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Lingüística
On-line version ISSN 2079-312X
Lingüística vol.30 no.2 Montevideo Dec. 2014
Lingüística / Vol. 30 (2), Diciembre 2014: 19-43
ISSN 1132-0214 impresa
ISSN 2079-312X en línea
O COMPORTAMENTO DAS VOGAIS NAS VARIEDADES DO PORTUGUÊS
VOWELS BEHAVIOUR IN PORTUGUESE VARIETIES
Maria Helena Mira Mateus
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa / ILTEC
Este artigo tem como objetivo a análise das vogais do Português Europeu (PE) e do Português Brasileiro (PB), tanto em sílaba tónica como átona, distinguindo entre as vogais resultantes da aplicação de regras que atuam em todas as variedades (como a harmonização vocálica nos verbos) e as vogais que apresentam variações, sobretudo em sílaba átona, provocando uma clara distinção entre PE e BP. A perspetiva teórica que enforma esta análise é a fonologia generativa que tem como princípio a existência de níveis separados: o nível fonológico em que atuam processos fonológicos, e o nível fonético que contém as formas de superfície resultantes da atuação desses processos. As explicações apresentadas podem servir de apoio no ensino do Português como língua segunda ou estrangeira, tanto no esclarecimento dos professores sobre questões linguísticas e seus resultados na pronúncia da língua como na elucidação dos aprendentes. A dimensão pedagógica deve provir de uma reflexão adequada sobre as propostas aqui apresentadas.
Palavras-chave: Vogal; Harmonização Vocálica; Vogal Temática; Sílaba Átona.
The goal of this paper is the analysis of Portuguese vowels in European (EP) and Brazilian (BP) varieties, both in stressed and unstressed syllable, making a distinction between vowels resulting from categorical rules that occur in all Portuguese varieties (as vowel harmony that applies on root verbal vowels) from vowel alternations and variation, namely in unstressed syllable, that cause a clear distinction between EP and BP. The theoretical framework that sustains this analysis is the generative phonology that considers the existence of separate tiers: the phonological tier where processes that have as a result the phonetic surface forms apply. The explanations we present may reinforce the Portuguese language teaching as a second or a foreign language in clarifying certain linguistics questions related to the pronunciation of Portuguese and the elucidation of the students. The pedagogical dimension can issue from an adequate reflexion about the proposals presented here.
Keywords: Vowel; Vowel Harmony; Theme Vowel; Unstressed Syllable.
1. Introdução
Neste artigo serão analisados os sistemas de vogais do português em sílaba tónica e em sílaba átona, tendo em atenção as diferenças patentes nas duas variedades (português europeu, PE, e português brasileiro, PB), e, quando tal se justificar, a variação no interior das variedades. A descrição e a explicação do comportamento das vogais poderão ter aplicação no ensino da língua a falantes que não têm o português como língua materna, para uma melhor compreensão da especificidade da produção oral. A perspetiva teórica que enforma esta discussão tem como princípio a existência de um nível subjacente em que se integram sistemas (e subsistemas) presentes na consciência fonológica dos falantes, e em que assentam as variantes lexicais que ocorrem em superfície quando são resultado de aplicação de regras[1].
2. Vogais fonológicas do português em sílaba tónica
As vogais fonológicas do português são as que permitem criar oposições distintivas através da construção de pares mínimos de palavras que contrastam apenas numa vogal e têm significados diferentes. As vogais que permitem a oposições distintivas podem ser vogais médias que opõem dois nomes (bola [bólɐ]/[bɔʹlɐ][o]/[ɔ]), um nome e uma forma verbal (selo [sélu]N/ [sɛ́lu]V [e]/[ɛ]), ou duas formas do mesmo paradigma (devo / deve [dévu]/[dɛ́vɨ] [e]/[ɛ], verbo dever, ou como / come [kómu]/[kɔʹmɨ] [o]/[ɔ] verbo comer)[2]. Podem também criar-se pares mínimos por oposição de duas vogais altas ( fila / fula [i]/[u]) ou de uma vogal média e uma baixa (bela / bala [bɛ́lɐ [/[bálɐ], [ɛ]/[a]). As vogais depreendidas a partir destas oposições figuram no Quadro I.
Neste Quadro apresentam-se as vogais fonológicas do português que ocorrem em sílaba tónica. Os diversos processos fonológicos e fonéticos que funcionam na utilização da língua têm como resultado variações que, no nível fonético, distinguem variedades da língua portuguesa, nomeadamente as variedades que são objeto deste artigo: Português Europeu e Português Brasileiro.
Para compreendermos as variações a que estão sujeitas as vogais fonológicas é necessário considerarmos que os segmentos fonológicos são unidades complexas que têm propriedades identificadoras denominadas traços distintivos. Os traços estão organizados hierarquicamente e dependem de nós de classe que reúnem traços distintivos com propriedades comuns. Para a análise da relação entre os traços identificadores e as alterações das vogais fonológicas, são necessários e suficientes dois nós de classe: Altura, de que dependem os traços [alto] e [baixo] e Ponto de Articulação, de que dependem os traços [arredondado] e [recuado]. O Quadro II apresenta os quatro traços designados, a que correspondem os sinais [+] e [-] conforme a vogal em questão for identificada pela presença ou ausência do traço. As vogais [e/ɛ/o/ɔ] são habitualmente designadas como médias o que está de acordo com o facto de elas serem menos claras nas oposições que formam entre si e pouco produtivas na criação de pares mínimos, além de constituírem uma particularidade do português que não se verifica em muitas outras línguas[3].
