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Lingüística
On-line version ISSN 2079-312X
Lingüística vol.30 no.2 Montevideo Dec. 2014
Lingüística / Vol. 30 (2), Diciembre 2014: 333-343
ISSN 1132-0214 impresa
ISSN 2079-312X en línea
MARCOS BAGNO. Gramática pedagógica do português brasileiro,
São Paulo, Parábola, 1056p. 2011. ISBN 978-85-7934-037-6.
Resenhado por: Manoel Luiz Gonçalves Corrêa
Universidade de São Paulo/CNPq)
Os caminhos cruzados de uma gramática pedagógica
Qualquer pessoa com alguma formação no campo dos estudos linguísticos sabe que a palavra “gramática” comporta muitos sentidos e algumas confusões. Uma delas, já apontada por vários linguistas, é o não discernimento entre um sistema de regras, que caracteriza toda e qualquer língua ou variedade de língua, e um conjunto de normas de bem falar e escrever. Este último, ao limitar-se à chamada escrita culta formal, leva a identificar a fixação de aspectos da língua falada por uma faixa específica da população - nem sempre consistentemente descritos - com a própria língua, identificação que, segundo essa visão, justificaria a preocupação prescritiva do gramático. No que se refere aos não especialistas, a visão de língua como um conjunto de regras normativas - predominante entre leigos em virtude da associação de aspectos da vida prática institucionalmente administrada com ensinamentos obtidos na escola (exames de seleção, concurso públicos etc.) - se confunde, por vezes, com o próprio suporte, tradicionalmente o livro, chamado de a gramática de fulano de tal.
Atenho-me, também eu, a um livro de gramática, mas meu esforço será extrair de seu eixo organizador - a meu ver, a perspectiva histórica sobre os fatos de língua - um modo de reunir os diferentes tipos de gramática nele presentes. Esses caminhos cruzados da Gramática Pedagógica do Português Brasileiro, de Marcos Bagno (Parábola Editorial, 2011, 1056 páginas), ficam como promessa, já no título, pela referência ao tipo de gramática visada - a pedagógica. Sua concepção está, naturalmente, ligada às ênfases escolhidas por seu autor, cujo apreço pelo viés histórico acaba por caracterizá-la como uma gramática com preocupação descritiva de cunho histórico, ainda que nem a descrição nem a abordagem das mudanças obedeçam estritamente a uma corrente teórica específica. Portanto, além do sentido de sistema de regras pertencente a toda e qualquer língua, esta gramática pedagógica se distingue pelo tipo de relação, por vezes polêmica, que estabelece com outras possibilidades de descrição. Aproveita-se, por exemplo, mesmo quando a critica, da gramática entendida como um conjunto de normas de bem falar e escrever (característico das gramáticas normativas); das regularidades das variações sincrônicas e da busca de justificativas históricas tanto para as variações quanto para mudanças linguísticas (aspecto descritivo das gramáticas históricas); e, até mesmo, da gramática entendida pelo viés da relação linguagem/mundo (característica da gramática filosófica). Há, é claro, nas opções do autor, preocupação em escolher o que considera o melhor enquadramento da língua e da linguagem a ser dirigido ao leitor, manifestamente, pessoas que tenham algum domínio da chamada gramática normativa da língua e também de fundamentos básicos da linguística e de suas principais subáreas, visando, declaradamente, à formação (inicial ou continuada) do professor.
A esse respeito, caberia investigar, do ponto de vista pedagógico, em que posição é posto o aluno não especialista em linguística quando, numa gramática pedagógica que visa à formação do professor, enfatiza-se a visão descritiva e histórica da língua em lugar da visão normativa, esta última mais prescritiva do que descritiva. Assumindo uma visão descritiva muito atenta à história da língua, Bagno distancia-se do argumento (de fraco fundamento formativo) cuja ênfase se baseia num mal definido “sucesso profissional do aluno”, traduzido frequentemente pelo sucesso em exames vestibulares e em concursos para cargos públicos. Sem essa preocupação que, via de regra, justifica a opção por uma visão normativa da língua, o autor define seu leitor ideal como sendo o professor em formação (inicial ou continuada). Caberia, ainda, perguntar em que medida sua gramática contempla o aluno quando ele é visto em sua relação com a linguagem, isto é, quando considerado simplesmente como aluno e não como futuro professor. Nesse caso, o perfil de leitor poderia ser muito ampliado, o que levaria a pensar em leitores de diferentes níveis de formação ou sem a estrita preocupação de formador.
