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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.32 no.1 Montevideo jun. 2016

https://doi.org/10.5935/2079-312X.20160012 

Lingüística

Vol. 32-1junio 2016: 141-145

ISSN 2079-312X en línea

ISSN 1132-0214 impresa

DOI: 10.5935/2079-312X.20160012 

 

 

JUANITO ORNELAS DE AVELAR e LAURA ÁLVAREZ LÓPEZ (eds.). 2015. Dinâmicas afro-latinas: língua(s) e história(s). Frankfurt am Main: Peter Lang, 265 pp.

ISBN 9783631660249 (Print) - E-ISBN 9783653052657 - DOI 10.3726/978-3-653-05265-7 

 

Resenhado por MÔNICA MARIA GUIMARÃES SAVEDRA

Universidade Federal Fluminense- UFF, Rio de Janeiro

msavedra@id.uff.br

 

A coletânea organizada por Juanito Ornelas de Avelar e Laura Álvarez López, recém lançada pela Peter Verlag, topicaliza a presença africana na América Latina, com a apresentação de estudos que tratam de aspectos históricos e de identidade linguística e cultural do contato entre falantes de línguas ibéricas e línguas africanas. Uma obra de estimada relevância para o cenário histórico-linguístico dessas sociedades, considerando o lugar de destaque ali ocupado pela presença africana, uma vez que os africanos e afrodescendentes chegaram a constituir a parcela majoritária da população em várias regiões do continente americano. No Brasil, por exemplo, esse grupo correspondia a cerca de dois terços do contingente populacional até o último quartel do século XIX. 

Para apresentar os estudos que problematizam a questão da (s) Língua(s) e História(s) das Dinâmicas Afro-latinas, os autores optam pela distribuição dos 12[1] capítulos em três partes, que correspondem aos eixos centrais para discussão dos pontos abordados dentro da temática da obra: da História para a Língua; Língua(s) e História(s) em Contato e Língua(s) na História: a Escrita como Fonte.  

Na primeira parte, intitulada “Da História para a Língua”, são apresentados os estudos que partem do viés histórico-social do contexto da escravidão no Brasil para explicação de fatos linguísticos. Nos dois primeiros capítulos, Sidney Chaloub e Ivone Solze Lima discutem, com base na análise de documentação histórica, questões relativas à definição de política linguística para ensino de línguas, no caso ensino da língua portuguesa, língua da sociedade dominante e questões de representação linguística do português e das diferentes línguas africanas trazidas no contexto da escravidão para o Brasil. Ambos salientam em seus capítulos a questão do domínio da língua portuguesa pelos escravos africanos introduzidos no país no século XIX pelo seu reconhecimento como escravos ladinos (aculturados), em oposição aos escravos considerados como boçais. Sidney discute a questão a partir de registros de ocorrências policiais relativos à Corte no período de 1830-1850. Salienta em seu texto a importância da aquisição, o quanto antes, pelos africanos recém-chegados, de noções da língua portuguesa e certos sinais corporais, para serem considerados ladinos (africanos aculturados) e ainda trata do alargamento do conceito de ladino como elemento essencial de politização da linguagem no contexto sóciohistórico da época.

Alguns se passam por boçais para escapar à escravização e outros, com maior desembaraço na linguagem se passam por ladinos e são considerados escravos libertos. O autor questiona essa classificação tanto como elemento de política de aquisição formal de língua oficial, no caso do português, quanto como elemento étnico-linguístico identitário e de uso funcional de acordo com o ambiente comunicativo em que é utilizado. Neste trabalho o autor delimita a discussão ao uso da língua na administração e no judiciário. Ivana, ao analisar os anúncios de fuga de escravos em periódicos publicados no Rio de Janeiro, entre 1821 e 1870, identifica vários traços do perfil linguístico dos africanos e afrodescendentes descritos nos anúncios. A autora mostra claramente, na análise de seu corpus, como as fronteiras das diferentes línguas africanas trazidas com os escravos são atravessadas com o processo de nacionalização da língua portuguesa do Brasil que passa a ser a adotada como veículo de comunicação verbal e que vai cada vez mais se tornando a língua lexificadora e de prestígio da situação de contato em referência. 