Quadro II
2.1. Alternância entre vogais do radical nos paradigmas verbais.
A oposição de altura entre vogais médias em sílaba tónica como devo, deve [dévu] / [dέvɨ] e movo, move [móvu] / [mɔʹvɨ] envolve a aplicação de dois processos sobre as vogais tónicas dos radicais verbais: Harmonização vocálica e Abaixamento de altura das vogais acentuadas. Esta alternância entre as vogais do radical é uma especificidade do português e está presente em todas as variedades. A exemplificação destes processos está apresentada em (2.2.) com os verbos dever, mover, ferir e dormir. As vogais em análise, que alternam entre médias ([e/o]), baixas ([ɛ/ɔ]) e altas ([i/u]) estão dentro de parênteses retos.
2.2. Exemplos de alternância: verbos dever, mover, ferir e dormir
Presente do Indicativo
d[é]vo m[ó]vo f[í]ro d[ú]rmo
d[έ]ves m[ɔʹ]ves f[έ]res d[ɔʹ]rmes
d[έ]ve m[ɔʹ]ve f[έ]re d[ɔʹ]rme
d[έ]vem m[ɔʹ]vem f[έ]]rem d[ɔʹ]rmem
Presente do Subjuntivo
d[é]va m[ó]va f[í]ra d[ú]rma
d[é]vas m[ó]vas f[í]ras d[ú]rmas
d[é]va m[ó]va f[í]ra d[ú]rma
d[é]vam m[ó]vam f[í]ram d[ú]rmam
A alternância das vogais do radical exemplificada em (2.2.) ([e]/[ɛ]; [o]/[ɔ]; [i]/[ɛ]; [u]/[ɔ]) decorre da atuação da harmonização vocálica e do abaixamento das vogais, dois processos morfo-fonológicos que têm sido interrelacionados em descrições sincrónicas e diacrónicas do português. Na gramática do português contemporâneo (Cunha e Cintra, 1984) a descrição da harmonização vocálica incide sobre os Presentes do Indicativo e do Subjuntivo e sobre os Imperativos Afirmativo e Negativo (formas que se identificam com as dos referidos presentes). A alternância entre as vogais do radical em cada paradigma e entre vogais correspondentes entre os três paradigmas (1ª, 2ª e 3ª conjugações) segue o modelo dos verbos apresentados em (2.2.), estendendo-se a aplicação, em Cunha e Cintra, a verbos como levar e lograr, dever e mover, servir e dormir, frigir e acudir.
A gramática histórica procurou uma explicação destas alternâncias vocálicas reportando-se, ao étimo latino, os aspetos morfológicos e fonéticos deste caso particular da gramática do português (Williams [1938], 1961: 213-221; José Joaquim Nunes [1919], 1951: 282-290; Piel 1944). Williams considera que, nos verbos regulares da 2ª e 3ª conjugações com vogal breve no radical em latim (exs. verter e volver, servir e dormir), a diferença nas vogais acentuadas do radical (primeira pessoa do singular do Presente do Indicativo vs. as segunda e terceira do singular, e terceira do plural) se deve ao fechamento da vogal da primeira pessoa, que seria, no português arcaico, aberta na 2ª conjugação (p.ex. v[έ]rto, hoje v[e]rto ou v[ɔʹ]lvo, hoje v[o]lvo) e média na 3ª por influência assimilatória da semivogal (p.ex. s[e]rvo, de sěrvĭo, hoje s[i]rvo ou d[o]rmo, de dŏrmĭo, hoje d[u]rmo)[5]. Este fechamento seria causado por metafonia - ou assimilação a distância - da vogal final da primeira pessoa. Nas vogais fechadas do Presente do Subjuntivo, segundo Williams, a passagem de v[ɛ]rta a v[e]rta e de v[ɔ]lva a v[o]lva ou de s[ɛ]rva a s[i]rva e de d[ɔ]rma a d[u]rma se fez por analogia com a primeira pessoa do Presente do Indicativo, e ainda por influência das formas do plural em que a vogal não é tónica mas também fechada: sirvamos, sirvais, etc.. A importância da analogia para o neogramático Williams leva-o a dizer: “Tal é a força da analogia no seu triunfo sobre a força da modificação fonológica” (1938: 214). José Joaquim Nunes tem a mesma explicação para o fechamento das vogais da segunda conjugação (influência assimilatória e analogia).
Também em Piel (1944) a analogia tem um lugar de relevo. Se o fechamento da primeira pessoa do Indicativo e das formas do Subjuntivo se deve à influência assimilatória da vogal final, as formas do Subjuntivo resultam da “solidariedade morfológica” com a primeira pessoa do Indicativo (ou seja, um processo de analogia) (1944: 373). Repare-se no entanto que, se foi possível explicar as vogais médias ou altas recorrendo à assimilação e à analogia, as vogais baixas de d[ɛ]ve (de dēbet), m[ɔ]ve (de mōvet), ou s[ɔ]be (de sŭbēt ou t[ɔ]sse (de tǔssǐt), não cabem nesta explicação considerada a natureza das vogais etimológicas.
