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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.30 no.1 Montevideo mayo 2014

 

Lingüística

Vol. 30-1, junio 2014: 165-196

ISSN 1132-0214 impresa

ISSN 2079-312X en línea

 

 

A gramática pela fábula. Ou: A fábula pela gramática

 

GRAMMAR BY THE FABLE. OR: THE FABLE BY GRAMMAR

 

 

 

 

 

 

 

 

MARÍA HELENA DE MOURA NEVES

Universidade Presbiteriana Mackenzie;

 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/ CNPq

mhmneves@uol.com.br

 

 

Com o propósito de análise da função de que se reveste a fábula, parte-se de sua conceituação, historicamente vinculada à arte retórica, à força didática e ao valor literário, para chegar a uma análise gramatical da estrutura narrativa em que o gênero se apresenta. Dentro do ponto de vista funcionalista que dirige o estudo, a função determina a estrutura, e, nessa linha, o estudo mostra a fábula resolvida em modos particulares de ativação de processos básicos de constituição do enunciado, como o estabelecimento das predicações e a criação da rede referencial de seus participantes. É determinante, já no ponto de partida, o acionamento discursivo de propriedades que, a serviço de fins em vista, configuram características linguísticas que definem a natureza específica da criação fabular.

 

Palavras-chave: fábula, gramática, funcionalismo

 

Keywords: fable, grammar, Functionalism

 

With the purpose of analyzing the function developed byt the fable, this paper begins with its definition, historically linked to the rhetorical art, the teaching force and the literary value, to reach a grammatical analysis of the narrative structure in which genre is presented. From the functionalist point of view, the function determines the structure, and, accordingly, this study shows the fable resolved in specific modes of activation of the utterance formation basic processes such as the establishment of predications and the creation of the referential network of its participants. Since the beginning, the discursive activation of properties is crucial, which, working toward specific goals, configure linguistic characteristics that define the specific nature of the fable.

 

 

(Recibido: 28/8/12; Aceptado: 5/3/14)

 

 

1. Introdução

 

Com foco na análise da função da fábula, parte-se de sua conceituação, historicamente vinculada à arte retórica, à força didática e ao valor literário, para chegar a uma análise gramatical (linguística e metalinguística) em que se verifica que essas diversas funções são servidas pela integração, na gramática, dos componentes sintático, semântico e pragmático.

 

 

2. A consideração histórica da “fábula”

 

Encontramos as primeiras considerações sobre a fábula na Retórica de Aristóteles (Aristote 1967), o que significa que, para ele, a fábula é um componente da “arte retórica”. Aristóteles coloca a fábula (lógos) entre as “provas persuasivas”, atribuindo-lhe a função de levar à descoberta dos modos de persuadir. Há discursos que demonstram por meio de exemplos convincentes, e, dentre eles, há os que o orador extrai de fatos do passado, e há os que nascem por criação do orador. A fábula fica a serviço daquele orador que não encontra fatos do passado disponíveis para compor o seu discurso de “exemplo”. O orador cria parábolas (provas construídas com base em fatos virtuais) e fábulas (narrativas de fatos apresentados como reais). Exemplos desta última categoria , na Retórica, são exatamente as fábulas de Esopo, dentre as quais se transcreve a seguir, como exemplo, a que Esopo contou no momento em que acusavam um demagogo de um crime capital:

 

Uma raposa, ao atravessar um rio, foi arrastada para um fosso. Impossibilitada de sair de lá, ficou durante muito tempo em má situação, com numerosos carrapatos agarrados a ela. Então um ouriço, que zanzava por ali, viu-a e perguntou, condoído, se ele podia livrá-la dos carrapatos, mas ela não permitiu. Como, então, ele interrogasse dela o porquê, ela disse: “Estes já estão saciados de mim e sugam pouco sangue, mas se você os retirar, virão outros, famintos, e vão beber o resto do meu sangue.” Pois bem. Também a vocês, homens de Samos, esse demagogo em nada mais vai prejudicar (pois está rico), mas, se o matarem, virão outros, pobres, que vão lhes roubar e dilapidar o restante dos bens.”

Ésope 1967: 1393 b[1]

 

Como se vê, Aristóteles (Aristote 1967) já documenta a fábula como um texto constituído de duas partes, uma narrativa e uma aplicação da narrativa à situação presente que está em discussão, numa linha argumentativa. Entre essas duas partes está a relação de semelhança que ele aponta como característica do exemplo. Do ponto de vista da organização linguística, já de início cabe observar,  na segunda parte dessa fábula, o elemento marcador de identidade também, um item comparativo que podemos apresentar como ilustrativo da nossa primeira lição gramatical da fábula, como um marcador da natureza do epimítio, entidade típica do gênero.

Muita água correu, a teoria da fábula se desenvolveu[2]. No no século XVIII, encontram-se cinco tratados de Lessing (1759). No século XIX, é de conhecimento e reconhecimento popular o papel dos irmãos Grimm, que, recolhendo diretamente da memória do povo antigas narrativas, dedicaram-se ao registro de fábulas infantis, no universo das ideias românticas. No século XX, a crítica da fábula se enriquece muito: com Chambry (1967), que fala em “lição moral”; com Perry (1975), que fala em “metáfora”; com Adrados (1948), que propõe a fábula como um gênero literário, e fala no acontecimento do passado como “protótipo”; com Nfjgaard (1964, apud Dezotti 1988: 24-25), para quem não existe o “gênero” fábula, a qual constitui, simplesmente, um “conjunto de contos animais e alegóricos”, entendendo-se, pois, que as personagens é que seriam alegóricas.

 

 

3. A fábula

 

Ao examinar a noção de fábula podemos vê-la do ponto de vista de sua estrutura (estrutura de texto narrativo) e do ponto de vista de sua função. Obviamente, dentro de um ponto de vista funcionalista, que é o que dirige este estudo, podemos dizer que é a função que determina a estrutura, e que, na base, já entram sintaxe, semântica e pragmática.

Bem a serviço da força pragmática da fábula estão as considerações de Suleiman (1977), que, do ponto de vista discursivo, opera eficientemente com o conceito de intertextualidade. Diz a obra que a fábula ultrapassa a noção de narrativa, porque nitidamente há um fim em vista, observação que nos carrega para a visão – teleológica – de Aristóteles, ao mesmo tempo que nos escancara a força do componente pragmático que propomos incorporar à gramática da fábula. Diz Suleiman que, na fábula, há uma forte relação entre o texto e o leitor: o leitor já tem uma noção – com certeza, uma forte noção – de como a obra tem de ser lida. A autora (podemos dizer que na esteira de Aristóteles) fala em um macroato de fala, o “exemplo”, que abrange “fábula” e “parábola”, para ela diferentes apenas pelo conteúdo. O “exemplo” tem uma força ilocutória, que é a de representar o ato de demonstração de uma verdade, e tem como efeito perlocutório persuadir alguém dessa verdade; mas, a partir daí, há outro efeito ilocutório, que é levar alguém a agir de determinado modo (injunção ou exortação), para seu próprio bem. Por aí, estamos falando de retórica, estamos falando de função discursiva, mas exatamente por isso estamos no território da gramática.

