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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.29 no.1 Montevideo jun. 2013

 

Lingüística

Vol. 29-1, junio 2013: 11-36

ISSN 2079-312X en línea

ISSN 1132-0214 impresa

 

 

 

 IMPLEMENTAÇÃO DE A GENTE NAS FUNÇÕES DE ACUSATIVO, DATIVO E OBLÍQUO: REFLEXÕES, PROPOSTAS E PRIMEIROS RESULTADOS

 

THE IMPLEMENTATION OF A GENTE IN THE ACCUSATIVE, DATIVE AND OBLIQUE CASES: REFLEXIONS, PROPOSALS AND PRIMARY RESULTS

 

Juliana Barbosa de Segadas Vianna

Universidade Federal do Rio de Janeiro

CNPq, Brasil

julianabarbosasv@yahoo.com.br

 

Célia Regina dos Santos Lopes

Universidade Federal do Rio de Janeiro

CNPq, FAPERJ, Brasil

celiar.s.lopes@gmail.com

 

 

A substituição de nós por a gente na posição de sujeito pode ser considerada uma mudança em curso no português do Brasil. Neste estudo, propomos analisar como ocorre a variação nas demais funções sintáticas, como complemento de verbo e de nome. No primeiro caso, levamos em conta as seguintes funções: (i) acusativo; (ii) dativo; (iii) oblíquo complemento de verbo; e (iv) oblíquo adjunto de verbo. No segundo, observamos as relações de complementação e de adjunção ao nome em construções possessivas. Seguindo a orientação da Sociolinguística de base laboviana, a análise quantitativa parte de entrevistas feitas na cidade do Rio de Janeiro. Os resultados encontrados mostram que formas do paradigma de ‘a gente’ são mais frequentes no sintagma verbal, ao passo que, no interior do sintagma nominal, o uso das formas do paradigma de nós ainda se mantém produtivo.

 

Palavras-chave: Variação linguística. Pronomes pessoais. Acusativo. Dativo. Oblíquo.

 

Key-words: Linguistic variation. Personal pronouns. Accusative. Dative. Oblique.

 

The process of substituting nós for “a gente (we) in the position of the subject can be considered an ongoing process of change in Brazilian Portuguese. In this study, we intend to analyze how the variation occurs in other syntactic functions, as verb complement and noun complement. In the first case, we analyze namely: (i) accusative; (ii) dative; (iii) indirect verb complement; (iv) indirect verb adjunct. In the second, we propose to study possessive noun phrases as nominal complements and adjuncts. Following the orientation of Labovian sociolinguistics, the quantitative analysis was based on interviews conducted in the Rio de Janeiro city. The results show that the new pronoun “a gente is more frequent in clausal phrase, while the old pronoun “nós still remains productive in noun phrase.

 

 

(Recibido: 31/08/12; Aceptado: 23/11/12)

 

 

1.    INTRODUÇÃO

 

O processo de substituição de nós por a gente no português do Brasil (doravante PB) tem sido bastante estudado, por inúmeros grupos de pesquisa, quando a alternância de formas ocorre em função de sujeito – posição sintática mais produtiva à entrada da forma inovadora. Tais investigações focalizam diferentes regiões do Brasil, e seus resultados foram objeto de sínteses recentes nos trabalhos de Vianna (2011) e Vianna & Lopes (2012), que, por sua vez, tentaram determinar quais fatores eram recorrentemente apontados como caracterizadores do fenômeno no PB. Todavia, a investigação da alternância das formas nas demais funções sintáticas, diferentes da função de sujeito, ainda não encontra suficiente respaldo na bibliografia científica, salvo algumas exceções (Omena 1986, 1996; Ramos et al. 2009; entre outros).

Assim sendo, o presente trabalho pretende contribuir para a descrição do fenômeno em outras funções sintáticas, com o objetivo de desvendar o caminho através do qual a forma inovadora a gente gradativamente se espraia pelo quadro de pronomes do PB, ocupando os espaços da forma mais antiga. Nesse sentido, também buscamos apreender quais os contextos sintáticos de resistência do pronome primitivo nós, isto é, aqueles nos quais a entrada da forma a gente sofre maiores restrições à sua inserção no sistema.

Para tanto, é necessário a priori o estabelecimento de um critério eficiente para categorizar dados tão distintos do ponto de vista sintático. Não basta abrir uma gramática tradicional e reproduzir as mesmas categorias de classificação postuladas pela NGB, a despeito de todas as críticas que já foram feitas a elas (Perini 1985; Duarte 2011). É necessária a adoção de um critério que dê conta dos diferentes níveis hierárquicos em que as formas de referência à 1ª pessoa do plural disputam espaços, seja dentro do sintagma nominal, seja no sintagma verbal. A partir dessa discussão, a próxima seção pretende “separar o joio do trigo”, refletindo sobre a melhor maneira de categorizar dados tão diferentes entre si.

 

 

2.    SEPARANDO O JOIO DO TRIGO: COMO TRABALHAR ESTRUTURAS SINTÁTICAS TÃO DISTINTAS

 

Um dos maiores entraves à compreensão de como se constituem as orações em língua portuguesa é criado pela própria descrição tradicional, que, ao seguir orientação da NGB, distribui os termos da oração em três níveis (aparentemente distintos), a saber: termos essenciais, termos integrantes e termos acessórios.

