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Lingüística

On-line version ISSN 2079-312X

Lingüística vol.31 no.1 Montevideo  2015

 

Lingüística

Vol. 31-1, junio 2015: 127-145

ISSN 2079-312X en línea

ISSN 1132-0214 impresa

 

 

TRABALHO DE FACE E ESTIGMA NO ENCONTRO INTERACIONAL MISTO: UM ESTUDO DE POLIDEZ APLICADO AO CONTEXTO PRISIONAL 

FACE WORK AND STIGMA IN “MIXED CONTACTS”: A POLITENESS STUDY APPLIED TO PRISIONAL CONTEXT

 

 

Liana Biar

PUC-Rio

 lianabiar@gmail.com

 

                                                                                                                                                           

Tendo como base tanto a definição de Goffman (1988) para contatos mistos – aqueles que reúnem face a face estigmatizados e não-estigmatizados –, quanto a teoria da rotulação desenvolvida por Becker (1963), o artigo se debruça sobre dados gerados em entrevistas realizadas durante trabalho de campo com internos de uma instituição prisional, com objetivo de iluminar as marcas e estratégias do encontro social entre pesquisadores e desviantes. Tais entrevistas foram objeto de micro-análise discursiva à luz da sociolinguística interacional, especificamente das categorias de trabalho de face (Goffman 1967) e estrutura de participação (Goffman 1981). A análise empreendida salienta a tensão que há entre o reconhecimento tácito das imagens deterioradas pelo estigma proveniente do cenário prisional e o esforço de apresentação positiva que depende da desconstrução ou invisibilização dos signos estigmatizantes.

 

Palavras-chave: desvio; estigma; interação; trabalho de face; estrutura de participação.

 

Keywords: deviance; stigma; interaction; face work; structure of participation. 

 

Drawing both on Goffman's (1988) notion of mixed contacts – defined as face to face interactions between deviant and non-deviant subjects – and on Becker's (1963) labeling theory, this paper discusses data generated in fieldwork interviews with prisoners involved with drug dealing. The paper aims to shed light on the strategies relied on by both researches and deviant subjects in the course of a mixed social encounter. The interviews transcriptions were analyzed according to the paradigm of interactional sociolinguistics, particularly the analytical categories concerning face work (Goffman 1967) and structure of participation (Goffman 1981). The analysis highlights the interactional tension between the tacit recognition of spoiled images, whose deterioration is due to the stigma associated with the prisonal environment, and the effort towards a positive presentation, which depends on the invisibilization of the signs of stigmatization.

 

 

(Recibido: 31/1/14; Aceptado: 28/7/14)

 

 

1. Introdução

 

Desde a década de 1960, a sociologia interacionista se debruça sobre processos de negociação identitária. As noções de desvio e estigma, conforme formuladas respectivamente por Becker (1963) e Goffman (1988), se assemelham em alguns aspectos a boa parte dos estudos culturais contemporâneos que confiam nas dimensões simbólicas e contingentes da emergência das identidades, tomadas como rótulos resultantes de práticas semióticas e relações de poder. Becker, no âmbito da sociologia, assume a fluidez das fronteiras da normalidade, e considera o desvio um produto de negociação tácita nos encontros sociais, em que pessoas, realizando ações conjuntas, decidem e rotulam o que deve ser considerado desviante. De maneira semelhante, para Goffman, o estigma, aplicável a criminosos e outros grupos, deriva não de uma característica em si mesma desonrosa, mas da violação das expectativas normativas, sustentadas culturalmente, sobre a apresentação social de um indivíduo nos diferentes contextos de interação.

Em trabalho anterior (Biar 2012), meu objetivo foi analisar, em perspectiva micro-analítica, dados gerados ao longo de uma pesquisa de campo em um complexo penitenciário do estado do Rio de Janeiro. Nessa ocasião, ganharam destaque, nas interações e especialmente nas narrativas orais contadas pelos protagonistas das histórias sobre crimes – quase todos ligados ao comércio varejista de drogas –, os processos de negociação identitária que emergem da moldura prisional. 

Influenciado pelo alcance que a noção de encontro misto assume na teoria sociológica de Goffman, este artigo consiste em uma análise micro-interacional de dados gerados a partir de entrevistas realizadas com indivíduos presos ao longo de trabalho de campo em um complexo penitenciário do Rio de Janeiro. Em particular, o trabalho se interessa pela interação entre dois grupos cuja constituição no espaço em que se deu a pesquisa é metonímia para o que ocorre na sociedade mais ampla: o grupo dos ditos “normais”, categoria cabível aos pesquisadores, e o formado pelos “desviantes” ou estigmatizados, alcunhas que se repetirão ao longo do texto para fazer referência aos conceitos de Becker e Goffman. O trabalho focaliza especificamente a minha própria interação com os já-rotulados, tendo em vista o objetivo de, para os propósitos aqui delimitados, evidenciar as marcas e estratégias desse contato, sustentado pelo reconhecimento tácito dos papéis e hierarquias instanciados social e institucionalmente e, como se verá, por tentativas de invisibilização da identidade “deteriorada” dos entrevistados.

Tais tentativas de invisibilização aparecem capturadas pelo conceito de neutralização. Ao descrever os padrões de interação entre desviantes e não-desviantes, Becker (1963) nota que os atores sociais, mesmo quando têm consciência do extraordinário de sua ação desviante, permanecem sensíveis às expectativas culturais que regem os grupos não-estigmatizados. Por essa razão, tendem a desenvolver certas técnicas interacionais com o objetivo de neutralizar – ou normalizar – a sua diferença. Em seus estudos sobre estigma, Goffman (1988) formula algo semelhante a partir do conceito de “técnicas de controle de informação”.

Para compreender em que consistem e como operam tais técnicas, apresento neste artigo as bases gerais da vertente teórica que lida com a apresentação do self nos contatos face-a-face, a sociolinguística interacional, com ênfase nos conceitos de trabalho de face e de estrutura de participação. A reflexão sobre os conceitos estará, sempre, levando em conta as reflexões de Goffman sobre identidade deteriorada, ou o self estigmatizado, olhando mais especificamente para as estratégias de manipulação e encobrimento dessa faceta, no que alego ser a delicada situação de encontro entre o estigmatizado, ou o desviante (o entrevistado), e o não-estigmatizado (os pesquisadores), nomeada por Goffman como o “contato misto”. 

 

                   

2. Considerações metodológicas              

 

Como já se disse, as entrevistas analisadas neste artigo foram geradas ao longo de um trabalho de campo realizado em um Complexo Penitenciário na cidade do Rio de Janeiro. Durante o ano de 2009, visitei a instituição regularmente, especialmente o espaço escolar localizado em uma de suas unidades penitenciárias, ocasião em que pude observar, participar de atividades e conversar com alguns dos internos que concordaram com gravação dos dados. A análise se dá conforme tradições da pesquisa discursiva de natureza qualitativa e interpretativista. Além disso, o trabalho toma emprestada uma parcela dos instrumentais metodológicos típicos da pesquisa social que, desde o século passado, elege o micro como ponto de partida para suas reflexões. Lança-se mão, portanto, de recursos etnográficos de observação e análise do cotidiano como etapa sem a qual não se apreende o processo de construção de sentidos. Ainda que não se tenha realizado uma etnografia em sentido estrito, estiveram presentes como materiais de análise também as minhas observações em campo e diários anotados.