De Lima (1984) tomemos a lição sobre a estrutura da fábula. A fábula tem três enunciados: a história, a moral e o discurso metalinguístico: A moral geralmente traz algo que a fábula mostra / ensina, ou traz, simplesmente, uma mudança de tom. Na sua linha de análise semiótica, Lima diz que não é a sintaxe discursiva que caracteriza a fábula, é a semântica discursiva: há atores humanos e não humanos, e estes últimos, mesmo antropomorfizados, respondem por ações não humanas, enquanto aqueles, mesmo figurativizados, respondem por ações virtuais humanas (de um tipo humano) apresentadas no discurso moral. Veja-se, já, que, no discurso moral, o percurso narrativo atualizado por atores não humanos é retomado, em plano virtual, por atores humanos.

 

 

4. A gramática da fábula, em rápidas pinceladas

 

4.1. As fórmulas metalinguísticas da fábula (epimítios) e a coesão textual

Comecemos nossas reflexões sobre a gramática da fábula pelos epimítios (epí + mýthos), ou seja, pela “moral”, já indicando que a invocação de uma coesão textual para a visão do todo implica ver o epimítio como um texto extrapolado, e implica, pois, uma apreciação global que se faça em nível de intertextualidade. Nas fábulas chamadas “esópicas”, por exemplo, há sempre esse discurso metalinguístico que explicita a “moral”, sendo de notar que, entre as 348 existentes, apenas uma não traz epimítio. Sirvam para comentário as fábulas esópicas que vêm a seguir[3]:

 

A raposa e a cobra

 

Uma raposa avistou uma cobra adormecida e ficou com inveja de seu tamanho. Desejando igualar-se a ela, deitou-se ao seu lado e foi tentando esticar-se, até o ponto em que, excedendo-se, sem perceber rebentou-se.

 

Isto sofrem os que lutam contra os superiores; é que eles próprios se arrebentam antes que consigam atingi-los.

 

 

A raposa e a máscara

 

Uma raposa foi à casa de um ator e pôs-se a vasculhar um por um os seus figurinos, encontrando até uma cabeça de máscara moldada com talento. Então ele a segurou entre as mãos e disse: “Oh, que cabeça! mas não tem cérebro.”

 

A fábula Æ, para homens magníficos de corpo mas irracionais de alma.

 

 

O urso e a raposa

 

Um urso se vangloriava de ser amigo dos homens porque não comia corpos mortos. Então a raposa lhe disse: “Quem dera você estraçalhasse cadáveres e não gente viva.”

 

Esta fábula censura os ambiciosos que passam a vida no fingimento e na presunção.

 

 

A víbora e a raposa

 

Uma víbora descia rio abaixo, sobre um feixe de espinheiro. Então uma raposa que passava por ali avistou-a e disse: “Digno do navio, o piloto.”

 

Æ Para homem perverso que empreende tarefas penosas.

 

 

A raposa e o cacho de uvas

 

Uma raposa faminta, ao avistar cachos de uvas suspensos em uma videira, quis apoderar-se deles mas não conseguia. Então, afastando-se, disse para si mesma: “São uvas verdes.”

 

Assim, também certos homens que não conseguem realizar seus negócios por incapacidade, culpam as circunstâncias.

 

De fato, um tipo de discurso desses, acoplado a uma narrativa para cumprir uma função, naturalmente exibe expedientes de coesão, providos pelo funcionamento do sistema lexicogramatical da língua (Halliday e Hasan 1976, Halliday 1994). Verificam-se, por exemplo, no geral, como marcados nessas fábulas esópicas, expedientes gramaticais de referenciação, de junção e de elipse, acoplados aos expedientes de coesão lexical:

1) Referenciação. A referenciação demonstrativa, provida, em geral, pelo artigo definido acompanhando a categorização operada pelo item lexical, como em A fábula diz / ensina... ; ou provida pelo pronome demonstrativo, como em Isso... Ou a reveladora referenciação comparativa: Também...

2) Junção. Como em Portanto...; Assim...

3) Elipse. Um recurso sempre eficiente na criação da rede textual.

É de observar, também, nos epimítios, as indicações performativas, ou seja, aquelas que são um instrumento precioso do “teleológico”: a fábula mostra / censura / denuncia / ensina / é oportuna para / se aplica a...

Essas são características que fazem que, no todo, esses relatos / narrativas sejam “fábulas”, quer dizer, que sejam peças que levam à descoberta daquilo “que é próprio para persuadir”, ou seja, daqueles modos de persuadir que cada assunto comporta, dos quais fala a Retórica (Aristote 1967, 1355b, 25).

E é isso que não está presente no texto de Jô Soares que se apresenta a seguir, o qual vem exatamente sob a rubrica “Desfabulando”.

Ou seja, escolhemos, inicialmente, tratar do “fabular” pelo “desfabular[4]:

 

Desfabulando:

 

 

A raposa e as uvas

 

Passava certo dia uma raposa perto de uma videira. Apesar de normalmente nunca se alimentar de uvas, pois se trata de um animal carnívoro e não vegetariano — o que nos faz desconfiar um pouco da fábula original —, sua atenção foi chamada pela beleza dos cachos que reluziam ao sol. Fenômeno estranhíssimo, uma vez que, geralmente, para desespero dos ecolo­gistas, dos adeptos de alimentos naturais, toda fruta cultivada é revestida por uma fina camada protetora de inseticida e dificilmente pode refletir a luz solar com tal intensidade. Sendo curiosa e matreira como toda raposa matreira e curiosa, aproximou-se para melhor observar a videira. Os cachos estavam colocados muito acima de sua cabeça, e o animal (sem insulto) não teve oportunidade de prová-los, mas, sendo grande conhecedor de frutas, bastou-lhe um olhar para perceber que as uvas não estavam maduras.