Neste cruzamento de influências assimilatórias das vogais finais e das semivogais com analogias entre tempos e formas verbais, apenas José Joaquim Nunes se refere à importância da vogal temática na elevação das vogais: “As mesmas vogais -e- e -o- do radical convertem-se respectivamente em -i- e -u-, se o verbo em que se encontram é dos que terminam no infinitivo em -ir” (1951: 284).
A explicação da história das línguas com recurso à analogia, de que frequentemente se serviam os neogramáticos, tem sido discutida[6]. O seu âmbito está hoje bastante limitado, e utiliza-se, sobretudo, na referência à extensão da aplicação de regras gerais na variação linguística e na aquisição da linguagem. Por outro lado, a análise da estrutura interna das palavras e a subsequente construção de formas subjacentes regida por princípios gerais das línguas permitiram apresentar uma explicação mais satisfatória do que a atrás referida para a alternância vocálica nos verbos do português, não só por ser mais generalizante mas por integrar numa mesma perspectiva os níveis fonológico e morfológico.
3. A Harmonização vocálica e o abaixamento nos verbos do português. Uma proposta com recurso à teoria autossegmental
Como foi dito em (1.) e (2.), os problemas em análise reportam-se à existência de uma alternância de altura das vogais do radical acentuadas nos tempos verbais Presente do Indicativo e Presente do Subjuntivo.[7] Em função das características do traço distintivo ‘altura’, o termo de fechamento é substituído pelo de elevação relativamente às vogais médias e fechadas, e o de abertura, pelo de abaixamento relativamente às vogais abertas.
A constituição das formas verbais subjacentes – as suas representações lexicais que são fonológicas e constituem o léxico – incluem o Tema formado pelo radical e pela vogal temática, e os sufixos de tempo-modo e pessoa, como se apresenta em (3.1.) e (3.2.). Esta constituição interna permite a aplicação de regras diversas na produção fonética. No período de aquisição da língua a aplicação de regras inferidas por analogia com outros processos pode criar formas erradas que posteriormente serão corrigidas pela integração das exceções e pela estabilização da gramática. A criação dessas formas pode entender-se como uma evidência de capacidades metalinguísticas dos falantes mesmo quando estão em processo de aquisição da língua.
3.1. Representações lexicais das formas verbais
fal + a + o bat + e + o part + i + o
fal + a + s bat + e + s part + i + s
fal + a bat + e part + i
fal + a + mos bat + e + mos part + i + mos
fal + a + m bat + e + m part + i + m
Presente do Subjuntivo
fal + a + e bat + e + a part + i + a
fal + a + e+ s bat + e + a + s part + i + a + s
fal + a + e bat + e + a part + i + a
fal + a + e + mos bat + e + a + mos part + i + a + mos
fal + a + e + m bat + e + a + m part + i + a + m
Se compararmos os exemplos de (3.1.) com as formas de superfície (ver 3.2.) em que a vogal temática não está presente (primeira pessoa do singular do Indicativo e todas as pessoas do Subjuntivo), verificamos que a vogal temática é suprimida quando à sua direita se encontra uma vogal, seja o sufixo da primeira pessoa do singular do Presente do Indicativo, <o>, seja o sufixo do Presente do Subjuntivo (<e> na primeira conjugação e <a> nas segunda e terceira conjugações).
3.2. Formas de superfície
Presente do Indicativo Presente do Subjuntivo
/fal + a + o/ ® falo [fálu] /fal + a + e/ ®fale [fálɨ] (PE)/[fáli] (PB)
/bat + e + o/ ® bato [bátu] /bat + e + a/®bata [bátɐ] etc.
/part + i +o/ ® parto [páRtu] /part + i + a/®parta [páɾtɐ] etc.
No quadro da teoria autossegmental em que se fundamenta a análise fonológica aqui realizada, os segmentos fonológicos situam-se em níveis autónomos e independentes e os próprios traços distintivos também têm autonomia. É portanto uma teoria multilinear. Apesar de autónomos, contudo, os traços distintivos que constituem a estrutura interna de um segmento estão agrupados em nós de classe de que dependem, e estão localizados em níveis separados.
O traço distintivo da vogal temática que nos interessa aqui considerar é o traço de altura. Se as vogais de uma forma como fal+a+o forem representadas como V1 (vogal do radical), V2 (vogal temática), V3 (vogal do sufixo), a supressão da V2 por estar seguida de outra vogal cria as condições para que o traço autónomo de altura dessa vogal temática suprimida (denominado segmento flutuante) se projete na vogal do radical (ver 3.3.). A aplicação das duas partes da regra ((a) e (b)) tem, portanto, como resultado que a altura da vogal temática é assimilada pela vogal do radical, o que provoca a alternância destas vogais de acordo com a altura da temática. Na regra está indicado o traço Vocálico que é o traço distintivo característico das vogais. Veja-se a formulação da regra.
