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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.31 no.2 Montevideo nov. 2015

 

Lingüística

Vol. 31-2diciembre 2015: 27-46

ISSN 2079-312X en línea

ISSN 1132-0214 impresa

 

 

POR QUE ADVÉRBIOS ALTOS NÃO SÃO DIAGNÓSTICOS PARA O MOVIMENTO DO VERBO?*

 

WHY HIGH ADVERBS ARE NOT RELIABLE DIAGNOSTICS FOR VERB MOVEMENT?

 

Aquiles Tescari Neto

(UNICAMP/FAPESP)

aquilestescari@yahoo.it

 

 

A tradição gerativista utiliza advérbios como diagnósticos para o movimento do verbo à flexão, ao assumir que os AdvPs estão fixos na estrutura e o verbo é que se move a posições de IP (ou mesmo CP). Com o avanço das pesquisas do Programa Cartográfico e o consequente enriquecimento das estruturas, faz-se necessário investigar quais advérbios seriam de fato diagnósticos fidedignos para o movimento de V. O trabalho mostra que apenas advérbios baixos são diagnósticos confiáveis, haja vista o fato de o verbo não poder se mover por sobre advérbios altos nas línguas românicas e no inglês. Para corroborar os achados, vale-se de testes de elipse do VP que mostram claramente que porções da estrutura podem ou não ser recuperadas pelo VP elíptico: apenas advérbios baixos podem ser recuperados; advérbios altos não podem jamais ser recuperados.

 

Palavras-chave: Movimento do verbo, advérbios, advérbios altos, Cartografia, Sintaxe Gerativa.

 

Key-words: Verb movement, adverbs, high adverbs, Cartography, Generative Syntax.

 

Tradition in Generative Syntax has taken AdvPs as diagnostics for V raising to Inflection since they are assumed to be fixed in the structure while the verb is assumed to move (or not) across them. Advances in the Cartography project and the consequent enrichment of the syntactic structures have us aking which adverb class(es) could be taken as diagnostics for verb movement. The paper shows that only low adverbs are reliable tests, since the verb cannot move past high adverbs in Romance and English. Tests involving VP-ellipsis in Portuguese are used to show that only low, but not high adverbs, are reliable diagnostics for verb raising, since only the former can be recovered by the elliptical VP.

 

 

(Recibido: 2/1/15; Aceptado: 4/6/15)

 

 

1. Introdução

 

Desde Pollock (1989), assume-se que os advérbios baixos ou AdvPs de VP (‘left-edge adverbs’) seriam diagnósticos para a subida do verbo à flexão, pelo simples fato de se adjungirem ao VP e poderem, portanto, indicar se o V teria ou não saído do VP (cf., dentre outros, Pollock 1989; Galves 1993, 1994; Figueiredo Silva 1996; Costa 1998, 2004; Cinque 1999, 2004; Laenzlinger 2002; Laenzlinger & Soare 2005; Modesto 2000; Cyrino 2011). (1-2) a seguir ilustram a validade de tal diagnóstico. Como se sabe, não há movimento de V à flexão em inglês (Pollock 1989; Belletti 1990; Chomsky 1995). Assim, o advérbio de VP completely 'completamente' deve encontrar-se necessariamente à esquerda do V (1a); (1b) é agramatical porque o particípio moveu-se por sobre o advérbio. No português do Brasil (doravante PB), para o qual, como se sabe, há movimento do verbo (cf. Galves 1993, 1994; Figueiredo Silva 1996; Cyrino 2011), V deve posicionar-se à esquerda do AdvP: (2b) é gramatical por sugerir tal movimento; (2a), que sugere a ausência do movimento de V à flexão, é agramatical.

 

1    a.   Stanley completely ate his Wheaties (Jackendoff 1972: p. 53) (Inglês)

‘O Stanley comeu os seus cereais completamente’.

b.   *George will have read completely the book. (Radford 1988: 241)

(‘O George vai ter lido o livro inteiro/todo/completamente’)

 

2    a.   * O João completamente acabou seu trabalho.

b.   O João acabou completamente o seu trabalho. (Galves 1994: 109)

 

As árvores a seguir ilustram a dinâmica do movimento de V à Flexão (ou I0 ou Flex0 ou T0), para o PB, assumindo-se que o advérbio baixo se adjunge a VP: a fig. 1 ilustra (2b), em que há movimento de V à Flex0 e a sentença é gramatical (o advérbio se lineariza à direita de V, sugerindo que este deixou o VP e se adjungiu a I0); a fig. 2 ilustra (2a), que é agramatical, pelo fato de representar a ausência de movimento de V a I0, movimento este obrigatório em PB.

Figura 1: a derivação de (2b)                                                       Figura 2: a derivação de (2a)

 

Há ainda outros testes que igualmente podem contribuir para a diagnose do movimento de V. Por exemplo, a posição deste em relação a advérbios negativos (Figueiredo e Silva 1996; Modesto 2000), a posição de V em relação a quantificadores flutuantes (Figueiredo Silva 1996; Modesto 2000; Brito 2001; Galves 1994; dentre outros) e a própria elipse de VP nas línguas que apresentam tal fenômeno (cf. Matos & Cyrino, 2001; Cyrino & Matos, 2002; Cyrino, 2011; Tescari Neto, 2013). O presente trabalho trata, entretanto, apenas do diagnóstico dos advérbios e a motivação para esse recorte é muito simples. Para justificá-lo, recorremos a F. de Saussure que, ao fundar a Linguística Moderna imortalizou a seguinte máxima: “o ponto de vista cria o objeto”. Uma vez que essa máxima é hoje, entre nós, um truísmo, o fato de assumirmos, com o Programa Cartográfico, que a estrutura da oração é muito mais articulada do que se tem assumido tradicionalmente nos leva ao seguinte questionamento: “Que advérbios podem ser utilizados como diagnósticos para o movimento do verbo, haja vista o fato de Cinque (1999) reconhecer que o IP ou Middlefield teria, na realidade, cerca de 40 classes de AdvPs posicionados em Especificadores (Spec) distintos?”

 

Ao final do trabalho deverá ficar claro que apenas os advérbios ditos baixos podem ser tomados como diagnósticos para o movimento de V à Flex0, haja vista o fato de V não poder se mover à esquerda de advérbios altos. Um mergulho na cartografia das estruturas sintáticas confirmará, portanto, o achado de quase trinta anos de pesquisa em Sintaxe Gerativa: apenas advérbios baixos podem ser considerados diagnósticos fidedignos. Mostraremos, entretanto, que é necessário assumir uma estrutura enriquecida e articulada – própria das representações cartográficas – para dar conta de fenômenos como a elipse de VP, em português, para os quais uma teoria de adjunção livre não ofereceria respostas imediatas.