 

"Estão verdes" — disse a raposa, deixando estupefatos dois coelhos que estavam ali perto e que nunca tinham visto uma raposa falar. Aliás, depois dos últimos acontecimentos envolvendo gravadores ocultos, as raposas andavam cada vez mais caladas. Na verdade, seu comentário foi ainda mais espantoso, uma vez que as uvas não eram do tipo moscatel, mas sim pequeninas e pretas, podendo facilmente serem confundidas, à primeira vista, com jabuticabas. Note-se por esse pequeno detalhe aparentemente sem importância o profundo conhecimento que a raposa tinha de uvas ao afirmar, com convicção, que, apesar de pretas, elas eram verdes. Dito isso, afastou-se daquele local e foi tentar mais uma vez comer o queijo do corvo, outra compulsão neurótica, pois sabemos perfeitamente que a raposa odeia queijo. Horas depois, passa em frente à mesma videira outra canis vulpes (nome sofisticado do mesmo bicho), mais alta do que a primeira. Sua cabeça alcança os cachos e ela os devora avidamente. No dia seguinte ao frutífero festim, o pobre bicho acorda com lancinantes dores estomacais. Seu veterinário, imediatamente convocado, diagnostica uma intoxicação provocada por farta ingestão de uvas verdes.

 

Moral: “Nem todas as raposas são despeitadas”.

                                                     Jô Soares[5]

           

O que se percebe é que, quanto à função fabular, o texto é absolutamente discrepante, mas nele há um núcleo central (marcado em itálico, na transcrição) que guarda exatamente a estrutura de fábula. Sem ele, Jô Soares não teria obtido o efeito de humor crítico que pretendia, mesmo porque isso prejudicaria a intertextualidade na qual se baseia a proposta do texto. É de lembrar, numa chã invocação das bases estruturalistas da análise linguística, que, para uma oposição ocorrer limpa e clara, é necessário manter-se um eixo de similaridade que, isolando um determinado ponto de diferença, torne as entidades rigorosamente comparáveis. Ora, aí fica preservado, como eixo de similaridade, o esqueleto estrutural da fábula, para que o leitor se sinta, de fato, lendo uma “fábula”, a qual, lá na rubrica, já se anuncia que foi “desfabulada” na sua função, e para que, a partir daí, o leitor possa incorporar pacificamente certas “ponderações” que escorrem pelas beiras da narrativa. Uma paródia faria isso, uma parábola faria isso, e uma fábula “desfabulada” faz isso.

Millôr também “desfabula” essa mesma fábula, e de certo modo declara isso quando a coloca sob a rubrica geral de “fábulas fabulosas” (Fernandes 1992: 13)[6]:

 

A raposa e as uvas

 

De repente a raposa, esfomeada e gulosa, fome de quatro dias e gula de todos os tempos, saiu do areal do deserto e caiu na sombra deliciosa do parreiral que descia por um precipício a perder de vista. Olhou e viu, além de tudo, à altura de um salto, cachos de uvas maravilhosos, uvas grandes, tentadoras. Armou o salto, retesou o corpo, saltou, o focinho passou a um palmo das uvas. Caiu, tentou de novo, não conseguiu. Descansou, encolheu mais o corpo, deu tudo que tinha, não conseguiu nem roçar as uvas gordas e redondas. Desistiu, dizendo entre dentes, com raiva: "Ah, também, não tem importância. Estão muito verdes." E foi descendo, com cuidado, quando viu à sua frente uma pedra enorme. Com esforço empurrou a pedra até o local em que estavam os cachos de uva, trepou na pedra, perigosamente, pois o terreno era irregular e havia o risco de despencar, esticou a pata e.. . conseguiu ! Com avidez colocou na boca quase o cacho inteiro. E cuspiu. Realmente as uvas estavam muito verdes !

 

Moral: A frustração é uma forma de julgamento tão boa como qualquer outra. 

 

Mas voltemos à fábula desfabulada de Jô Soares e vejamos agora uma expansão do núcleo nu que havia sido isolado, por uma marcação gráfica (itálico-negrito). Agora deixemos preservado um núcleo expandido da narrativa fabular, ou seja, a fábula já um tanto “desfabulada”, que, como já se observou, vem seguida de uma segunda narrativa, marginal em relação à fábula, e, por isso mesmo, a peça maior da “desfabulação[7]:

 

A raposa e as uvas

 

Passava certo dia uma raposa perto de uma videira. Apesar de normalmente nunca se alimentar de uvas, pois se trata de um animal carnívoro e não vegetariano — o que nos faz desconfiar um pouco da fábula original —, sua atenção foi chamada pela beleza dos cachos que reluziam ao sol. Fenômeno estranhíssimo, uma vez que, geralmente, para desespero dos ecolo­gistas, dos adeptos de alimentos naturais, toda fruta cultivada é revestida por uma fina camada protetora de inseticida e dificilmente pode refletir a luz solar com tal intensidade. Sendo curiosa e matreira como toda raposa matreira e curiosa, aproximou-se para melhor observar a videira. Os cachos estavam colocados muito acima de sua cabeça, e o animal (sem insulto) não teve oportunidade de prová-los, mas, sendo grande conhecedor de frutas, bastou-lhe um olhar para perceber que as uvas não estavam maduras.

 

"Estão verdes" — disse a raposa, deixando estupefatos dois coelhos que estavam ali perto e que nunca tinham visto uma raposa falar. Aliás, depois dos últimos acontecimentos envolvendo gravadores ocultos, as raposas andavam cada vez mais caladas. Na verdade, seu comentário foi ainda mais espantoso, uma vez que as uvas não eram do tipo moscatel, mas sim pequeninas e pretas, podendo facilmente serem confundidas, à primeira vista, com jabuticabas. Note-se por esse pequeno detalhe aparentemente sem importância o profundo conhecimento que a raposa tinha de uvas ao afirmar, com convicção, que, apesar de pretas, elas eram verdes. Dito isso, afastou-se daquele local e foi tentar mais uma vez comer o queijo do corvo, outra compulsão neurótica, pois sabemos perfeitamente que a raposa odeia queijo. Horas depois, passa em frente à mesma videira outra canis vulpes (nome sofisticado do mesmo bicho), mais alta do que a primeira. Sua cabeça alcança os cachos e ela os devora avidamente. No dia seguinte ao frutífero festim, o pobre bicho acorda com lancinantes dores estomacais. Seu veterinário, imediatamente convocado, diagnostica uma intoxicação provocada por farta ingestão de uvas verdes.

 

Moral: "Nem todas as raposas são despeitadas”.

 

Falemos, pois, de narrativa, não esquecendo que, como acaba de ser indicado, na verdade o texto comporta duas narrativas.

 

4.2. A narrativa e seu processo predicacional: tempo e aspecto, primeiro e segundo planos, relevo[8]

 

4.2.1. As predicações sob visão enunciativa

Falamos por predicações, podendo-se dizer que a predicação é o processo básico de constituição do enunciado, embora não se desconheça a existência de frases que não constituem predicações, e até de trechos de textos ou textos inteiros (não canônicos, convenhamos) que se constroem sem predicações. Sabemos, por exemplo, que a literatura está povoada de textos que abrigam, em posição nuclear, as tradicionalmente denominadas frases nominais, às vezes, até, apenas essas[9].