3.3. Supressão da Vogal Temática
A altura está agora como um segmento flutuante e pode projetar-se sobre a vogal do radical. Ora a harmonização vocálica nos verbos do português resulta exatamente da assimilação, pela vogal do radical, da altura da vogal temática. Essa harmonização torna-se evidente se compararmos a altura da última vogal do radical acentuada (tónica) nos verbos das três conjugações. As formas verbais são as mesmas em que a vogal temática foi suprimida: a primeira pessoa do singular do Presente do Indicativo (cf. a) e as primeira, segunda e terceira pessoas do singular e terceira do plural do Presente do Subjuntivo (cf. b). Também aqui existe uma alternância de altura que se verifica em todas as variedades da língua. Os verbos que exemplificam são levar e morar, dever e mover, ferir e dormir.
levar morar dever mover ferir dormir
vogal temática baixa vogal temática média vogal temática alta
3.3.1. Presente do Indicativo
l[ɛ́]vo m[ɔ́]ro d[é]vo m[ó]vo f[í]ro d[ú]rmo
3.3.2. Presente do Subjuntivo
l[ɛ́]ve m[ɔ́]re d[é]va m[ó]va f[í]ra d[ú]rma
l[ɛ́]ves m[ɔ́]es d[é]vas m[ó]vas f[í]ras d[ú]rmas
l[ɛ́]e m[ɔ́]re d[é]va m[ó]va f[í]ra d[ú]rma
l[ɛ́]vem m[ɔ́]rem d[é]vam m[ó]vam f[í]ram d[ú]rmam
As formas verbais incluídas em (i), (ii ) e (iii) mostram que as vogais acentuadas são:
(i) [ɛ́] e [ɔ́] vogais baixas, nos verbos de vogal temática /a/, vogal baixa
(ii) [é] e [ó], vogais médias, nos verbos de vogal temática /e/, vogal média
(iii) [í] e [ú], vogais altas, nos verbos de vogal temática /i/, vogal alta
Assim, e deixando por discutir outros aspetos que constituem exceções, a projeção do traço de altura da vogal temática sobre a vogal do radical representa-se como segue:
3.4. Assimilação do traço de altura pela vogal do radical
Em consequência da projeção da altura da vogal temática, nos verbos da primeira conjugação as vogais do radical ficam baixas, na segunda ficam médias e na terceira ficam altas.
4. Abaixamento da vogal do radical
Nas formas em que a vogal temática não é suprimida, ou seja, nas 2ª e 3ª pessoas do singular e na 3ª do plural do Presente do Indicativo, as vogais acentuadas do radical são todas baixas nas três conjugações:
4.1. Formas com vogal baixa
l[ɛ́]vas m[ɔ́]ras d[ɛ́]ves m[ɔ́]ves f[ɛ́]res d[ɔ́]rmes
l[ɛ́]va m[ɔ́]ra d[ɛ́]ve m[ɔ́]ve f[ɛ́]re d[ɔ́]rme
l[ɛ́]vam m[ɔ́]ram d[ɛ́]vem m[ɔ́]vem f[ɛ́]rem d[ɔ́]rmem
A proposta de explicação da ocorrência destas vogais baixas é a seguinte: elas são o resultado de um processo de abaixamento que atua sobre as vogais do radical nas formas em que a vogal temática não foi suprimida.
Se lembrarmos agora que a primeira pessoa do singular tem no nível fonético uma vogal com a altura da temática, verificamos que essa vogal muda conforme as conjugações (ver 4.2.). Mas as vogais das outras formas verbais (as segunda e terceira do singular e terceira do plural) que receberam a aplicação da regra de abaixamento são todas baixas, alternando assim com a primeira pessoa do singular nas 2ª e 3ª conjugações. (ver mais uma vez 4.2.).
4.2. Formas com aplicação da regra de abaixamento
l[ɛ́]vo m[ɔ́]ro d[é]vo m[ó]vo f[í]ro d[ú]rmo
l[ɛ́]vas m[ɔ́]ras d[ɛ́]ves m[ɔ́]ves f[ɛ́]res d[ɔ́]rmes
l[ɛ́]va m[ɔ́]ra d[ɛ́]ve m[ɔ́]ve f[ɛ́]re d[ɔ́]rme
l[ɛ́]vam m[ɔ́]ram d[ɛ́]vem m[ɔ́]vem f[ɛ́]rem d[ɔ́]rmem
Encontra-se assim, neste conjunto de formas, uma outra alternância de altura das vogais, resultante de um processo específico de abaixamento. Esta alternância não se verifica na comparação entre as três conjugações (como no caso da harmonização vocálica) mas constata-se entre as formas de cada um dos verbos das segunda e terceira conjugações como vemos em 4.2.
Resumindo: a harmonização vocálica dos verbos em português é um processo de assimilação da altura da vogal temática pela vogal do radical. Essa assimilação segue-se à supressão da vogal temática que deixa o seu nó de altura como um segmento flutuante que se projeta sobre a vogal do radical. Todo este processo precede a aplicação do acento de palavra. O abaixamento das vogais do radical nas formas em que a vogal temática não foi suprimida é um processo diferente da harmonização que atua quando o acento já está aplicado.
Tendo presente (i) que a diferença entre dois tipos de vogais médias que funcionam na distinção entre formas verbais nos verbos do português, e (ii) que outras línguas podem não apresentar este tipo de oposições distintivas, deve integrar-se a explicitação deste problema no ensino do português como língua estrangeira ou língua segunda. A relação entre a abertura das diferentes vogais do radical e as respetivas vogais temáticas é uma questão que merece atenção mesmo no âmbito do ensino da língua como materna.
