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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.31 no.2 Montevideo nov. 2015

 

Lingüística

Vol. 31-2diciembre 2015: 111-129

ISSN 2079-312X en línea

ISSN 1132-0214 impresa

 

 

O PARÂMETRO “AGREGAÇÃO DE VOICE” E AS FUNÇÕES DE V-ZINHO EM QUATRO LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS

 

THE “VOICE-BUNDLING” PARAMETER AND FUNCTIONS OF LITTLE V IN FOUR BRAZILIAN INDIGENOUS LANGUAGES

 

Quesler Fagundes Camargos

Universidade Federal de Minas Gerais

queslerc@yahoo.com.br

 

 

O objetivo deste artigo é apresentar e discutir, com base em algumas línguas indígenas brasileiras, as principais funções gramaticais atribuídas ao vP. A partir da cisão de v-zinho em outras duas projeções independentes, VoiceP e vPcause (cf. Pylkkänen 2002, 2008), as funções originalmente atribuídas ao vP foram divididas entre essas duas novas projeções. Com base principalmente no japonês e no finlandês, essa autora propôs o parâmetro “Agregação de Voice”, segundo o qual (i) algumas línguas projetam VoiceP e vPcause de forma sincrética e (ii) outras línguas projetam VoiceP e vPcause de forma cindida. Neste trabalho, pretendo investigar quais implicações que as línguas Kuikuro (Karib), Wari’ (Txapakura), Paresi-Haliti (Arawak) e Tenetehára (Tupí-Guaraní) trazem para a hipótese de Pylkkänen (2002, 2008). Para isso, serão discutidas construções que envolvem passivização, aplicativização, causativização, intransitivização, anticausativização, nominalização e marcação de Caso abstrato.

 

Palavras-chave: Programa Minimalista; Funções de vP; Agregação de Voice; Línguas indígenas brasileiras.

 

Keywords: Minimalist Program; Functions of vP; Voice-Bundling Parameter; Brazilian indigenous languages.

 

In this paper, based on Brazilian indigenous languages, I will provide an overview of the argumentation about the different roles attributed to the vP projection. Following an initial suggestion of Pylkkänen (2002, 2008), many of the original functions of the vP have been divided between two independent projections: VoiceP and vPcause. Some languages project a bundled Voiceo/vocause, and then all functions are unified in this single projection; and others languages project Voiceo and vocause independently, and then the effects of each head can be seen separately. My goal is to review the implications of work on Kuikuro (Karib), Wari’ (Txapakura), Paresi-Haliti (Arawak) and Tenetehára (Tupí-Guaraní) for Pylkkänen’s (2002, 2008) hypothesis. In this regard, we will examine some constructions that involve passivization, applicativization, causativization, intransitivization, anticausativization, nominalization and case-marking patterns.

 

 

(Recibido: 30/1/15; Aceptado: 12/10/15)

 

 

1. Introdução

 

O objetivo principal deste trabalho é discutir em uma perspectiva interlinguística as funções sintático-semânticas e os diferentes papeis da projeção vP em quatro línguas indígenas brasileiras. Para isso, investigaremos (i) a introdução de argumento externo; (ii) a introdução da semântica causativa e incoativa; (iii) a verbalização de raiz; e, por fim, (iv) a checagem de Caso abstrato.

 

De modo geral, conforme Pylkkänen (2002, 2008), as funções originais de vP estão divididas em duas projeções independentes, a saber: VoiceP e vPcause. Fundamentada principalmente no japonês e no finlandês, a autora propõe um parâmetro chamado de “Agregação de Voice”, segundo o qual: (i) algumas línguas projetam VoiceP e vPcause de forma sincrética, assim todas as funções de vP estão unificadas em uma única projeção; e (ii) outras línguas projetam VoiceP e vPcause de forma cindida, dessa forma as funções estão distribuídas entre essas duas projeções. Com base nessa delimitação teórica, verificarei quais são as implicações que os trabalhos recentes nas línguas Kuikuro (Karib), Wari’ (Txapakura), Paresi-Haliti (Arawak) e Tenetehára (Tupí-Guaraní) trazem para a hipótese de Pylkkänen (2002, 2008).

 

Este artigo está divido em cinco seções. Na seção 2, apresento os pressupostos teóricos básicos que fundamentarão as seções seguintes. Na seção 3, busco evidências a favor da hipótese de que as línguas Kuikuro (Karib) e Wari’ (Txapakura) projetam os núcleos VoiceP e vPcause de forma sincrética. Na seção 4, procuro comprovar que as línguas Paresi-Haliti (Arawak) e Tenetehára (Tupí-Guaraní) projetam VoiceP e vPcause de forma cindida. Na seção 5, por fim, encerro com as considerações finais.

 

 

 

2. Quadro teórico

 

Com o intuito de aperfeiçoar a proposta de Kratzer (1994, 1996), Pylkkänen (2002, 2008), acompanhando Parsons (1990), propõe que todas as construções causativas, além de possuir um núcleo Voiceo, devem necessariamente envolver um núcleo vocause, cuja função principal é relacionar o evento da causação com o evento causado[1]. Para tal, Pylkkänen (2002, 2008) dissocia o núcleo Voiceo do núcleo vocause.

 

Uma das evidências empíricas que a permitiu propor tal mapeamento deveu-se ao fato de línguas como o japonês e o finlandês aceitarem causativizações sem que um argumento externo agente seja necessariamente introduzido ao evento.

 

Nesse sentido, em japonês, existem construções causativas com a chamada interpretação de adversidade, conforme o seguinte exemplo[2].

 

1    Taroo-ga                  musuko-o        sin-ase-ta

      Taro-nom               filho-acc      morrer-caus-past

      (i) “Taro fez seu filho morrer”

      (ii) “O filho de Taro morreu em detrimento de Taro” (causativa de adversidade)                        (Pylkkänen 2002: 81)

 

Note que, no exemplo (1), a primeira interpretação é esperada, tendo em vista a morfologia causativa no verbo. No entanto, se considerarmos a segunda leitura, cujo argumento nominativo Taroo-ga “Taro” é interpretado como um afetado pela mudança de estado sofrida pelo seu filho, não é tão clara a causativização, apesar de haver morfologia causativa. Pylkkänen (2002, 2008) afirma que o DP nominativo é um argumento externo na causativa lexical, conforme a interpretação (i), mas não o é na causativa de adversidade, conforme a interpretação (ii). A proposta da autora apoia-se no seguinte fato: a contraparte passiva da sentença (1) tem somente a leitura causativa e não tem a leitura de adversidade, conforme o exemplo (2).

 

2    musuko-ga     sin-ase-rare-ta

      filho-nom     morrer-caus-pass-past

      (i) “O filho foi morto”

      (ii) * “O filho de alguém foi morto em detrimento desse alguém” (argumento afetado implícito)   (Pylkkänen 2002: 82)

 

Também em finlandês, é possível que, conforme Pylkkänen (2002, 2008), um morfema causativo seja adicionado a verbos inergativos, conforme os exemplos em (3). O resultado é uma construção causativa com um argumento partitivo e um significado desiderativo[3]. Apesar de a leitura causativa não ser clara, Pylkkänen (2002, 2008) assume que essas construções envolvem um significado causativo. Logo, há uma semântica causativa sem a introdução de argumento externo.