 

O trabalho se organiza da seguinte forma: na seção 2, introduzimos o quadro teórico da Cartografia, especialmente a vertente de Cinque (1999) e trabalhos sucessivos, que aqui assumimos. Na seção 3, apresentamos um paradoxo que, não obstante sua relevância à teoria do movimento do verbo, tem sido largamente ignorado pela literatura. Na seção 4, mostramos por que advérbios baixos são diagnósticos fidedignos para a subida do verbo. Outras assunções teóricas concernentes ao tipo de movimento assumido nas derivações são apresentadas na seção 5 para, na seção 6, ilustrar o movimento do VP na zona dita baixa de IP. Retornamos, na seção 7, ao paradoxo já introduzido na seção 3: em 7.1 revisamos brevemente a teoria da atribuição de escopo de Kayne (1998)e apresentamos uma versão modificada para essa importante abordagem, a qual nos ajudará, na seção 7.2, não só a explicar o paradoxo da seção 3, como também a entender por que AdvPs altos não podem ser tomados como diagnósticos reais para a subida do verbo. Concluímos, na seção 8, com uma breve revisão dos principais achados e com a apresentação de alguns problemas a serem investigados em trabalhos futuros. 

 

 

 

2.  A proposta Cartográfica de Cinque

 

Com base na distribuição relativa de advérbios de classes semânticas distintas em diferentes línguas, Cinque propõe que o IP (Chomsky 1986) (ou o “TP” da tradição minimalista (Chomsky, 1995)) seja constituído pelas seguintes distinções funcionais, realizadas ou não foneticamente via AdvPs (em Spec) ou núcleos funcionais (“X°s”),  apresentadas a seguir.

                  

3 A Hierarquia Universal das Projeções Funcionais do Middlefield:

 

[francamente ModoAto de fala > [surpreendentemente ModoMirativo> [felizmente ModoAvaliativo > [evidentemente ModoEvidencial > [provavelmente ModalidadeEpistêmica > [uma vez TPassado > [então TFuturo > [talvez ModoIrrealis > [necessariamente ModalidadeNecessidade > [possivelmente ModalidadePossibilidade > [normalmente AspHabitual > [finalmente AspTardivo > [tendencialmente AspPredisposicional > [novamente AspRepetitivo(I) > [frequentemente AspFrequentativo(I) > [de/com gosto ModalidadeVolitiva > [rapidamente AspAcelerativo(I) > [ TAnterior > [não … mais AspTerminativo > [ainda AspContinuativo  > [sempre AspContínuo > [apenas AspRetrospective > [(dentro) em breve AspAproximativo > [brevemente AspDurativo > [(?) AspGenérico/Progressivo [quase AspProspectivo > [repentinamente AspIncoativo(I) > [obrigatoriamente ModoObrigação > [em vão AspFrustrativo > [(?) AspConativo > [completamente AspSingCompletivo(I) > [tudo AspPlurCompletivo > [bem Voz > [cedo AspAcelerativo(II) > [do nada AspIncoativo(II) > [de novo AspRepetitivo(II) > [frequentemente AspFrequentativo(II) >  (Cinque 1999: 106, modificada em Cinque 2006)

 

A não ser que algum traço da estrutura informacional (Tópico, Foco, etc.) tenha de ser valorado, os advérbios em (1) ocupam uma posição fixa na estrutura e não se movem da posição em que foram inicialmente “Soldados” (Merged)[1]. Desse modo, os advérbios servem como diagnósticos para o movimento de outros constituintes da sentença (por exemplo, V, auxiliares e modais, argumentos de V, etc.).

 

Para chegar à hierarquia em (3), Cinque vale-se de testes de transitividade envolvendo advérbios de classes semânticas distintas. Assim, se um dado AdvPA precede (“>”) um dado AdvPB, que precede, por sua vez, um AdvPC, por transitividade infere-se que o AdvPA precede o AdvPC:

 

4    a.   AdvPA > AdvPB

b.   *AdvPB > AdvPA

 

5   a.   AdvPB > AdvPC

b.   *AdvPC > AdvPB                                                                             (Portanto: AdvPA > AdvPB > AdvPC)

 

            Os dados (6-8) ilustram esse 'teste da transitividade' aplicado a AdvPs ingleses: AdvPs de ato de fala precedem AdvPs avaliativos (6) que precedem evidenciais (7), os quais, por sua vez, pecedem os epistêmicos (8):

 

6    AdvPs de ato de fala (honestly)  > AdvPs avaliativos (unfortunately):

a. Honestly I am unfortunately unable to help you.                                                           

b. *Unfortunately I am honestly unable to help you.                                                                                                            

 

7    AdvPs avaliativos  (fortunately) > AdvPs evidenciais (evidently):

a. Fortunately, he had evidently had his own opinion of the matter.        

b. *Evidently he had fortunately had his own opinion of the matter.                               

 

8    AdvPs evidenciais (clearly) > AdvPs epistêmicos (probably):

a. Clearly John probably will quickly learn French perfectly.                                              

b. *Probably John clearly will quickly learn French perfectly.     (Cinque 1999: 33)

 

O teste aplicado a (6-8) também é estendido aos núcleos funcionais (de diversas línguas). (9), por exemplo, apresenta 'verbos' ditos 'auxiliares' no inglês e espanhol, que tem sido considerados categorias nucleares da Flexão:

 

9    a.   These books have been being read all year.                             (Cinque 1999: 57)

b.   Esos libros han estado siendo leídos todo el año.

Esses livros tem estado sendo lidos todo o ano

Esses livros tem sido lidos todo o ano'

 

Em (9), have 'ter' (a) e han (b) lexicalizam o núcleo de tempo; been (9a) e estado (9b), o aspecto perfeito; being (9a) e siendo (9b), o progressivo; o verbo lexical, dada a construção passiva, lexicaliza (derivacionalmente) a Voz (read, in (a) e leídos, em (9b)). De (9), é possível inferir a seguinte ordenação parcial (cf. (10)):

 

10  Tempo > AspPerfeito > AspProgressivo > Voz … (> V)                  (Cinque 1999: 57)

 

Cinque oferece mais evidências para a ordenação dos núcleos funcionais (cf. Cinque 1999, capítulo 3) para, ao final, mostrar que os advérbios se assemelham aos núcleos funcionais em termos de número, ordem relativa e classes semânticas. A conclusão do autor é que os advérbios ocupam uma posição de especificadores únicos de núcleos funcionais distintos. Assim, no caso da modalidade epistêmica, tomando como exemplo o inglês, o advérbio probably, se presente na numeração, ocuparia a posição de Spec do modal must 'poder', em seu uso epistêmico, conforme ilustra a figura 3, a seguir.

 

A assunção da proposta cartográfica de Cinque – para a qual, como vimos, coloca cerca de 40 advérbios no Middlefield – nos leva a repetir a pergunta feita na seção anterior: “Quais advérbios podem ser utilizados como ‘diagnósticos’ para a subida do verbo à flexão? Qualquer advérbio? Advérbios ‘baixos’? Advérbios ‘altos’?” A seção seguinte introduz um interessante paradoxo, aparentemente passado despercebido pela literatura linguística (ver detalhes em Tescari Neto 2013), mas todavia de crucial importância à teoria do movimento do verbo. Tal paradoxo tem, entretanto, consequências importantes não só à teoria geral sobre a subida do verbo mas à teoria gramatical como um todo, se se assume naturalmente, à la Pollock (1989), que os advérbios estão fixos na estrutura e o verbo é que se move por sobre eles.

