fato de que um pai pode apelidar um filho, um filho pode apelidar um pai, colegas podem se apelidar, um irmão/irmã pode apelidar outro irmão/irmã, um tio pode apelidar um sobrinho, um sobrinho pode apelidar um tio, etc.

A reversibilidade entre os interlocutores e os diferentes lugares sociais do qual um locutor pode considerar seu interlocutor fazem com que a prática de apelidação seja menos ritualizada em relação à nomeação jurídica

Na nomeação jurídica, o locutor considera seu interlocutor de um mesmo lugar de dizer: o individual, “os pais nomeiam como aqueles que escolhem, segundo querem, um nome” (Guimarães 2002: 36). O lugar social de locutor deve ser sempre o da paternidade (locutor-pai) e o de alocutário sempre o de filho/filha e não há reversibilidade entre eles: o filho/filha não pode nomear juridicamente o pai.

Essas características fazem com que, pela nomeação jurídica, se estabeleça apenas um tipo de relação entre nomeador e nomeado: nomeado juridicamente por X - filho/filha de X.

Quanto ao critério do modo como o locutor considera seu interlocutor e a reversibilidade entre eles, na apelidação a consideração pode se dar de lugares de dizer diferentes (o genérico e o coletivo) e a reversibilidade ocorre. Na nomeação jurídica a consideração é feita de apenas um mesmo lugar de dizer (o individual) e não há reversibilidade.

Essa diferença é coerente com a definição da apelidação como nomeação lúdica em relação à nomeação jurídica a partir da tipologia de discurso cunhada por Orlandi (1983, 1999).

7. Considerações finais

Em AD a tipologia de discursos pode se distinguir devido à tensão dos processos de produção de linguagem, a paráfrase e a polissemia. Cabe perguntar então o que, na enunciação, promove a distinção entre as nomeações lúdica e jurídica.

Dentro do quadro da teoria enunciativa de Guimarães (2002), todo acontecimento de linguagem, seja uma nomeação ou não, se dá dentro de um espaço de enunciação. Esse espaço é politicamente constituído o que promove uma divisão normativa e desigual do real capaz de estabelecer uma deontologia do dizer. A deontologia regula o direito ao dizer entre os falantes que passam a ser considerados como “sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer” (Guimarães 2002: 17-18) no espaço de enunciação.

Cada uma das nomeações de pessoa estudadas revela divisões dos sujeitos, representados pelos locutores, enquanto ao que podem dizer, de que lugar social, a quem e de que modo. Essa divisão tem a ver com o funcionamento da deontologia. Na nomeação jurídica, ela se fundamenta pela política do dizer prevista pela legislação do Estado brasileiro.

Já na nomeação lúdica ela se fundamenta por uma política de dizer construída à margem da legislação do Estado.

Isso torna a deontologia da nomeação jurídica muito mais rígida do que a da nomeação lúdica e constitui desigualmente o funcionamento enunciativo dessas práticas enunciativas. Enquanto na nomeação lúdica a polissemia é mais aberta para a construção do referente, a reversibilidade entre interlocutores ocorre e o locutor pode considerar o interlocutor de diferentes lugares de dizer, na nomeação jurídica a polissemia é estancada, não há reversibilidade entre os interlocutores e o locutor considera o interlocutor de apenas um lugar.

É importante lembrar que mesmo por se constituir à margem da legislação do Estado, a prática da nomeação lúdica não é caótica. A análise de seu funcionamento enunciativo mostra que mesmo sob a grande carga polissêmica, ela segue regularidades previstas na língua e na linguagem.

Por fim, acredito que as análises apresentadas aqui mostram sobretudo um próprio da apelidação em relação à nomeação jurídica.

Seja porque é possível apelidar pela transformação do nome jurídico, como em Lêta (Risoleta F Cecoti) e em Carlinho (Carlos J Silva); ou não, pela remissão a características de ordem fisiológica, psicológica, de local de origem, como em China Carioca (Jeferson Souza) e Alemão (Edson F. Malta), pelo nonsense, como em Bilisia (Vilson F Barroso) e Tidanga (Álvaro Gonçalves), etc.

Seja porque a apelidação estabelece uma forma de relação com o outro que não é a relação pai-filho/filha estabelecida pelo nome jurídico. Ela pode estabelecer a relação entre amigos, entre inimigos, entre primos, entre namorados, entre tio-sobrinho, etc. E isso não só entre apelidador e apelidado, como também entre o apelidado e um outro que mobiliza o apelido para falar do apelidado.

Tabela 2 As regularidades formais dos apelidos do Grupo A 

Tabela 3 As regularidades formais dos apelidos do Grupo B 

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Recebido: 07 de Janeiro de 2017; Aceito: 07 de Setembro de 2017

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