 

3    a.      Maija-a              laula-tta-a

                Maija-part     cantar-caus-3.sg

                “Maija sente vontade de cantar”                                                                                                  (Pylkkänen 2002: 86)

 

      b.      Maija-a              naura-tta-a

                Maija-part     sorrir-caus-3.sg

                “Maija sente vontade de sorrir”                                                                                                     (Pylkkänen 2002: 86)

 

Pylkkänen (2002, 2008) afirma que o DP partitivo em (3) não é argumento externo. A autora se fundamenta no fato de que o Caso partitivo emerge em DPs na função sintática de objetos em contexto de construção atélica. De fato, as construções desiderativas de (3) são estativas. Assim, os DPs partitivos nos exemplos acima são sujeitos derivados de verbos estativos. Logo, não poderiam ser argumentos externos.

 

 

2.1. Parâmetro: Agregação de Voice

 

A consequência que exemplos como os do japonês e do finlandês trazem para a grade temática dos verbos causativos é que apenas o núcleo vocause estará presente. Desse modo, Pylkkänen (2002, 2008) propõe um núcleo vocause separado de Voiceo. A diferença entre os núcleos Voiceo e vocause é que Voiceo introduz o argumento externo agente (cf. Kratzer 1994, 1996), enquanto que vocause apenas introduz o evento da causação[4]. Essa proposta de Pylkkänen (2002, 2008) vai contra as anteriores no que diz respeito ao fenômeno da causativização. Os morfemas causativos eram vistos como introdutores de argumento externo com a propriedade semântica de agente/causador.

 

Entretanto, o japonês e o finlandês acima demostram claramente que essa proposta está equivocada. Mais precisamente, Pylkkänen (2002, 2008) mostra que nem sempre um argumento externo agente deve ser introduzido em construções causativas.

 

Dessa maneira, tomando por base a existência do núcleo vocause, veja que a estrutura argumental das construções causativas permite uma configuração em que tanto Voiceo quanto vocause fazem parte do inventário de núcleos que podem vir realizados na estrutura dos predicados causativos.

 

Friedmann e Grodzinsky (1997, 2000) afirmam que, devido às variações que cada língua apresenta, os núcleos funcionais TP e AgrP, por exemplo, podem ter suas projeções realizadas separadamente em algumas línguas, enquanto que, em outras, To e Agro se realizam como um núcleo funcional sincrético. Segundo Pylkkänen (2002, 2008), a mesma situação pode dar-se em relação aos núcleos Voiceo e vocause.

 

Por essa razão, Pylkkänen (2002, p. 90) propõe que “embora Cause e Voice sejam peças separadas no inventário universal dos núcleos funcionais, eles podem vir agrupados em um só morfema no léxico de uma língua particular”[5].

 

Portanto, de acordo com a proposta de Pylkkänen (2002, 2008), os núcleos Voiceo e vocause podem variar interlinguisticamente de acordo com suas seleções paramétricas, como é apresentado em (4).

 

Parâmetro: Agregação de Voice

4    a.   Cisão de Voiceo e vocause

Voiceo e vocause são realizados por núcleos funcionais distintos e separados. Cada núcleo tem uma projeção própria: VoiceP introduz um argumento externo e vPcause proporciona à sentença uma morfologia e uma semântica causativa. Assim, o núcleo causativo não requer obrigatoriamente a presença de um argumento causador.

 

      b.   Fusão de Voiceo e vocause

Voiceo e vocause não podem ocorrer como núcleos funcionais distintos e separados. O núcleo causativo, na realidade, é realizado sintaticamente como um núcleo sincrético, a saber: Voiceo/vocause, o qual possui uma única projeção VoiceP/vPcause. Então, o núcleo causativo exige a presença de um argumento externo agente/causador.

 

 

2.2. Funções de vP

 

Caso uma determinada língua selecione o parâmetro descrito em (4a), os núcleos Voiceo e vocause serão projetados separadamente. Dessa forma, as funções típicas de vP estarão distribuídas entre esses dois núcleos. De acordo com Harley (2013), as projeções VoiceP e vPcause apresentarão as seguintes funções:

 

Funções de VoiceP

5    a.   Introdução do argumento externo (cf. Kratzer 1994, 1996)

      b.   Checagem de Caso estrutural do argumento interno

 

Funções de vPcause

6    a.   Introdução do subevento da causação

      b.   Verbalização da raiz

 

Além do mais, essa escolha paramétrica não requer a presença obrigatória do argumento externo agente (causador), quando do processo de causativização, conforme os exemplos do japonês e do finlandês apresentados na subseção anterior (cf. Pylkkänen 2002, 2008).

 

Por sua vez, se uma língua ativa o parâmetro apresentado em (4b), Voiceo e vocause não podem se realizar em núcleos funcionais distintos, mas sim em um núcleo sincrético (=v-zinho). Adicionalmente, essa segunda seleção paramétrica requer a projeção obrigatória do argumento externo agente (causador), quando do processo de causativização. De acordo com Harley (2013), a projeção VoiceP/vPcause apresentará as seguintes funções:

 

Funções de VoiceP/ vPcause

7    a.   Introdução do argumento externo (cf. Kratzer 1994, 1996)

      b.   Checagem de Caso estrutural do argumento interno

      c.   Introdução do subevento da causação

      d.   Verbalização da raiz

 

Na próxima seção, apresentarei evidências morfossintáticas de que as línguas Kuikuro e Wari’ projetam os núcleos Voiceo e vocause de forma sincrética.

 

 

 

3. O caso dos núcleos sincréticos

 

Nesta seção, veremos que as línguas Kuikuro e Wari’, diferente do que ocorre em japonês e em finlandês, projetam VoiceP e vPcause de forma sincrética. Dessa forma, estão unificadas em uma única projeção todas as funções de vP, a saber: (i) introdução de argumento externo, (ii) causativização, (iii) verbalização da raiz e (iv) atribuição de Caso ao argumento interno. Como veremos, a principal evidência desse sincretismo é a obrigatoriedade de introdução de argumento externo em contexto de causativização. Comecemos com a língua Kuikuro.

 

 

3.1. Língua Kuikuro (Karib)

 

De acordo com Franchetto (2002) e Santos (2002, 2007), os verbos intransitivos em Kuikuro podem ser transitivizados por meio dos morfemas causativos {-ne} e {-ki}. Esses sufixos causativos, em termos descritivos, introduzem um argumento externo com a função semântica de causador. Segundo as autoras, a escolha dos morfemas {-ne} e {-ki} está condicionada à função semântica do argumento interno.