De acordo com Duarte (2011), a tradicional classificação tripartida não contribui para uma visão das relações entre os constituintes da oração. Um grande equívoco é apresentar, como se fossem equivalentes, estruturas que se situam em diferentes níveis da hierarquia sintática. Por exemplo, os complementos verbais e nominais são considerados “termos integrantes”, e os adjuntos adverbiais e adnominais são tidos como “termos acessórios”. No entanto, não se menciona que tais categorias estão em níveis sintáticos totalmente distintos: enquanto os complementos verbais e adjuntos adverbiais estão articulados a um núcleo verbal, os complementos nominais e adjuntos adnominais articulam-se a um núcleo nominal. Além disso, a descrição tradicional também peca ao reunir no mesmo rótulo complementos verbais de estruturas bastante diferenciadas sob a terminologia generalizante de “objeto indireto”, embora Rocha Lima já apontasse isso há muito tempo, em sua “Gramática normativa da língua portuguesa”.

Tendo em vista essas críticas à classificação tradicional, optou-se por adotar a proposta discutida por Mateus et al. (2003), que foi utilizada para a categorização dos dados de nós e a gente em outras funções sintáticas (diferentes da função de sujeito).  Parte-se da análise dos predicadores (ou núcleos) da oração, no nível do sintagma verbal, e dos núcleos do sintagma nominal, quando se tem em vista o nível sintático do sintagma nominal. “Qual a estrutura que os predicadores projetam?” é a pergunta que guia tal categorização adotada. Comecemos pelos predicadores verbais.

Uma vez que o interesse era analisar a variação entre nós e a gente em funções sintáticas diferentes de sujeito, foram preferencialmente observadas as construções com (i) verbos ditansitivos – cujo esquema relacional pode ser representado por [SU  V  OD  OI][1] –, (ii) verbos transitivos de três lugares – de esquema relacional [SU  V  OD  OBLComp], (iii) verbos transitivos[2] – representados por [SU  V  OD] –, (iv) verbos de dois lugares com argumento interno objeto indireto – cujo esquema relacional é [SU  V  OI]; e, por fim, (v) verbos de dois lugares com argumento interno oblíquo, cujo esquema é representado por [SU  V  OBLComp]. Com base nessas subclasses de verbos plenos (ou principais), foi possível verificar a ocorrência de dados de nós (e suas variantes) e a gente estabelecendo diferentes relações gramaticais com o predicador verbal, a saber: objeto direto (OD), objeto indireto (OI) e oblíquo complemento (OBLComp)[3]. Os exemplos abaixo ilustram os tipos de ocorrência localizados na amostra, de acordo com as subclasses verbais:

 

(A) Verbos ditransitivos:

1 As Forças Armadas enviaram a convocação pra gente. (FS: OI ou Dativo)

2 Mamãe nos enviou às tias de Portugal. (FS: OD ou Acusativo)

 

(B)  Verbos transitivos de três lugares:

3 O carro oficial nos transportou à palestra de ontem. (FS: OD ou Acusativo)

4 Dona Zezé substituiu os antigos funcionários por nós. (FS: OBLComp)

 

(C)  Verbos transitivos:

5 A sogra da Maria adorou a gente. (FS: OD ou Acusativo)

 

(D) Verbos de dois lugares com argumento interno objeto indireto

6 O recesso do feriado não nos convém. (FS: OI ou Dativo)

 

(E)  Verbos de dois lugares com argumento interno oblíquo

7 O Rui nunca concorda com a gente. (FS: OBLComp)

 

Além das relações de complementação verificadas nas subclasses de verbos plenos, acima elencadas, também foi possível localizar dados em que as formas nós ou a gente estabeleciam relação de adjunção com um núcleo verbal, isto é, uma relação gramatical de oblíquo adjunto (OBLAdj), nos termos de Mateus et al. (2003). Nesses casos, como não se trata de uma relação de complementação a um núcleo verbal, tal ocorrência de nós e a gente poderia, em princípio, ocorrer com qualquer tipo de verbo. O exemplo abaixo ilustra tal tipo de ocorrência presente na amostra:

 

8 Meu avô viajou pra Europa com a gente. (FS: OBLAdj)

 

Além de assumir funções gramaticais no nível do sintagma verbal, foi possível verificar que, no interior de sintagmas nominais, as formas do paradigma de nós (e variantes) e de a gente também podiam co-ocorrer, disputando os mesmos espaços, quando articuladas a um núcleo nominal ou adjetival. É o que se observa no interior do sintagma nominal, em exemplos de construções possessivas como ‘nossa casa’/‘casa da gente’ ou ‘benefício de nós’/ ‘benefício nosso’/ ‘benefício da gente’. Todavia, mesmo no nível sintático relativo ao sintagma nominal possessivo, é necessário fazer a distinção entre dois tipos diferentes de relação que podem ser estabelecidas como o núcleo nominal: a relação de complementação e a relação de adjunção.

Na relação de complementação, o núcleo nominal projeta uma estrutura que pede um complemento possessivo, que pode ser expresso pelo sintagma preposicionado (da gente/ de nós) e/ou pela forma simples “nosso/nossa” (ou variantes no plural). É o que ocorre com muitos nomes deverbais como benefício, sustento, decepção, luta, demora, amparo, começo[4], etc, como se vê nos exemplos (9) e (10):

 

 9  Isso foi um prato cheio pra aumentar a decepção da gente/ de nós E/OU Isso foi um prato cheio pra aumentar a nossa decepção (FS: complementação do nome)

10    O imposto deveria ser revertido em benefício para nós/ para a gente E/OU O imposto deveria ser revertido em nosso benefício. (FS: complementação do nome)

 

Ampliando a proposta de Mateus et al. (2003), nesses casos, a relação estabelecida com o núcleo nominal é a de complemento, uma vez que os termos em itálico “da gente/de nós” e “para nós/para a gente” (e variantes) funcionam como argumentos do predicador nominal. Por outro lado, há casos em que o mesmo não ocorre, e a relação estabelecida com o núcleo nominal é de adjunção. O exemplo (11) ilustra esse tipo de relação:  

 

11    O nosso salário está cada dia melhor! E/OU O salário da gente (FS: adjunto do nome)

 

Para Mateus et al. (2003), os termos “nosso”/”da gente” estariam estabelecendo uma relação de adjunção ao núcleo nominal “salário”. Em outras palavras, não se trata de uma relação tão estreita quanto a de um argumento com seu núcleo nominal, ou seja, não é uma relação de complementação.