De qualquer forma, não há como negar que os textos canônicos – e, particularmente, as narrativas – constituem, na base, o acionamento de um conjunto de estruturas de predicado e um conjunto de termos – os quais, inseridos nos predicados, formam as predicações (Dik 1997), nas criações de “cenas”, que representam o “drama” da linguagem[10]. Lembre-se que as estruturas de predicado são os blocos de construção mais básicos, no nível morfossemântico de organização linguística, e que o conjunto de termos do predicado são as expressões que podem ser usadas para referência a unidades de um dado mundo, instituindo termos como “objetos de discurso”, no fazer do texto[11].

Os verbos tecem a rede de relações e processos que constrói o texto, a par de inserir essa rede nas coordenadas da enunciação. Isso significa que, para a investigação da significação das formas verbais, devem elas ser investigadas também na sua função de conjunção modo-temporal do enunciado. Qualquer forma verbal constitui a manifestação de um complexo categórico-lexical que, entre outras coisas, é o responsável pela ancoragem enunciativa – lembrando-se que só o verbo tem a categoria dêitica de tempo –, e que implica manifestações das diversas funções da linguagem (Halliday 1994): da função representativa (variáveis como duração e completamento); da função interpessoal (variáveis de funcionamento interacional como ordem, desejo, convite, apelo, hipótese etc.); da função textual (por exemplo, as relações dos momentos de referência inscritos nos diversos pontos do enunciado, como o momento da fala e o momento dos eventos).

Poder-se-ia dizer, com Apolônio Díscolo, no Da sintaxe I 51, III 24 (Schwytzer 1968), que a categoria de tempo é propriamente verbal, mas a categoria de modo e a de número pertencem às pessoas que tomam parte no ato marcado pelo verbo, não pertencem ao verbo, pois, como mostra Fiorin (1996), é a pessoa que domina o espaço e o tempo, e é a partir dela que tempo e espaço se sistematizam. E, digamos nós, a pessoa domina a interlocução, determinando não apenas o aqui e o agora (pelo estabelecimento da dimensão espacial e da dimensão temporal) como também determinando, a partir do ego, os papéis na interlocução, ou seja, no “drama” da linguagem (exatamente a partir do hic e do nunc determinados pelo ego que se institui no discurso).

Uma avaliação gramatical da conjunção dessas categorias representa, na verdade, dar conta da inserção pragmático-discursiva do texto, terreno em que podemos incursionar, em nossa análise, especialmente no sentido de buscar a criação de planos, determinante na organização temática, na distribuição da informação, na focalização, e, afinal, no próprio gênero da obra.

 

4.2.2. As predicações na fábula

É o que podemos ilustrar, vantajosamente, na estrutura narrativa da fábula. De fato, há uma noção de planos[12] que se aplica muito determinantemente à narrativa, resumindo-se – numa indicação bem geral – a um foreground, que representa a linha principal do episódio, da descrição, da comunicação, e um background, que representa porções de suporte do episódio, da descrição, da comunicação.  Grosso modo, há trechos que se evidenciam como primeiro plano da narrativa (o fazer na cena), especialmente pela ocorrência de formas verbais perfectivas, as quais contrastam com trechos de formas imperfectivas, que definem os segundos planos (o pôr em cena e o ver da cena), o que pode chegar a interessantes determinações sobre o fazer do texto.  

Obviamente não vamos até lá. Apenas se destacam aqui, em narrativas fabulares – e muito simplificadamente, como amostra –, as relações dos tempos verbais (a que se acoplam aspectos e modos) com o relevo (primeiro plano e segundo plano), com a atitude comunicativa (narrativa x comentário) e com o tempus / a perspectiva (prospectiva e retrospectiva) (Weinrich 1964)[13]. 

Voltemos, então, à nossa “fábula desfabulada” de Jô Soares, destacando, agora, por exemplo:

a) a formação de primeiros e segundos planos, ligados a determinações temporais;

b) a conferência de relevo a fases ou partes de fases do desenvolvimento temporal, reveladas pela marcação aspectual encaixada no tempo linguístico;

c) a definição modal dos atos de fala enunciados, conferida pelo modo verbal, também acoplado nas flexões (modo-)temporais;

d) afinal (mas não em último lugar em importância, pelo contrário), e evocando o “drama” da linguagem a que se refere o final da subseção anterior, a configuração das verdadeiras estruturas de “troca” que fazem a linguagem, os chamados moves / “movimentos” (Hengeveld 2003, 2005), que se podem entender como “ondas” que se “acomodam” na formação de um texto[14].

Retome-se a primeira parte do texto (que contém a fábula, realmente), ou seja, a que vai até o ponto em que a raposa, a respeito das uvas da videira sob a qual passava, conclui o seguinte: “Estão verdes”. As predicações, dentro dos trechos já assinalados (com destaques em negrito), podem ser analisadas como expansão do núcleo nu da narrativa, na transcrição agora retomada:

 

Passava certo dia uma raposa perto de uma videira. Apesar de normalmente nunca se alimentar de uvas, pois se trata de um animal carnívoro e não vegetariano sua atenção foi chamada pela beleza dos cachos que reluziam ao sol. Sendo curiosa e matreira como toda raposa matreira e curiosa, aproximou-se para melhor observar a videira. Os cachos estavam colocados muito acima de sua cabeça, e o animal não teve oportunidade de prová-los, mas bastou-lhe um olhar para perceber que as uvas não estavam maduras.

 

"Estão verdes" — disse a raposa, deixando estupefatos dois coelhos que estavam ali perto e que nunca tinham visto uma raposa falar.

 

Recupere-se o percurso[15]:

 

1) Passava certo dia uma raposa perto de uma videira.

Esse primeiro parágrafo no pretérito imperfeito, ocorrendo no início da peça discursiva, prepara a moldura, o cenário, o estado inicial em que se inserirá a narrativa de fatos. Trata-se de uma indicação dinâmica, porém não ainda escolhida como o evento que inaugura a narrativa: institui-se um segundo plano, que, ao mesmo tempo que forma fundo de cena, constitui um gatilho que dispara a dinâmica do texto.

 

2) sua atenção foi chamada pela beleza dos cachos.....

Agora começa a narrativa, propriamente, com esse primeiro evento, dinâmico e télico, posto em primeiro plano. O que se narra, entretanto, só tem relevância porque vem inserido no pano de fundo que se preparou no primeiro parágrafo. No background do primeiro parágrafo criara-se um cenário e nele se colocara a protagonista praticando determinada ação (passar pela videira), ligado à qual virá um processo (a sua experiência visual diante dos cachos de uva).