 

O sufixo {-ne},conforme Santos (2007), afixa-se a radicais que pertencem à classe flexional I, II e V que corresponde aos predicados intransitivos cujo argumento interno tem as funções semânticas de agente, tema ou paciente, conforme os exemplos a seguir:

 

8    a.   ekise                          aka-nügü

             ele                              sentar-pnct

             “Ele sentou”                                                                                                                                             (Santos 2007: 155)

 

      b.   t-umuku-gu              aka-ne-nügü                        i-heke

             rfl-filho-rel       sentar-caus-pnct           3-erg

             “Ele fez seu filho sentar”                                                                                                                       (Santos 2007: 155)

 

9    a.   kangamuke              atu-lü

             criança                     queimar-pont

             “A criança se queimou”                                                                                                                         (Santos 2007: 156)

 

      b.   kangamuke              atu-ne-nügü                      u-heke

             criança                     queimar-caus-pnct    1-erg

             “Eu fiz a criança se queimar”                                                                                                               (Santos 2007: 156)

 

Já o morfema {-ki} afixa-se a radicais que pertencem a todas as classes flexionais (cf. Santos 2007) que contêm os predicados intransitivos cujo argumento interno carrega o traço semântico de experienciador, conforme os exemplos a seguir:

 

10  a.   João             hüsuN-tagü             kuge-ko-inha

             João             vergonha-cont     gente(nós)-pl-ben

             “João tem vergonha de/diante de todos”                                                                                           (Santos 2007: 157)

 

      b.   João             hüsu-ki-tsagü                alamaki-pügü-heke

             João             vergonha-caus-cont cair-perf-erg

             “A queda envergonhou o João”                                                                                                           (Santos 2007: 157)

 

11  a.   u-ingunkgingu-tagü

             1-pensar-cont

             “Eu estou pensando”                                                                                                                             (Santos 2007: 158)

 

      b.   itsasü-heke                              ingunkgingu-ki-tsagü

             3.trabalho.rel-erg            pensar-caus-pnct

             “O trabalho dele o fez pensar”                                                                                                             (Santos 2007: 158)

 

Conforme Franchetto (2002) e Santos (2002, 2007), o acréscimo da morfologia detransitivizadora a um verbo transitivo, por sua vez, causa a eliminação do argumento externo. Nesse contexto, o argumento interno passa a exercer a função sintática de sujeito. O resultado desse processo é uma construção reflexiva ou incoativa, conforme os seguintes exemplos.

 

Leitura reflexiva

12  a.   u-itsi-tagü                      katsogo-heke

             1-morder-cont           cachorro-erg

             “O cachorro está me mordendo”                                                                                                         (Santos 2007: 168)

 

      b.   ug-itsi-tagü

             1dtr-morder-cont

             “Eu estou me mordendo”                                                                                                                      (Santos 2007: 168)

 

Leitura incoativa

13  a.   ito                 unhe-nügü               u-heke

             fogo              apagar-pnct          1-erg

             “Eu apaguei o fogo”                                                                                                                               (Santos 2007: 169)

 

      b.   itoto             et-unhe-nügü

             fogo              dtr-apagar-pnct

             “O fogo se apagou”                                                                                                                                (Santos 2007: 169)

 

Os processos de detransitivização acima evidenciam claramente que o argumento externo foi eliminado da estrutura argumental. O principal indício é que o argumento externo em Kuiruko recebe o Caso Ergativo, o qual, por ser inerente, é atribuído pelo núcleo de VoiceP. Como os únicos argumentos nucleares realizados nos exemplos em (12b) e (13b) não recebem a posposição de Caso ergativo heke, então esses DPs são argumentos internos. Observe ainda que o prefixo detransitivizador {ug-} em (12b) é o responsável pela leitura reflexiva, ao passo que o prefixo detransitivizador {et-} em (13b) sinaliza a interpretação incoativa.

 

Se os núcleos Voiceo e vocause são projetados de forma sincrética na língua Kuikuro, então as duas morfologias de transitivização apresentadas acima são responsáveis pela introdução da leitura causativa e também pela introdução do argumento externo agente. Como corolário disso, não deve ser possível haver nessa língua uma construção causativa sem o argumento externo agente (=DP heke). De fato, conforme Santos (2007), um verbo transitivo morfologicamente causativizado não pode ser detransitivizado, conforme o exemplo agramatical abaixo.

 

14        *ekise                 at-aka-ne-nügü

             ele                       dtr-sentar-caus-pnct

             “Ele se obrigou a sentar”                                                                                                                       (Santos 2007: 169)

 

Note que o processo de causativização está aparentemente em distribuição complementar com a morfologia de demoção de agente. Por essa razão, não é possível uma causativização sem a introdução de um argumento externo na grade temática de um verbo causativizado em Kuikuro. A impossibilidade apresentada acima evidencia que o morfema {-ne} tem a função de (i) introduzir a leitura causativa e (ii) introduzir o argumento externo agente, o que mostra o sincretismo dos núcleos Voiceo e vocause nessa língua.

 

Outro argumento a favor da hipótese de que o v-zinho se manifesta de forma sincrética em Kuikuro reside no fato de que, conforme Santos (2007), os verbos causativizados nessa língua não podem ser submetidos ao processo de nominalização de evento. Isso ocorre porque, na nominalização de evento nas línguas naturais, a realização do argumento externo não é necessária (cf. Abney 1987; Dowty 1989; Kratzer 1996; Alexiadou 2001; entre outros). Como os morfemas causativos em Kuikuro implicam na introdução de argumento externo, então verbos causativizados não podem ser nominalizados, como mostram as agramaticalidades abaixo.

 

15        *apɨŋu-ne-ne

             morrer-caus-noml

             “A matança”

 

16        *hɨsu-ki-ne

             vergonha-caus-noml

             “O evento de envergonhar”

 

No entanto, é possível que verbos intransitivos, transitivos e detransitivizados sejam nominalizados, uma vez que essas três construções não introduzem obrigatoriamente um argumento externo agente, conforme os seguintes exemplos.

 

Com verbos intransitivos

17        hosige-ne

             sorrir-noml

             “Sorriso (sorrisada)”                                                                                                                               (Santos 2007: 219)

                  

Com verbos transitivos

18        ipo-nge

             furar-noml

             “Furação” (furação de orelha, ritual de iniciação masculina ligado à chefia)                            (Santos 2007: 213)

 

Com verbos detransitivizados

19        em-ütahi-nhe

             2/3dtr-bocejo-noml

             “Bocejo”                                                                                                                                                   (Santos 2007: 213)

 

Outro ponto que merece destaque é o sistema de Caso da língua Kuikuro. De acordo com Franchetto (1986), o argumento com papel temático de agente sempre recebe a posposição heke. Assim, o agente de verbos transitivos é tratado diferentemente do objeto e do único argumento de verbos intransitivos, que não recebem nenhuma marca, conforme os exemplos abaixo.

 

20        kangamuke              iniluN-tagü

             criança                     chorar-cont

             “A criança está chorando”                                                                                                                       (Santos 2007: 32)

 

21        t-umuku-gu                 imbuta-te-lü                      isi-heke

             rfl-filho-rel          remédio-vblz-pnct     mãe-erg

             “A mãe deu remédio para seu filho”                                                                                                      (Santos 2007: 33)

 

É devido a tal manifestação morfossintática que essa língua apresenta o Sistema Ergativo-Absolutivo (cf. Franchetto 1986; Santos 2007). O curioso, todavia, é que os verbos inergativos, apesar de introduzirem um argumento nuclear agentivo, não marcam seu sujeito com a posposição heke. Veja o seguinte exemplo.