Partindo da proposta anteriormente explicitada, foram categorizados os dados de nós e a gente nas funções sintáticas de não-sujeito, como será melhor explicado nas seções a seguir.

 

 

3.    PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

 

Adotando os pressupostos teóricos da Sociolinguística quantitativa laboviana, utilizamos o programa computacional de regras variáveis, denominado Goldvarb 2001. De acordo com tal perspectiva, foram levantados dados de nós e a gente nas funções sintáticas diferentes de sujeito, a partir de duas amostras do Projeto Bilateral “Estudo comparado dos Padrões de Concordância em variedades africanas, brasileiras e europeias”, contando com um total de 36 entrevistas. Tal conjunto de dados é representativo da variedade brasileira do português, mais especificamente os Municípios do Rio de Janeiro e Nova Iguaçu (RJ) e encontra-se organizado com base em três dimensões de estratificação: sexo (homens e mulheres), faixa etária (de 18 a 35 anos, de 36 a 55 anos, e de 56 a 75 anos) e escolaridade (Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior).

 

 

4.    PRIMEIROS RESULTADOS

 

Com base na amostra descrita, foram levantados todos os dados de nós e a gente em funções sintáticas diferentes da função de sujeito. Localizaram-se um total de 216 dados, distribuídos entre seis tipos diferentes de relação gramatical, a saber: no nível oracional, acusativo, dativo, oblíquo complemento e oblíquo adjunto; e, no nível do sintagma nominal, construções possessivas[5] com função de complemento e construções possessivas com função de adjunto. Os exemplos de (A) a (F) ilustram todas as possibilidades de estruturas com as formas de nós ou com a gente encontradas na amostra. No nível oracional, localizaram-se as seguintes estruturas:

 

(A) Acusativo

12 “Apesar que foi muita muvuca ela só/ela tratou a gente super bem... (dado 1, Copa FA1)

13 “...eu acho que a imprensa ela tem uma grande parte em nos assustar...” (dado 135, Nova Iguaçu FA3)

 

(B)  Dativo

14 “...não tem jeito aí manda pra gente... que é lá no Melhado Advogados...” (dado 21, Copa MA3)

15 “...ele veio dar a chance a nós de sermos felizes...” (dado 48, Copa FC1)

 

(C) Oblíquo Complemento

16 “Ela tava falando lá com a gente...” (dado 2, Copa FA1)

17 “...e a pessoa que ía ficar conosco lá...falava português...então no caso: eh/eh alemão mesmo né...” (dado125, Nova Iguaçu FA3)

 

(D) Oblíquo Adjunto

18 “...minha mãe ia com a gente pra lá ou a gente ficava na casa da minha avó......” (dado 13, Copa MB3)

19 “e depois à noite tinha o jantar dos indianos pra nós...”(dado 69, Copa MC3)

 

No nível do sintagma nominal, por sua vez, foram localizadas as seguintes estruturas:

 

(E)  Construção possessiva de complementação

20 “...se a gente paga impostos é pra esse dinheiro ser revertido em benefícios pra gente mas... infelizmente as escolas não têm estado né no nível adequado...” (dado 3, Copa MA2)

 

 

(F)  Construção possessiva de adjunção

21 “O medo da gente... é você ser jogado num hospital público... o qual você não tenha médico...” (dado159, Nova Iguaçu MB1)

22 “Eu acho que os nossos políticos eles estão muito mal preparados...” (dado152, Nova Iguaçu MB1)

 

 

Partindo do percentual geral das formas de primeira pessoa do plural[6], opondo as formas relacionadas a nós[7] e a gente nos dois níveis sintáticos analisados, chegamos aos resultados da tabela 1:[8]

 

 

 

De acordo com a tabela 1, os resultados gerais parecem indicar que a porta de entrada do a gente pronominal no sistema ocorre em nível oracional (sintagma verbal), mesmo que não se leve em consideração a função de sujeito. Em tal nível sintático, a produtividade de a gente foi de 66%, enquanto as formas do paradigma de nós foram vistas em apenas 34% dos dados.

Quando se tem em vista a articulação das construções possessivas a núcleos nominais, o resultado é completamente outro: dentro do sintagma nominal, o pronome primitivo mantém seus domínios impedindo a entrada da forma inovadora. Nesse nível, verificaram-se apenas 10% de dados de a gente, contra superiores 90% de produtividade das formas do paradigma de nós (nosso/nossa).

Ainda é preciso observar em que relações gramaticais específicas a entrada da forma inovadora era mais fluida ou mais limitada. A tabela 2 ilustra o percentual das formas de nós e a gente para cada função sintática nos dois níveis controlados: o oracional (sintagma verbal) e o nível inferior à oração (sintagma nominal possessivo).

 

(OBL)[9]        

Conforme observamos na tabela 2, ficam nítidos quais os contextos sintáticos de complementação/adjunção mais produtivos para cada uma das formas variantes de 1ª pessoa do plural. Os resultados evidenciam que as formas relacionadas ao pronome primitivo nós (nesse caso, as formas possessivas nosso(s) e nossa(s)) se mantêm como estratégia preferencial no PB no nível interno ao sintagma nominal – mais especificamente em relações gramaticais de adjunção ao nome. Tal contexto sintático dificulta a entrada do pronome inovador a gente. Foram localizados 125 dados de formas de nós, em 139 ocorrências totais nesse nível sintático. Ou seja, dito de outra maneira, as formas de nós registraram 90% de produtividade quando articuladas a um núcleo nominal, o que demonstra que tal nível sintático ainda é refratário ao uso do pronome inovador.