A resposta não é óbvia, pois, em primeiro lugar, o fato de o autor optar por uma abordagem descritiva de viés histórico não garante uma única direção. No contexto dos livros didáticos, por exemplo, nos acostumamos a ver, há quatro ou cinco décadas, referências às funções da linguagem de Jakobson, às vezes seguidas de descrição sintática com base em constituintes imediatos, investigação ligada à tradição dos estudos distribucionalistas e, depois, dos estudos gerativistas da linguística americana. E misturar perspectivas no ensino não é, em princípio, nem bom nem ruim, pois a mistura pode ser produtiva se essa prática for consistente. A esse respeito, a visão que orienta o aspecto descritivo da gramática de Bagno é sociolinguística ou, talvez melhor, visões sociolinguísticas, em que os usos da língua (falados e escritos) enquanto ocorrências ligadas a estados de língua (viés sincrônico) são indissociáveis de estados anteriores (viés diacrônico). Imprimindo à sua gramática pedagógica uma orientação para os usos da língua - cara às sociolinguísticas e já presente em outras obras do autor -, Bagno não descuida de questões que ultrapassam as categorias da língua, como as de texto e de gêneros textuais, relacionadas à constituição do sentido e à interação.
Provocativa, mas também instrutiva, é a assunção do caráter ideológico de suas opções e afirmações. É instrutiva não porque defina especificamente essa gramática ou o seu autor, mas porque essa declaração abre caminho para observar, em outras obras e autores, marcas ideológicas específicas mesmo quando não explicitamente mencionadas. Aprende-se, com isso, que a menção à ideologia não pode ser feita apenas como trabalho de detecção dirigido ao produto do(s) outro(s). Cabe, portanto, ao leitor refletir sobre as suas próprias práticas para acatar ou recusar as opções e afirmações propostas pelo autor. Reconhece-se, pois, nessas afirmações, não simplesmente uma marca ideológica rotuladora, mas uma proposição de práticas nas quais o leitor pode, ou não, engajar-se.
Nesse sentido, pode-se dizer que a gramática pedagógica de Bagno contempla os dois esteios da relação pedagógica: dialoga com o professor (formado ou em formação), mas não descuida da reflexão sobre a linguagem por parte do seu maior beneficiário, o aluno, cuja figura, virtualmente presente nessa gramática, é que dá os contornos à perspectiva teórica que o autor adota (mas não enrijece). Desse modo, Bagno se permite explorar os caminhos cruzados das gramáticas também para atender à figura perturbadora do aluno, terceiro elemento da relação pedagógica, ao lado dos dois tradicionalmente considerados: o professor e o objeto a ser ensinado. O autor oferece, pois, um modo de inserir esse objeto na prática social efetiva da relação pedagógica, explorando, para tanto, os desvios e atalhos dos caminhos cruzados das gramáticas. Procura evitar, com isso, que o aparelhamento do professor por meio de sistemas teóricos e objetos de pesquisa reduza-se apenas ao que restou, nestes últimos, das práticas sociais de que partiram, já que na qualidade de objeto de pesquisa não se confundem mais com tais práticas, as quais retornam, no entanto, na prática social efetiva, como a da relação pedagógica. Eis, portanto, um dado definidor da gramática de Bagno: ela pretende ser uma gramática pedagógica no sentido preciso da presença desses três elementos: professor, objeto a ser ensinado e aluno.
É verdade que, ao fazê-lo, o autor contempla também boa parte da sua própria formação, caracterizada pela multiplicidade. Foi, por exemplo, aluno do tradicional Colégio Pedro II (Humaitá), do Rio de Janeiro, onde cursou da 5ª série do ensino fundamental ao 1º ano do ensino médio; fez Letras na Universidade de Brasília, onde recebeu as primeiras influências da sociolinguística e se interessou pelo estudo de Latim, de português clássico e, na Universidade Federal de Pernambuco (Recife), de pragmática. A essa formação de base, que inclui o conhecimento aprofundado da língua francesa e um intenso trabalho como tradutor, se acrescenta sua formação pós-graduada, toda ela em Linguística voltada para o ensino e feita em diferentes universidades: mestrado, na Universidade Federal de Pernambuco; doutorado, na Universidade de São Paulo, e pós-doutorado, na Universidade Federal de Minas Gerais.
Mesmo tendo em conta o caráter múltiplo da gramática proposta, a obra de Bagno apresenta uma organização muito particular. As trinta e quatro páginas da parte introdutória são dedicadas a um primeiro contato com o leitor, destinado, sobretudo, a definir o perfil do público ao qual a gramática se destina. Composta pelas Abreviaturas e símbolos e pelos Símbolos fonéticos utilizados no decorrer da obra, é na Introdução que o livro se dedica mais particularmente à definição do perfil de seu leitor presumido. Em simetria com a parte introdutória, as trinta e duas páginas da parte final se distribuem em bibliografia, índices de assuntos e de nomes, além de índice geral. Entre aquele ponto de partida e este ponto de chegada, apresenta-se uma divisão em cinco livros que dá uma característica particular a essa gramática.