 

22        tinhü                         atsaku-tagü

             convidador              correr-cont

             “O convidador está correndo”                                                                                                              (Santos 2007: 183)

 

Diante disso, Franchetto e Santos (2001, 2003) afirmam que, por não haver distinção formal entre inacusativos e inergativos, todos os verbos intransitivos são de tipo inacusativo. Neste trabalho, no entanto, assumo que o sujeito dos verbos inergativos não recebe a posposição heke, porque não é um argumento externo introduzido por VoiceP/vPcause, o qual é o único núcleo apto a checar o Caso Ergativo. Nessa linha de investigação, os verbos inacusativos e inergativos são unificados uma vez que seus argumentos nucleares têm em comum a característica morfossintática de não serem projetados por meio do núcleo Voiceo/vocause.

 

Diante de todas essas considerações, somos motivados a propor que a língua Kuikuro projeta os núcleos Voiceo e vocause de forma sincrética. Foi mostrado ainda nesta seção que esse núcleo complexo acumula as funções formais apresentadas a seguir.

 

Funções de VoiceP/vPcause em Kuikuro

23  a.   Introdução de argumento externo

      b.   Checagem de Caso inerente do argumento externo

      c.   Introdução do subevento da causação

 

Na próxima seção, serão apresentas evidências de que a língua Wari’ (Txapakura) também projeta v-zinho de forma sincrética.

 

 

3.2. Língua Wari’ (Txapakura)

 

De acordo com Everett e Kern (1997), a composição é um dos mecanismos mais produtivos para a derivação de subtipos de verbos em Wari’. Os autores ilustram esse tipo de construção com os exemplos abaixo:

 

24  a.   mo                pa'             na-on              jowin

             correr          matar       3sg-3sg.m   macaco:espécie

             “Ele correu matando um macaco jowin”                                                                              (Everett e Kern 1997: 369)

 

      b.   mi'                coromicat       na-in               carawa

             dar               pensar             3sg-3pl.n     animal

             “Ela relutantemente deu carne”                                                                                              (Everett e Kern 1997: 370)

 

      c.   juc                       wao                 ra-on                   coxa'      ma

             empurrar          balançar        2sg-3sg.m       irmão     2sg

             “Balance seu irmãozinho”                                                                                                       (Everett e Kern 1997: 371)

 

Note que o primeiro elemento das composições verbais nos exemplos em (24) corresponde ao núcleo semântico da estrutura verbal. Os demais membros da composição, conforme Everett e Kern (1997), ou expressam o resultado e o efeito da ação do verbo que está imediatamente a sua esquerda, ou restringem (i.e. modificam) o significado do elemento verbal. É por meio desse processo composicional que a língua permite ainda os ajustes de valência verbal.

 

De acordo com Apontes e Camargos (2013), para que ocorra a causativização, por exemplo, é necessário que o verbo intransitivo, a ser causativizado, receba a sua direita o verbo transitivo aɾaɁ “fazer”. Dessa forma, o verbo aɾaɁ “fazer” modifica o verbo a sua esquerda, causativizando-o, conforme os exemplos abaixo.

 

25  a.   meɾem             ɾiɁ                    na              aɾawet

             gritar                compl          3sg           criança

             “A criança gritou”                                                                                                                (Apontes e Camargos 2013: 6)

 

      b.   meɾem             ɾaɁ                   na-on                  aɾawet      naɾimaɁ

             gritar                fazer               3sg-3sg.m       criança      mulher

             “A mulher fez a criança gritar”                                                                                          (Apontes e Camargos 2013: 6)

 

26  a.   pi                  pin             ɾiɁ              na              naɾimaɁ

             dançar         perf         compl    3sg           mulher

             “A mulher dançou”                                                                                                              (Apontes e Camargos 2013: 6)

 

      b.   pi                     ɾaɁ                   na-am                 naɾimaɁ    taɾamaɁ

             dançar            fazer               3sg-3sg.f        mulher      homem

             “O homem fez a mulher dançar”                                                                                      (Apontes e Camargos 2013: 6)

 

Veja que os verbos intransitivos meɾem “gritar” e pi: “dançar” recebem a sua direita o verbo transitivo aɾaɁ“fazer”. A função desse verbo transitivo é modificar o primeiro elemento da composição, introduzindo tanto a leitura causativa quanto o argumento externo agente.

 

O processo de intransitivização, por sua vez, ocorre quando o verbo intransitivo maw “ir” se realiza à direita de um verbo transitivo. Nesse contexto, o verbo transitivo deixa de introduzir seu argumento externo. Assim, o objeto inicial passa a exercer a função sintática de sujeito. De acordo com Apontes (2015), em termos semânticos, esse tipo de estrutura introduz uma interpretação incoativa ou resultativa. Veja os exemplos abaixo.

 

27  a.   tiyoʔ             pin             na-ɲ                       ʃe                hotowaʔ

             apagar         perf         3sg-3sg.n           fogo.n       vento.n

             “O vento apagou o fogo”                                                                                                                   (Apontes 2015: 264)

 

      b.   tiyoʔ             maw          na           ʃe

             apagar         ir                3sg        fogo

             “A fogueira apagou-se”                                                                                                                      (Apontes 2015: 264)

 

28  a.   konoʔ              na-ɲ              panaʔ              ʃinaʔ

             secar                3sg-3sg.n  árvore.n         sol

             “O sol secou a vegetação (árvore)”                                                                                                  (Apontes 2015: 265)

 

      b.   konoʔ              maw          na              tonoɲ

             secar                ir                3sg           capim

             “O capim secou-se”                                                                                                                             (Apontes 2015: 265)

 

Em termos descritivos, note que tanto a causativização quanto a intransitivização ocorrem por meio da adição de um elemento à direita do verbo principal. O interessante é que, enquanto o primeiro elemento da composição é o núcleo semântico, o segundo elemento é o responsável pelo ajuste da valência verbal. Em suma, note que há causativização quando se adiciona o verbo transitivo aɾaɁ “fazer” e há intransitivização quando se insere o verbo intransitivo maw “ir”.

 

Diante disso, se a língua Wari’ dispõe de apenas um núcleo vo (i.e. um v-zinho sincrético), então a versão com introdução de argumento externo agente (i.e. causativização) deve estar em distribuição complementar com a versão sem a introdução de argumento externo (i.e. intransitivização). De fato, é isso o que ocorre nessa língua, uma vez que verbos causativizados não podem ser posteriormente intransitivizados, conforme os exemplos (29b) e (30b) a seguir.

 

29  a.   meɾem             ɾaɁ            na-on                  aɾawet             naɾimaɁ

             gritar                fazer         3sg-3sg.m       criança            mulher

             “A mulher fez o menino gritar”                                                                                         (Apontes e Camargos 2013: 6)

 

      b.   *meɾem           ɾaɁ            maw             na              naɾimaɁ

             gritar                fazer         ir                   3sg           mulher

             “A mulher gritou / A mulher se fez gritar”

 

30  a.   pi                     ɾaɁ            na-am                 naɾimaɁ          taɾamaɁ

             dançar            fazer         3sg-3sg.f        mulher             homem

             “O homem fez a mulher dançar”                                                                                      (Apontes e Camargos 2013: 6)

 

      b.   *pi                   ɾaɁ            maw             na              taɾamaɁ

             dançar            fazer         ir                   3sg           homem

             “O homem dançou / O homem se fez dançar”

 

O que os exemplos agramaticais acima mostram é que há apenas uma posição capaz de receber o elemento causativizador ou o elemento intransitivizador. Assim, a causativização e a intransitivização, como foram mostradas acima, estão em uma relação de equivalência. Por isso, excluem-se mutuamente. Dessa maneira, uma estrutura causativizada não pode sofrer um processo de intransitivização. Portanto, assumo que as projeções VoiceP e vPcause são projetadas sincreticamente, uma vez que não se pode dissociar a introdução de argumento externo do processo de causativização.