Por outro lado, no nível oracional, a forma inovadora encontra sua porta de entrada no sistema do PB. Tendo em vista as funções sintáticas diferentes de sujeito, é possível observar que o acusativo é a relação sintática mais produtiva ao uso de a gente, respondendo com 25% do total de ocorrências localizadas na amostra em nível oracional (isto é, subordinadas a um núcleo verbal).  Interessante observar que, semelhantemente à relação de sujeito, o acusativo também não se faz introduzir por meio de preposição. Tal particularidade talvez explique a maior produtividade de a gente no acusativo, como será mais bem discutido na seção 4.3.

Nas seções que se seguem, serão discutidos separadamente os resultados da variação das formas de nós e a gente nos sintagmas nominas e verbais.

 

 

4.1. A VARIAÇÃO NO INTERIOR DOS SINTAGMAS NOMINAIS

 

À semelhança do que algumas pesquisas já apontavam (Omena 1986, 1996; Ramos et al 2009; entre outros), quando se observam as relações internas ao sintagma nominal, foi possível verificar a concentração de dados na função de adjunto do nome – função mais produtiva na língua do que a função de complemento –, havendo alta produtividade das formas de nós em tal relação gramatical (90%), como mencionado anteriormente. Esse é o contexto de maior resistência à entrada do pronome inovador a gente, uma vez que as formas do pronome primitivo nós ainda mantêm a preferência de uso: o subsistema dos possessivos. Os exemplos de (23) a (28) ilustram os dados encontrados na amostra:

 

23 “olha eu normalmente a nossa vida é voltada pro Senhor Jesus...” (dado 6, Copa MB2)

24 “de repente a gente... acha que não e o nosso vizinho deve tá surrando o filho dentro de casa...” (dado 25, Copa MA3)

25 “Então eu acho que a nossa responsabilidade como profissional da educação... é muito grande...” (dado 201, Nova Iguaçu FB3)

26 “... às vezes a própria sociedade discrimina nossos alunos...” (dado 205, Nova Iguaçu FB3)

27 “...um povo tão criativo como o nosso não precisa copiar programas imaginados em outros/ em outras cidades...” (dado 230, Nova Iguaçu MC3)

28 “... nós não temos um herói nacional... todos os nossos heróis foram inventados...” (dado 115, Nova Iguaçu MA3)

 

Observemos melhor a competição das formas de 1ª pessoa do plural, quando no interior dos sintagmas nominais. A tabela 3 demonstra as frequências das formas em cada relação gramatical.

 

 

A tabela 3 apresenta os resultados relativos ao sintagma nominal. Nesse caso, foi interessante perceber uma diferença de uso das formas variantes quando se confrontam os complementos e adjuntos no nível suboracional (sintagma nominal possessivo). No primeiro caso, de acordo com os números, o a gente foi categórico (100%) já que foi localizado apenas um dado de tal relação, e esta ocorreu com a forma pronominal inovadora.

 

 

29 “...se a gente paga impostos é pra esse dinheiro ser revertido em benefícios pra gente mas... infelizmente as escolas não têm estado né no nível adequado...” (dado 3, Copa MA2)

 

 

O dado em (29) ilustra como se estabelece a relação de complementação no sintagma nominal: a presença de um nome deverbal (conforme discutido na seção 2) projeta a estrutura de complementação. No exemplo acima, “pra gente” é argumento de “benefícios”. Nesse sentido, é interessante notar que, embora a relação entre termos ocorra no nível sintático interno ao sintagma nominal, há uma íntima associação com a estrutura oracional que é projetada pelos verbos do qual derivam tais nomes[10]. 

 

 

4.2. A VARIAÇÃO NO NÍVEL ORACIONAL

 

Com relação ao nível oracional, por sua vez, foi possível verificar maior abertura do sistema ao emprego generalizado da forma inovadora. Em tal nível sintático, a competição entre as formas de 1ª pessoa do plural torna-se mais acirrada, e o pronome inovador a gente ganha terreno, em índices percentuais semelhantes ao que se verifica quanto à posição de sujeito em algumas regiões do país (Seara 2000; Tamanine 2002; Zilles 2005, 2007; Maia 2003; Rocha 2009): 66% de frequência (como pode ser checado na tabela 1 e na soma dos percentuais de frequência da tabela 2)[11].

Vejamos a seguir quais relações gramaticais, no nível da oração, abrem maior espaço à entrada de a gente. A tabela 4 demonstra os percentuais das formas de nós e a gente, em cada uma das funções sintáticas controladas no sintagma verbal:

 

 

Em todas as relações gramaticais, verificou-se a superioridade dos dados de a gente, o que demonstra que a forma inovadora já está ocupando os espaços de nós no nível oracional de uma maneira geral, e não apenas na função de sujeito como é constatado em inúmeras pesquisas no PB (Vianna 2011; Vianna & Lopes 2012). No entanto, a entrada da forma inovadora nas relações gramaticais diferentes de sujeito acontece de maneira mais lenta. Analisemos cada função sintática separadamente. 

As funções sintáticas de acusativo, dativo e oblíquo adjunto apresentaram frequências bastante equivalentes para o emprego de a gente: 58%, 64% e 65%, respectivamente. Não obstante, é importante perceber que tais funções sintáticas tiveram produtividades diferenciadas na amostra (como evidenciado na tabela 2).

Dentre elas, a relação gramatical em que se obteve um maior número de dados de 1ª pessoa do plural foi a de acusativo, com um total de 33 estruturas: 19 dados de a gente (58%) e 14 ocorrências de formas de nos (42%). Por sua vez, a relação gramatical de oblíquo adjunto teve a segunda maior produtividade geral na amostra, localizaram-se 20 estruturas com formas variantes de 1ª pessoa do plural: 13 dados de a gente (65%) e 7 de formas de formas relacionadas a  nós (35%).