 


            Fig. 3: AdvPs e núcleos funcionais

 

 

 

3. Um paradoxo (muito) interessante

           

Os dados a seguir parecem questionar a validade do teste ‘adverbial’ para a ‘detecção’ do movimento do V à flexão.

 

11  a.   O Zé             mente                    ainda/bem/sempre/etc.                     (PB)

b.   Gianni         mente                     ancora/bene/sempre/ecc. (=a)        (Italiano)

 

12  a.   *O João       mente                   provavelmente.   

b.   *Gianni       mente                   probabilmente.                    (=a)        (Italiano)

 

13  a.   O João         mente,                  provavelmente.                  

b.   Gianni          mente,                  probabilmente.                  (=a)           (Italiano)

 

Embora advérbios altos não possam aparecer à direita de V em posição final (cf. (12)), esses AdvPs podem paradoxalmente aparacer em posição pós-verbal, se seguidos de um constituinte (cf. (14), abaixo).

 

14  a.   O José comia                             provavelmente arroz.                                                      

b.   Gianni mangiava                    probabilmente la pasta.                      (Italiano)

 

Esses dados nos levam naturalmente a um ‘paradoxo’: se se recorre ao movimento de V para explicar o aparecimento de V à esquerda do advérbio alto (provavelmente, probabilmente) em (14), a agramaticalidade de (12) fica sem explicação. Se a impossibilidade do movimento V à esquerda de advérbios altos for a razão para a agramaticalidade de (12), o posicionamento do advérbio à direita do V em (14) não pode ser atribuído à subida de V

 

 

 

4.  ‘E agora, José’, quais testes utilizar?

           

Conforme mencionado já no início da seção 1, a tradição gerativista assume que advérbios baixos (também denominados left-edge adverbs, cf. Costa 2004) são diagnósticos fidedignos para o movimento de V a I°/T°/Flex° (cf., para isso, Pollock 1989; Belletti 1990; Galves 1993, 1994; Figueiredo Silva 1996; Costa 1998, 2004; Modesto 2000; Brito 2001; Matos & Cyrino 2001; Cyrino & Matos 2002; Ambar et al. 2004; Costa & Galves 2002; Costa & Figueiredo Silva 2006; Cyrino 2011). Se pensarmos em termos de hierarquia de Cinque, e tomando novamente o exemplo (2), do PB, aqui repetido como (15), esperamos que, uma vez que V deve se mover à esquerda de completamente, deverá se mover também à esquerda de todos os advérbios que seguem completamente na hierarquia, quais: o advérbio plural completivo (tudo), o advérbio de modo (por exemplo, fluentemente) e o advérbio acelerativo II (cedo). Os dados (16a,b,c) ilustram que V necessariamente deve se mover à esquerda de tais advérbios, o que corrobora as previsões da hierarquia:

 

15  a.  *O João completamente acabou seu trabalho. (AspSingCompletive)

a’. *O J. completamente seu trabalho acabou.

b.  O João acabou completamente o seu trabalho. (Galves 1994[2001: 109])

c.  O João acabou o seu trabalho completamente.

 

16 a.  O João (*tudo) fez (tudo) com paciência. (AspPlCompletive)

b.  O João (*fluentemente) fala (fluentemente) francês (fluentemente). (Voice)

c.  O João (*cedo) acordou (cedo). (AspCelerative(II))

 

De (15-16), conclui-se também que há movimento obrigatório de V, em PB. Do ponto de vista da Cartografia, (15-16) mostram que advérbios (muito) ‘baixos’ são diagnósticos confiáveis para detectar a subida do verbo, o que confirma a posição da tradição gerativista acerca do papel dos advérbios baixos ou advérbios de VP na teoria do movimento do verbo: “Para que se possam encontrar provas a favor ou contra o movimento do verbo, deve-se observar o comportamento dos advérbios de modo, gerados em adjunção a uma projeção de V.” (Galves 1994[2001]: 109).

 

Até o momento estamos, portanto, seguros de que advérbios baixos são diagnósticos confiáveis para a subida de V à Flexão. Na seção 3 apresentamos, entretanto, um paradoxo crucial à teoria do movimento do verbo envolvendo advérbios altos: conforme lá mostramos, advérbios altos não podem aparecer à direita de V, se em posição final (ver (12), repetido a seguir como (17)). No entanto, advérbios altos paradoxalmente podem aparecer à direita de V se um constituinte os seguir (ver (14), repetido a seguir como (18)).

 

17  a.   *O João       mente    provavelmente.    

b.   *Gianni       mente    probabilmente.                    (=a)        (Italiano)

 

18  a.   O José comia             provavelmente arroz.                                                      

b.   Gianni mangiava      probabilmente la pasta.    (=a)        (Italiano)

 

Advérbios baixos, como vimos, podem aparecer em posição sentencial final (ver (11), repetido a seguir como (19)).

 

19  a.   O Zé             mente    ainda/bem/sempre/etc.                    

b.   Gianni         mente     ancora/bene/sempre/ecc. (=a)        (Italiano)

 

Parece ser justo tomar a gramaticalidade de (19) e a agramaticalidade de (17) para sugerir que o verbo não pode se mover à esquerda de AdvPs altos (17), apenas à esquerda de AdvPs baixos (19).[2] Este será o ponto de vista defendido aqui, um ponto de vista bastante “duro”, haja vista o fato de teorias e mais teorias sobre o movimento de V terem assumido que em línguas românicas como o italiano, o PE e o espanhol haveria um movimento longo do verbo, i.e., V se moveria a projeções altas da oração. Desviamo-nos, portanto, de tal tradição. Nosso modo de interpretar (17) e (19) é simples: V não pode se mover à esquerda de AdvPs altos (17). Há movimento de V apenas acima de AdvPs baixos (19).

 

Diante disso, temos agora de explicar (18), em que V se lineariza à esquerda de um advérbio alto. Com toda a certeza, a fig. 4, mais adiante, não poderá jamais representar a nossa derivação para (18), uma vez que, conforme assumimos – e nos valeremos de fatos da elipse de VP para argumentar contra a derivação sugerida na fig. 4 –, V não pode se mover à esquerda de advérbios altos, e provavelmente é um advérbio alto prototípico.

 

 


Fig. 4: O tipo de derivação que não estamos assumindo

 

Como é que obtemos (18) derivacionalmente, então, se V não pode se mover à esquerda de provavelmente, e temos de abandonar a derivação sugerida na fig. 4?

 

De duas assunções teóricas que faremos/fazemos decorrerá a derivação de (18). Primeira: assumiremos que a hierarquia de Cinque está no caminho correto e que os advérbios são modificadores da projeção estendida do verbo. AdvPs não são gerados jamais na projeção estendida do nome, justamente por serem modificadores da projeção estendida de V.[3] Segunda, assumiremos que o escopo é atribuído derivacionalmente no sistema computacional, como o quer Kayne (1998), e estenderemos, a todos os AdvPs da hierarquia de Cinque, a  proposta de Kayne sobre a atribuição de escopo a only 'só'. Dessas duas assunções, derivaremos (18) através de um sistema que mantém a hierarquia universal de Cinque sem recorrer (i) ao movimento (ilícito, como vimos (cf. a discussão de (17), acima)) de V por sobre o AdvP alto (excluindo assim a derivação da fig. 4), sem recorrer (ii) à adjunção do AdvP diretamente ao DP “arroz” e também sem recorrer (iii) à criação de uma nova projeção de modalidade epistêmica, na zona baixa de IP, simplesmente para dar conta do aparecimento do advérbio provavelmente à direita do verbo em (18).