 

Na próxima seção, serão analisados os casos em que as línguas projetam os núcleos Voiceo e vocause de forma cindida.

 

 

 

4. O caso dos núcleos cindidos

 

Nesta seção, veremos que as línguas Paresi-Haliti e Tenetehára, diferentemente do que ocorre em Kuikuro e Wari’, projetam VoiceP e vPcause separadamente[6]. Assim, as funções típicas de vP estão distribuídas entre os núcleos Voiceo e vocause. Como veremos, a principal evidência dessa cisão é (i) a possibilidade de haver construções causativas que não licenciam um argumento externo causador e (ii) a realização de morfologias distintas para cada um desses núcleos.

 

Note que Pylkkänen (2002, 2008), com base no japonês e no finlandês, apresenta apenas a evidência em (i) para justificar a cisão desses dois núcleos. A grande contribuição deste trabalho será, portanto, a proposta e a apresentação da evidência em (ii), uma vez que as línguas analisadas neste artigo realizam simultaneamente os núcleos de VoiceP e vPcause. Comecemos com a língua Paresi-Haliti.

 

 

4.1. Língua Paresi-Haliti (Arawak)

 

A língua Paresi-Haliti, conforme Brandão (2014), apresenta uma riqueza morfológica no domínio verbal. Essa complexidade pode ser vista nas construções causativas, as quais são muito produtivas nessa língua.

 

Veja os exemplos abaixo que ilustram o processo de causativização morfológica de verbos inacusativos e inergativos[7].

 

31  a.   Jura                    ø-tatakoa-ø

             Jura                     3-tremer-perf

             “Jura tremeu”                                                                                                                                              (Silva 2013: 269)

 

      b.   Kolobi                a-tatakoa-ki-tya                           Jura

             Kolobi                caus-tremer-voice-perf     Jura

             “Kolobi faz Jura tremer”                                                                                                                           (Silva 2013: 269)

 

32  a.   Jura                    halaityoa-ø

             Jura                     saltar-perf

             “Jura saltou”                                                                                                                                               (Silva 2013: 271)

 

      b.   Kolobi                a-halaityoa-ki-tya                       Jura

             Kolobi                caus-saltar-voice-perf       Jura

             “Kolobi faz Jura saltar”                                                                                                                            (Silva 2013: 271)

 

Note que os verbos inacusativo tatakoa “tremer” e inergativo halaityoa “saltar”, para serem causativizados, precisam acionar simultaneamente dois morfemas, a saber: o prefixo {a-} e o sufixo {-ki}. O mesmo processo também ocorre com verbos transitivos, conforme o exemplo abaixo.

 

33  a.   ø-tsema-ø hitso

             3-ouvir-perf          você

             “Ele ouviu você”                                                                                                                                        (Silva 2013: 275)

 

      b.   ø-a-tsema-ki-ty=<n>e                                     (e<n>=irae<n>-e)

             3-caus-ouvir-voice-perf=<ep>3         (3<ep>=falar<cl>-conc)

             “Ele o fez ouvir (a fala dele)”                                                                                                                  (Silva 2013: 271)

 

De acordo com Brandão (2010, 2014) e Silva (2013), o morfema {-ki} tem a função de causativizar predicados intransitivos e transitivos. No entanto, não há um consenso entre esses autores quanto ao estatuto do prefixo {a-}, o qual é definido como prefixo ativo (Brandão 2010), transitivizador (Silva 2013) e até mesmo causativizador (Brandão 2014).

 

A partir das análises desses autores e com base no que os dados mostram, defenderei nesta seção a proposta de que o prefixo {a-} é a instanciação morfológica do núcleo de vPcause, uma vez que é o responsável pela introdução da semântica causativa. Avento ainda a hipótese de que o sufixo {-ki} é o responsável por instanciar o núcleo de VoiceP, cuja função é introduzir um argumento externo agente com controle.

 

Se estivermos certos com relação a essa proposta, construções causativas que não apresentam um argumento externo agente prototípico não podem receber o morfema {-ki}. Na verdade, devem acionar apenas a morfologia causativa {a-}. De acordo com Brandão (2014), isso é exatamente o que ocorre, conforme o exemplo arrolado abaixo.

 

34  a.   kamae       a-iyo-heta             imi-ti

             sol              caus-secar-reg               roupa-unposs

             “O sol secou minhas roupas”                                                                                                             (Brandão 2014: 263)

 

De fato, o sujeito kamae “sol”, no exemplo (34a), é um argumento com a função semântica de causador sem volição, uma vez que é uma entidade inanimada. Pelo fato de esse sujeito não ser um argumento externo agente, não deve ser introduzido por meio de VoiceP prototípico. Por isso, o sufixo {-ki} não se manifesta em (34a). Note que, caso o sufixo {-ki} se realize, a sentença torna-se agramatical, conforme o seguinte exemplo.

 

34  b.   *kamae        a-iyo-heta-ki-tsa                    imi-ti

             sol                 caus-secar-reg-voice-th     roupa-unposs

             “O sol secou minhas roupas”                                                                                                             (Brandão 2014: 263)

 

Observe que a presença do morfema {-ki} na causativização do exemplo (34b) implica na projeção de um sujeito com a função semântica de agente com controle, o que é incompatível com um participante inanimado. Essa sentença só seria gramatical se o argumento fosse uma entidade capaz de carregar essas propriedades semânticas, conforme o exemplo (35a).

 

35  a.   Paula           a-iyo-heta-ki-tsa                    imi-ti

             Paula            caus-secar-reg-voice-th     roupa-unposs

             “A Paula (intencionalmente) secou minhas roupas”                                                                    (Brandão 2014: 263)

 

Veja que o DP Paula em (35a) é introduzido por VoiceP, cujo núcleo é instanciado pelo sufixo {-ki}. Por isso, esse argumento externo apresenta as propriedades semânticas de agente com controle. Curiosamente, a sentença (35a) pode ser produzida sem a realização do morfema {-ki}. O resultado é a sentença abaixo, a qual, segundo Brandão (2014), é ambígua quanto à volição do DP Paula. Mais precisamente, em termos descritivos, não se sabe se o argumento nuclear Paula exerce a ação descrita pelo verbo de forma voluntária.