Algumas condições impostas no processo de entrada no campo informam a análise que se desenvolverá a seguir. A principal delas diz respeito à autorização de gravação de conversas com internos da instituição. Em geral, a entrada com câmeras e gravadores era expressamente proibida pela direção do presídio. Após a apresentação das justificativas de pesquisa, porém, acordou-se que as gravações aconteceriam no espaço escolar, sem presença de guardas, e que nos comprometeríamos a não fazer perguntas específicas sobre crimes cometidos e sobre o funcionamento da cadeia. Além disso, submeteríamos a gravação diária ao diretor ou a uma equipe de segurança designada por ele. Todos os internos entrevistados foram avisados sobre essa condição. Em geral, ocupávamos para esse fim salas de aula vazias ou a sala de leitura.

Ao todo, o corpus desta pesquisa é composto de cinco entrevistas abertas, individuais (excetuando-se uma delas, em que dois entrevistados preferiram estar juntos), com duração variável entre 30 e 95 minutos. Os tópicos abordados durante o encontro diziam respeito à história familiar e à entrada para o tráfico de drogas. Todas as sequências gravadas nas entrevistas foram transcritas de acordo com convenções adaptadas da tradição da Análise da Conversa[1].

Durante as entrevistas, costumávamos chamar os participantes de “João”, para evitar identificações quando da audição por parte da segurança. No processo de transcrição, esse nome teve de ser trocado para diferenciar as entrevistas. Nomes de logradouros e outros elementos identificadores também foram trocados, inclusive nas transcrições.

Todos os internos participantes das entrevistas são “faxinas”, gíria usada no contexto prisional para identificar internos designados oficialmente para atividades laborativas que atendem às demandas internas das cadeias. Essas pessoas são selecionadas para a função precisamente por já se destacarem como lideranças dentre os internos da unidade prisional. Em média, os entrevistados têm entre 25 e 40 anos e estão cumprindo pena por latrocínio, tráfico de drogas ou estelionato.

As sequências selecionadas para esta análise recortam as trocas de turno entre os internos e eu, identificada por meu próprio nome. Entretanto, ainda que não tomassem o turno, duas outras pessoas estavam regularmente presentes durante as entrevistas, e constituíam-se como ouvintes ratificados na conversa: Julio Giannini, então estudante de mestrado que desenvolvia sua pesquisa com base nos mesmos dados[2], e Marcelo, um dos professores da escola prisional responsável por boa parte das negociações de nossa entrada no campo. 

Para os fins deste trabalho, foram selecionados dez excertos ilustrativos das estratégias interacionais de neutralização de desvio aqui focalizadas. Esses excertos estão numerados e identificados com um título representativo de seu conteúdo bem como com o nome fictício do entrevistado: João, José, Jorge, Lúcio e Freitas. 

 

3. A perspectiva discursiva da sociolinguística interacional

 

Uma vez que me ocupo das apresentações do self desviante em interação, torna-se necessário, aqui, localizar este trabalho no âmbito da sociolinguística interacional. A partir de uma perspectiva teórica e metodológica interdisciplinar, a sociolinguística interacional, influenciada principalmente pelos trabalhos de Goffman (1964; 1967; 1974; 1981; entre outros) e Gumperz (1982), combina tradições de pesquisa provenientes da linguística, da antropologia e da sociologia, buscando evidenciar a relação entre linguagem, sociedade, cultura e indivíduo (Schiffrin 1994), a partir da observação das situações sociais de interação concretas e por isso mesmo difusas:

 

Um estudioso interessado nas propriedades da fala pode se ver obrigado a olhar para o cenário físico no qual o falante executa seus gestos simplesmente porque não se pode descrever completamente um gesto sem fazer referência ao ambiente extracorpóreo no qual ele ocorre. E alguém interessado nos correlatos linguísticos da estrutura social pode acabar descobrindo que precisa se voltar para a ocasião social toda vez que um indivíduo possuidor de certos atributos sociais se fizer presente diante de outros. Ambos os estudiosos precisam, portanto, olhar para o que chamamos vagamente de situação social. E é isso que tem sido negligenciado (Goffman 2002 [1964]: 16).

 

Tal empreendimento, portanto, envolve a análise das interações em contextos sociais específicos, tais como as entrevistas que consubstanciam o presente artigo, buscando-se, com isso, avançar conhecimentos no que tange aos estudos interpretativos sobre o significado das interações sociais, seja em meio ao cruzamento entre culturas ou classes/papéis sociais (Gumperz 1982), seja, como neste caso, na tentativa de compreender a atuação da linguagem em circunstâncias particulares da vida social (Goffman 1964 entre outros). Alguns pontos específicos comumente abordados nessa perspectiva são as relações entre discurso e gramática, as propriedades da língua oral e escrita, as estratégias de envolvimento e polidez, bem como as formas de construção de posições e identidades sociais e relações de poder.

Seguindo uma tradição entre as pesquisas de intenção qualitativa da virada discursiva (Winkis 1998), tal perspectiva de análise apresenta como premissas básicas: (i) a eleição da situação social, isto é, as interações engendradas na comunicação face a face, e suas manifestações discursivas, como locus privilegiado de investigação e (ii) a extrapolação do nível da sentença na análise da construção de sentidos, patente na crença de que a comunicação humana não está garantida pela mera tradução de conteúdos proposicionais/locucionais.

A influência da antropologia na sociolinguística interacional se dá, especialmente, pelas mãos de Gumperz (1982; 1999), para quem a estrutura e o uso da linguagem são social e culturalmente determinados. Para o autor, mais importantes que o conhecimento gramatical são aqueles conhecimentos de natureza cultural e interacional que regem os processos inconscientes e automáticos de interpretação e inferência (cf. Schiffrin 1996: 311), a partir dos quais a ideologia penetra nas práticas de interação de determinada comunidade. Tais interpretações só são possíveis graças a certas sinalizações que as orientam. Pistas de contextualização (Gumperz 1982) são as manifestações linguísticas e paralinguísticas responsáveis por associar a dimensão locucional do discurso ao seu conteúdo ilocucional (as intenções comunicativas que ficam no nível da pressuposição). Elementos como entoação, ritmo, expressões pré-formuladas, escolhas lexicais e sintáticas e demais semioses não-verbais, a despeito das tradições formalistas, são tomadas pelo empreendimento sócio-interacionista (entre outras abordagens discursivas) como fundamentais para a construção de sentido, sob o argumento de que o grau de partilhamento do conhecimento de suas funções social e culturalmente situadas determina o sucesso ou o fracasso da comunicação. Tais pistas são definidas por Gumperz (1999: 100) como os sinais que constroem uma base para as interpretações especificadas em um contexto, direcionando o modo como as mensagens são entendidas.