5. Ainda as vogais tónicas
A referência a ‘representações lexicais’ não é exclusiva do aparelho teórico da fonologia generativa. O léxico faz parte do conhecimento da língua que possuem os falantes, e, nesta perspetiva, é no léxico que estão inscritas as alternâncias de altura das vogais que criam oposições distintivas entre nomes – como os exemplos dados em (2.) de bola [bólɐ]/[bɔ́lɐ], com a mesma ortografia mas com diferentes vogais na língua oral, ou entre um nome e uma forma verbal como selo [sélu]N,/[sɛ́lu]V [9]. Ao referir as representações lexicais não posso deixar de pôr em relevo a importância do conhecimento do léxico para o ensino da língua materna ou estrangeira. As representações lexicais dos radicais que fazem parte do léxico e dos outros elementos que fazem parte da constituição interna das palavras permitem que se compreendam as formas de superfície sobre as quais já se aplicaram processos fonológicos e morfológicos. O ensino na aprendizagem de uma língua terá de ter em conta características deste tipo obtidas quer por memorização dos aprendentes, quer porque o professor conhece e está consciente dos processos da língua que a caracterizam e podem determinar variedades diferentes.[10]
Existem no entanto variações que não provocam oposições distintivas e que devem ser consideradas no ensino da língua. Algumas decorrem do contexto em que as vogais estão inseridas. Por exemplo, as vogais seguidas de consoante nasal não são produzidas como baixas nas normas padrão do PE e do PB (antes de /m/ ou /n/ a vogal tónica nunca pode pronunciar-se como baixa, mas torna-se média como [ɐ] em cama [kɐ́̃mɐ], [o] em sono, [sónu] ou [soɲu])[11].
A variação não distintiva pode resultar de outros fatores como a proximidade acústica entre segmentos. Exemplos desta variação que não interfere no significado encontram-se por comparação entre diferentes estádios da língua, como as vogais baixas e médias representadas pelas letras <e> e <o> que, no português antigo, tinham uma distribuição diferente do português atual, ocorrendo em poesias da época rimas entre eterno, governo e inverno, entre despreza e alteza, ou entre senhora e embora.[12] Também esta variação das vogais médias está presente nos dialetos atuais do português europeu e brasileiro, provocando a pronúncia variável de palavras como dezoito [dɨzójtu]/[dɨzɔ́jtu] em PE e [dizójtu]/[dizɔ́jtu] em PB. A comparação entre dialetos e socioletos evidencia tipos de variação da vogal acentuada que não se restringem ao traço de altura, mas podem abranger outros traços distintivos como, por exemplo, o ponto de articulação. Em dialetos do PE existem exemplos de vogais recuadas e não palatais como /u/ e /o/ pronunciadas com palatalização (uva, [ü]va; pouco, p[ö]co; boi, b[ö]i). No ensino da língua este tipo de variação não deve ser considerado um erro porque decorre do contexto dialetal ou social em que o aprendente está integrado.
6. Comportamento das vogais em sílaba átona
Uma das diferenças claras e evidentes no nível oral quando contrastamos o português europeu e o brasileiro situa-se na área das sílabas não acentuadas (átonas). Não pode analisar-se esta diferença se nos restringirmos às vogais que integram essas sílabas mas temos de considerar a ‘sílaba’ como um constituinte prosódico da língua cuja segmentação é cognitivamente mais simples do que a segmentação em elementos fonológicos isolados. Compare-se a divisão de palavra em sílabas ou em segmentos fonéticos: tanto uma pessoa não alfabetizada como uma criança em idade pré escolar podem com facilidade dividir em “pedaços” o exemplo (pa-la-vra) mas será mais difícil distinguir todos os segmentos fonológicos que o constituem ([p]-[ɐ]-[l]-[a] [v]-[ɾ]-[ɐ])[13]. Contudo, essa diferença não é das mais notórias. Para analisar as reais distinções, devemos ter presente a estrutura interna da sílaba.
6.1. Estrutura da sílaba
Quando consideramos as palavras é, pá, par, constituídas por uma sílaba, verificamos que em todas elas está presente a vogal [a], ela é o núcleo da Rima. A consoante que a precede em pá e em par é o Ataque; a final de par é a Coda. Da unidade silábica dependem o ataque e a rima, e desta dependem o núcleo e a coda. A estrutura da sílaba está portanto organizada hierarquicamente como se representa adiante nas sílabas da palavra pares (o sinal convencional de sílaba é [σ]; [ʀ] indica a rima, [cod], a coda).
6.1.1. O Ataque e os núcleos vazios
Todas as consoantes isoladamente podem ser ataque de sílabas. Contudo, uma sequência de duas consoantes está sujeita a restrições, a principal é o princípio de sonoridade definido como segue:
Princípio de Sonoridade
A sonoridade dos segmentos que constituem a sílaba aumenta a partir do início até ao núcleo e diminui desde o núcleo até ao fim[14]
Assim, os ataques formados por uma oclusiva seguida de uma fricativa (por exemplo, [ps]) infringem o princípio de sonoridade, aliás sujeito também à condição de dissimilaridade que restringe a formação de ataques em que as duas consoantes seguidas não mantenham entre si uma certa distância de sonoridade (por exemplo, [bl] é possível mas [vl] é desaconselhável). Os princípios e as restrições têm consequências diversas sobretudo a nível da oralidade e são um dos fatores mais influentes na diferença entre as duas variedades da língua.