No Livro I, o autor trata da “Epistemologia do português brasileiro”, em que comenta, criticamente, aspectos filosóficos orientadores do pensamento científico dominante na tradição dos estudos da linguagem. Ao enfatizar a indissociabilidade entre língua e sociedade na reflexão sobre a linguagem, Bagno permite definir - ainda que não explicitado como tal - o diálogo que está na base de toda relação pedagógica. Ou seja, nos caminhos cruzados de diferentes gramáticas e tradições gramaticais, o autor permite vislumbrar um ponto de encontro entre os dois atores centrais da prática pedagógica: o aluno e o professor. Nesse sentido, ao tomar a relação língua/sociedade como ponto de partida para o acesso ao conhecimento sobre a linguagem, a gramática de Bagno identifica o aluno ao falante comum que, tomando a própria língua como estática, ainda não identifica, nela, o caráter múltiplo das variações e das mudanças linguísticas. Pratica, portanto, o caráter mutante da gramática, mas não tem consciência clara do fato de que a gramática não se faz apenas do que já está definido por regras. Tampouco tem consciência de que mesmo essa cristalização se faz e se refaz no processo dos usos. Desse modo, o destinatário da obra, nomeadamente o professor (já formado ou em formação), também não escapa à sua condição de falante, reocupando, a cada passo, a posição do aluno.
O livro II: “História do português brasileiro” é composto por três capítulos. São eles: Capítulo 4: “Nada será como antes: a mudança linguística”; Capítulo 5: “Do galego ao brasileiro: história da nossa língua” e Capítulo 6: “Raízes desterradas: formação do léxico portugalego”. O aspecto pedagógico mais importante a ser destacado nessa parte, além do tratamento do processo de gramaticalização e da grande quantidade de informação relevante sobre a mudança e a história do português brasileiro (doravante PB), está, uma vez mais, no modo como o aluno é integrado ao saber pertinente ao professor. As formas linguísticas distribuídas no espaço-tempo dos contatos e das dominações entre povos não se restringem a delimitações de épocas ou de lugares, mas reavivam sempre, na visão atual da língua, as vozes que ela guarda dessas influências. Fora do erro e do acerto, aluno e professor podem reconhecer-se, portanto, no processo de constituição da língua pelo uso, caracterizado pela íntima relação entre gramática e discurso. Ao tomar contato com uma tarefa tão abrangente, o leitor terá de atentar para pressupostos que, dada a extensão da obra, podem não ser retomados a cada passo. Em pelo menos uma passagem do Livro II, o lugar atribuído ao sujeito deixa margem à identificação da noção de sujeito com a de falante individual (na verdade, de um usuário da língua que, no início do estruturalismo é definido por suas características psicofísicas - daí porque “falante”). É o que parece estar pressuposto na seguinte formulação do autor, quando comenta, criticamente, a linguística estrutural: “Uma das principais características da corrente estruturalista é sua desconsideração do sujeito: no caso da linguística estrutural, a língua era tomada como uma entidade autônoma, independente da vontade e da ação de seus falantes, podendo ser estudada e analisada como um sistema fechado em si mesmo” (p. 119, destaque do original). Muito provavelmente, por não querer aprofundar o assunto nessa parte da gramática ou talvez por esperar que o leitor não leia sua afirmação atual como uma contradição com o que já terá lido em páginas anteriores (p. ex., pp. 59-60) ou com o que lerá em páginas seguintes (por ex., p. 483), Bagno deixa em aberto, com essa afirmação, a possibilidade de identificar o sujeito da linguagem com o indivíduo isolado, aquele cujas vontades e ações parecem independer do outro com quem fala e da língua - coletiva - que fala. A complexidade da linguagem, da qual Bagno não foge, requereria, no entanto, alguma ressalva a essa reivindicação do papel da “vontade e da ação” dos falantes da língua e à concepção de sujeito que a ela subjaz.