Pelo viés sociológico, o trabalho de Goffman antecipa a aposta de Gumperz na centralidade dos conhecimentos situados para os processos interacionais. O autor oferece as ferramentas analíticas necessárias para se entender os modos como as pessoas atribuem valor simbólico ao que é dito e feito nos encontros sociais.

Do ponto de vista linguístico, eleger a situação como foco de análise significa rejeitar qualquer relação direta e estável entre forma e sentido; entretanto, não significa tornar tal relação impossível. O que Goffman rejeita é a construção de inventários abstratos e ensimesmados de variáveis linguísticas associados a variáveis sociais simplesmenteporque entre tais polos está uma “órbita microecológica” de cenários e especificações contextuais e psicológicas, que fazem de cada interação uma situação única, e dos sentidos, construções situadas dos participantes, cuja análise interpretativa demanda atenção aos elementos que em vários níveis compõem a interação: princípios organizacionais; mecanismos processuais de sinalização; interpretação de intenções e identidades e configurações locais específicas de tempo, espaço, participantes e seus comportamentos verbais e não verbais. Nesse sentido, o trabalho de Goffman (1964; 1967; 1974) parece ter sido o de tornar explícitos tais elementos, com intuito de fornecer bases teóricas para que se entendam os modos como as pessoas atribuem valor simbólico ao que é dito e feito nos encontros sociais (cf. Schiffrin 1994).

A sociolinguística interacional, então, é ferramenta especialmente útil para tornar visíveis as forças estruturantes (contexto “macro”) e os processos locais inferenciais/interpretativos (contexto “micro”) que definem e promovem o reconhecimento (i) do tipo de atividade encenado em uma interação específica e (ii) as demandas por determinadas linhas de ação levadas a cabo pelos interactantes em um encontro específico. Os conceitos de enquadre e face, conforme definidos abaixo representam, respectivamente, cada um desses aspectos, presentes nas interações em geral e peculiares no encontro misto sob escrutínio. 

 

4. O trabalho de face e o gerenciamento do estigma

 

À luz dos pressupostos da sociolinguística interacional, quero argumentar que especialmente duas estratégias contribuem para o gerenciamento do estigma nas entrevistas realizadas com os apenados da instituição prisional. São estratégias que invisibilizam a “identidade deteriorada” ou afastam o confronto desta com os juízos que habitam os contextos da alegada normalidade. Chamarei a essas estratégias de trabalho de face, já que dizem respeito a comportamentos discursivos que mitigam a possibilidade de conflito na interação, tornando o estigma neutralizado a ponto de dirimir assimetrias e choques potenciais entre entrevistado e entrevistadora, aqui sob as rubricas de desviante e não-desviante. Sendo assim, nas seções 4.1 e 4.2, estarão contempladas algumas manifestações discursivas representativas do que chamarei de evitação e encobrimento, aqui definidas como trabalho de face (Goffman 1955; 1967). Apresento, a um só tempo, a revisão teórica dos principais trabalhos sobre o assunto e análise dos dados da entrevista. Como se disse, as duas categorias de análise (o trabalho de face e a estrutura de participação) são interpretadas como formas co-construídas de gerenciamento do estigma, ou neutralização deste, evidências tanto da sensibilidade do desviante em relação aos padrões de normalidade, quanto da tentativa de conformação de sua experiência dentro desses moldes.

 

4.1. O trabalho de face na evitação do confronto

 

Em trabalho seminal sobre o tema, muitas vezes depois explorado pelas teorias de polidez, Goffman (1955; 1967) recorta o dinamismo da apresentação do self[3]a partir do conceito de face.

Como um tipo de controle social informal e tacitamente sustentado, convenções e procedimentos do “como agir” em interação entram em jogo orientando e organizando o fluxo de mensagens (Goffman 2011 [1967]: 40) – é o que Goffman denomina “ordem ritual”. Para manter o encontro social dentro dessa ordem (que somos todos instados a seguir), é preciso considerar um dos seus princípios básicos: a face.

Face ou fachada, como preferem alguns autores, foi definida como

 

o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reivindica para si mesma através da linha que os outros pressupõem que ela assumiu durante um contato particular. Construída, portanto, dialogicamente, face é uma imagem do self delineada “em termos de atributos sociais aprovados (Goffman 2011 [1967]: 14).

 

Considera-se, para o contexto em que esta pesquisa se insere, que tais “atributos sociais aprovados” são reclamados em cores mais vivas por pessoas que trazem para a interação o background do estigma e da desaprovação. E, tendo ainda em mente as ideias de Becker (1963) sobre neutralização, trata-se justamente disto: se a identidade desviante não é da ordem da essência, então, mesmo estigmatizados, os participantes permanecem sensíveis aos padrões e tornam sua avaliação positiva possível através de certas estratégias típicas do trabalho de face.

O trabalho de face (face work) realizado nos encontros sociais é explicado por Goffman nos seguintes termos. A cada estado de fala ratificado, isto é, a cada encontro social em que duas ou mais pessoas se reconhecem mutuamente como interactantes, os participantes tendem a seguir uma linha – um certo padrão de atos verbais e não-verbais com que eles se expressam – sustentada por suas impressões sobre o encontro, sobre os demais participantes e sobre eles mesmos. De forma muito geral, tal linha determina um sentido social de confiança e segurança – caso as pessoas sintam que estão sustentando um padrão positivo, ou adequado às requisições do encontro (neste caso, diz-se que o sujeito está sustentando a face) –, e ofendidas ou envergonhadas – nos casos de inadequação dos padrões verbais e semióticos assumidos (quando se está fora de face, ou com a face inadequada). Enquanto o estado interacional default consistiria no equilíbrio do conflito, situações como o constrangimento, a vergonha e as gafes, por exemplo, seriam, ao mesmo tempo, sinais perceptíveis de problemas com a sustentação de face – que pode estar errada, pode ser perdida ou estar ameaçada por outrem – e demandas de controle por parte dos outros para gerenciar essas situações. 

Essa seria a dinâmica interacional simplificada e derivada de um dos pressupostos centrais da tese de Goffman, segundo a qual é característica rotineira da interação estabelecer-se um certo estado de equilíbrio padronizado em que cada um dos interactantesassume uma face que é aceita e ratificada pelos demais. Segundo o autor, os participantes de um encontro agem guiados pela regra do “respeito próprio” e da “consideração”; isto é, eles não só mantêm uma face, assumindo uma linha que apresenta uma imagem consistente com o requerido pela situação, como há também o aspecto dialógico: a consistência da linha assumida deve estar apoiada nos juízos e evidências difusamente comunicadas pelo outro no fluxo de eventos da situação. Além disso, a face mantida por outros participantes é também objeto de zelo por parte das pessoas, as quais, voluntária e espontaneamente, se engajam em esforços consideráveis para resguardá-la.