Nos exemplos que apresenta das práticas de comunicação verbal, a partir dos anúncios analisados, Ivana ainda informa sobre a história de dois termos que compõem os extremos das descrições que propõe acerca do uso da língua: boçal e crioulo. Duas definições que muito ajudam na compreensão de processos de aquisição da língua afro-brasileira nas situações de contato em referência na obra. No terceiro capítulo desta primeira parte, também seguindo o viés histórico, Laura Álvarez-Lopes discute a presença e a procedência dos chamados “minas” no século XIX, dando ênfase tanto ao uso e significado desse termo quanto ao peso demográfico dos grupos assim designados na capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul, que depois se tornou província, e na região platense, no século XIX. A comparação entre dados uruguaios e brasileiros é relevante, porque não há entre os países uma fronteira natural que historicamente tenha separado de forma rígida os falantes de espanhol e os de português. Mais uma vez fica salientada a importância da combinação de informações não somente linguísticas, mas também sociohistóricas sobre a população africana e seus descendentes e, como demonstrado no estudo de Laura em particular, em ambos os lados da fronteira Brasil e Uruguai, contribuindo assim para a identificação étnica dos africanos ali presentes e das línguas por eles faladas durante o século XIX. A autora também aborda em seu capítulo a evolução histórica do termo mina na África e em diversas localidades do Brasil, bem como procura determinar quais eram as línguas africanas faladas nas zonas de procedências desses cativos.  

Outro ponto abordado neste estudo, que merece destaque para o contexto do levantamento de dados históricos em combinação com dados linguísticos, diz respeito aos diferente registros do termo mina e o seu processo de ampliação semântica que passa a incluir cada vez mais regiões e grupos tanto na África como nas Américas e exemplifica com algumas variedades utilizadas por falantes bi- ou plurilíngues em ambos os continentes. No último capítulo desta primeira parte, Dinah Callou sintetiza, de forma clara e precisa, a história do português no e do Brasil e salienta a importância na articulação da história linguística com a história social, para que possa ser discutida a dicotomia “deriva secular” vs. “contato”, a partir de vários estudos já desenvolvidos na área. A autora argumenta que essa dicotomia, presente nos estudos disponíveis sobre as origens do português brasileiro, não capta a complexidade sociohistórica que marca a implantação da língua portuguesa no Brasil. A partir de uma breve revisão bibliográfica muito bem pautada em estudos consagrados sobre as origens do português brasileiro, a autora sugere questionamentos sobre a sociohistória das comunidades linguísticas, das quais ela acredita emanarem as várias histórias do português brasileiro e afirma, com isso, a importância no desenvolvimento de estudos que sejam apoiados em dados histórico-demográficos das diferentes comunidades linguísticas para análise das influência das diversas línguas africanas e de seus grupos étnicos nos estudos de variação e mudança no e do português do Brasil.  

A segunda parte da coletânea, “Língua(s) e História(s) em Contato, reúne quatro trabalhos que tratam de variedades do português e do espanhol na América Latina, destacando dados de ordem lexical e gramatical para introduzir tópicos relacionados ao aporte das línguas africanas na formação dessas variedades. No primeiro capítulo desta parte, John Lipsli mostra as contribuições das línguas afro-hispânicas para o espanhol da América, com base em dados de pesquisa de campo coletados na Bolívia, Colômbia, Equador, México, Panamá e Paraguai. O autor demonstra, nos resultados de sua investigação, algumas particularidades que permitem reconstruir padrões linguísticos que moldaram a fala de afrodescendentes no período de formação de dialetos hispano-americanos. John também retoma os conceitos de falares boçais e crioulos dos temos coloniais, já utilizados no trabalho de Ivana Stolze Lima, na primeira parte desta coletânea, e discute, neste contexto, variantes africanizadas do espanhol utilizadas em épocas passadas como língua veicular e aponta as configurações afro-hispânicas para o século XXI. Nos demais capítulos desta parte são apresentados estudos sobre variedades do português do Brasil em contato com línguas africanas.  