 

Do que foi exposto até então, estamos seguros de que é válido tomar AdvPs como diagnósticos para a subida de V, desde que sejam utilizados AdvPs baixos, como a maioria dos aspectuais da hierarquia em (3). AdvPs altos não podem ser tomados como diagnósticos para a subida de V à flexão, porquanto V não poder se mover a uma posição alta da estrutura. Para as próximas seções, a teoria sobre o movimento de V deverá explicar o aparecimento de AdvPs altos à direita de V, sempre que um constituinte se lineariza à direita do advérbio (como em (18)). Mas antes, algumas conjecturas teóricas devem ainda ser apresentadas.

 

 

 

5.  Outras conjecturas teóricas

           

Assumimos, com Koopman & Szabolcsi (2000), Cinque (2005, 2007), Kayne (2005), dentre outros, que a Gramática Universal permite apenas movimentos sintagmáticos e não dá lugar a movimentos nucleares. Chomsky (2001) já havia avançado tal ideia no tocante ao movimento de V à Flexão, relegando o movimento nuclear ao componente fonológico (PF) da Gramática.[4]

 

Assumimos também, com Cinque (1996) e trabalhos subsequentes, o que este autor denomina de assimetria dos lados direito e esquerdo ("left-right asymmetry") das línguas naturais. Segundo tal proposta, no tocante à projeção estendida do V (ou oração), V seria o primeiro elemento a entrar na derivação e projetaria o VP (sem ter um complemento ou especificador). Os argumentos, os complementos circunstanciais e os advérbios de diferentes classes entrariam na derivação em posições acima de V(P), conforme o esquema apresentado na figura 5, a seguir (de Tescari Neto 2013: 109).

 

               

Fig. 5: A assimetria dos lados direito e esquerdo e a projeção estendida do verbo

 

Dada tal estrutura, é possível pensar, sem dificuldades, em um sistema que admite tão somente movimento sintagmático de VP, de especificador em especificador, por entre os argumentos e modificadores da projeção estendida do verbo. Em tal sistema, falar em movimento de V é o mesmo que falar em movimento de VP (ver nota 4), já pelo fato de o VP conter tão somente o V.

 

Na próxima seção, ilustramos a dinâmica do movimento de V(P) na 'zona baixa' do IP, i.e., por entre os advérbios ditos baixos. Embora o presente trabalho vise a explicar por que AdvPs altos não podem ser tomados como diagnósticos para a subida de V à flexão, a comparação com os AdvPs baixos se faz necessária por serem estes os diagnósticos fidedignos para esse tipo de movimento.

 

 

 

6. O movimento de V na “zona ‘baixa’” do IP

 

Quando o VP se eleva à Flexão (i.e., ao especificador de uma dada projeção funcional do ‘espaço IP’ (Asp, T, Mod, etc.)), essa projeção funcional, VP, carrega consigo o objeto (pied-piping do tipo whose-pictures), que é Soldado ('Merged') não como complemento de V, mas numa posição de Spec acima do VP, como vimos na seção anterior. A figura 6, adiante, ilustra os primeiros passos da derivação de (20a), apresentada abaixo.

 


Fig. 6: a derivação de (20a): parte 1

           

Uma vez que o objeto é carregado pelo VP, o ‘bloco’ [VP [Objeto]] também carrega os advérbios mais baixos (left-edge), caso presentes na numeração, sempre no modo whose-pictures de pied-piping, i.e., com inversão da ordem ('movimento do tipo 'roll-up''). Assim, os advérbios mais baixos aparecem na ordem invertida, em PB, caso co-ocorram na oração. Ver o exemplo (20) a seguir, em que apenas a ordem (20a) é possível, por apresentar os advérbios na ordenação invertida. Para derivar (20a), basta assumir que o VP move-se à esquerda do objeto (fig. 6) e, em seu movimento, carrega junto a projeção que hospeda o objeto (pied-piping do tipo whose-pictures ou movimento roll-up ou snowball). O mesmo movimento do tipo roll-up é feito à esquerda de cada um dos outros advérbios (de (26a)), invertendo a ordem da hierarquia (ver figuras 7, 8 e 9).

 

20 a.   O Mané tem vomitado sangue com frequência de novo do nada.

b.   *O Mané tem vomitado sangue com frequência do nada de novo.

c.   *O Mané tem vomitado sangue de novo com frequência do nada.

d.   */??O Mané tem vomitado sangue de novo do nada com frequência.

e.   */??O Mané tem vomitado sangue do nada com frequência de novo.

f.   */??O Mané tem vomitado sangue do nada de novo com frequência.

 

Figura 7 – a derivação de (20a): parte 2

 

 


Fig. 8 – a derivação de (20a): parte 3

 

 

 


Fig. 9 – a derivação de (20a): parte 4

 

Os AdvPs que ocupam a posição de especificadores acima de completamente (na hierarquia dada em (3), se presentes na numeração, podem aparecer à esquerda ou à direita de V (cf. Tescari Neto 2013, capítulo 4), o que significa dizer que o movimento de V por sobre eles já não é obrigatório. Vale mencionar, entretanto, a posição de V relativa a (TAnterior). Esse parece ser um locus de variação entre o PB e o português europeu (PE), se a variação paramétrica deve ser atribuída aos núcleos funcionais (Kayne 2005). Conforme mostrado em Modesto (2000) e Silva (2001), V não se pode encontrar à esquerda de já, em PB (cf. a agramaticalidade de ((21b)):

 

(21) a. Eu sei português.

  b. *Eu sei português. (Silva 2001: 33)

 

No PE, a situação parece ser diferente (Modesto 2000). V pode-se posicionar à esquerda de . O mesmo vale para o italiano do Norte da Itália (Cinque 1999).

 

22  a.   A Maria já não come nada, não devia fazer dieta. (PB, PE)

b.   A Maria já tinha comido. (PB; PE)

 

23 a.   A Maria não come já nada, não devia fazer dieta. (*PB; OKPE)

b.   A Maria tinha já comido. (*PB; OKPE) (Modesto 2000: 27)

 

Sobre os dados (21-22), podemos dizer que o V(P) move-se menos no PB do que no PE, o que não é novidade nos estudos sobre o movimento de V nessas variedades (cf., dentre tantos outros, Galves 1993, 1994; Brito 2001; Ambar et al. 2004; Ambar 2008; Cyrino 2011; Tescari Neto 2013). E qual poderia ser o motivo para essa variação? Há várias respostas na literatura, que, no passado, tendia a explicar essa diferença em termos do empobrecimento do paradigma flexional de V no PB. Há, recentemente, propostas que associam tal diferença à riqueza ou pobreza de T (Ambar 2008; Cyrino 2011). Embora importantíssimo à teoria do movimento do verbo, esse ponto não será tratado aqui, por tangenciar o objetivo primeiro de nosso trabalho. Remetemos o leitor a Tescari Neto (2013: 142s.), onde esse ponto foi discutido com mais vagar. Na próxima seção, retomamos o paradoxo discutido na seção 3.