Como se disse, o trabalho de face é uma das estratégias interacionais mais salientes na construção das entrevistas geradas para este trabalho, e é aqui realizado/compreendido de maneira muito particular, graças à natureza: (i) do encontro – “misto”, isto é, composto por um participante prestigiado socialmente e outro estigmatizado, o criminoso – e (ii) do tópico – episódios fortes e violentos, e portanto potencialmente chocantes ou constrangedores, da história de vida dos entrevistados. Nesse cenário, a manutenção da face e da avaliação positiva sobre os participantes da entrevista dava-se, como não poderia deixar de ser, em um jogo muito sutil de tato interacional. A minha função como pesquisadora era sempre manter a face dos entrevistados condizente, não com uma linha de ação típica, ou estereotipada, de desviantes estigmatizados, mas como participantes ratificados e legitimados de uma pesquisa social. Além disso, o encontro misto é frequentemente marcado pela potencialidade de linhas de ação consistentes com medo, pena, hostilidade ou humilhação, por exemplo. Para salvar o equilíbrio interacional de tais ameaças, era preciso renunciar a certas ações, e realizar outras custosas e desnecessárias em outros contextos. Enfim, o fluxo interacional estava permanentemente vigiado para que a imagem positiva reivindicada pelo self dos internos, bem como a sincronia típica dos encontros sem hierarquização de status social, tivesse espaço para emergir.

Os trechos iniciais das entrevistas, em que ainda se está negociando a confiança necessária para a fluidez das histórias, são os mais interessantes para se analisar o controle da informação identitária imposto pelo estigma, tanto por parte de quem o sustenta, quanto por parte de quem o ratifica. Outros momentos também serão analisados. Poucos exemplos de algumas das entrevistas que compõem este trabalho serão suficientemente ilustrativos do tipo de estratégia sancionada no encontro social em foco.

 

4.1.1. Estratégias de evitação

Alguns dos padrões para os quais reivindico estatuto de trabalho de face são certas omissões, hesitações, vaguezas ou generalizações presentes ao longo das entrevistas com todos os participantes da pesquisa. Alego serem essas estratégias de evitação de confronto com as identidades estigmatizadas.

Ressalto, em primeiro lugar, uma característica recorrente na minha fala. No início de cada conversa gravada – além da já mencionada prática de se usar os vocativos João e José para todos os internos para tranquilizá-los e evitar, assim, uma possível identificação por parte da direção (cf. seção 2) –, eu procurava usar expressões evasivas de modo a não nomear explicitamente o tópico da interação – nesse caso, a adesão ao tráfico de drogas – embora, e provavelmente porque, esse assunto estivesse sempre tacitamente presente, mesmo quando não mencionado com clareza. O excerto (1) destaca exatamente essa situação de início de conversa, destacado da entrevista com João. Com ele, quero sublinhar um certo constrangimento interacional, traduzido aqui por preservação de face, notável na abordagem do tópico.

 


 

Na linha 1, após pedir a João que confirme no gravador a autorização para a entrevista, sou eu quem introduz uma questão de maneira hesitante (notada pelos frequentes alongamentos de vogais nas linhas 1 e 2) e vaga, marcada por uma elipse que se repetirá frequentemente nos dados, em que evito menção direta a uma expressão que representaria a entrada para o crime: “como é que ::...”. Na reformulação da linha 4, “quê que basicamente aconteceu na sua vida...”, o apagamento da ação se mantém, mas é tacitamente ratificado por João, que, imediatamente, conforme se verá no excerto (4), começa a narrar sua história de vida e a consequente entrada para o tráfico. O trecho sugere encobrimento de um conteúdo potencialmente gerador de obstáculos para a linha de ação que o interlocutor presumivelmente tenta sustentar. Também nesse sentido, cabe notar que o apagamento da ação implica logicamente uma não atribuição de agência a João, encaminhando, para a adesão criminal, um sentido de acaso muito diferente da acusação implícita em uma construção hipotética do tipo: “como você escolheu entrar para o crime?”.

Como se disse, esse padrão de introdução das histórias sobre a criminalização é recorrente em todas as entrevistas realizadas. No excerto (2), por exemplo, que destaca um trecho do início da entrevista com Lúcio, novamente a hesitação e o esvaziamento da agência atribuível ao entrevistado na referência à entrada para o crime contribuem para evitação de confronto com a identidade criminal. O trecho foi retirado também do início da entrevista com Lúcio, embora já tivéssemos conversado um pouco, a esta altura, sobre como havia sido sua infância e relação com a família. Porque Lúcio não parecia muito à vontade com o tópico, resolvo reformular a questão:

 


 

O excerto (2) interessa à análise por dois aspectos. Primeiramente, há na minha fala um preâmbulo que adia a introdução ao tópico por meio de modalizações (“deixa eu te perguntar”; “assim”; “você não precisa”; “acabe se encaminhando”), pausas e repetições (“pra que ele:: pra que ele”, linha 3). O segundo aspecto é a formulação generalizante seguinte, em forma de pergunta (na “vida de um menino”, linhas 2-3), que transforma a adesão ao tráfico em um objeto externo ao entrevistado, desobrigando-o do comprometimento com a explicação que vem a seguir.

O recurso discursivo de generalização das histórias acrescenta a impessoalização ao conjunto de estratégias protetivas da face. No excerto (3) a seguir, desta vez retirado da entrevista com Freitas, o mesmo padrão comparece:

 


 

Ao entrevistar Freitas, eu o isento de falar de si, conscientemente com propósito duplo: ao mesmo tempo em que sou, ao utilizar expressões como “uma pessoa” (linha 2) e “alguém” (linha 5), extremamente polida de modo a não ameaçar sua face diretamente com uma pergunta tão pessoal e ameaçadora, tento salvaguardá-lo de sua identificação por parte dos demais ouvintes da gravação (a esse segundo aspecto reservo especialmente a próxima seção). 

Do ponto de vista da análise sócio-interacional, as minhas escolhas linguístico-discursivas nesse momento delicado do contato com traficantes apenados parecem representar, da minha parte, o impulso interacional de controlar o meu constrangimento e o constrangimento que os meus entrevistados poderiam sofrer com uma rotulação a priori e avaliativa das suas histórias de vida. De fato, todo início de conversa durante a pesquisa de campo, com ou sem o gravador ligado, era marcado pelo desconforto da possibilidade sempre iminente da ofensa, depreciação e inferiorização. Conforme sublinha Goffman (2011 [1967]: 46), a preocupação com o constrangimento é tanto maior quanto mais se sentirem os participantes não-estigmatizados representantes de unidades sociais mais amplas (como é o meu caso, na condição de educadora e pesquisadora). Nesse sentido, salvar a face dos apenados implica, para além das demandas de ordem micro, sentir que eles têm “um direito moral a esta proteção” (idem), ou porque a sua perda (da face) poderia acarretar certa hostilidade em relação à pesquisa, o que também precisava ser evitado.