Em português europeu muitas sequências em ataque de sílaba violam o princípio de sonoridade como as incluídas nas seguintes palavras:
[pt] - captar [gn] - gnomo
[bt] - obter [bs] - absurdo [pn]- pneu
[bd] - abdómen [dv] - advertir [tm] - ritmo
[dk[ - adquirir [dm] - admirar [tn] - étnico
As sequências destes exemplos infringem o princípio da sonoridade e em certos casos a condição de dissimilaridade[15]. Estas violações verificam-se no nível fonético (ou nível oral), mas não se verificam no nível fonológico. Neste nível pode pôr-se a hipótese de que as duas consoantes constituem o ataque e a coda de uma sílaba, e entre elas se integra um núcleo vazio. Em (i) e (ii) estão argumentos que sustentam esta hipótese:
(i) Ao pronunciar pausadamente uma palavra que integre uma sequência de consoantes não aceitável pelo princípio da sonoridade, é frequente, na língua oral, inserir-se uma vogal entre essas consoantes. No PE a vogal inserida é [ɨ][16]. Esta inserção ocorre em produções infantis, como por exemplo em *afeta [áfɨtɐ] ou *pacto [pákɨtu] mas também pode ocorrer em produções de falantes adultos se lhes for pedida uma divisão silábica. No PB a vogal inserida é [i], uma inserção que ocorre com muita frequência como em psicologia [pi-sikoloZíɐ], absurdo [abi-súɾ-du], captar [kapi-táɾ]
(ii) Quando se faz uma translineação (divisão gráfica de uma palavra), é comum haver hesitação na separação das letras que correspondem a uma sequência de consoantes inaceitável A hesitação pode provir da interpretação de palavras como admirar ou advertir entendidas como tendo um prefixo /ad/ (ad-mirar e ad-vertir) que explica a ‘etimologia’ e permite a interpretação da consoante [d] como a coda da primeira sílaba[17]. Também se podem aceitar separações silábicas como a-dmirar em que a consoante [d], a primeira da sequência [dm], passa a fazer parte do ataque da segunda sílaba. Se [dm] fosse um grupo admissível (p. ex. [dɾ]), o falante não separava as duas consoantes e sabia que ambas pertenciam ao ataque da sílaba. Mas na análise que estou a desenvolver as sequências como [dm] são inaceitáveis e, portanto, o falante teria que recorrer à hipótese do núcleo vazio. Neste último caso considera-se que as duas consoantes pertencem a duas sílabas e entre elas existe um núcleo vazio
Como se verifica, há estratégias diferentes nas duas variedades do português para impedir sequências de consoantes não aceitáveis na língua oral: PE introduz [ɨ] e PB [i]. Estas vogais, que preenchem núcleos vazios de acordo com a hipótese apresentada no tratamento da divisão silábica, também ocorrem em outros contextos (em sílaba final quando a consoante em coda não é [l] ou [ɾ] como sebe [sɛ́bɨ] / [sɛ́bi]; em sílaba inicial grafada como <es>- espaço, estar, escuta PE [ɨʃ] / PB[iʃ]).
6.1.2. Outros contrastes em sílaba átona entre PE e PB
A diferença entre as vogais em sílaba átona é um dos fatores de distinção nas variedades do português PE e PB. Se compararmos, nos mesmos exemplos, as vogais das sílabas tónicas (a) com as correspondentes em sílabas pré tónicas (b), pós tónicas não finais (c) e finais (d)[18], vemos que o comportamento das átonas não é idêntico nas duas variedades.
6.1.2.1. Exemplos de tónicas e correspondentes átonas
[22]
[23]
Em (iii)-(vii) estão resumidas as constatações decorrentes da observação dos exemplos apresentados:
(iii) Os exemplos de (a) mostram que todas as vogais fonológicas podem integrar sílabas tónicas tanto em PE como em PB.
(iv) Os exemplos de (b) mostram que as vogais /i/ e /u/ se realizam em sílaba átona como as tónicas correspondentes, tanto em PE como em PB.
(v) Ainda nos exemplos de (b), a realização das vogais médias /e/ e /ɛ/ constitui uma das maiores diferenças entre as duas variedades: realizam-se como [ɨ] em PE – o que significa uma alteração nos traços de ponto de articulação e de altura dessas vogais, que passam a [+recuadas] e também a [+altas] – e em PB mantêm-se com os mesmos traços das tónicas[24].
(vi) As vogais médias /o/ e /ɔ/ realizam-se em PE como [+altas] e não mostram alteração em PB. A vogal /a/ na sílaba átona passa a [ɐ], [-baixa], em PE e não altera em PB[25].
(vii) Os exemplos de (c) e (d) mostram mais uma vez que no PE e no PB, em sílaba átona pós-tónica, as vogais /i/ e /u/ não alteram. As vogais médias [-recuadas], [e] e [ɛ], reduzem--se a [ɨ] no PE e a [i] no PB; as [+recuadas], [o] e [ɔ], convergem em [u] em ambas as variedades. A vogal [ɐ] parece ocorrer nas duas variedades em final absoluto.