As relações gramaticais de dativo e de oblíquo complemento foram menos produtivas como era de se esperar, em função, talvez, da menor produtividade desse tipo de relação com um núcleo verbal.

Como dativo, foram localizadas apenas 11 ocorrências, havendo 7 dados de a gente (64%) e 4 dados de formas de nós (36%). A relação gramatical de oblíquo complemento, por fim, ainda que pouco produtiva na língua (localizaram-se apenas 13 ocorrências), parece ser a que mais propicia o uso de a gente, como se observa na tabela 4: de 13 ocorrências totais, localizaram-se 12 dados de a gente (92%) e apenas 1 dado de nós (8%).

Os exemplos abaixo ilustram as ocorrências de a gente encontradas em relação de oblíquo complemento com um núcleo verbal:

 

30 “...ela tava falando lá com a gente e era muita muvuca a gente não podia encostar... apesar que assim uma colega minha tocou na mão dela... ela apertou a mão assim...” (dado 2, Copa FA1)

 

31 “...eu falo “mas a preocupação que a gente fica por mais que a gente queira descansar que vocês falem com a gente... mas a gente tem uma preocupação”... e hoje em dia então uma coisa que vocês têm que facilita é o celular... liga só pra dizer tou bem tou aqui...” (dado 15, Copa MB3)

 

32 “... mesmo que não venha pra gente assim ... eu acho que a gente já tem bastante... a gente pode ter mais mas a gente já tem muito sabe?... e muita gente aqui reclama de barriga cheia né...” (dado 22, Copa MA3)

 

33 “...família...daí você vai...vendo como a sociedade...também coloca pra gente... (dado 123, Nova Iguaçu FA3)

 

34 “...ele apresentava falava com a gente... a gente falava com ele e ele traduzia pra pessoa aí tinha esse outro menino também...aí foi muito bo:m...mu:ito bom... (dado 126, Nova Iguaçu FA3)

 

35 “...essas coisas só faz o que com a gente? quer dizer como é que a gente fica numa situação dessa?” (dado 181, Nova Iguaçu FB2)

 

36 “... essa minha tia nossa senhora judiava muito da gente...” (dado 187, Nova Iguaçu FB2)

 

37 “... não batia na gente de chinelo havaiana... ela pegava era vara de goiaba dobrava ela dobrava assim assim só nas pernas...” (dado 188, Nova Iguaçu FB2)

 

38 “...começavam a debocharem da gente...” (dado 222, Nova Iguaçu FC1)

 

39 “eles debochavam da gente então eu tive que tirar tudo isso e hoje eu me arrependo... ter deixado minhas filha ( ) com a minha.... não com os outro...” (dado 223, Nova Iguaçu FC1)

 

40 “...aí nós chegamos na casa do rapaz descarregamos a revista e depois ele ficou com a gente...” (dado 226, Nova Iguaçu MC2)

 

O único dado de nós em relação gramatical de oblíquo complemento com uma forma verbal pode ser visto no exemplo (41):

 

41 “... e a pessoa que ia ficar conosco lá...falava português...então no caso: eh/eh alemão mesmo né ele e o M...falava português...então nós ficamos na casa dele... programo:u um passe:io e visi:tas em diversos lugares...aí...” (dado 125, Nova Iguaçu FA3)

 

Ainda que a investigação se encontre em fase bastante inicial, talvez seja possível inventariar algumas hipóteses com relação aos resultados encontrados até aqui. Ao que parece, há uma forte relação entre a produtividade de a gente e o teor informacional maior ou menor de uma determinada relação gramatical.

 

 

4.3. ALGUNS COMENTÁRIOS BREVES SOBRE DATIVOS E ACUSATIVOS

 

No que se refere à relação gramatical de dativo, os exemplos localizados na amostra referendam alguns resultados já discutidos em trabalhos anteriores. A seguir, de (42) a (48), estão elencados todos os dados de dativo com a forma a gente localizados na amostra. Foi interessante observar que, em todos eles (7 dados), o sintagma preposicional (SPrep) ocorreu com a preposição para[12].

 

42 “... a caseira lá que fazia lan:che pra gente que a gente pedia fazia o lanche a gente lanchava...” (dado 18, Copa MB3)

 

43 “... foi bem fácil porque eles deram pra gente um pratinho... plástico... uma tesoura... e um cubo... de papel... aí você/ você mesmo mon/ montava o cubinho de papel...” (dado 88, Copa FA2)

 

44 “... o que minha mãe conta pra gente porque eu também era muito pequena eu não lembro... (dado 106, Nova Iguaçu FA2)

 

45 “... o/o dono da casa...tocava violão pra gente acordar... (...) aí ia pra ( ) ...aí conhecia...alguns lugares...restaurantes... apresentava restaurantes pra gente... de vários ai a comida deles lá ...” (dado 128, Nova Iguaçu FA3)

 

46 “... então meu pai deu tudo de bom pra gente...e o sonho dele era que todos os filhos se formassem...” (dado 143, Nova Iguaçu MB1)

 

47 “eu achava que elas tinha que explicar pra gente né... porque é: e você tá todo dia ali marcando essas coi/ esse exame você sabe né sabe os horário... que a pessoa vai fazer...” (dado 217, Nova Iguaçu FC1)

 

48 “... não tem jeito aí manda pra gente... que é lá no Melhado Advogados pra poder a gente entrar com uma ação de busca e apreensão...”  (dado 21, Copa MA3)

 