Mas não só nas minhas perguntas ocorre a evitação. A fala de João, na resposta à pergunta feita por mim no excerto (1), analisado acima, é também extremamente hesitante:

 


 

Resguardados por ora os aspectos narrativos do excerto (4)[4], destaco aqui o uso de expressões imprecisas agora por parte do entrevistado, que conferem um curioso tom de mistério à fala destacada. Mais que meras decisões estilísticas, construções como “a vida que eu levo” (linhas 5) e “entrar nessa vida” (linha 12) contêm referências que estão ancoradas na situação e dependem de informações biográficas compartilhadas pelos interlocutores (por exemplo, o fato de João ser ainda atualmente uma liderança do tráfico) para serem compreendidas. Tais expressões também se alinham com a hesitação da minha pergunta antecedente, como se o acordo tácito presente nessa interação fosse não nomear a ação criminal para, de certa forma, não materializar o extraordinário do crime em uma conversa normalizada.

Além disso, João inicia sua fala tentando adiar a informação razoavelmente necessária para a compreensão da história: o desejo de possuir uma moto. Apesar disso, são expressões vagas que predominam em seu discurso, tais como “me faltava algo” (linha 8); “isso que eu precisava” (linha 11), introduzindo mais um tipo de evitação. A referência do “algo” que não se quer nomear, não pôde ser recuperada contextualmente pelos ouvintes, e permanece oculta até que eu arrisque um palpite (“aquilo de:: grana mesmo?”, linha 14). Há, então, a partir da linha 15, uma sequência quase didática de esclarecimento. A análise dessa situação segue um caminho semelhante ao anterior: de maneira aproximada às demais estratégias de preservação de faces, parece ser necessário a João distanciar-se dos tópicos que levariam a informações inconsistentes com a linha que ele está tentando manter. Se ele, por exemplo, está sustentando uma explicação que coloca as necessidades financeiras mais básicas como causa determinante de sua entrada para o tráfico, não faria sentido mencionar a moto como uma dessas necessidades, dado o caráter lúdico-hedonista do artefato; comprar uma moto não parece, ao menos superficialmente, uma justificativa moralmente suficiente para explicar a experiência desviante. Nesse sentido, João adia a menção a um desejo mais trivial de consumo, pelo tanto que fazê-lo acabaria por desafiar e constranger as imagens positivas que ele tenta construir. Trata-se de uma estratégia interacional de evitação condizente com a “discrição” (Goffman 2011 [1967]: 22), em que os interlocutores, como em um tratamento cerimonial, tentam ficar longe de tópicos e atividades que levariam à expressão de informações contraditórias às expectativas do encontro. 

A entrevista com João é uma das mais saturadas de expressões vagas e indeterminadas. Em muitos outros momentos, especialmente para se referir a suas atividades ilícitas, o padrão do “inominável” se repete. Em outros momentos da entrevistas, ausentes deste artigo, por exemplo, para situar temporalmente a época em que conheceu sua esposa, João usa a expressão “na mesma época em que achei o meu mundo”; já para se referir à primeira tarefa que teve de cumprir ao aderir à facção criminosa a que pertence, João escolhe dizer: “foi entregue um tamanho poder em minhas mãos”, e assim por adiante. 

Em direção ao reconhecimento de um padrão, cabe sublinhar que omissões ou substituições vagas dessa natureza não são prerrogativas de João; elas se repetem em todas as interações gravadas e são uma constante também nas conversas mais informais e não gravadas travadas durante a pesquisa de campo. A título de ratificação, abaixo, o excerto (5), extraído do desenvolvimento da entrevista dupla realizada com Jorge e Sérgio, apresenta mais um exemplo representativo desse tipo de construção. Os entrevistados estavam especialmente tensos, com medo de deixarem escapar alguma informação indevida. Nos instantes que antecedem o recorte, a conversa caminhava em torno de temas mais amenos, tais como a relação deles com a família e seus primeiros empregos “regulares”. O excerto recorta o momento em que pela primeira vez Jorge menciona sua entrada para o tráfico; em seguida eu solicito, ao mesmo tempo em que antecipo, uma explicação a respeito.

 


 

Neste excerto (5), também marcado por hesitações e reformulações frequentes, expressões como “alguns caminho” (linha 10) e “aquele caminho ali” (linhas 15-16) estão indiciadas, identificando a fala de Jorge com a de João. Não parece haver realmente intenção, por parte de quem a profere, de esconder o conteúdo da referência. O prejuízo à clareza justifica-se, então, pela percepção da força da palavra omitida na construção de um constrangimento potencial. A referência é inferível a ponto de podermos interpretar os pronomes “aquele” e “ali” como avaliativos, na medida em que instauram uma diferenciação metafórica que entende “caminho” por fases da vida, donde aquele “caminho ali”, do passado, está em oposição a ‘este caminho aqui’, implícito, do presente do entrevistado, da reflexão sobre o passado, da tentativa de construir uma alternativa, essa sim favorável à imagem que se tenta construir[5].

No início desta seção, quando da análise dos excertos (2) e (3), destaquei um recurso retórico a que chamei de “generalização de histórias” como forma de impessoalizar o discurso, consistente com uma estratégia de evitação protetiva da face do entrevistado. Por parte dos entrevistadores, formulações do tipo: “o que tem que acontecer na vida de um menino para que ele entre para o tráfico?” são recorrentes, como se viu. Por parte dos entrevistados, o uso de estratégias dessa natureza atinge seu cúmulo na entrevista com José. Curiosamente, por ser ele extremamente seguro de sua condição – a liderança máxima de sua facção na unidade prisional –, arrisco, pela primeira vez, indagar diretamente por sua experiência pessoal. Em sua pronta resposta, no entanto, assim como em boa parte da interação gravada conosco, José prefere usar, inusitadamente, a terceira pessoa para falar de si:

 


 

Na introdução da narrativa de adesão ao tráfico presente nesse excerto (6), destaca-se a alternância entre a impessoalização do discurso e o uso da primeira pessoa, frequentes nessas primeiras linhas da entrevista. É preciso notar, na sequência representada, que a estratégia é sugerida por mim (“quem é o José” – linha 6), talvez ainda como parte do trabalho de face, para não ameaçar o território do entrevistado (pensando como uma gradação, ainda que uma construção como “quem é José” seja mais direta que o padrão recorrente “quem são os meninos”, ela continua sendo, de qualquer forma, mais indireta que algo como “quem é você”, que nunca chega a ocorrer nos dados).

Nas linhas seguintes, após reforçar o pseudônimo recebido (“eu sou o José, ”, linha 7), José vai, pouco a pouco, no trecho destacado, se desligando sintaticamente do personagem (“e daí foi surgindo o ↑José, ?”, linha 9; “José estudou, estudou, estudou”, linha 10), e segue usando os verbos em terceira pessoa. A esse respeito, cabem algumas considerações.