O Livro III, intitulado “Multimídia do Português Brasileiro”, pode ser sintetizado, em seus dois capítulos, pela relação amplamente estudada, no Brasil, entre fala e escrita(s). Note-se, em primeiro lugar, o apelo à contemporaneidade pela ideia de “multimídia”. Contrapondo-se a ela, no entanto, a organização desse terceiro livro remete, ainda que em termos mais atuais, ao formato gramatical tradicional de tratar os sons da fala e a ortografia numa mesma parte da gramática. No primeiro dos dois capítulos desse livro (capítulo 7: “Os sons e os séculos: fonologia da nossa língua”), o PB é investigado por Bagno do ponto de vista das mudanças fonéticas. Pode-se supor que essa escolha esteja ligada à expectativa do autor de manter o tom histórico dos demais capítulos. No entanto, essa mesma opção distancia-se do proposto no capítulo 8: “Ruídos e rabiscos: língua falada e língua escrita”, em que, mesmo dando destaque no título à língua falada e à língua escrita (e correndo o risco de definir como língua, dois diferentes modos de enunciação de uma única língua), o autor ora trata do texto (falado ou escrito, e não do que se suporia ser a “língua falada” e a “língua escrita”) ora da ortografia (de uma convenção estabelecida por lei e, uma vez mais, não do que seria a “língua” escrita).
Feita essa ressalva, é preciso lembrar, porém, que discernir os sons do PB (capítulo 7) é destacar, por meio de processos fonéticos, a presença de outras línguas no que hoje falamos, estando o Português Europeu, o Galego e o Latim dentre as mais óbvias. Mas ao lado disso, é, ao mesmo tempo, demarcar, no campo dos sons da língua, um território para o PB que a história, a geografia e a sociedade brasileiras foram (e continuam) criando. O autor tem, ainda, o cuidado de registrar a importância do galego, que, do ponto de vista histórico, ao ser levado para o sul, se tornaria o português europeu, que, por sua vez, resultaria nas línguas que dão contorno ao assim chamado mundo lusófono. Mais do que coerência histórica, o destaque ao berço galego do português europeu tem potencial para pôr em circulação novas identidades para o português brasileiro, para o português europeu e para o próprio galego, o que pode se configurar como um significativo dado de política linguística. No segundo e último capítulo do Livro III, intitulado “Ruídos e rabiscos: língua falada e língua escrita”, o autor faz a crítica da polarização entre fala e escrita, caracterizada ora pela valoração negativa (da fala) e positiva (da escrita), ora pela atribuição de estilos únicos, diferentes e opostos para cada uma delas: a fala vista como sempre marcada pelo estilo informal, e a escrita vista como sempre marcada pelo estilo formal. A preferência pela escrita como modelo de língua resulta numa das principais confusões apontadas pelo autor, a saber, a confusão da (assim chamada pelo autor) “língua escrita” com a “norma-padrão”. O capítulo inclui, ainda, a crítica à confusão da escrita com a ortografia e é enriquecido com referências à história do alfabeto, particularmente do alfabeto latino, passando pelos diacríticos e pelos dígrafos, encerrando-se com uma discussão sobre a institucionalização da ortografia, as características particulares da ortografia das diferentes línguas e, por fim, com a ortografia do português, sem fugir à crítica do novo acordo ortográfico. Como promete o próprio título do Livro III, a multiplicidade de mídias é o argumento central contra a polarização entre fala e escrita. Segundo o autor, elas mais se aproximariam do que se distinguiriam, já que a rápida alteração “nos modos e nas condições de produção da fala e da escrita” resultaria no caráter “inevitável” de seu “hibridismo”, ligado, pois, à “manifestação semioticamente híbrida” da atualidade. Por sedutor que pareça, esse argumento corre o risco de circunscrever a produção da linguagem verbal (e sua heterogeneidade) aos chamados efeitos (especiais?) do desenvolvimento dos novos meios de comunicação e das novas tecnologias de informação, o que transfere o caráter heterogêneo próprio da linguagem verbal para a ação das novas tecnologias. Caberia perguntar, a esse respeito, se desse deslocamento da heterogeneidade (da palavra sempre dividida com alguém para os recursos tecnológicos oferecidos na produção da fala e da escrita), não resultaria, como resíduo, a assunção da linguagem verbal (falada ou escrita) como pura em si mesma, mas hibridizada segundo os meios pelos quais é produzida.