 

35  b.   Paula           a-iyo-heta                                imi-ti

             Paula            caus-secar-reg                  roupa-unposs

             “A Paula secou minhas roupas” (com ou sem volição)                                                               (Brandão 2014: 263)

 

Portanto, o que os dados em (34) e (35) mostram é que o morfema {-ki} tem a função de licenciar um argumento com a função semântica de agente com controle. Isso corrobora nossa hipótese de que esse morfema de fato instancia o núcleo da projeção VoiceP prototípico. Veja que essa análise se distancia substanciamente da proposta de Pylkkänen (2002, 2008), uma vez que não encontramos em Paresi-Haliti, até o presente momento, uma estrutura causativa sem argumento externo. Na verdade, a argumentação a favor da cisão de vP se fundamenta principalmente no fato de essa língua, diferentemente do que ocorre em japonês e finlandês, apresenta como expediente morfológico pelos menos um morfema no núcleo de VoiceP e outro morfema no núcleo de vPcause.

 

A segunda evidência de que o morfema {-ki} instancia o núcleo de VoiceP se origina no fato de que em construções causativas que não introduzem um argumento externo, o morfema {-ki} não se manifesta. Esse tipo de construção é possível quando um verbo transitivo causativizado recebe o sufixo {-oa}, cuja função é marcar a forma anticausativa ou incoativa (cf. Brandão 2010, 2014). Veja o exemplo abaixo em que o verbo é causativizado por meio do prefixo {a-}. No entanto, nenhum argumento externo agente é introduzido na estrutura argumental e, assim, o sufixo {-ki} não se realiza.

 

36        n=a-mema-ty-oa                                          iya             e<n>=oman-a-ha            hoka

             1sg=caus-estar.quieto-perf-ac          cond       3<ep>=para-conc-pl  então

 

             ø-tsiya-ø-ha                   iya                wi=kako-a

             3=passar-perf=pl      cond          1pl=com-conc

             “Se eu ficar quieto com eles, vão nos ultrapassar”                                                                              (Silva 2013: 282)

 

De acordo com Brandão (2014), o morfema {-oa} marca essas formas incoativas dos verbos, o que significa, por um lado, a exclusão do agente da causação e, por outro, a realização de eventos que ocorrem espontaneamente. Nos termos deste artigo, em exemplos como (36), está presente apenas o evento da causação que desencadeia o evento causado “ficar quieto”, o qual é introduzido pelo morfema causativo {a-}. Observe que esse mesmo diagnóstico é utilizado para argumentar a favor do sincretismo presente na língua Kuikuro, conforme foi discutido na seção 3.1 (ver dado 14, por exemplo). Note que verbos causativizados em Kuikuro não podem ser intransitivizados. Essa restrição, contudo, não ocorre com o Paresi-Haliti, conforme o exemplo (36).

 

Uma proposta que visa à uniformização das construções apresentadas nesta seção poderia ser delineada da seguinte maneira: (i) o núcleo de vPcause é realizado pelo morfema prefixal {a-} e (ii) o núcleo de VoiceP pode ser instanciado, pelo menos, pelos morfemas {-ki}, {-ø} e {-ao}. Quando ocorrer o morfema {-ki}, será introduzido um argumento externo agente prototípico (com controle). Se se realizar o morfema {-ø}, será acrescentado um argumento externo agente/causa (sem controle). Por fim, caso se realize o sufixo {-ao}, será juntado um VoiceP defectivo[8], o qual é incapaz de introduzir um argumento externo.

 

Uma análise alternativa, no entanto, poderia ser formulada da seguinte forma: as construções causativas que envolvem apenas a realização do prefixo {a-} correspondem a uma estrutura que envolve apenas um vP sincrético[9]. Mais precisamente, teríamos, por um lado, o prefixo {a-} correspondendo ao núcleo sincrético VoiceP/vPcause e, por outro, os morfemas {-ki} e {a-} correspondendo aos núcleos VoiceP e vPcause, respectivamente.

 

Diante dessas considerações, somos levados a propor que a língua Paresi-Haliti provavelmente projeta os núcleos Voiceo e vocause separadamente. A principal evidência é que, nos contextos de causativização, o prefixo {a-} instancia o núcleo de vPcause, ao passo que o sufixo {-ki} realiza o núcleo de VoiceP, o qual introduz um argumento externo agente com volição. Na próxima seção, serão apresentas evidências de que a língua Tenetehára também projeta vP de forma cindida.

 

 

4.2. Língua Tenetehára (Tupí-Guaraní)

 

De acordo com Camargos (2013), a língua Tenetehára apresenta dois morfemas causativos, a saber: o prefixo {mu-} e o sufixo {-kar}. O prefixo {mu-} tem a função de se juntar a verbos intransitivos a fim de transformá-los em predicados transitivos (cf. Castro 2007; Duarte e Castro 2010). Além do mais, em termos semânticos, esse morfema introduz uma causação direta. Veja os exemplos abaixo:

 

37  a.   u-zahak           kwarer      a’e

             3-banhar        menino     ele

             “O menino tomou banho”                                                                                                                 (Camargos 2013: 40)

 

      b.   u-mu-zahak             kuzà              kwarer      a’e

             3-caus-banhar     mulher         menino     ele

             “A mulher deu banho no menino”                                                                                                   (Camargos 2013: 40)

 

38  a.   u-hem              kwarer          tàpuz  ø-wi           a’e

             3-sair               menino         casa    c-de          ele

             “O menino saiu da casa”                                                                                                                    (Camargos 2013: 45)

 

      b.   u-mu-hem                 kuzà              kwarer         tàpuz   ø-wi        a’e

             3-caus-sair            mulher         menino        casa    c-de       ele

             “A mulher tirou o menino de casa”                                                                                                  (Camargos 2013: 45)

 

O sufixo {-kar}, por sua vez, afixa-se a verbos transitivos a fim acrescentar um terceiro argumento à estrutura argumental. Em termos semânticos, o morfema {-kar} apresenta uma causação indireta. Observe o exemplo a seguir:

 

39  a.   w-exak                kwarer         zawar              a’e

             3-ver                   menino        cachorro         ele

             “O menino viu o cachorro”                                                                                                                (Camargos 2013: 55)

 

      b.   w-exak-kar              awa              zawar           kwarer   ø-pe           a’e

             3-ver-caus             homem        cachorro      menino  c-por         ele

             “O homem fez o menino ver o cachorro”                                                                                       (Camargos 2013: 55)

 

Além desses dois afixos que aumentam a valência verbal, a língua Tenetehára dispõe de um terceiro morfema cuja função é adicionar um argumento à grade temática do verbo, a saber: o prefixo {eru-}. Ao analisar esse mesmo prefixo na língua Tupinambá, Rodrigues (1953) afirma que tal unidade gramatical apresenta uma dupla função semântica, uma causativa e outra comitativa.