Ao longo desta pesquisa, notou-se que os internos frequentemente mitigam a agência especialmente no que diz respeito às escolhas criminais. A estratégia de transformar-se em terceira pessoa faz parte desse pacote mitigador. Em grande parte dos dados, inclusive pela forma como eu formulava as questões, as respostas eram construídas com sujeitos generalizados – como “pessoas com a mente altamente criminosas”. “a maioria dos presos” –, que, embora incluíssem categorialmente o locutor, permitia-lhe não falar especificamente sobre si. No caso de José, tal estratégia se potencializa ao cúmulo de substituir o “eu” para tratar-se pelo seu nome fictício. A evitação do “eu” na posição de sujeito está, no senso comum, associada à modéstia, à humildade. Aqui, trata-se de trabalho de face. Ainda que não se tenha usado para os propósitos deste artigo os padrões de polidez descritos por Brown et. al. (1978), podem-se reconhecer nos casos de indiretividade mecanismos de preservação da face negativa, conforme distinção estabelecida pelos autores. Para Brown et. al., a face positiva refere-se aos valores e ações considerados apropriados para as duas partes de uma interação, e há uma tendência, graças aos desejos de aprovação e respeito, de lançar mão de estratégias que indiquem interesse, acordo, reciprocidade e cordialidade sempre que se quiser salvar a face positiva de alguém de críticas, censuras e reprovações potenciais. Diferentemente, a face negativa se relaciona com os atos de invasão do território do outro, isto é, considera que certas imposições circunstanciais atingem a individualidade dos participantes de uma interação. Então, estratégias que delimitem o distanciamento social e mitiguem os riscos envolvidos em invasões dessa natureza, como ser indireto, evasivo, cortês, humilde, etc, são necessárias para salvar a face negativa de alguém.

De volta à análise dos dados, se a indiretividade, por um lado, viola a clareza dos enunciados, por outro, essa é uma estratégia que parece estar a serviço da evitação de lesões ao território dos presentes, o que pode ser entendido como o risco de a luz favorável sob a qual os entrevistados se apresentam entrar em confronto ameaçador com a identidade criminal. A evitação da primeira pessoa e a cisão que daí decorre (entre um “eu” narrador e um “eu” personagem) parecem contribuir para o deslocamento desse tipo de conflito.

 

4.1.2. Manejo da estrutura de participação

Além das dificuldades com a nomeação das atividades e agentes relacionados ao crime, é frequente aquilo que passo a chamar de interdições sintáticas, ou elipses temporárias dos objetos verbais referentes às escolhas criminais. Novamente, uma fala de João serve como exemplo representativo da estratégia. Recorto, no excerto (7), a continuação da história da moto (excertos (1) e (3)), introduzida na seção anterior. Nas poucas linhas anteriores, João contava que, naquela época, diante da recusa do pedido da moto por parte de sua família, foi buscar, nas práticas ilegais, uma forma de conseguir o dinheiro.

 


 

Nessa fala de João, os verbos ‘fazer’ (linha 18) e ‘realizar’ (linha 19) aparecem temporariamente incompletos, com seus argumentos interditados pela natureza do seu conteúdo (criminal), ratificando a ideia de que o discurso seja extremamente marcado pela vagueza. Em seguida, após um adiamento prosódico, a expressão genérica “certas coisas” (linha 18) e a curiosa “ato de crime” (linha 19) preenchem a demanda sintática. Adicionalmente, é interessante notar aqui que o ato de comprar uma moto, narrado na sequência anterior por João, é agentivo; já o “ato de crime” tem a agentividade completamente apagada. O primo é quem chama pra João para “realizar” alguma coisa. Na sequência seguinte, eu mesma confirmo o esvaziamento da agência: “aí foi uma bola de neve” (linha 22). A expressão posterior interdita o sujeito necessário à construção – “depois que:: já era, entendeu?” (linha 23) – perfeitamente inferenciada pelos presentes: a partir dali, João era definitivamente um membro da facção criminosa de sua comunidade.

Seguindo o mesmo padrão, o excerto (8), recortado da entrevista com Jorge e Sérgio, também apresenta elipses de interdição de conteúdo relacionado à violência. O trecho destacado é imediatamente anterior àquele já recortado e analisado no excerto (5). Aqui, Jorge, logo após de o mesmo ter sido feito por Sérgio, explica que seus primeiros trabalhos se deram na construção civil, e narra o modo como, aos poucos, sua insatisfação e necessidades financeiras foram encaminhando sua entrada para o tráfico.

 


 

De forma mais radical que a fala de João, Jorge apaga definitivamente os objetos verbais, e construções como “comecei a conhecer” (linha 3) e “já comecei” (linha 4) ficam incompletas

estruturalmente, embora perfeitamente inferíveis pelos participantes da conversa: Jorge se refere a sua entrada para o tráfico. De forma literal, os marcadores discursivos “tá entendendo” (linhas 4, 5 e 6) apontam para a série de informações tacitamente compartilhadas pelos presentes.

Duas explicações são possíveis para tais características discursivas. A primeira delas, de natureza pragmática, é que a interdição sintática estaria motivada, como já se disse, pela evitação dos conteúdos mais brutos da história de vida dos participantes. Para Levinson (2007), é comum que a pragmática interfira na sintaxe, e que omissões dessa natureza gerem implicaturas complexamente inferidas a partir de certos princípios de polidez. Nesse caso, a amenização do estigma e do confronto parece ser interveniente na construção sintática. As pressuposições geradas pelas elipses seriam uma outra forma de se utilizar a indiretividade em favor da preservação do território do interlocutor, sempre ameaçado pela possível emergência do estigma criminal. 

A segunda explicação possível, do ponto de vista interacional, está na estrutura de participação da entrevista. Tanto os casos de vagueza e indeterminação quanto as elipses “hesitantes” presentes nos excertos (7) e (8) podem estar circunstancializados pela situação peculiar de permissão de gravação de dados já mencionada no capítulo metodológico deste trabalho.

O conceito de estrutura de participação, segundo definido por Erickson et. al. (2002 [1981]: 218), diz respeito às configurações da ação conjunta dos participantes de uma interação que englobam maneiras de falar, de ouvir, de obter o turno, mantê-lo e conduzi-lo. Seguindo a agenda clássica da análise da conversa, a saber, a descrição da ordenação da conversa em comunicação espontânea, a ideia de participação estaria fundamentada em princípios de alternância de falas, a partir dos quais os participantes atualizam papéis de ouvinte ou falante de acordo com a posse do turno. Tais turnos comporiam pares adjacentes (Sacks et. al. 1974), os quais, como o próprio termo sugere, se baseiam em trocas verbais lineares e alternadas que sustentam a conversa.

Goffman (1981), no entanto, extrapolando os limites tradicionais de tal descrição, discute a complexidade e abrangência dessas estruturas, conferindo à interação outras dimensões. Para o autor, nem a adjacência é marcada necessariamente pela fala, nem os papéis de ouvinte e falante são tão simplesmente ordenados que se possa demarcá-los a partir de mera constatação de emissão sonora. Antes, a aproximação e o distanciamento físico dos participantes, de modo anterior e mais relevante que a fala, são suficientes para marcar o início e o fim de um estado de conversa. Posto um estado de conversa, sua estrutura de participação, isto é, a distribuição de papéis, direitos e deveres em uma interação, poderá incluir tipos diferentes de ouvintes, e é este o aspecto que importa para a análise aqui empreendida: aqueles para os quais a fala está sendo sinalizadamente dirigida (para o caso das condições interacionais desta pesquisa, a entrevistadora e o entrevistado); aqueles que, por alguma razão circunstancial, estão num dado momento ouvindo, ainda que a fala não seja a eles dirigida; aqueles para quem a fala sem dúvida está sendo dirigida, ainda que de maneira não sinalizada, entre outros, a depender de elementos culturais e circunstanciais da situação social.