 

3) Os cachos estavam colocados muito acima de sua cabeça, e (....) não teve oportunidade de prová-los, mas (....) bastou-lhe um olhar para perceber .... [=percebeu]

Aí a narrativa progride – o primeiro plano avança – em pretérito perfeito.

 

4) "Estão verdes" disse a raposa

A narrativa novamente progride – o primeiro plano avança, para encerrar-se, em pretérito perfeito.

 

5) Desde o início da narrativa a partir daquele primeiro pretérito perfeito (sua atenção foi chamada, ou seja, “ela viu os cachos”), até esse ponto do texto, o segundo plano (visão não télica) volta em pinceladas, acoplado a cada avanço da narrativa (visão télica) para lhe dar suporte de pano de fundo:

 

5a) sua atenção foi chamada pela beleza dos cachos que reluziam ao sol.

 

5b) mas, sendo grande conhecedor de frutas [= como era grande conhecedor de frutas], bastou-lhe um olhar para perceber que as uvas não estavam maduras.

 

5c) "Estão verdes"disse a raposa, deixando estupefatos dois coelhos que estavam ali perto e que nunca tinham visto uma raposa falar.

 

6) Nesse ponto, a narrativa que reproduz a fábula esópica terminou. Seu primeiro plano (a série de eventos em cena) esgotou-se. E é agora, na sequência, que Jô Soares desfabula realmente, criando uma pós-narrativa que se despede da fabulação canônica: ele institui agora um relato que repete o mesmo jogo de criação de cenário (segundo plano, imperfectivo) para que nele se insira um novo primeiro plano, de outro significado em relação ao primeiro (o da fábula propriamente dita). E aí está, em pretérito perfeito, o arremate da desfabulação:

 

Aliás, depois dos últimos acontecimentos envolvendo gravadores ocultos, as raposas andavam cada vez mais caladas. Na verdade, seu comentário foi ainda mais espantoso, uma vez que as uvas não eram do tipo moscatel, mas sim pequeninas e pretas, podendo facilmente serem confundidas, à primeira vista, com jabuticabas. (....) [Note-se por esse pequeno detalhe aparentemente sem importância o profundo conhecimento que a raposa tinha de uvas ao afirmar, com convicção, que, apesar de pretas, elas eram verdes.] Dito isso, afastou-se daquele local e foi tentar mais uma vez comer o queijo do corvo (....) , outra compulsão neurótica, pois sabemos perfeitamente que a raposa odeia queijo.

 

7) Essa narrativa ainda não se encerra. Vem em seguida uma série de eventos em primeiro plano, mas Jô Soares os presentifica formalmente, usando o presente do indicativo transladado para tempo de primeiro plano:

 

Horas depois, passa em frente à mesma videira outra canis vulpes (nome sofisticado do mesmo bicho), mais alta do que a primeira]. Sua cabeça alcança os cachos e ela os devora avidamente. No dia seguinte ao frutífero festim, o pobre bicho acorda com lancinantes dores estomacais. Seu veterinário, imediatamente convocado, diagnostica uma intoxicação provocada por farta ingestão de uvas verdes.

 

Insista-se em que, no texto da “fábula desfabulada” de Jô Soares, está preservada uma natureza predominantemente narrativa, mas de um modo muito diferente daquele que ocorre nas fábulas canônicas. Retomando Lima (1984), estas abrigam, em geral, atores humanos e não humanos, e estes últimos, mesmo quando antropomorfizados, respondem (na narrativa) por ações não humanas enquanto aqueles, mesmo figurativizados, respondem (no discurso moral, que justamente retoma o percurso narrativo colocando-o no plano humano) por ações virtuais humanas.

A “desfabulação” do texto de Jô Soares está exatamente na entremeação de sequências dissertativas (de tipos predicacionais em geral diferentes também), cuja função é introduzir as reflexões humorísticas, marcadas pelo transporte à realidade do momento (de crítica social) que quebrarão o sentido da lição da fábula original, e, consequentemente, destruirão a sua função de “fábula”. E aí, mais uma vez, funciona a gramática, que organiza as relações modo-temporais e aspectuais que os tempos verbais instauram, juntamente com satélites adverbiais e com outras formas de expressão lexicogramaticais. Basta voltar ao texto para ver uma série de sequências que também representam um segundo plano na narrativa, mas agora para inserir um “discurso” na “história” (Benveniste 1970). Ou seja, para constituir comentários (Weinrich 1964), trazendo outro universo à história. Vejamos, pela ordem de ocorrência no texto:

 

- Da primeira narrativa – aquela que corresponde à história fabular –, lembrem-se:

 

1) Uma indicação sobre um fato apresentado (portanto linguística, não metalinguística): algo como “Trata-se de ...” / “É...”  [predicado de estado]:

 

Fenômeno estranhíssimo, uma vez que, geralmente, para desespero dos ecolo­gistas, dos adeptos de alimentos naturais, toda fruta cultivada é revestida por uma fina camada protetora de inseticida e dificilmente pode refletir a luz solar com tal intensidade.

 

2) Uma indicação sobre um fato apresentado (portanto linguística também), feita em um parêntese discursivo voltado para o interlocutor (Jubran 1999, 2006), que vale por algo como: “Tem de ser informado que...” / “Pense-se no fato de que...” Acrescente-se que a isso se liga, também, o papel do marcador “aliás”:

 

Aliás, depois dos últimos acontecimentos envolvendo gravadores ocultos, as raposas andavam cada vez mais caladas.

 

3) Uma indicação sobre o próprio texto, ou seja, sobre a linguagem (portanto, uma indicação metalinguística), especificamente sobre o segmento do texto que narra o fato de que as uvas não estavam maduras, estavam verdes. Acrescente-se que a isso se liga, também, o papel que tem a expressão seu comentário, e o papel que tem a chamada à atenção do leitor iniciada pelo Note-se...:

 

Na verdade seu comentário foi ainda mais espantoso, uma vez que as uvas não eram do tipo moscatel, mas sim pequeninas e pretas, podendo facilmente serem confundidas, à primeira vista, com jabuticabas. Note-se por esse pequeno detalhe aparentemente sem importância o profundo conhecimento que a raposa tinha de uvas ao afirmar, com convicção, que, apesar de pretas, elas eram verdes.