 

Por isso, propôs o termo causativo-comitativo com a finalidade de indicar tais propriedades semânticas. A partir disso, a denominação causativo-comitativo passou a ser utilizada no âmbito dos estudos descritivos de línguas Tupí-Guaraní. No entanto, Vieira (2001, 2010), analisando o Tupinambá e o Guarani-Mbya, línguas também pertencentes à família Tupí-Guaraní, foi a primeira autora a identificar esse morfema como aplicativo alto, o qual tem a função de licenciar um objeto com a propriedade semântica de comitativo. Na língua Tenetehára, em termos descritivos, essa morfologia se junta a verbos inacusativos e inergativos a fim de introduzir um objeto sintático com a função semântica de comitativo, conforme os exemplos abaixo:

 

40  a.   w-eru-ata                 awa              kwarer      a’e

             3-appl-andar        homem        menino     ele

             “O homem anda com o menino”                                                                                                  (Camargos 2013: 142)

 

      b.   w-eru-hem                awa              kwarer         tàpuz   ø-wi        a’e

             3-appl-sair            homem        menino        casa    c-de       ele

             “O homem sai da casa com o menino”                                                                                       (Camargos 2013: 142)

 

Assumimos que o prefixo {eru-} em Tenetehára não possui uma função causativa. Dessa maneira, não poderia, portanto, ser classificado como, por exemplo, um tipo de causação sociativa (cf. Shibatani & Pardeshi 2002). Essa análise se fundamenta nos exemplos abaixo. Veja que, se o prefixo {eru-} fosse um causativo sociativo, sentenças como (41) seriam agramaticais, uma vez que o objeto aplicado maraka “maracá” é inanimado e, assim, incapaz de ser levado a realizar as ações dos verbos ata “andar” e hem “sair”.

 

41  a.   w-eru-ata                 awa              maraka     a’e

             3-appl-andar        homem        maracá    ele

             “O homem anda com o maracá”

 

      b.   w-eru-hem                awa              maraka        tàpuz   ø-wi        a’e

             3-appl-sair            homem        maracá       casa    c-de       ele

                “O homem sai da casa com o maracá”

 

O curioso é que, quando o prefixo {eru-} se junta a verbos transitivos[10], nenhum argumento adicional é licenciado na estrutura argumental. Assim, o verbo transitivo inicial mantém a mesma quantidade de argumentos nucleares. No entanto, a adição dessa morfologia faz com que o sujeito inicialmente agentivo passe a exercer a função semântica de comitativo, conforme o seguinte exemplo.

 

42  a.   u-zuhaw                   awa           ywyra

             3K-derrubar              homemK   árvore

             “O homem derrubou a árvore”

 

      b.   w-eru-zuhaw           awa           ywyra

             3K-appl-derrubar homemK   árvore

             “Derrubou-se a árvore com o homem”

 

Veja que as duas sentenças em (42) possuem um evento da causação e um evento causado, mas só a sentença (42a) introduz um argumento externo agente[11].

 

O sujeito awa “homem” em (42b) não é um argumento externo, introduzido por VoiceP, mas sim um argumento aplicado, introduzido por ApplP. Essa análise se fundamenta no fato de o argumento awa “homem” ser um agente em (42a) e um comitativo em (42b).

 

O morfema aplicativo {eru-} pode ainda se juntar a verbos que tenham sido morfologicamente causativizados pelo prefixo {mu-}, conforme o exemplo (43b).

 

43  a.   o-mo-nohok                   awa           kyhàhàm

             3K-caus-partir             homemK   corda

             “O homem partiu a corda”                                                                                                             (Camargos 2013: 117)

 

      b.   w-eru-mo-nohok           awa           kyhàhàm

             3K-appl-caus-partir                   homemK      corda

             “Partiu-se a corda com o homem”                                                                                                (Camargos 2013: 117)

 

Observe que as duas sentenças acima introduzem o evento da causação, o qual é particularmente instanciado pela morfologia causativa {mu-}. Contudo, apesar de (43b) ser morfologicamente causativizado, nenhum argumento externo agente/causador é introduzido na estrutura argumental, já que o DP awa “homem” é, na verdade, um argumento aplicado na função sintática de sujeito comitativo. Essa proposta pode ser corroborada com os dados abaixo, em que somente a construção transitiva causativa com o morfema aplicativo (44b) pode ser modificada pelo sintagma posposicional que introduz uma especificação do evento da causação. A sentença (44a) é agramatical porque há dois causadores, um na função sintática de sujeito e outro em adjunção[12].

 

44  a.   *o-mo-nohok                 awa           kyhàhàm      [  kuzà           ø-puhuz-haw     ø-pe ]

             3-caus-partir               homem     corda               mulher      c-pesado-noml      c-por

             “*O homem partiu a corda por causa do peso da mulher”                                                      (Camargos 2013: 118)

 

      b.   w-eru-mo-nohok           awa           kyhàhàm      [  kuzà           ø-puhuz-haw     ø-pe ]

             3-appl-caus-partir  homem     corda               mulher      c-pesado-noml      c-por

             “Partiu-se a corda com o homem por causa do peso da mulher”                                           (Camargos 2013: 119)

 

Veja, mais precisamente, que o adjunto adverbial kuzà puhuzhaw pe “por causa do peso da mulher” só pode se adjungir a construções que denotam uma leitura causativa e que não tenha sido introduzido o argumento externo agente/causador, como ocorre em (44b). Caso a construção já tenha um argumento externo agente, como (44a), é impossível que o evento da causação emerja por meio de adjunção. Ademais, exemplos como (44b) reforçam a argumentação de que o prefixo {eru-}, de fato, não corresponde a uma causativo sociativo[13], nos termos de Shibatani & Pardeshi (2002).

 

De acordo com Camargos (2013), exemplos como (44b) só são possíveis devido aos parâmetros selecionados pela língua Tenetehára. O autor propõe que os núcleos VoiceP e vPcause são projetados de forma cindida. Por isso, é possível que haja construções causativas sem a introdução de argumento externo agente, conforme a estrutura configuracional em (45b):

 

 

O que essas duas estruturas arbóreas mostram é a similaridade que o aplicativo alto em Tenetehára tem com a projeção VoiceP. Observe que esses dois núcleos são capazes de se combinar com VP (inclusive vPcause). Por essa razão, o participante adicional se relaciona com o evento de VP (Event Identification), situação na qual o papel theta que o argumento adicional ostenta é definido.

 

Contudo, diferente do que ocorre em outras línguas (cf. Pylkkänen 2002; Cuervo 2003; Torres Morais 2006; McGinnis 2001, 2004), a projeção VoiceP em Tenetehára é aparentemente incapaz de se combinar com ApplP, razão pela qual um objeto aplicado não é licenciado em construções transitivas, conforme os exemplos agramaticais a seguir:

 

46        *w-eru-zuhaw         awa           ywyra     kwarer

             3-appl-derrubar   homem     árvore    menino

             “O homem derrubou a árvore com o menino”

 

47        *w-eru-mo-nohok         awa           kyhàhàm     kuzà

             3-appl-caus-partir  homem     corda           mulher

             “O homem partiu a corda com a mulher”

 

 

 

5. Considerações finais

 

De modo geral, assumimos neste trabalho o essencial de Pylkkänen (2002, 2008), segundo o qual as funções originais de vP estão divididas em duas projeções independentes, a saber: VoiceP e vPcause. Para isso, essa autora propôs um parâmetro chamado de “Agregação de Voice”, de acordo com o qual: (i) algumas línguas projetam VoiceP e vPcause de forma sincrética, assim todas as funções estão unificadas em uma única projeção; e (ii) outras línguas projetam VoiceP e vPcause de forma cindida, dessa forma as funções de vP estão distribuídas entre essas duas projeções.