Importa notar que o diretor da cadeia, por conta de sua exigência de ouvir as entrevistas, funciona nesse contexto como ouvinte circunstante, ainda que distante no tempo e espaço (já que as gravações eram ouvidas muitas horas após as entrevistas), como uma espécie de espectador de comunicação mediada. Além disso, teríamos no contexto a figura de um interlocutor imaginado. Isso se dá nos seguintes termos. Sabem os entrevistados que a presente pesquisa é realizada no âmbito das ciências humanas e estão eles, por conta da facção a que pertencem, bastante acostumados a protagonizar produções acadêmicas e culturais sobre suas práticas (teses, livros, reportagens, programas de TV, filmes de ficção, documentários...). Uma cena registrada em minhas notas de campo é ilustrativa desses aspectos. Logo que conseguimos a autorização para a gravação junto às lideranças da facção na cadeia, fomos confrontados com questões sobre qual seria o produto derivado da pesquisa, se um livro ou um filme, por exemplo. Depois de explicarmos no que consistia uma tese, parecemos contentá-los com a ideia de que suas vidas seriam publicadas em forma de texto. Após isso, muitas brincadeiras foram feitas durante as gravações, especialmente por parte daqueles que passavam pelas janelas de vidro das salas em que as conversas ocorriam. Comumente, ao avistarem o gravador, os demais internos sorriam e faziam gestos semelhantes àqueles comuns em entrevistas de rua em telejornal, em que um grupo de pessoas se coloca à frente da câmera sorrindo e fazendo gestos para “aparecer” na televisão. Conscientes, então, da possível publicização do trabalho, considera-se aqui, com base em análise dos dados, que os participantes estabeleciam um tipo de interlocução pública com os futuros ouvintes e leitores das entrevistas, estando essa percepção guiando algumas das escolhas discursivas de suas falas.

De volta à análise das diferenças entre os tipos de participação que compõem uma situação social, essas diferenças, segundo Goffman (1974), seguido por Phillips (1976), introduzem à estrutura de participação a noção de ratificação. A ratificação seria a autorização que recebe uma audiência por parte de quem fala e por meio de sinais de diversa natureza, sendo reconhecível pela probabilidade de tomada do turno (Phillips 2002 [1976]: 27). Isso quer dizer que reconhecemos um ouvinte ratificado, principalmente, quando ele é, em potencial, um falante dos turnos seguintes. Dessa forma – conclui-se – ser ouvinte ou falante é fundamentalmente diferente de sê-los de forma ratificada (Phillips 2002 [1976]: 31). Mas a ratificação dos papéis em uma interação não necessariamente está em correlação com a configuração dos turnos, e sim com uma noção de reconhecimento/aceitação desses papéis por parte dos interlocutores. A esse respeito, cabe mais uma observação acerca do ouvinte circunstante, que explicaria a segunda hipótese aventada acima sobre as elipses e vaguezas do discurso. 

Quando um interno da instituição prisional, ao saber que o seu diretor ouviria a gravação (e todos sabiam), opta por omitir ou substituir termos relativos a sua ação criminal, ele não só está escolhendo uma estratégia de amenização de seu estigma, controlando sua identidade deteriorada, mas está também estabelecendo uma estratégia de conluio com seus entrevistadores: escolhem usar palavras que, ainda que ostensivamente dirigidas a todos, são inócuas para os excluídos ou circunstantes, mas só têm um significado intencional recuperado por alguns (Goffman 2002 [1981]:121).

Nesse sentido, os dados fazem concluir que entrevistadores encontram-se, sim, ratificados, enquanto o ouvinte circunstante, “intruso”, é mantido à distância, deslegitimado, tendo sido negado seu papel nessa interação: é ele quem não deve entender as elipses que têm seu significado reconhecido no aqui-agora da interação.

Importa trazer, para esta reflexão, o conceito de alinhamento tal como formulado por Goffman (1981): a linha de ação escolhida pelo ator social revela uma posição e projeção do self em relação ao interlocutor, a personagens do discurso, ou ao próprio discurso, e tais posições são sinalizadas por alterações no comportamento verbal e semiótico dos participantes (Goffman 2002 [1981]: 113). Considerando as elipses e vaguezas como alterações dessa natureza, o que os entrevistados fazem é alinhar-se conosco, seus entrevistadores, conhecedores tácitos e ouvintes ratificados de suas histórias, capazes de realizar as inferências, apoiados que estávamos nos nossos conhecimentos prévios e nas demais sinalizações semióticas como gestos, olhares e entonações (a maioria desses sinais infelizmente não pôde ser recuperada devido à impossibilidade de gravação de vídeo). Ao mesmo tempo, nossos interlocutores desratificam a audiência assincrônica (todos que ouviriam a gravação em outro tempo e espaço), negando-lhe acesso a informações precisas sobre suas biografias.  

A estratégia se aproxima daquilo que Goffman (1967) nomeou “comunicação insinuada”. Como define o autor, a diplomacia das preservações da face às vezes conta com um acordo tácito para agir através da linguagem das “dicas” (2011 [1967]: 25). O locutor não age como se estivesse oficialmente comunicando algo, e o interlocutor como se não tivesse oficialmente recebido a informação. Estando no âmbito do não-dito, trata-se de uma comunicação de um conteúdo que pode ser negado. Ao mesmo tempo, está-se obedecendo a regras básicas do comportamento interacional, porque tal maneira de comunicar parece consciente da iminência da perda de face, sem que tal consciência se torne o próprio incidente.

Se a estratégia, semelhante a um conluio, indica, por parte dos entrevistados, uma postura que ratifica seus entrevistadores, esse não é o único índice de alinhamento presente nos dados. Existem, ao longo das entrevistas, situações extremamente estranhas para uma interação comum, mas que parecem de uma fluidez peculiar nas trocas que aqui apresento. Marcadores discursivos (backchannels) como “ahã”, “humhum”, “entendi”, aparentemente secos e indiferentes, apontam, por vezes, da parte dos entrevistadores, para uma compreensão tácita daqueles conteúdos antes interditados, agindo, eu, a entrevistadora mais frequente, como quem consente o silêncio para poupar o interlocutor da materialização, da nomeação dos temas brutais.