O Livro IV: “Lexicogramática do Português Brasileiro” é composto por doze capítulos (do 09 ao 20). O capítulo 9 apresenta uma interessante história das classes gramaticais herdadas do grego e assumidas, já sob a concepção dos alexandrinos, pela gramática latina, o que o autor chama, com bom humor, de um “presente de grego” em função do aspecto prescritivo que ela tomou a partir de então. No capítulo 10, o leitor toma contato com a noção de lexicogramática, segundo a qual a separação entre léxico e gramática, entre palavra e estrutura sintática, não se aplica a todas as línguas. Além disso, segundo o autor, a lexicogramática poderia ser útil, inclusive, para a descrição das línguas indo-européias, que deram vida a essa divisão. A partir dessa noção, Bagno apresenta vários conceitos para entender a gramática, tais como: os de verbo e nome (e a relativização dessa oposição); análise e síntese; sintagma e paradigma; ordem dos constituintes na sentença; dêixis e anáfora; proformas; pronome, considerado como função e não como classe, para cujo fim o autor associa pronome e anáfora; sujeito pleno e sujeito nulo (e a tendência ao uso do sujeito pleno no PB); objeto nulo (e a tendência à anáfora zero na recuperação de um objeto direto de terceira pessoa no PB); tópico; formas marcadas e não marcadas; relação entre sintaxe, semântica e pragmática e, finalmente, gramaticalização. Tendo passado pela discussão de todos esses conceitos, o leitor deparará, no final do capítulo, com a definição do PB em relação a eles e poderá compreender o papel desses conceitos na definição da gramática de uma língua. No capítulo 11, o leitor encontrará uma preparação para a leitura dos demais capítulos do livro. Bagno historia os estudos da Norma Urbana Culta, destacando o trabalho descritivo publicado nos cinco volumes da Gramática do português culto falado no Brasil e permitindo-se, com base no caráter pedagógico da sua gramática, distinguir o que ainda existe desse padrão e o que já foi alterado no PB e reivindicar a legitimidade de suas formas linguísticas concorrentes. Bagno apresenta, ainda, num procedimento que atribui também a vários autores brasileiros contemporâneos, um tratamento particular das classes gramaticais, lista que organiza os capítulos de 12 a 20: verbo, nome, verbinominais, índices de pessoa, mostrativos, quantificadores, advérbios, preposições e conjunções. Nesses capítulos, o leitor experimentará, a cada passo, a curiosa sensação de situar a gramática pedagógica de Bagno como algo dentro e fora da tradição gramatical. Dentro da tradição, pela ressonância da divisão tradicional às vezes coincidente; mas fora dela pelo estranhamento que ganha o tratamento das classes gramaticais em sua gramática, resultado de uma busca vigorosa empreendida pelo autor ao sintetizar resultados da descrição linguística e da história do PB, concebendo o que, no capítulo final, chamará um esforço de “mapear da forma mais realista e racional possível o que é uma autêntica norma culta brasileira”.
O livro V: “Didática do português brasileiro”, composto pelos capítulos 21: “Errei, sim: a hipercorreção e suas consequências” e 22: “O que (não) ensinar na escola: por uma educação linguística realista”, trata, no primeiro deles, do lugar da escola diante da concepção de erro. O leitor encontrará, na defesa que Bagno faz de uma posição intermediária entre o ponto de vista que atribui ao “senso comum” e o ponto de vista a que chama de científico sobre o erro, por um lado, um autor mais comedido do que aquele de seus artigos em revista ou jornal ou, mesmo, de seus outros livros. Por outro lado, ao citar exemplos e comentá-los, relembrará o mesmo autor das polêmicas públicas já conhecidas por seus leitores. No capítulo 22, último capítulo do livro, o autor enumera usos variados, comenta-os e sugere o que ensinar e o que não ensinar na escola, buscando distinguir as “formas da norma-padrão que merecem ser ensinadas e aquelas que não precisam ser ensinadas”. Isso, não sem antes lembrar que “o reconhecimento da norma culta real não deve servir de base para um novo tipo de prescrição e repressão linguística” (p. 985).
Cabem, por fim, duas palavras sobre as impressões gerais que a Gramática Pedagógica do Português Brasileiro, de Marcos Bagno, publicada em edição bem cuidada, deixa. Se, por defeito de ofício, o linguista, por um lado, tende a solicitar mais trabalho descritivo (com corpora definido) e mais precisão no tratamento de conceitos; o gramático, por outro lado, talvez tenda a solicitar menos trabalho descritivo (com exemplos mais representativos da norma-padrão da língua) e mais rigor na exposição das regras. Considerar, além dessas duas posições antagônicas, a difícil tarefa de seleção das informações, o trabalhoso comentário dos exemplos e o atendimento ao professor formado ou em formação como leitores preferenciais, pode ser útil para o leitor avaliar a qualidade do trabalho do autor: feito a partir de muita leitura, cuja consistência não pode ser avaliada nem pela expectativa do linguista nem pela do gramático. Mais do que isso, é preciso saber como o professor (formado ou em formação) responderá a esse trabalho quando descobrir que aprendeu muita gramática (inclusive a normativa) ao acompanhar as críticas à gramática normativa e que se iniciou em linguística sem estudar linguística, mas tomando contato com resultados de diferentes pesquisas desse campo de estudo.