 

 

 

7.  De volta ao ‘paradoxo’

 

Acima dos advérbios ditos habituais, o movimento de V(P) não é mais possível e uma outra explicação, diferente da subida de V à esquerda do advérbio, deve ser dada sobre (14), repetido em (24) abaixo:

 

24 O José comia provavelmente arroz.

 

Falantes do PB e do PE aceitam as seguintes paráfrases para (24):

 

24' a.  O José comia provavelmente arroz, não feijão. (escopo estreito/escopo sobre o complemento).

a’. O José comia provavelmente arroz, não ficava sem comer (na Quaresma). (escopo amplo/escopo sobre o VP)

 

Para explicar a ambiguidade de (24) (cf. (24'a, a')), já notada em Costa (2008), ao mesmo tempo dando conta do paradoxo apresentado em §3, assumimos a teoria da atribuição de escopo de Kayne (1998), segundo a qual escopo seria atribuído antes do Spell-Out, i.e., na sintaxe visível. Faz-se necessária uma pequena digressão, que apresente o modelo de Kayne (1998) sobre a atribuição de escopo e ao mesmo tempo o remodele um pouquinho, dada a natureza sintagmática (e não nuclear) de AdvPs (Cinque 1999, capítulo 1). Isto será feito na próxima subseção. Voltaremos, na sequência, à derivação das duas leituras de (24).

 

7.1.    A teoria de Kayne (1998)

 

Na tradição gerativa, a atribuição de escopo a expressões quantificadas tem sido tratada por anos em termos de movimento em Forma Lógica (ver, por exemplo, Longobardi, 1992), de tal sorte que esse processo se assemelharia a movimentos-wh que se dão na Sintaxe visível. Voltando a atenção a expressões quantificadas como NegPs e o focalizador only ‘só’, Longobardi (1992) propõe que há um movimento em LF, que é paralelo ao movimento-wh na “estrutura-S” (o que ele denominou de “hipótese da Correspondência”). Kayne (1998) vai um passo além, propondo que este forte paralelismo entre movimentos sintáticos e interpretação do escopo é uma conseqüência do fato de que não existem movimentos cobertos. Em vez disso, o processo de atribuição escopo sempre ocorre, segundo ele, na Sintaxe visível, graças a uma série de movimentos.

 

Kayne sugere que em uma sentença como (25), only ‘só’ não se combina diretamente com o DP Bill (Kayne 1998: 134), mas com o VP (ou alguma porção de sua projeção estendida). Noutros termos, uma projeção contendo only entraria na derivação em uma posição acima do VP; only, um núcleo (X°) em Kayne, atrairia o constituinte sob o seu escopo ao seu especificador, se moveria em seguida a um núcleo acima, e esse movimento ulterior atrairia o remanescente ao seu especificador, reestabelecendo a ordem “V only DP” (cf. (25) e a derivação sugerida em (25', 25'')), criando a ilusão de que only e o constituinte sob o seu escopo foram Soldados juntos.

 

25 John criticized only Bill. (Kayne 1998: 134)

'O John criticou só o Bill'

 

(25) seria, portanto, derivada de (25’):

 

25’ John only criticized Bill.

 

e a derivação passo a passo poderia ser representada como segue:

 

25”

only criticized Bill → (only atrai “Bill” a seu Spec)

Billi only criticized ti → (only sobe a W°)

onlyj Billi tj criticized ti → fronteamento do VP (‘movimento do remanescente’))

[criticized ti]k onlyj Billi tj tk

 

Kayne assume que todas as vezes que o only atrai algum XP ao seu Spec, necessariamente todo esse XP ou uma parte dele é focalizado por only (Kayne 1998: 156). Isso explica por que em uma sentença como (26) o foco pode ser todo o XP que segue only, ou então subpartes desse XP, começando necessariamente pelo constituinte mais encaixado. Isso vale por dizer que a book deve estar em [Spec,only] caso Bill e gave também sejam focalizados, o que lembra o tratamento de Chomsky (1971) para a focalização.

 

26  John only gave Bill a book. (Kayne 1998: 157)

 


Fig. 10: A derivação de (26)

 

Em Tescari Neto (2013, capítulo 3), sugere-se que o tratamento de Kayne dispensado a only pode ser estendido a todos os advérbios da hierarquia de Cinque, por duas razões: (i) advérbios, enquanto modificadores, tomam por escopo constituintes da oração ou partes dela; (ii) advérbios são apenas modificadores da projeção estendida de V (diferentemente do tratamento de Ernst (2000) e Zyman (2012)); (iii) advérbios são rigidamente ordenados em termos de uma estrutura de base (Cinque 1999).

 

Tomados conjuntamente, (i), (ii) e (iii) sugerem um tratamento sintático unificador para os advérbios: uma vez que ocupam uma posição rígida e fixa na oração (propriedade (iii)) e uma vez que são modificadores apenas da projeção estendida de V,[5] o seu ‘escopo’ pode ser ‘calculado’ tendo em vista o constituinte que se move ao Spec do núcleo atrator associado ao AdvP. Desenvolve-se a seguir essa ideia, que consiste numa pequena modificação da análise de Kayne.

 

Em Kayne, trata-se only e outros adverbiais associados a escopo como núcleos, não como sintagmas. Aqui, pretende-se tratar os advérbios como XPs, à la Cinque (1999, cap. 1), em virtude de algumas propriedades sintáticas que os caracterizariam como sintagmas[6] (cf. Tescari Neto 2013: 92ss.):

 

1.    AdvPs podem ser modificados:[7]

27  a.   molto probabilmente               (=b)        (Italiano)

b.   muito provavelmente              

 

2.  AdvPs podem ser focalizados:

28  a.   SEMPRE credo che l’abbia visto.         (Italiano – G. Cinque, com. pessoal)

             SEMPRE eu-acredito que o tenha visto

             ‘Eu acho que ele sempre o viu’.

b.   é SEMPRE que a Carolzinha quebra as coisas.

 

3. AdvPs podem ser coordenados:

29  João comprou sempre e regularmente livros na FNAC.   (PE)

 

Há, portanto, razões empíricas para alocar os advérbios em Spec, dada a sua natureza sintagmática. Isso significa dizer que, uma vez que se estende a teoria de Kayne a todos os advérbios, algumas modificações no “design” das derivações originais de Kayne deverão ser feitas, de modo que o novo quadro esteja quites com a natureza sintagmática dos AdvPs. Um modo seria aproveitar-se da própria análise de Kayne (2000) sobre preposições, que é muito semelhante à sua proposta para os advérbios focalizadores. Em Kayne (2002: 72ss.; 2005: 97-98, 137), o autor entende que também as preposições não são diretamente Soldadas com o seu complemento (último), mas entram na derivação em uma posição acima de VP. Antes da Soldagem da preposição, entretanto, um núcleo atrator e atribuidor de Caso (“K°”) sonda o constituinte que virá a ser o complemento da P. Esse constituinte se move a [Spec,K], onde checa Caso, a P é inserida no núcleo seguinte, acima, e tal inserção atrai o remanescente a seu Spec. Assim, ha tentato di cantare (italiano) ‘ele tentou cantar’ seria derivada como segue:

 

30  … tentato cantare → Soldagem de K

… K tentato cantare → atração de InfinP a [Spec,K]

… cantarei K tentato ti  → Soldagem de P

… di [cantarei K tentato ti] →  movimento do remanescente a [Spec,P]

… [tentato ti]j di [cantarei K tj]

                           

Poder-se-ia, então, pensar — para o caso dos advérbios — que, sendo os AdvPs (only inclusive) XPs e não X°s, um núcleo atrator[8] faria as vezes da Sonda e entraria na derivação antes de o AdvP ser inserido. Esse núcleo atrairia o constituinte sob o escopo do AdvP ao seu Spec. Em seguida, o AdvP seria Soldado, em concordância com a hierarquia de Cinque, seguido pelo movimento do remanescente à esquerda do AdvP:

 

31 John criticized only Bill. (Kayne 1998: 134)                           

31’       … criticized Bill → atração pelo núcleo probing/atribuidor de escopo[9],[10]

… Billi K criticized ti → Soldagem de only

… only Billi K criticized ti → movimento do remanescente

… [criticized ti]j only Billi K tj

 

Assim, se AdvPs altos também podem ser tratados como elementos associados ao escopo, é natural tratá-los da mesma forma que only. Estende-se, portanto, a mesma derivação proposta acima a casos como (32) (cf. (33)):

 

32  George will have probably read the book.                

 

33  … George will have read the book → Soldagem do núcleo-sonda associado a probably

K° George will have read the book → atração de “read the book” a [Spec,K°]

[read the book]j K° George will have tj → Soldagem do núcleo que licencia probably

probably      Y° [read the book]j K° George will have tj → Soldagem de W°

[probably Y° [read the book]j K° George will have tj] → movimento  do remanescente

… [George will have tj W° [probably Y° [read the book]j K° tk]]

 

Aqui se toma o Spec desse núcleo-sonda como sendo uma posição criterial (Rizzi 2004, 2007). Ou seja, assim que um XP se move ao Spec desse núcleo, tal constituinte fica 'congelado' naquela posição (cf. Tescari Neto 2013).

 

Feita essa digressão, voltamos à discussão sobre a derivação das duas leituras de (24), que apresentamos logo no início da seção 7.

 

7.2. Então como derivar a ambiguidade de (24)?

 

Repetimos (24) e as suas duas interpretações a seguir.

 

24 O José comia provavelmente arroz.

24’ a.  O José comia provavelmente arroz, não feijão. (escopo estreito/escopo sobre o complemento).

a’. O José comia provavelmente arroz, não ficava sem comer (na Quaresma). (escopo amplo/escopo sobre o VP)

 

Conforme já dissemos na seção 4, em (24), o advérbio aparece à direita de V não porque esse último moveu-se por sobre o primeiro. Se fosse assim, (12), repetido a seguir como (34), deveria ser gramatical.

 

34  *O João mente provavelmente

 

Assumindo a hierarquia de Cinque, segundo a qual provavelmente ocupa uma posição muito alta no Middlefield – a saber, [Spec,ModEpistemicP] –, e a teoria de atribuição de escopo de Kayne, segundo a qual o escopo é atribuído derivacionalmente na sintaxe visível, a leitura de foco ‘estreito’ (narrow focus) de ‘provavelmente’ (cf. (24'a)) poderia ser obtida da seguinte forma:[11] um núcleo probing/atrator[12] atrai o constituinte sob o escopo do advérbio para o seu especificador (ver, na fig. 11 a seguir, o passo derivacional indicado por “(1)”). O advérbio é inserido em seguida, no Spec correspondente em Cinque e o remanescente se move à esquerda (passo (2))[13]. O remanescente contém o V, o que nos dá a impressão de que este moveu-se por sobre o AdvP. (Essa derivação seria uma versão modificada de Kayne (1998)).

 


Fig. 11: A derivação de (24'a')

 

A derivação da leitura de (24) em que o advérbio tem escopo alargado, i.e., toma por escopo todo o VP (cf. a paráfrase (24'a')), segue a mesma linha de raciocínio da derivação anterior: o constituinte sob o escopo do advérbio é atraído pelo núcleo atrator “K”; o advérbio é Soldado ('Merged') na sequência (na posição correspondente na hierarquia universal) e o remanescente se move em seguida. Deve-se ter em mente que tanto (24'a) quanto (24'a') linearizam (24). A diferença deverá residir na porção da estrutura que se move ao especificador do núcleo-probing e à porção da estrutura que se move como remanescente. A chave para a compreensão da derivação da leitura em que o AdvP tem escopo sobre o VP está também no movimento desse VP: antes de o núcleo-probing atrair o XP focalizado para o seu Spec, o VP se move de Spec em Spec para até no máximo [Spec,TAnterior] – se pensarmos em 'altura máxima' do movimento de VP em PB (ver a discussão acerca dos dados (21-23) na seção 6) –. Ao Spec do núcleo-probing o 'pedaço' da estrutura que se move não conterá a cópia pronunciada do VP (que se moverá como parte do remanescente), mas uma cópia não pronunciada do VP que será reconstruída ali, donde será possível obter a leitura de 'escopo alargado'. A fig. 12, mais adiante, ilustra todos esses passos derivacionais: (1) indica o movimento do VP a [Spec,TAnterior] ou a um Spec necessariamente abaixo dele, (2) indica o movimento do Sujeito ao Spec da posição criterial (à la Rizzi (2004)) de Sujeito; (3) indica o movimento de uma porção (encaixada) da estrutura, contendo uma cópia não pronunciada do VP – responsável pela sua reconstrução naquela posição – ao Spec do núcleo-probing. (4) indica o movimento do material remanescente, que contém a cópia pronunciada do VP. O movimento do remanescente mascara todo o processo derivacional, uma vez que cria a impressão de que apenas o V(P) se moveu por sobre o AdvP alto, contrariamente aos fatos.

 

Fig. 12: a derivação do escopo alargado do AdvP (cf. (24'a')

 

Há razões para preferirmos tal derivação às derivações alternativas propostas na literatura por Nilsen (2004), Laenzlinger (2011) e Zyman (2012). Nilsen propõe uma saída 'cartográfica' ao problema da derivação de sentenças como (24), sugerindo que o único modo de derivá-la num sistema como o de Cinque (1999) seria propondo uma outra projeção para a modalidade epistêmica muito próxima ao vP. O sistema de Laenzlinger (2011) derivaria (24) a partir do movimento de V por sobre o AdvP (de maneira semelhante àquela sugerida na fig. 4 e texto correspondente). Zyman (2012) entende que, para casos como o de (24'a), o AdvP seria adjungido diretamente ao NP-complemento do verbo. As análises de Nilsen, Laenzlinger e Zyman apresentam no entanto um sério problema empírico, que a análise aqui proposta não apresenta: de acordo com as derivações desses autores, em sentenças como (35), o AdvP deveria ser recuperado pelo VP elíptico no segundo elemento da coordenação, contrariamente aos fatos: ver a agramaticalidade de (35b) e (36b), que mostram que o advérbio provavelmente não é jamais recuperável pelo VP-elíptico. Tal fato sugere que o V se encontra numa posição necessariamente mais baixa que a do AdvP.