A questão sintática é tratada por Juanito Avelar com as chamadas “construções de tópico-sujeito” do português brasileiro. O autor discute neste estudo a hipótese de o português brasileiro ter sido tipologicamente afetado pelo aporte africano no Brasil, por meio do que vem sendo tratado como um tipo específico de “transmissão linguística irregular”. Nos 63 exemplos apresentados no capítulo, Juanito demonstra em que medida o compartilhamento de propriedades sintáticas pode ser tomado como uma evidência de que as inovações da sintaxe brasileira resultam do contato do português com línguas africanas. O estudo se concentra em fenômenos sintáticos associados à posição de sujeito e à concordância locativa e concordância possessiva no português brasileiro e nas línguas Bantas. No capítulo também são abordados aspectos interlinguísticos que, pelo menos à primeira vista, favorecem (mas não confirmam) a hipótese de que a sintaxe do português brasileiro foi, em sua constituição, afetada pelo aprendizado do português como segunda língua por falantes nativos de línguas Bantas. E, por fim apresenta o continuum afro-brasileiro do português, que considera procedimento crucial para validar sua hipótese de que as construções de tópico-sujeito são um efeito do contato com as línguas Bantas. Os demais capítulos desta parte apresentam dois estudos sobre comunidades quilombolas, ambos inseridas no quadro do Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), projeto criado para documentar as línguas e variedades linguísticas faladas no Brasil, reconhecidas como patrimônio imaterial da humanidade, que devem ser documentadas, preservadas e reconhecidas como referência cultural brasileira.  

O estudo desenvolvido na comunidade quilombola de Jurussaca (Pará) trata de inovações gramaticais identificadas no português falado e foi desenvolvido por Márcia Oliveira, Edinalvo Apóstolo Campos, Jair Francisco Cecim, Francisco João Lopes e Raquel de Azevedo da Silva. Os autores discorrem sobre os conceitos de português afro-brasileiro e português indígena, para apresentar o que argumentam tratar-se de Português Afro-Indígena (PAfroInd); um tipo de variedade popular rural que apresenta particularidades etnolinguísticas e pode ser situada no continuum de variedades do português brasileiro. Os autores partem dos dados de fala da comunidade quilombola de Jurussaca e apresentam os dados de um estudo etnolinguístico realizado para discussão do uso da expressão pronominal no PAfroInd em cotejo com outras variedades brasileiras (PB e PVB). O estudo desenvolvido em comunidades quilombolas de Minas Gerais é de autoria de Margarida Petter. O trabalho retrata situações de preservação do léxico de base africana em duas localidades de Minas Gerais - Bom Despacho e Milho Verde; estado rico em dados sobre a presença de línguas africanas no Brasil, como afirma a autora, por ser destino de muitos escravos vendidos no mercado do Valongo no Rio de Janeiro no decorrer do século XVIII. Como resultado da investigação, a autora conclui pela vitalidade do léxico nos grupos analisados e afirma que a preservação lexical está associada à construção de uma identidade que não mais se atrela à condição de ser negro ou africano, mas ao fato de residir numa região outrora discriminada. 

Na terceira e última parte da coletânea, intitulada Língua(s) na História: a Escrita como Fonte, são apresentados vários tipos de textos escritos, como relatos, cartas e contos que constituem rico e importante material para estudos e pesquisas sobre o tema da coletânea. O primeiro capítulo desta parte é um capítulo introdutório ao tema do uso do registro escrito como fonte de investigação da presença da(s) língua(s) e cultura(s) africanas no desenvolvimento do português no Brasil. Charlotte Galves parte de um debate sobre as origens do PB e assume a necessidade de uma base empírica sólida para a sustentação da tese da influência das línguas africanas na constituição desta variedade da língua portuguesa. Em seu texto, Charlote delineia uma metodologia para a constituição de corpora nos eixos sincrônico e diacrônico, que sejam representativos dos efeitos do contato entre português e línguas africanas e que permitam, a partir da comparação do português escrito e/ou falado no Brasil e na África ao longo da história, uma descrição e análise detalhadas do que Margarida Petter chama de Continuum Afro-brasileiro do Português. No decorrer do capítulo, a autora fundamenta sua proposta com elementos retirados de documentos da primeira metade do século XIX, escritos em português por africanos, e aponta aspectos morfossintáticos identificados no material analisado que indicam que a gramática do português brasileiro foi, em grande parte, afetada pela aquisição do português como segunda língua por essa população. Sugere ainda outros fatores a serem “refinados” em sua proposta metodológica de análise, tais como a inclusão de fatores sociohistóricos na caracterização do lugar dos documentos escritos ou sonoros.  