No excerto (9), abaixo, percebendo certo orgulho da parte de João na forma como ele lida com sua situação carcerária, resolvo perguntar se, para ele, o crime realmente é um caminho “errado”; se, diante das opressões que ele relata, o crime teria uma justificação positiva. Após uma resposta bastante crítica de João sobre a falta de oportunidade, especialmente para aqueles que hoje saem das penas de reclusão, um “humhum” (linha 29) proferido por mim, seguido por um redirecionamento do tópico, soa quase indiferente da minha parte, como se, diante da sua exposição sobre as condições de empregabilidade da população carcerária, não houvesse também um preso diante de mim. Trata-se de uma estratégia que camufla o estigma; uma indiferença apenas aparente em relação a sua história, para não expor as suas marcas:

 



 

A estratégia, que pode ser entendida como uma espécie de “cegueira”, faz parte do processo de evitação constante nas situações comunicativas. Pode ser comparado aos exemplos fornecidos por Goffman sobre paradas militares: “aqueles que participam do desfile [são obrigados a] tratar qualquer um que desmaie como se ele simplesmente não estivesse ali” (2011 [1967]: 25). Disfarçar a condolência ou mostrar certa indiferença, assim como fingir que não assistiu à queda de um transeunte, contribui para manter a ficção de que nenhuma ameaça à face (pelo objeto potencialmente constrangedor, gerador de pena, por exemplo) aconteceu.

O mesmo acontece no excerto (10). A entrevista com Lúcio foi especialmente dramática, porque em diversos momentos o interno pareceu alterado emocionalmente, especialmente em função de episódios delicados de sua história de vida, tais como o narrado nesse trecho, que sugere abuso sexual.

 



 

Já se viu que a alternância entre a primeira pessoa e a impessoalização do discurso, como a presente no excerto (10), introduz uma ruptura entre o entrevistado e o protagonista na história, um distanciamento que também serve como evitação do confronto com um conteúdo violento. Da minha parte, mais uma vez, o “é” seco ao final do relato retrata a adoção de uma postura blasé, também como forma de evitação de linhas de ação que remetessem à condolência ou pena, por exemplo. Como alguém que finge não ver o tropeço de um transeunte, a postura blasé repara a situação em que perder a face é um risco. 

 

 

5. Considerações finais

 

Meu objetivo central neste artigo, ao manter no foco nas questões interacionais de manejo do self, foi trazer à pesquisa sobre construções discursivas do desvio um pouco de minhas próprias impressões pessoais sobre o comportamento – meu e dos demais participantes da pesquisa – ao longo do contato com o campo. Essas impressões se referiam às tensões que permeavam os movimentos de aproximação e distanciamento entre as pessoas, e logo ficou claro que elas poderiam ser captadas/reconstruídas à luz de uma análise discursiva que mobilizasse, a partir da noção de trabalho de face, as evitações e o manejo da estrutura de participação como categorias de análise.

Se toda interação comporta um potencial de ameaça à imagem que o ator tenta construir de si mesmo, estas interações, aqui em foco, multiplicam tal potência. Não é só uma questão ordinária de manutenção do equilíbrio social. Trata-se de sustentar uma imagem positiva que é a antítese do background de senso-comum sobre sujeitos apenados, assumidamente criminosos. Há, nos entrevistados, sujeitos que reivindicam para si imagens de cidadão consciente, entrevistado solícito e aluno amistoso. E há um esforço interacional muito grande de ambas as partes para não desconstruir essas imagens – é a isso que passei a chamar de gerenciamento de estigma ou neutralização deste.

E, de novo, essa não é apenas uma demanda corriqueira: a assimetria de poder, quer dizer, encontrar-me diante do oprimido, de uma minoria que requer assistência social e luta política, ao mesmo tempo em que incrementa a ameaça, confere à imagem dele, conforme dito no início do capítulo, um direito moral à proteção. Por outro lado, e isso complexifica bastante a situação, há uma outra relação de poder instituída: trata-se daquela, contra-institucional, em que se firma a violência urbana: o poder potencial que eles têm de provocar medo, de subjugar pela força. E aí, nessa virada, parece que eu também tenho o direito à proteção; tenho direito a não sentir minha integridade e imagem segura ameaçada. Esses dois aspectos motivam a necessidade de não trazer à tona, ao menos não direta e enfaticamente, o tema da violência e suas ramificações.

Em resumo, parece-me que as estratégias evitação e de manejo da estrutura de participação aqui apresentadas saturam a interação de mecanismos de atenuação das ameaças à imagem pública que se procurava manter em nossas interações. Por essa razão é que reivindico para elas, que são de controle da informação sobre o desvio, o estatuto de estratégias de trabalho de face, uma vez que, de acordo com a análise dos dados, são elas que dirimem o choque potencial do encontro misto, protegendo as autoimagens dos entrevistados e dos entrevistadores. Por um lado, a “cegueira” de quem simula tornar irrelevante o fato de estar diante de um estigmatizado – comparável a de alguém que desvia o olhar de um deficiente na rua –, que marca o meu comportamento, serve para proteção de Félix, João, José e os demais. Por outro lado, o comportamento deles, que disfarçam as marcas do seu estigma, é pura proteção daquela minha face, em risco sempre que é possível o confronto com a realidade de sua violência. Essa é a síntese do savoir faire da parceria instituída nessas interações. 

 

Por fim, vale observar que análises dessa natureza podem se desdobrar em reflexões epistemológicas interessantes que vão de encontro à difundida crítica do “paradoxo do observador” (Labov 1972) de que se nutre boa parte das pesquisas sobre fala-em-interação, e legitimar a entrevista qualitativa como objeto pesquisável (Mishler 1986). No lugar de pressupor uma naturalidade da fala exclusiva aos contextos espontâneos, este trabalho pode tomar as estranhezas dos encontros gravados, vigiados e cuidadosos precisamente pelo tanto que essas características são extrapoláveis à vida social geral. Trata-se justamente de se converter a alegada limitação da pesquisa em dado de interesse sociológico, amplificando principalmente os aspectos situacionais, relacionais e estratégicos da construção de identidades. Reservo a estudos futuros o desenvolvimento dessas questões. 

 

 

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Anexo

 

Convenções de transcrição

 



[1] As convenções de transcrição utilizadas encontram-se anexadas a este artigo e estão baseadas nos estudos de Análise da Conversação (Sacks et al. 1974), incorporando símbolos sugeridos por Schiffrin (1987) e Tannen (1989).

[3] Self pode ser definido como uma imagem socialmente construída a partir de certas demandas expressivas contingentes e baseadas em juízos emergentes de uma situação social.

[4] Para uma análise detalhada das narrativas de adesão ao tráfico co-construídas no âmbito desta pesquisa, consultar Biar (2012).

[5] Quase sempre, as imprecisões e indeterminações como a dos exemplos acima se aplicam ao campo semântico das atividades criminais, mas elas podem ocorrer também em outros tópicos tabu na cadeia, como a homossexualidade, por exemplo. Durante a pesquisa, pareceu claro que a facção criminosa a que os internos participantes desta pesquisa pertencem censura veementemente as identidades homoeróticas. A entrevista com Lúcio, o entrevistado do excerto (2), foi especialmente tensa nesse sentido. Sem poder dizer explicitamente o conteúdo interditado, o entrevistado sugere mais de uma vez, a partir do uso de expressões vagas, que há algo “a mais” na sua história. Reservo para trabalhos futuros uma análise das questões de gênero no contexto prisional.

                 

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