 

4) Três indicações expressas em sequência textual apositiva e/ou parentética (expedientes típicos de extrapolação do tópico em desenvolvimento):

 

4a) Passava certo dia uma raposa perto de uma videira. Apesar de normalmente nunca se alimentar de uvas, pois se trata de um animal carnívoro e não vegetariano — o que nos faz desconfiar um pouco da fábula original —, sua atenção foi chamada pela beleza dos cachos que reluziam ao sol.

 

4b) Os cachos estavam colocados muito acima de sua cabeça, e o animal (sem insulto) não teve oportunidade de prová-los, mas, sendo grande conhecedor de frutas, bastou-lhe um olhar para perceber que as uvas não estavam maduras.

 

4c) Horas depois, passa em frente à mesma videira outra canis vulpes (nome sofisticado do mesmo bicho), mais alta do que a primeira. Sua cabeça alcança os cachos e ela os devora avidamente.

 

Cabe voltar a comentar o epimítio, que é, de fato, outro mýthos, é outro texto. Deve-se acentuar que nessa segunda narrativa estão, da mesma maneira que na fábula canônica, atores não humanos que respondem por ações virtuais humanas, apresentadas no discurso moral. Entretanto – “desfabulando”, como o faz Jô Soares –, no discurso moral o percurso narrativo atualizado por atores não humanos não vem retomado explicitamente por atores humanos, embora o humorista mantenha, aí, em plano virtual, personagens humanas: na Moral desse texto não se fala em “homens”, mas em “raposas”, entretanto o que está aí são “homens que são raposas”, mesmo porque aí se conserva uma característica virtualmente humana, o despeito. Mantém-se, nesse particular, a indicação de Lima (1984), e, por aí, o clima “fabular”, compondo efeito de humor.

 

2º) Na segunda narrativa – na verdade uma parábola e não uma fábula – ainda se podem ver:

 

1) Uma indicação expressa em uma frase independente, de comentário (advertência), de  natureza parentética, novamente com foco no interlocutor:

 

Note-se por esse pequeno detalhe aparentemente sem importância o profundo conhecimento que a raposa tinha de uvas ao afirmar, com convicção, que, apesar de pretas, elas eram verdes.

 

2) Uma indicação expressa em sequência textual apositiva (de comentário):

 

foi tentar mais uma vez comer o queijo do corvo (....) , outra compulsão neurótica, pois sabemos perfeitamente que a raposa odeia queijo.

 

4.3. A narrativa e seu processo referencia: a criação e a manutenção dos objetos de discurso

Os eventos que se sucedem em primeiro e em segundo plano, entremeados dos comentários, centram-se, como indiquei, nas predicações. A partir do centro predicacional, no qual se atualizam as unidades semânticas presentes nos verbos (Chafe 1979), são solicitados participantes que venham povoar o texto, à medida que se forem instituindo como objetos do discurso, criando a rede referencial implicada nos eventos.

Chego por aí a um segundo processo básico de constituição dos enunciados, a referenciação, e, de um modo bastante genérico, insiro no gênero fábula esse processo de alta relevância gramatical, escolhendo falar, particularmente, do papel do artigo indefinido e do artigo definido nesse gênero.

Voltemos às fábulas esópicas. Assim se iniciava a primeira apresentada:

 

Uma raposa, ao atravessar um rio, foi arrastada para um fosso.

 

E assim começavam as outras cinco fábulas esópicas oferecidas:

 

Uma raposa faminta, ao avistar cachos de uvas suspensos em uma videira, quis apoderar-se deles mas não conseguia.

Uma raposa avistou uma cobra adormecida e ficou com inveja de seu tamanho.

Uma raposa foi à casa de um ator e pôs-se a vasculhar um por um os seus figurinos, encontrando até uma cabeça de máscara moldada com talento.

Um urso se vangloriava de ser amigo dos homens porque não comia corpos mortos.

Uma víbora descia rio abaixo, sobre um feixe de espinheiro.   

 

É também como se iniciam, canonicamente, estas fábulas de Monteiro Lobato[16]:

 

A rã e o boi

Tomavam sol à beira de um brejo uma rã e uma saracura. Nisto chegou um boi, que vinha para o bebedouro.

 

O rato e a rã

Estava um ratinho sem experiência da vida tomando fresco à beira da lagoa, quando surgiu à tona uma rã velhaca.

 

Em todas essas fábulas a introdução das personagens – tanto a primeira introdução como as demais – se faz com artigo indefinido formando sintagma com substantivo: uma raposa, um urso, um ratinho e uma rã, uma saracura, um boi. Claramente é o artigo indefinido que traz à existência essas personagens (Culioli 1975, 1999), que, na continuação do texto, como veremos, vão ser novamente referidas. Voltando-se agora a uma das fábulas de Monteiro Lobato citadas[17], podem servir de exemplo as retomadas:

 

- o ratinho (quatro vezes); o ingênuo; o mísero; (arrastá)-lo; (tirá)-lo; (n)ele.

- a (quatro vezes).

 

Entretanto, como se verá adiante, não por isso diremos que essa função anafórica esgota a definição funcional de um artigo definido. Aliás, também se verifica que são introduzidos por meio de artigo indefinido referentes que nunca são retomados na sequência da narrativa, servindo de exemplos, nessa fábula, uma embira, um gavião, uma árvore (além de uma flecha, que nem constitui elemento da narrativa, sendo mencionado apenas como recurso para fazer-se uma comparação).

Mais importante, ainda, é observar que não é necessário que um referente seja introduzido no discurso por meio de artigo indefinido. O próprio artigo definido pode fazer isso, o que é bastante comum em fábulas.

Nesta fábula esópica, a primeira personagem vem introduzida por artigo indefinido, mas a segunda vem com artigo definido, e o efeito aparece absolutamente idêntico, o que nos faz rever muito do que se vem dizendo sobre o modo de referenciação obtida pelos artigos:

 

O urso e a raposa

Um urso se vangloriava de ser amigo dos homens porque não comia corpos mortos. Então a raposa lhe disse:

 

Na fábula de Monteiro Lobato que vem a seguir ocorre o contrário: a primeira personagem vem introduzida por artigo definido, e a segunda vem com artigo indefinido (além de também entrar como referente secundário no discurso, introduzido com um artigo indefinido: o elemento um córrego):

 

O lobo e o cordeiro

Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.

 

E, afinal, no início desta fábula de Lobato, todas as introduções dos objetos de discurso são operadas por artigos definidos:

 

A cabra, o cabrito e o lobo

Antes de sair a pastar, a cabra, fechando a porta, disse ao cabritinho:

 

A partir daí, o que dizer sobre a gramática do artigo indefinido e do artigo definido como peças de expressão da referenciação no texto, mais especificamente numa narrativa, e mais especificamente numa fábula?[18]

Vamos partir de uma lição que adoto para o básico do uso referencial dos artigos indefinidos  [19] , a de que eles são geralmente usados quando não se quer individualizar, nem na situação nem no texto, a pessoa ou coisa a que se faz referência. Desse modo, o sintagma nominal com artigo indefinido geralmente apresenta / presentifica uma pessoa ou coisa simplesmente por referência à classe particular à qual ela pertence, ou seja, apresenta-a / presentifica-a como elemento de uma classe, sem individualizá-la.