Os demais capítulos desta terceira parte apresentam três tipos de textos escritos utilizados como fonte na investigação da história da língua. No capítulo de Tania Alkimin, a autora toma como base um conjunto particular de obras teatrais de Artur Azevedo (1855-1908) para comentar o panorama sociolinguístico por ele retratado através das falas de seus personagens, em peças teatrais. Personagens negros e mestiços, livres ou escravos, aparecem ao lado de personagens populares, originários de zona rural e urbana, o que evidencia claramente a polarização culto vs. popular atestado no português brasileiro contemporâneo. A autora propõe uma metodologia para a reconstrução do panorama linguístico a partir de sua perspectiva histórica, considerando a diversidade linguística, social e regional do território brasileiro.  

O estudo observa personagens escravos que convivem com personagens livres e socialmente diversificados, o que permite estabelecer um quadro linguístico diversificado de dinâmicas de contato entre diferentes estratos da sociedade brasileira, com destaque para os africanos e afrodescendentes na segunda metade do século XIX. No trabalho de Magdalena Coll, a escrita literária é explorada através da fala de personagens afrodescendentes nos contos do escritor uruguaio José Monegal (1892-1968). A autora apresenta alguns usos linguísticos de personagens afrodescendentes, que identifica como sendo “una clara caracterización fonético-fonológica sub-estándar y, en algunos pocos casos, rasgos discursivo-sintácticos propios”. Magdalena também analisa o léxico de origem africana e afirma que os textos do autor uruguaio são de extremo valor para os estudos sobre contato linguístico estabelecidos na região de fronteira entre o Brasil e Uruguai. Alguns dos termos que cita como sendo de origem Bantu (Línguas Bantas), que aparecem com frequência nas obras do autor: batuque, bombear, bunda, cachimba, cacunda, cafondó, candombe, capanga, catinga, mandinga, marimba, mulambo, muleque, quilombo, quitandera, yimbo. O último capítulo desta parte e também da coletânea é escrito por Lucilene Reginaldo e traz relatos escritos no século XVIII por missionários no reino do Kongo.  

Os documentos analisados trazem uma série de informações sobre costumes, línguas e dinâmicas sociais africanas que circulam pela Europa no período setecentista e demonstram as ricas possibilidades dos relatos missionários como fontes para a história social e, consequentemente, para a história do desenvolvimento linguístico. 

Com esta coletânea, Juanito e Laura nos brindam com uma seleção de textos de qualidade inquestionável, produzidos por pesquisadores de renomada competência científica e acadêmica. A leitura da obra servirá com certeza como referência para estudos na área de Contato Linguístico/ Linguística de Contato; não somente como estudos complementares aos tópicos aqui já abordados, mas também como impulso para novas investigações sobre a presença e a influência da língua(s) e cultura(s) africana(s) na gênese de variedades do português e do espanhol falado na América Latina. 

Estudos sobre os processos de pidginização e crioulização no contexto da escravidão, identificadas como situações diglóssicas, bi- ou plurilíngues graduais, funcionais estáveis, socialmente determinadas, que poderiam existir em determinadas comunidades de fala, como é o caso das comunidades das senzalas, podem emanar da leitura de alguns trabalhos aqui descritos.  

Enfim, com a leitura das diferentes pesquisas relatadas na obra, fica a evidência da importância do levantamento de dados históricos-sociais e históricos-demográficos relativos à constituição das sociedades Afro-Latinas para as investigações dos aspectos linguísticos, culturais e identitários das línguas em uso no continente americano.

 




[1] Alguns dos resultados descritos nessa coletânea foram inicialmente apresentados no Simpósio que lhe deu o título -DINÂMICAS AFRO-LATINAS: LÍNGUA(S) E HISTÓRIA(S), realizado de 27 a 28 de abril de 2011, no Instituto de Estudos de Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). As três partes da coletânea foram organizadas a partir das 5 mesas do referido Simpósio.

 

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