Também com a forma nós, foi localizado um dado no qual o sintagma preposicional (SPrep) ocorreu com a preposição para, como se pode ver no exemplo (49). Houve apenas um caso, em toda a amostra, com a preposição a no SPrep  introduzindo formas de referência à 1ª pessoa do plural. A única ocorrência aparece com o pronome primitivo nós, como pode ser aferido em (50):

 

49 “... NÃO querer conhecer o que Deus deixou pra nós... que Jesus veio à Terra... te ensinar a viver pra você... ele não veio por causa dele...” (dado 48, Copa FC1)

 

50 “... ele veio dar chance... a nós de sermos felizes” (dado 49, Copa FC1)

                     

Dos quatro casos totais de dativo com a forma nós, dois deles ocorreram com o clítico nos, havendo a ocorrência concomitante de objeto direto nulo nas estruturas em questão. Os dados (51) e (52) ilustram essas ocorrências:

                                                                                                                                              

51 “... tinha um oficial pra nos receber... nos receberam todos e tal... aí veio o:/ o jantar... (escusa) dizer que nós não tínhamos comido nada no nosso batalhão né e o: patriarca veio aqui... nos [proporcionando...” (dado 80, Copa MC3)

 

52 “A Via Light também... que nos propricia... é só atravessarmos pro outro lado já pegamos o ônibus para o metrô:... quer dizer... quan:to a isso... quanto à LOCALIZAÇÃO... é ótimo...” (dado 234, FC3)

 

Houve mais três dados de dativo preposicionado com a gente adjacente ao verbo sem objeto direto. São os dados anteriormente mencionados (30), (31) e (34). No que se refere aos dados com formas de nós e a gente localizados na amostra referente ao PB, a leitura de alguns trabalhos produzidos sobre a expressão do dativo na variedade brasileira pode ser bastante elucidativa (Ramos 1992; Gomes 1996; Nascimento 2009).

De acordo com Ramos (1992), o decréscimo no uso dos clíticos favorece o uso da preposição para, que ocupou o espaço da preposição a no português brasileiro. No português europeu, construções dativas com a preposição para seriam agramaticais A ausência de estruturas de redobro no PB embasa essa relação, segundo a autora. Os dados encontrados referendam a hipótese de mudança na variedade brasileira do português, no sentido de maior implementação da preposição para em lugar de a. Aparentemente, esse processo é acelerado quando a gente figura no SPrep. Com o pronome padrão nós, embora também ocorra a substituição da preposição a por para, esta se dá de maneira mais lenta.

A única estrutura encontrada de dativo com preposição a foi produzida por uma informante da faixa etária C, isto é, a faixa etária dos indivíduos com mais idade: de 56 a 75 anos. O exemplo (50), retomado a seguir em (53), ilustra o dados localizado na entrevista da informante em questão:

 

53 “... NÃO querer conhecer o que Deus deixou pra nós... que Jesus veio à Terra... te ensinar a viver pra você... ele não veio por causa dele...” (dado 48, Copa FC1)

 

A variação entre as formas na função de acusativo também referenda algumas hipóteses já discutidas em trabalhos anteriores. Nessa relação sintática foram localizadas 33 ocorrências com formas de 1ª pessoa do plural: 19 dados de a gente (59%) e 14 com formas de nós (42%). Os exemplos de (54) a (59) ilustram os dados de a gente acusativo localizados na amostra, em todas as faixas etárias:

 

54 “...não é diferença você não é melhor (ou alguém não) melhor que você... né...ainda mais que a gente Deus criou a gente pra ser mãe né?(dado 47, Copa FC1)

 

55 “eu tinha plano quando me:u/ minha filha montou uma empresa: e botaram a gente e graças a Deus... meu marido fez um monte (de exame) dele dentro do plano...” (dado 219, Nova Iguaçu FC1)

 

56 “aí resultado o meu tio não quis ajudar ele achou da parte dele errado ele largar a gente e com quatro anos volta assim com a cara mais lavada e quer assumir a família...” (dado 188, Nova Iguaçu FB2)

 

57 “... não mostra trabalho nenhum ele nem mora aqui ele nem mora aqui... então essas coisas vai vai cansando vai enjoando a gente sabe??? (dado 181, Nova Iguaçu FB2)

 

58 “... ele trancava a gente no quarto... a gente não comia...” (dado 104, Nova Iguaçu FA2)

 

59 “... chegava... não deixava ninguém ver a gente... e assim foi foi uma... uma situação muito difícil eu não pretendo passar nada disso com a minha família [... com os meus filhos (dado 105, Nova Iguaçu FA2)

 

Com relação aos casos de acusativo com formas de nós, foi interessante perceber o uso quase categórico do clítico nos, sempre em posição proclítica ao verbo. Os exemplos de (60) a (71) ilustram os dados localizados na amostra do PB:

 

60 “Jesus nos ama nós dois... (dado 54, Copa FC1)

 

61 “vão nos assaltar”... (dado 55, Copa FC1)

 

62 “... batalhão sueco... nos convidaram pra... jantar lá... e o jantar era digamos às oito horas (dado 75, Copa MC3)

 

63 “...tinha um oficial pra nos receber...” (dado 77, Copa MC3)                    

 

64 “... nos receberam todos e tal... aí veio o:/ o jantar... (escusa) dizer que nós não tínhamos comido nada...” (dado 78, Copa MC3)

 

65 “... sei porque ele nos trouxe aqui...” (dado 131, Nova Iguaçu FA3)

 

66 “...eu acho que a imprensa ela tem uma grande parte em nos assustar (dado 135, Nova Iguaçu MB1)

 

67 “...a imprensa... ela...ela... nos induz... eh/ eh/ eh/ a ...achar que a violência é uma coisa que... você bota o pé no portão... leva três tiros na cabeça... cai deitado e morre (dado 136, Nova Iguaçu MB1)   

 

68 “... não porque eu defendo o Collor...não tenho nada contra ele... nem a favor...mas ele foi jogado na rua...porque houve interesse de alguém de jogar ele na rua... ela quer nos induzir a isso... (dado 146, Nova Iguaçu MB1)

 

69 “...ô desculpa gente...eu não tou falando disso por racismo não... mas ela quer que a gente aceite que o negro é um ser inferior eu acho que a população brasileira ainda não está preparada... e nós podemos começar a nos preparar de forma errada...” (dado 147, Nova Iguaçu MB1)...