É fácil aplicar essa interpretação às ocorrências das fábulas. Tomemos este início de fábula de Monteiro Lobato, já referido:

 

Tomavam sol à beira de um brejo uma rã e uma saracura. Nisto chegou um boi (....).

 

1) Tomavam sol (....)  uma rã e uma saracura.

(= um animal qualquer da classe das rãs)

(= um animal qualquer da classe das saracuras)

 

2)  uma raposa que passava por ali avistou-a e disse

(= um animal qualquer da classe das raposas)

 

3) à beira de um brejo

(= um lugar qualquer da classe dos brejos)

 

Ora, a partir daí, é fácil entender que o artigo indefinido seja muito usado para introduzir um referente que mais adiante é retomado no texto (anáfora) por um sintagma referencial que, aí sim, implique “identificação” do referente, operação que é típica do artigo definido[20].

Entretanto, acaba de ser mostrado que, frequentemente, as personagens da fábula já são instituídas como objetos de discurso por operação de artigos definidos, não apenas de artigos indefinidos. Ora, em que convergem, funcionalmente, esses dois operadores – ambos operando como determinantes / adjuntos em sintagmas nominais – que lhes permite constituir, basicamente, duas variantes construcionais num mesmo ponto de ocorrência?

Entra, aqui, a lição adotada por Neves (2011 e no prelo) como básica para o uso referencial dos artigos definidos, e o tipo de texto estudado é exemplar para ilustrar a natureza dessa classe. Em geral os artigos definidos são usados para individualizar os substantivos que determinam. De tal modo, se se trata de um singular, o objeto de discurso referenciado pelo artigo definido é reconhecido como único naquela situação, uma referenciação não genérica[21]. Numa indicação bem rasa, seria dizer que, nesse caso bastante geral, o artigo definido singular determina um substantivo comum particularizando um indivíduo dentre os demais indivíduos da espécie (o que implica identificação).

Retomemos adiante outro início de fábula de Lobato (ou seja, uma situação idêntica à que acabo de invocar para falar do artigo indefinido) e verifiquemos o papel do artigo definido na introdução de objetos de discurso:

 

Antes de sair a pastar, a cabra, fechando a porta, disse ao cabritinho:

 

- a cabra, fechando a porta, disse ao cabritinho

 

(= o animal da classe das cabras que se identifica como personagem

desta fábula)

(= o animal da classe dos cabritinhos que se identifica como personagem desta fábula)

(= o objeto da classe das portas que se identifica como referenciado

nesta fábula)

 

Assim, por via da operação de um artigo indefinido ou por via da operação de um artigo definido – portanto, por via de propriedades gramaticais bem diferentes das duas classes, o que terá consequências, pelo menos de estilo, no texto –, obtém-se um tipo de operação textual igualmente eficiente em inícios de narrativa, especificamente de fábulas. Ora, facilmente se vê qual a determinação discursiva de tal acionamento das propriedades categoriais desses elementos: ambos – em cada caso por ação de uma determinada propriedade – obtêm que o referente expresso pelo substantivo núcleo do sintagma (por exemplo, a personagem da fábula) se tome como representante da sua espécie, seja pela indicação de que se trata de um indivíduo qualquer daquela espécie (artigo indefinido) seja pela indicação de que se trata de um indivíduo particular daquela espécie  (artigo definido). De qualquer modo, esses dois determinantes estão absolutamente a serviço da fábula, que traz como personagens indivíduos particulares de uma espécie (geralmente animal), mas aquilo que cada indivíduo faz ou diz é representativo do modo como toda aquela espécie vive e se comporta.

Vejamos, afinal duas fábulas, a primeira de Lobato, canônica, e a segunda de Millôr (Fernandes 1973: 17), modernizada, mas que guarda os padrões estruturais desse tradicional gênero de composição. Nas duas, todos os objetos de discurso (personagens ou não) vêm introduzidos pelo artigo definido, elemento fórico que, nas lições tradicionais, não costuma ser lembrado nesse comportamento, sendo quase exclusivamente ligado à função de remissão anafórica (que, de fato, ele exerce, mas não exclusivamente):

 

A cabra, o cabrito e o lobo

 

Antes de sair a pastar, a cabra, fechando a porta, disse ao cabritinho:

– Cuidado, meu filho. O mundo anda cheio de perigos. Não abra a porta a ninguém antes de pedir a senha.

– E qual é a senha, mamãe?

A senha é: “Para os quintos do inferno o lobo e toda a sua raça maldita”.

– Decorou o cabritinho aquelas palavras e a cabra lá se foi, sossegada da vida.

Mas o lobo, que rondava por ali e ouvira a conversa, aproximou-se e bateu. E disfarçando a voz repetiu a senha.

O cabritinho correu a abrir, mas ao pôr a mão no ferrolho desconfiou. E pediu:

– Mostre-me a prata branca, faça o favor...

Pata branca era coisa que o lobo não tinha e portanto não podia mostrar. E, assim, de focinho comprido, desapontadíssimo, o lobo não teve remédio senão ir-se embora como veio – isto é, de papo vazio.

 

 

O gato e a barata

 

A baratinha velha subiu pelo pé do copo, que, ainda com um pouco de vinho, tinha sido largado a um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena distância que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha caiu dentro do copo. Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu-se mais, bebeu mais, tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que ria de sua aflição, do alto do copo.

 

─ Gatinho, meu gatinho – pediu ela – me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair daqui eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva.

─ Você deixa mesmo eu engolir você? –disse o gato.

─ Me saaalva! –implorou a baratinha. Eu prometo.

O gato então virou o copo com uma pata, o líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada.

─ Que é isso? – perguntou o gato. – Você não vai sair daí sem cumprir sua promessa? Você disse que deixaria eu comer você inteira.

─ Ah! Ah! Ah! – riu então a barata, sem poder se conter – E você é tão imbecil a ponto de acreditar na promessa de uma barata velha e bêbada?

 

Veja-se que, no caso dessa fábula, embora se trate de um determinado gato e de uma determinada barata (personagens singulares), terminamos a leitura reconhecendo toda uma configuração de como agem e vivem gatos e baratas. E embora haja na narrativa um determinado copo, uma determinada cozinha, um determinado líquido, um determinado buraco, uma determinada gargalhada, necessariamente singulares, identificáveis em cada ponto do desenrolar dos episódios, a definição se completa, propriamente, na identificação de todos esses elementos como representantes dessas categorias, na situação determinada em que se inserem.