As alterações do vocalismo átono no PE e no PB estão representadas nos Quadros III e IV. As setas que apontam para as realizações fonéticas das átonas podem ser entendidas, num outro tipo de formalização, como regras gerais do vocalismo átono. O Quadro III diz respeito ao PE e o Quadro IV, ao PB. Estes quadros, que foram construídos a partir dos exemplos de 6.1.2.1., mostram de forma evidente, quando comparados entre si, a diferença de realização entre as vogais átonas nas duas variedades.
Vejamos ainda um outro comportamento das vogais átonas em PE que caracteriza a produção oral desta variedade: a subida das vogais representada no Quadro III tem como consequência o seu frequente desaparecimento (ou a sua supressão) na língua oral, nomeadamente da vogal [ɨ] que ocorre entre consoantes ou em fim de palavra depois de consoante[26] (p.ex. meter [mtéɾ], despegar [dʃpgáɾ], bate [bát], toque [tɔ́k], desprestigiar [dʃpɾʃtiʒiáɾ]). Nestas palavras e em outras semelhantes encontramos no nível fonético a sequências de duas consoantes, de três, de quatro e até cinco consoantes seguidas o que torna muitas vezes a perceção das frases difícil mesmo para os falantes de PB. É importante que na aquisição da língua materna e na aprendizagem do português como língua segunda ou estrangeira o ensino tenha em conta as diferenças aqui analisadas porque elas são centrais na comunicação entre falantes sobretudo quando se trata da mesma língua.
Finalmente, numa perspetiva de ensino é indispensável que o aprendente da variedade PE tome consciência das exceções às regras gerais até aqui referidas. Em 6.1.2.2. estão incluídos exemplos dessas exceções.
6.1.2.2. Exemplos de exceções às regras do vocalismo átono em PE
(a) Sílabas terminadas por [l] e sílabas com ditongo em núcleo de sílaba
salto [á] saltar [a]
mal [á] maldade [a]
relva [έ] relvado [έ]
belo [έ] beldade [ɛ]
incrível ´[ɛ]
golpe [ɔ́] golpear [ɔ]
volta [ɔ́] voltar [ɔ]
solta [ó] soltar [o]
volvo [ó] volver [o]
soldo [ó] soldado [o]
bairro [áj] bairrista [aj]
gaita [áj] gaitinha [aj]
loira [ój] aloirada [oj]
boi [ój] boiada [oj]
causa [áw] causar [aw]
Nos exemplos de (a) as vogais átonas não se elevam e também não são suprimidas – ou seja, não estão sujeitas à regra gera do PE – por integrarem sílabas com [l] em coda ou por fazerem parte de um núcleo com ditongo, portanto, em consequência do contexto silábico a que pertencem.
(b) Exceções não analisáveis por aplicação de regras
Existem outras excepções ao comportamento regular das vogais átonas em PE que estão exemplificadas em (b). A realização das vogais átonas nestas palavras obriga a uma memorização por parte dos aprendentes de português, visto não estarem sujeitas às regras gerais de aplicação em sílaba átona. Vejam-se exemplos.
invasor [a]
relator [a]
redacção [a]
protector [ɛ]
absorver [ɔ]
adoptar [ɔ]
pregar [ɐ][27]
corar [ɔ]
aquecer [ɛ]
Termino salientando a importância do estudo das variantes de uma língua de modo a que se perceba e se aceite a especificidade das variedades a par dos aspetos comuns. Num mundo globalizado em diversas áreas vivenciais, existem forçosamente línguas que são pontes entre comunidades, línguas que são portadoras de força económica e empresarial. Mas a seu lado permanecem as línguas identificadoras de uma comunidade que são um suporte e um enriquecimento da sua história e da sua cultura.
A língua portuguesa é uma língua “pelo mundo em pedaços repartida”, é utilizada no quotidiano por muitos milhões de pessoas e distribui-se por um espaço imenso. É natural, portanto, que a sua variação seja notória e que o estudo dessa variação se torne a atrativo e estimulante. Porém o facto de, como linguistas, investigarmos a diversidade que qualquer língua apresenta não justifica a perspetiva de criação de novas línguas por divisão das existentes. Pelo contrário, o estudo e o consequente ensino das variantes de uma língua são parte importante da sua riqueza e do fortalecimento da sua identidade.
Referências Bibliográficas
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Mira Mateus, Maria Helena, Isabel Falé e Maria João Freitas. 2005. Fonética e Fonologia do Português, Lisboa, Universidade Aberta.
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[1]Agradeço aos meus colegas Celeste Rodrigues e Fernando Martins a ajuda que me deram não só lendo com atenção o texto mas, também, resolvendo questões de compatibilidade dos símbolos fonéticos utilizados.
[2] Note-se que nestes exemplos as vogais médias que formam pares mínimos têm a mesma ortografia, o que constitui uma das dificuldades sentida na aprendizagem do português como língua estrangeira, sobretudo pelo facto de, ao aprenderem simultaneamente a escrita e a oralidade, não ser clara a distinção das diferentes alturas dessas vogais médias. A oposição entre fila e fula é muito mais evidente. Na transcrição fonética dos exemplos que apresento de (1.) a (5.) as vogais átonas seguem a pronúncia do português europeu. A variação das átonas entre as duas variedades do português será discutida adiante, a partir de 6.