 

35  O José comprou provavelmente uma BMW e o Pedrinho também comprou [-]. (PB, PE)

a. [-]: comprou uma BMW.          b. [-]: *comprou provavelmente uma BMW (não um Gol)

 

36  A Maria cantou provavelmente para o patrão e a Ana também cantou [-]. (PB, PE)

a. [-]: cantou para o patrão.         b. [-]: *cantou provavelmente para o patrão (não para o tio).

 

Se a análise de Nilsen estivesse no caminho correto, esperar-se-ia que o AdvP fosse recuperável pelo VP-elíptico, uma vez que o AdvP seria também gerado numa posição baixa, como o quer Nilsen, posição essa necessariamente abaixo da posição de pouso do VP em PB. Igualmente, se a análise sugerida por Laenzlinger (2011) estivesse correta, o AdvP também deveria ser recuperável, uma vez que o V, para Laenzlinger, se move por sobre o advérbio. V, que se encontraria em uma posição acima do advérbio – tanto para Nilsen quanto para Laenzlinger –, deveria licenciar o apagamento de todo o constituinte por ele c-comandado, contrariamente aos fatos, como vimos nas sentenças (b) de (35-36).

 

A análise de Zyman também faria uma previsão equivocada, uma vez que, sendo diretamente adjungido ao DP uma BMW em (35b) e ao PP para o patrão em (36b), o advérbio provavelmente deveria necessariamente ser recuperável pelo VP elíptico: o advérbio, na proposta de Zyman, se adjungiria a esses constituintes antes de se Soldar ao verbo. Deveria, portanto, ser recuperável pelo VP-elíptico.

 

Os autores citados não discriminam ainda entre as duas leituras que a sentença (24) traz à luz, a saber, (24'a, a'). A nossa análise não só leva em conta tal ambiguidade e, no caso do VP elíptico, explica por que a leitura de escopo estrito (ou foco sobre o complemento de V) não é jamais possível: uma vez que o escopo é atribuído por movimento, a altura em que o constituinte se move ao especificador do núcleo-probing é necessariamente muito mais alta do que a posição máxima de pouso do verbo – que em PB se limita a [Spec,TAnterior], como vimos. Encontrando-se o verbo numa posição necessariamente mais baixa do que a do advérbio, fica excluída qualquer possibilidade de recuperação desse adverbial pelo VP-elíptico. Nossa proposta vai ainda muito mais longe do que a dos autores supracitados: ela também dá conta do fato de apenas a leitura de escopo amplo (ou escopo sobre todo o VP) ser a única possível para o advérbio provavelmente no primeiro elemento da coordenação em (35) e (36). Repare, pelas paráfrases em (35') e (36'), que o advérbio provavelmente, no primeiro elemento da coordenação, pode ter apenas escopo alargado (i.e., escopo sobre todo o VP) (35'b, 36'b). A leitura de escopo estrito (i.e., sobre o complemento) é completamente impossível (35'a, 36'a).

 

35' O José comprou provavelmente uma BMW e o Pedrinho também comprou.

a.  *O José comprou provavelmente uma BMW não um Fiat e o Pedrinho também comprou.

b.   O José comprou provavelmente uma BMW não alugou uma e o Pedrinho também comprou.

 

36' A Maria cantou provavelmente para o patrão e a Ana também cantou.

a.   *A Maria cantou provavelmente para o patrão não para o empregado e a Ana também cantou.

b.   A Maria cantou provavelmente para o patrão não declamou um poema e a Ana também cantou.

 

Não há nada na proposta de Zyman que explique naturalmente a leitura de escopo alargado (35'b, 36'b) que deveria, pelo contrário, ser impossível, segundo a sua análise, sendo o advérbio diretamente adjungido ao constituinte à sua esquerda. Nossa proposta não exclui tal possibilidade: o constituinte que se move ao Spec do núcleo-probing contém uma cópia não pronunciada do VP que se reconstrói naquela posição gerando a leitura de escopo alargado.

 

 

 

8.    Considerações finais

 

O trabalho mostrou que apenas AdvPs de VP (ou advérbios baixos) são diagnósticos fidedignos para a subida de V(P) à flexão. Advérbios altos não podem jamais ser considerados diagnósticos, uma vez que o movimento de V(P) por sobre eles não é possível.

 

Para explicar o paradoxo envolvendo advérbios altos – mencionado na seção 3 –, assumimos uma versão modificada de Kayne (1998) e a hierarquia universal de Cinque. Mostramos que tal paradoxo é apenas aparente: apesar de V não poder se deslocar a posições acima de AdvPs altos (cf. (12a,b)), o seu aparecimento à esquerda de advérbios altos como em (24) é explicado pelo processo de atribuição de escopo ao constituinte associado ao AdvP (que se lineariza, portanto, à sua direita) e consequente movimento do V como parte do remanescente por sobre o AdvP.

 

O corolário desses achados para a teoria do movimento do verbo é o questionamento de toda uma tradição que tem sugerido, para línguas como o PE, o italiano, o espanhol, etc., que há movimento “longo” do verbo. Se, de fato, houvesse movimento longo em PE – que é, ao lado do PB, a língua românica que apresenta o fenômeno da elipse verbal –, esperar-se-ia que advérbios altos pudessem ser recuperados pelo VP elíptico, contrariamente aos fatos. Trabalhos futuros deverão, portanto, reendereçar e reexplicar fenômenos como a inversão verbo-sujeito nas interrogativas do PE não mais com base no simples movimento de V0 a I0 e de I0 a C0. Mas isso é agenda para investigações que estão por vir.

 

 

 

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* Este trabalho foi desenvolvido durante o meu doutorado realizado junto à Università Ca' Foscari (Veneza, Itália) sob a orientação de Guglielmo Cinque, a quem agradeço imensamente todo o apoio e dedicação durante aqueles tão profícuos quatro anos de aprendizagem. Agradeço ao CNPq pela bolsa de doutorado pleno no exterior outorgada na ocasião (processo 200762/2008-7) e à FAPESP pela concessão da bolsa de pós-doutorado (processo 2013/04001-1), que me permitiu rever alguns pontos obscuros do capítulo 5 da tese (Tescari Neto 2013) e revisitá-los neste artigo. Agradecimentos aos colegas do VI SWIGG (Genebra, Suíça, abril de 2011), aos colegas das universidades de Lisboa, Nova de Lisboa, Porto e Minho (abril de 2013), aos colegas do Dipartimento di Studi Linguistici e Culturali Comparati (Veneza, Itália) e aos colegas do Instituto de Estudos da Linguagem (UNICAMP) onde apresentei versões preliminares do presente trabalho.

[1] O termo “Merge” tem sido traduzido, entre os gerativistas brasileiros, como “Concatenar” ou “Juntar”. Estamos aqui utilizando o termo “Soldar”, seguindo a sugestão de Donati (2008) que, em seu manual de introdução à sintaxe, vale-se do termo “Salda” ('Soldagem', em italiano), para fazer menção ao processo sintático do “Merge”, que une dois objetos sintáticos, formando novo objeto complexo.