 

Vimos que as línguas Kuikuro e Wari’, diferente do que ocorre em japonês e em finlandês, projetam VoiceP e vPcause de forma sincrética. Dessa forma, estão unificadas em uma única projeção as seguintes funções de vP, a saber: (i) introdução de argumento externo, (ii) causativização; e (iii) atribuição de Caso inerente ao argumento externo. A principal evidência desse sincretismo é a obrigatoriedade de introdução de argumento externo em contexto de causativização.

 

As línguas Paresi-Haliti e Tenetehára, no entanto, projetam VoiceP e vPcause separadamente. Assim, as funções típicas de vP estão distribuídas entre os núcleos Voiceo e vocause. A principal evidência dessa cisão é (i) a possibilidade de haver construções causativas que não licenciam um argumento externo causador e (ii) a realização de morfologias distintas para cada um desses núcleos. De modo geral, vimos que VoiceP introduz um argumento externo (cf. Kratzer 1994, 1996) e vPcause introduz o subevento da causação.

 

De modo geral, o que as línguas indígenas brasileiras mostram é que o parâmetro de agregação de Voice, proposto por Pylkkänen (2002 ,2008), de fato existe, uma vez que há linguas que projetam esses dois núcleos, Voiceo e vocause, cindidos, ao passo que há outras línguas que os unificam em um único núcleo.

 

 

 

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[1] De acordo com Pylkkänen (2002, 2008), uma causação é, na verdade, uma relação entre dois eventos: o evento da causação (i.e. o evento causador) e o evento causado. O evento da causação é um evento implícito, o qual é introduzido pelo núcleo de vPcause. Ele tem a função de desencadear o evento causado. Este último, por sua vez, corresponde à contraparte não causativa do predicado causativizado. Pylkkänen (2002: 79) ilustra essa relação com o exemplo a seguir:

(i)                   John melted the ice

(ii)                 John was an agent of some event that caused a melting of the ice

(iii)   The ice melted

Se a causação é uma relação entre dois eventos, o significado da sentença (i) é grosseiramente o sentido em (ii). Note que a sentença causativa (i) tem duas características que não existem na contraparte não causativa em (iii), a saber: uma relação de causação relaciona o evento da causação em direção ao evento causado, de forma que o primeiro desencadeia o segundo, e uma relação temática é estabelecida entre o evento da causação e o indivíduo expresso como argumento externo agente.

[2] Abreviaturas: 1: primeira pessoa; 2: segunda pessoa; 3: terceira pessoa; a: argumento; ac: anti-causativo; acc: acusativo; appl: aplicativo; ben: benefactivo; c: contiguidade; caus: causativo; cl: consoante latente; compl: complementizador; conc: concordância; cond: condicional; cont: continuativo; dat: dativo; det: determinante; dtr: detransitivizador; ep: epêntese; erg: ergativo; exort: exortativo; f: feminino; imp: imperativo; loc: locativo; m: masculino; n: neutro; nom: nominativo; noml: nominalizador; part: partitivo; pass: passiva; past: passado; perf: perfectivo; pl: plural; pnct: pontual; pont: pontual; refl: reflexivo; rel: relacional; rfl: reflexivo; sg: singular; th: sufixo temático; top: tópico; unposs: forma não possuída; vblz: verbalizador; voice: morfema que instancia o núcleo de VoiceP.

[3] É necessário ressaltar que o finlandês também apresenta as construções causativas “normais” (i.e. uma estrutura causativa não desiderativa). Conforme os dois exemplos a seguir, tanto verbos inacusativos quanto verbos inergativos podem ser causativizados por meio do sufixo {-tta}. Nestes exemplos, o argumento externo causador recebe o Caso nominativo e o objeto (participante causado) recebe as marcas de Caso partitivo ou acusativo. Veja que estes dois exemplos se distinguem dos causativos desiderativos pelo fato de introduzirem o participante que desencadeia a causação:

(i)                   Jussi                              aura-tti                 Mari-a

Jussi.nom            rir-caus.past    Mari-part

“Jussi fez Mari rir” (Pylkkänen 1999: 176)

(ii)                 Jussi                              jäädy-tti                                               liha-n

Jussi.nom            congelar-caus.past        carne-acc

“Jussi congelou a carne” (Pylkkänen 1999: 161)

[4] “Thus the Finnish desiderative causative has the same restriction as the Japanese adversity causative: its implicit argument must be interpreted as an event. This means that it also requires the separation of causation from the external thematic relations” (Pylkkänen 2002: 89).

[5] “While Cause and Voice are separate pieces in the universal inventory of functional heads, they can be grouped together into a morpheme in the lexicon of a particular language” (Pylkkänen 2002: 90).

[6] Soares (2010) também apresenta evidências de que a língua indígena Ticuna, geneticamente isolada, também projeta VoiceP e vPcause de forma cindida.

[7] O leitor poderia se perguntar se a mudança da morfologia de perfectivo de {-ø} para {-tya} nos exemplos em (31) e (32) está relacionada com o processo de causativização em Paresi-Haliti. Os exemplos abaixo revelam que não é a causativização o gatilho responsável por essa mudança, uma vez que o sufixo perfectivo {-tya} também ocorre em estruturas que não exibem morfologia causativa, conforme os seguintes exemplos:

(i)                   na-waha-ako-tya                       hati

1sg=esperar-dentro-perf casa

“Eu esperei dentro de casa” (Silva 2013: 254)

(ii)                 na=tona-koa-tya

1sg=andar-adj.sup-perf

“Eu andei por aí” (Silva 2013: 287)

De acordo com Silva (2013), são três os morfemas de perfectivo em Paresi-Haliti, a saber: {-ø}, {-tya} e {-ka}. Em uma tentativa de sistematização, Silva (2013) reconhece, pelo menos, as seguintes regularidades: (i) os verbos inacusativos descritivo-estativos sempre recebem {-ø}; (ii) os verbos derivados sempre recebem {-tya}; (iii) os demais verbos, transitivos ou intransitivos, recebem {-ka}.

[8] De acordo com Embick (1997, 1998, 2004), o núcleo de VoiceP é defectivo quando lhe falta a habilidade de introduzir um argumento externo.

[9] Gostaria de agradecer ao parecerista da Revista Linguística por ter apresentado como alternativa esta nova análise.

[10] É necessário salientar que, em Tapirapé (Praça 2007), Parakanã (Silva 2003) e Arawaté (Solano 2009), línguas que também são da família Tupí-Guaraní, o morfema aplicativo {eru-} só se junta a verbos intransitivos. A coocorrência desse morfema com verbos transitivos resulta em sentenças agramaticais.

[11] O exemplo em (42a) pode ser parafraseado da seguinte maneira: “O homem foi o agente de algum evento que causou a derrubada da árvore”. O exemplo (42b), por sua vez, pode ser interpretado da seguinte forma: “Ocorreu um evento que causou a derrubada da árvore com o homem”.

[12] O exemplo em (44a) pode ser parafraseado da seguinte maneira: “*O homem foi o agente do evento peso da mulher que causou o rompimento da corda”. O exemplo (44b), por sua vez, pode ser interpretado da seguinte forma: “O peso da mulher é o evento que causou o rompimento da corda com o homem”.

[13] Agradeço ao parecerista da Revista Linguística por esta valiosa observação.

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