 

70 “... a classe social é apenas o que nos privilegia de algumas coisas... né?” (dado 238, Nova Iguaçu FC3)

 

71 “... ônibus que nos deixa praticamente na porta do metrô é só subir a ram:pa e ir para o metrô não é? ... eu acho que QUAN::TO a isso de/ de transpor:te...” (dado 239, Nova Iguaçu FC3)

 

O exemplo (60), aqui retomada em (72), ilustra um caso de reduplicação do acusativo com o verbo amar:

 

72 “Jesus nos ama nós dois... (dado 54, Copa FC1)

 

Tal ocorrência, no entanto, equivale a um caso misto uma vez que há a presença do clítico nos co-ocorrendo com o sintagma nominal acusativo [nós dois]. Foi interessante observar que, dos 13 dados do clítico nos em função acusativa, oito foram produzidos por informantes da faixa etária C (de 56 a 75 anos), o que talvez seja um indício de que tal uso tem sobrevivido principalmente nas faixas etárias mais velhas.

 

 

5.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

                                                                                                 

Tendo em vista os resultados discutidos, é possível constatar que existem diferenças bem acentuadas em relação à produtividade das formas variantes de 1ª pessoa do plural nas diferentes relações gramaticais que se estabelecem com o núcleo verbal e/ou nominal, à semelhança do que outras pesquisas já apontavam (Omena 1986, 1996; Ramos et al. 2009; entre outros). Aparentemente, é no nível oracional que a forma inovadora a gente encontra sua porta de entrada para adentrar o sistema linguístico do português (sem se considerar a função de sujeito). Nesse sentido, a relação gramatical de oblíquo complemento parece ser o portão principal, talvez em função do status informacional que os elementos em tal posição adquirem. Ao dizer, por exemplo, “ele saiu com a gente”, o falante explicita o referente, elucidando que a ação foi realizada com a pessoa X e não com Y. A alta proeminência discursiva e o caráter dêitico dos pronomes de 1ª e 2ª pessoas, obrigatoriamente [+ humanos], favorecem a sua expressão plena para individualizar ou desambiguizar claramente o referente. Tal propriedade é fortemente identificada com as formas oriundas de processos de gramaticalização de nomes a pronomes, como é o caso de a gente e você, em função do status informacional que esses elementos adquirem na função de complemento oblíquo, como mencionado.

Como se sabe, postula-se que o processo de gramaticalização seja unidirecional, sempre partindo do discurso para a sintaxe. Assim, a entrada da forma inovadora pela relação gramatical que carrega o teor mais informacional estaria em perfeito acordo com o postulado básico do processo: o sentido discurso-sintaxe. Em outras palavras, a forma a gente entraria adentrando o nível oracional (nas funções de não-sujeito) a partir das relações gramaticais em que há um caráter muito mais discursivo do que sintático.

No sintagma nominal possessivo, por sua vez, a entrada de a gente continua sendo bastante limitada. As relações internas ao sintagma nominal, principalmente quando são construções possessivas de adjunção (as mais frequentes na língua), assumem um caráter muito mais fixo (imutável) na organização do sistema, isto é, são relações de caráter essencialmente sintático e não discursivo. Talvez por isso a entrada de a gente, nessas relações gramaticais, seja tão desfavorecida.

 

 

 

6.    REFERÊNCIAS

 

Basilio, Margarida. 1989. Teoria Lexical, São Paulo, Ática.  

Berlinck, Rosane de Andrade. 1996. The Portuguese dative, em W. Belle & W. Langendonck (eds.) The dative: Discriptive studies, vol. 1, Amsterdam/Phidadelphia, John Benjamins Publishing Company : 119-149.  

Duarte, Maria Eugênia Lamoglia. 2011. Termos da Oração, em S. F. Brandão. & S. R. Vieira (Org.). Ensino de Gramática: descrição e uso,  São Paulo, Contexto: 185-204.  

Gomes, Cristina. 1996. Aquisição e perda de preposição no português do Brasil, Tese de doutorado, UFRJ, Rio de Janeiro.  

Maia, Francisca Paula Sores. 2003. A variação 'nós'/'a gente' no dialeto mineiro: investigando a transição, TESE de Mestrado em Língua Portuguesa, Faculdade de Letras/UFMG Belo Horizonte.  

Mateus, Maria Helena Mira, Ana Maria Brito, Inês Duarte e Isabel Hub Faria. 2003. Gramática da língua portuguesa, 5.ª ed. revista e aumentada, Lisboa, Caminho.  

Nascimento, Andrá Marques. 2009. Variação e mudança na expressão do dativo em comunidades rurais goianas e suas relações com as origens do português brasileiro, Domínios da Linguagem: revista eletrônica de linguística, 3/ no2.  

Omena, Nelize Pires. 1986. A referência variável da primeira pessoa do discurso no plural, em A. J. NARO et alii, Relatório Final de Pesquisa: Projeto Subsídios do Projeto Censo à Educação, Rio de Janeiro, UFRJ Editora, 2 : 286-319.  

________________a. 1996. A referência à primeira pessoa do discurso no plural, em G. M. Oliveira e Silva & M. M. Scherre, Padrões sociolinguísticos: estudos de fenômenos variáveis do português falado na cidade do rio de Janeiro, Rio de Janeiro, UFRJ Editora: 183-215. 