Veja-se, pois, que esse criador consegue passear sobre o gênero “fábula”, extrapolá-lo, brincar com ele, sem deixar perder-se a mágica da narrativa fabular, ou, pelo contrário, inventando uma nova mágica que torna a fábula “fabulosa”.

 

 

5. Considerações finais

 

Tenho insistido no fato de que a reflexão que as manifestações do fazer da linguagem nos inspiram conduzem à consciência de que todos somos “gramáticos” – vista a gramática como o cálculo de produção de sentido pela linguagem –, mas os poetas mais que todos (Neves 2010: 57-72). É o poeta – seja em prosa seja em verso – que, como ninguém, tem a chave mágica da linguagem que escancara a plenitude das funções que os analistas dizem que a linguagem tem. Ao máximo, e com a maior naturalidade, ele aproveita todas as possibilidades de dizer que língua oferece – múltiplas, beirando o infinito – e por elas se permite governar os sentidos, distribuir os pesos, compor os efeitos, fazer ver os fins, organizando cada modo de enunciar como se fosse o único que naquela circunstância e naquele momento de vida seria possível e seria bom.

Por outro lado, o que se põe como “gramático”, sustentado pela posse dos procedimentos da gramática que ele aprendeu a acompanhar e a dominar, e consumido esforçadamente na teoria e no modo de operar, examina os textos, penetra os discursos, teoriza sobre os sentidos, fecha questões. Aí ele é capaz, por exemplo, de captar a gramática olhando o texto pelo seu fazer... mas nada mais que isso: é aí mesmo que ele vê que aquilo em que se compraz é nada mais que um exercício – encantador, mas sempre devedor de  mais. Aí ele vê, por exemplo, que é capaz de construir uma gramática pela poesia, mas não é capaz de fazer a poesia pela gramática, como o poeta, que dá conta de verso e reverso. Aí ele vê que o poeta é mais gramático do que ele.

 

 

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[1] Tradução oferecida em Dezotti (1988: 10), dissertação de mestrado orientada por esta autora.

[2] Para esse histórico, veja-se Dezotti (1988). O que está oferecido neste parágrafo é um resumo bem sucinto desse percurso histórico.

 

[3] Os textos vêm na tradução de Maria Celeste Consolin Dezotti, elaborada para sua dissertação de mestrado (Dezotti 1988). Na transcrição colocam-se, aqui, destaques: em itálico, para o epimítio, e em negrito (dentro do epimítio), para os elementos de referenciação ou de junção textual, e para a elipse (representada pelo sinal Æ)

[4] Na transcrição há destaques gráficos – tipo itálico, com ou sem negrito – que serão aproveitados nas discussões que vêm mais adiante. Já se adianta que o núcleo da fábula se restringe a esses trechos destacados em itálico, aqui recompostos: Passava certo dia uma raposa perto de uma videira. Sua atenção foi chamada pelos cachos. Os cachos estavam colocados muito acima de sua cabeça, e (ela) não teve oportunidade de prová-los. “Estão verdes” — disse a raposa. Na segunda parte do texto virá uma segunda narrativa, que sela a desfabulação.

[6] Novamente vem em itálico o núcleo da narrativa fabular: A raposa olhou e viu cachos de uvas. Saltou, não conseguiu. Desistiu, dizendo: Estão muito verdes.

[7] Agora vêm novos destaques gráficos – tipo itálico-negrito para o núcleo nu e tipo itálico para o núcleo expandido –, que adiante serão invocados na discussão. 

[8] Esta seção se vale do tratamento dado às predicações no capítulo “A construção das predicações” do livro Texto e gramática (Neves 2006: 35-74)

[9] São exemplos conhecidíssimos o poema “Faróis”, de Cruz e Sousa (1997) e o poema “Fidelidade”, de Cecília Meireles (1962: 59).

[10] Nessa referência, tanto podemos invocar Fillmore (1968, 1977) como Câmara (1959: 194, que se reporta a Gardiner 1932: 63)

[11] Nessa referência é oportuno invocar Mondada (1994, apud Marcuschi 2005): esses “são ‘objetos constitutivamente discursivos’, isto é, gerados na produção discursiva” (Marcuschi 2005: 93). Segundo Mondada (1994: 64, apud Marcushi 2005: 93), “é no e pelo discurso que eles são postos, delimitados, desenvolvidos, transformados”: eles não existem previamente, “ao contrário, emergem e se elaboram progressivamente na dinâmica discursiva”.

[12] A noção de planos tem sido aplicada mais especificamente à narrativa, mas, numa visão mais geral, o primeiro plano, ou foreground, representa a linha principal do episódio, da descrição, da comunicação, e o segundo plano, ou background, representa porções de suporte do episódio, da descrição, da comunicação (Chafe 1980, 1987, 1994).

 

[13] Observo que a proposta de Weinrich (1964) prescinde da noção de aspecto.

 

[14] Trata-se de um conceito proposto pela Gramática Funcional da Holanda, especialmente na sua elaboração de uma Gramática Funcional Discursiva. Recupero, aqui, apenas a indicação de que se trata das “unidades discursivas mínimas capazes de entrar numa estrutura de troca”, as quais abrigam os atos de fala, “as menores unidades identificáveis do comportamento comunicativo” (Hengeveld 2005).

[15] Vêm sublinhados os predicados (núcleos das predicações) tanto os de primeiro como os de segundo plano. Na subseção seguinte (4.3) os participantes das predicações é que estarão em questão.

[16] Todas as fábulas de Monteiro Lobato aqui apresentadas estão em Fábulas e história diversas (São Paulo, Brasiliense, 1952). 

[17] Lembre-se que, diferentemente do caso das fábulas esópicas, agora se trata de textos já originariamente escritos em português, não de tradução.

[18] Observe-se que aqui apenas se falou de introdução de referentes, não entrou em questão a manutenção dos referentes (Dik 1997), questão que só está sendo invocada para a indicação de que essa não é a função única do artigo definido, como muitas vezes se faz ver.

[19] Não se vai tratar, aqui, o uso não referencial dos artigos. Nesse tema, ver, para o português, Neves (2006: 122-140).

[20] Novamente se observa que não é foco deste estudo o mecanismo da anáfora. Nesse tema, ver, para o português, Marcuschi (1999); Koch (2002); Koch; Morato; Bentes (2005); Neves (2006: 86-122).

[21] Não se fala, aqui, de referentes vistos como realmente únicos, como o sol, o papa.

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