[3] No castelhano, por exemplo, a variação entre médias com o mesmo ponto de articulação ([e/ɛ] ou [o/ɔ] não altera o significado do par de palavras.
[4] A vogal [a] é considerada tradicionalmente central, embora seja também identificada como [+recuada] por oposição às [–recuadas] como [i], [e] e ]ɛ].
[5] Os exemplos dados por Williams são de verbos com ĕ o que justifica que apenas procure uma explicação para a primeira pessoa, já que as restantes seriam, naturalmente, abertas.
[6] Ver Kiparsky (1968:192 e ss.) sobre a relação entre analogia e simplificação.
[7] Como disse, as formas do Imperativo afirmativo e negativo identificam-se com as dos Presentes.
[8] A segunda pessoa do plural (fazeis, bateis etc.) muito pouco utilizada nas duas variedades do português não está incluída nestes dados.
[9] Embora a vogal baixa se possa explicar por harmonização vocálica como se diz em 4.
[10] A oposição que se dá num par mínimo em que as vogais são distintas também na ortografia - por exemplo, fala/fila [fálɐ]/[fílɐ] ou murro/morro [múʀu]/[móʀu] torna-se mais fácil de apreender.
[11] Vogais baixas seguidas de consoante nasal ou vogais baixas nasalizadas caracterizam dialetos não-padrão.
[12] Ver, por exemplo, Mateus e Nascimento (2005).
[13] Na variedade brasileira o primeiro [a] é mais audível do que o [ɐ] europeu.
[14] A sonoridade intrínseca dos segmentos permite a elaboração de uma escala, aqui apresentada no sentido crescente. Escala de sonoridade: consoantes oclusivas (não-vozeadas, vozeadas) < fricativas (não-vozeadas, vozeadas) < nasais < líquidas (vibrantes, laterais) < glides < vogais (altas, médias, baixas). A definição atual de princípio de sonoridade está na base dos tradicionais ‘grupos próprios’ constituídos por oclusivas seguidas de líquidas, as únicas consideradas permitidas pela gramática tradicional das línguas românicas.
[15] A análise da sílaba em português europeu tem maior desenvolvimento em Mateus et al. (2003, Cap. 26).
[16] Esta vogal também pode ser representada por [ə]. A utilização de [ɨ] responde melhor à representação das características da vogal neutra do português europeu, de acordo com afirmações de foneticistas e dialectólogos.
[17] Já os étimos latinos de absurdo ou captar não permitem que a divisão evidencie a etimologia e portanto a translineação não pode recorrer a essa interpretação.
[18] Os exemplos de 6.1.2. não incluem vogais nasais
[19] Segundo Cunha e Cintra (1984: 38), “No português do Brasil, em posição átona não final, anulou-se a distinção entre [ɛ] e [e], tendo-se mantido apenas [e] e [i], na série das vogais anteriores ou palatais (que aqui denomino [-recuadas]); paralelamente, anulou-se a distinção entre [ɔ] e [o], com o que ficou reduzida a [o] e [u] a série das vogais posteriores ou velares (aqui denominadas [+recuadas])”.
[20]No dialeto padrão do PE as vogais fonológicas /e/ e /ɛ/ antes de consoante palatal realizam-se muitas vezes como [ɐ] (telha [tɐ́ʎɐ], fecho [fɐ́ʃu]) com alteração do traço [recuado] que passa de [-recuado] a [+recuado], mas em outros dialetos, e no interior de um mesmo dialeto, existe uma variação entre [ɐ], [e] e [ɛ] ([fɐ́ʃu] / [féʃu] / [fɛ́ʃu]) e mesmo uma ditongação da tónica ([fɐ́jʃu]).
[21]Algumas palavras com sufixos diminutivos e todas as que são formadas com sufixos iniciados por /z/ não mostram alteração nas vogais átonas pré-acentuadas (bolinha [bɔlíɲɐ], ferrinho [fɛʀíɲu], papelzinho [pɐpɛlzíɲu]). Existem também numerosas palavras que apresentam vogais abertas (baixas) em posição pré-tónica mas que não podem ser integradas numa regra porque estão marcadas no léxico da língua e têm portanto que ser memorizadas (esquecer [ʃkɛcéɾ), corar [kɔɾáɾ], direção [diɾɛsᾷw῀]).
[22]As vogais átonas pós-tónicas não finais incluídas em (c) não são determinadas a partir de contrastes como nos exemplos de (a) e (b) por seguirem as regras gerais do PE e d PB.
[23]A vogal [i] pode encontrar-se em PE em posição final, em algumas palavras importadas ou cultas como táxi [táksi] e júri [Zúɾi], sendo no entanto excecional esta ocorrência.
[24] É possível que frequentemente [e] e [ɛ] convirjam para [e], embora os dialetos baianos e alguns nordestinos mantenham (ou mesmo realizem) ambas as vogais [-recuadas] como [+baixas], [ɛ].
[25] A não ser em final absoluto
[26] Também a vogal [u] resultante da subida das vogais [o] e [ɔ] pode ser suprimida embora menos frequentemente do que [ɨ].
[27] As vogais nestes últimos exemplos resultam de uma crase, o que as impede de se elevarem e muito menos de serem suprimidas.