Perini, Mario Alberto. 1985. Para uma Nova Gramática do Português, São Paulo: Ática.  

Ramos, Jânia Martins. 1992. Marcação de caso e mudança sintática no português do Brasil: uma abordagem gerativa e variacionista, Tese de doutorado, UNICAMP Campinas.  

Ramos, Conceição de Maria de Araujo; José de Ribamar Mendes & Rocha Bezerra, Maria de Fátima Sopas. 2009. Do nosso cotidiano ou do cotidiano da gente? Um estudo da alternância nós/a gente no português do Maranhão, SIGNUM, 12, 1: 279-292.  

Rocha, Fernanda Cunha Faria. 2009. A alternância nos pronomes pessoais e possessivos do português de Belo Horizonte, Tese de Mestrado, Faculdade de Letras/PUC-MG, Belo Horizonte.  

Lima, Carlos Henrique da Rocha. 1972. Gramática normativa da Língua Portuguesa, 32ª ed., Rio de Janeiro, José Olympio Editora.  

Seara, Izabel Christine. 2000. A variação do sujeito nós e a gente na fala florianopolitana, Organon, 14, 28/29: 179-194.  

Tamanine, Andrea Maristela Bauer. 2002. A alternância nós/ a gente no interior de Santa Catarina. Tese de Mestrado, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes/UFPR Curitiba.  

Vianna, Juliana Barbosa de Segadas. 2011. Semelhanças e diferenças na implementação de a gente em variedades do português, Tese de Doutorado, Faculdade de Letras/UFRJ, Rio de Janeiro.  

__ & Célia Regina dos Santos Lopes. 2012. Para um panorama da substituição de nós por a gente no português brasileiro, em: Para a história do português brasileiro. 

Zilles, Ana Maria Sthal. 2005. The development of a new pronoun: The linguistic and social embedding of “a gente” in Brazilian Portuguese,  Language Variation and Change, 17: 19-53. 

__________________. 2007. O que a fala e a escrita nos dizem sobre a avaliação social do uso de a gente? Letras de Hoje, 42,2: 27-44.

 

 

 

 



[1] Utilizaram-se as seguintes siglas: (a) SU para designar o sujeito da oração, (b) V para designar o verbo; (c) OD para o objeto direto; (d) OI para o objeto indireto, OBLcomp para designar o oblíquo complemento; e (e) OBLadj para designar o oblíquo adjunto, nos termos de Mateus et al. (2003). A sigla FS significa função sintática.

[2] Adota-se aqui a definição de verbo transitivo proposta por Mateus et al. (2003:298)

[3] Consideramos aqui objeto indireto (dativo) o constituinte que é tipicamente um argumento interno de verbos de dois lugares do tipo (S V OI) ou ditransitivos (S V OD OI) com papel semântico de alvo, fonte ou beneficiário com traço [+animado] (Mateus et al. 2003:289; Berlinck 1996). As formas oblíquas são, por sua vez, sempre tônicas e regidas por preposição, mas não estabelecem, como afirma Mateus et al  (2003:294), relações gramaticais centrais. Entram no grupo dos oblíquos, os argumentos obrigatórios que fazem parte da estrutura argumental dos verbos e os opcionais (adjuntos). A relação gramatical oblíqua não possui necessariamente o traço [+animado], não tem papel semântico de beneficiário, alvo ou fonte de uma ação e nela também não há restrições quanto às preposições do sintagma preposicional (SP) (de, em, por, com, a, para, sem). O complemento dativo, porém, só admite as preposições a/para em estruturas de SP.

 

[4] Em Teoria Lexical (1989), Margarida Basílio discute o comportamento das formações regressivas deverbais (benefício, sustento, decepção, luta, demora, amparo, começo, etc), definindo tais estruturas como “substantivações das formas verbais correspondentes” (p.38).

[5] Entendem-se por “construções possessivas” tanto o sintagma genitivo introduzido pela preposição “de” (da gente/de nós) quanto o possessivo simples “nosso/”nossa”, e variantes no plural.

[6] É importante não perder de vista que a produtividade de a gente vs. formas de nós, no nível oracional, levou em conta apenas as ocorrências em função de não-sujeito. Se houvéssemos também computado as ocorrências em posição de sujeito, os resultados seriam muito mais altos para a forma a gente como outros trabalhos sobre o tema já evidenciaram.

[7] Sob a designação “formas de nós” busca-se indicar as diferentes formas de realização do pronome primitivo de 1ª pessoa do plural, a depender da função sintática: nós, nos, nosso. Com relação à forma a gente, não há o mesmo comportamento. Independentemente da função sintática (OD, OI, OBLcomp ou OBLadj), a realização do pronome inovador de 1ª pessoa é sempre “a gente”, podendo ser, ou não, em alguns contextos sintáticos, precedida de preposições (da gente, para a gente, com  a gente, etc).

[8] Lembrando que não foram contabilizados os dados de nós e a gente em função de sujeito.

[9] A sigla OBL foi colocada entre parênteses porque a estrutura com “oblíquo” só ocorre em relação ao núcleo verbal (cf. Mateus et al. 2003). As relações sintáticas de complementação e/ou de adjunção, por sua vez, podem ocorrer tanto com núcleos verbais quanto com núcleos nominais.

[10] Os nomes deverbais são formados a partir do processo de derivação regressiva cuja base é um verbo. Ver discussão em Basílio (1989).

[11] A frequência de 68% é obtida quando se somam as produtividades de a gente em todas as relações gramaticais no nível oracional, isto é, acusativo (25%), dativo (9%), oblíquo complemento (15%) e oblíquo adjunto (17%).

[12] Em todos os dados aferidos no PB, observou-se a realização pra em lugar de para, ocorrendo síncope do fonema vocálico.

 

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