[2] No caso da sentença dada em (13), na seção 3, repetida a seguir como (i), podemos entender que o verbo teria subido a uma posição da flexão, necessariamente abaixo de provavelmente, e que este advérbio teria se movido à periferia esquerda, para checar algum traço prototípico daquele 'espaço de interface com o discurso' (o que explica o fato de o advérbio estar de-acentuado prosodicamente). Após o movimento do AdvP, teria havido um movimento massivo do remanescente a uma posição de Tópico, à esquerda daquela à qual o AdvP teria subido:

(i)  a.         O João       mente,                provavelmente                   

b.         Gianni       mente,                probabilmente     (=a)           (Italiano)

[3] Ver Tescari Neto (2013: 240, n.153), onde se explica que a aparente adjunção direta de AdvPs a NPs em alguns casos é apenas epifenomenal: o AdvP é inserido como modificador de um V silente na projeção estendida de uma frase relativa apositiva reduzida, o que cria a ilusão de que é um modificador de um N.

[4] O próprio fato de o verbo não poder se mover à esquerda de AdvPs altos poderia sugerir que, pelo menos na porção alta do Middelfield, não haveria movimento nuclear de V. No melhor dos mundos possíveis, poderia haver movimento nuclear no máximo por entre os advérbios baixos, o que eventualmente explicaria, talvez, a possibilidade de um verbo inergativo aparecer à esquerda de advérbios baixos (cf. (19)).

Deve-se utilizar um verbo inergativo no teste (cf. (17 e 19)) justamente pelo fato de estes verbos não terem um argumento interno que poderiam carregar junto em sua subida à flexão. No entanto, mesmo por entre os advérbios ditos baixos a melhor opção parece ser generalizar um movimento sintagmático do verbo, i.e., movimento de VP e não movimento nuclear de V. Repare que em (20a-f) da próxima seção, o objeto necessariamente se encontra à direita do V, em (20a), precedendo todos os advérbios – que aparecem na ordem inversa –, o que sugere que, ao subir, o verbo carrega o objeto consigo, e todos os advérbios baixos c-comandados por com frequência, necessariamente invertendo-lhes a ordem.

Qualquer outro posicionamento do objeto relativamente ao V e aos advérbios de (20) parece dar lugar à má formação da sentença (cf. (i), abaixo), o que poderia sugerir que, de fato, o V não se move nuclearmente. Temos, na verdade, movimento sintagmático de todo o VP, com pied-piping obrigatório do objeto. Fosse o movimento nuclear uma opção plausível aqui, (i a-c) deveriam ser todas possíveis: o verbo não precisaria carregar consigo o objeto, nem fazer o pied-piping dos advérbios baixos, contrariamente aos fatos. Tomamos mais este argumento empírico para assumir que o movimento de V é, na verdade, movimento de VP. Ver a próxima seção e as figuras 6- 9 para a elucidação do movimento sintagmático de VP.

 

(i)   a.    */??O Mané tem vomitado de novo sangue do nada com frequência.

b.    */??O Mané tem vomitado de novo do nada sangue com frequência.

c.      */??O Mané tem vomitado de novo nada com frequência sangue.

[5] Não se estenderá aqui a uma argumentação detalhada para o por quê de insistir que AdvPs são apenas modificadores da projeção estendida do verbo. Remete-se o leitor a Tescari Neto (2013) para algumas razões empírico-conceituais. Nos casos em que um AdvP modifica apenas um DP, como em (i), a seguir, em que se tem um escopo estreito, há não tão somente vantagens conceituais para entender que o provavelmente não é gerado junto com o DP por ele modificado, mas é inserido numa posição alta em IP, de acordo com a hierarquia de Cinque (1999): se provavelmente fosse soldado diretamente como um adjunto do DP arroz, esperar-se-ia que fosse igualmente retomado, em (ii), pelo VP elíptico, contrariamente aos fatos (cf. (ii)a,b).

(i)  O Zé comeu provavelmente arroz (, não feijão).

(ii) O Zé comeu provavelmente arroz e a Maria também comeu [-].

a.       [-]: *provavelmente arroz;                                 b.     [-]: arroz

[6] Cf., no entanto, Castro & Costa (2002), para quem alguns advérbios (p.ex., ) deveriam ser tratados como formas fracas.

[7] Mesmo um dos correspondentes de only em PB, somente, deveria ser tratado como um XP e não como um X°, dado o fato de somente poder ser modificado (cf. (i)). Agradecimentos a Guglielmo Cinque por essa observação, feita com base no comportamento de soltanto ‘only’ em italiano, que é também válida ao português.

(i)   Ele come quase somente feijão.                                                         

[8] Há evidência morfossintática para a assunção desse núcleo atrator K em Sintaxe, toda a vez que um elemento associado a escopo (p.ex., advérbios focalizadores, advérbios em geral, etc) entra na derivação. Segundo Shu (2011: 132), há, em mandarim, um marcador de concordância, CAI, que pode aparecer com um advérbio focalizador.: 

(i)  Chinês                         (Shu 2011: 132)

A: -      zhangsan changchang mai xigua

            ‘Zhangsan frequentemente compra melões’

[B: -    bu. ta zhi(you)1    [ouer2]F1  cai         mai xiguaF2.

            Não ele só             algumas vezes     CAI        compra melões

                         ‘Não. Ele só1 compra melões F2 ocasionalmente [occasionalmente2]F1.’

O ponto interessante aqui é que essa partícula cai aparece sempre imediatamente à direita do foco, i.e., ela sinaliza a borda direita do constituinte focalizado. Pode-se, portanto, tomar essa partícula como sendo o núcleo atrator do foco, que se associa necessariamente a um advérbio. Em PB, essa partícula é silente. Em chinês, pode ser morfofonologicamente expressa, como se viu em (i).     

[9] Chamemos “K” a este núcleo (tão somente pelo seu papel de atrator na derivação, à semelhança do núcleo atribuidor de Caso, K, associado a preposições, em Kayne).

[10] Ver também Ambar (2008, § 5) que assume uma derivação muito semelhante para o caso de mesmo em sua leitura confirmativa para o PE.

[11] Nas representações dadas nas figuras 11 e 12, estamos simplificando os primeiros passos da história derivacional de (24). Nesse sentido, 'pulamos' a inserção do V e a Soldagem do argumento interno e do argumento externo em posições acima de V, bem como o movimento de V por entre cada uma dessas posições. Não representamos também o movimento do objeto ao especificador do núcleo atribuidor de caso acusativo (naturalmente em um Spec acima de vP), colocando o objeto já naquela posição. Sujeito e VP aparecem no especificador acima do objeto devido ao movimento do remanescente que se dá nesse tipo de derivação Kayneana em que todas as vezes que um DP sobe para checar caso há sempre na sequência um movimento do material remanescente. Para mais detalhes sobre esse tipo de derivação, ver Kayne (2000, 2005) e Cinque (2006, capítulo 6). Para uma aproximação à sintaxe do PB, ver Tescari Neto (2013).

[12] Ver nota 8 sobre a pertinência morfossintática da assunção desse núcleo.

[13] Proposta semelhante é feita em Ambar (2008).

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