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Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.27 no.1 Montevideo jun. 2012

 

Lingüística

Vol. 27, junio 2012: 251-263

ISSN 2079-312X en línea

ISSN 1132-0214 impresa

 

RESEÑAS

 

Leticia REBOLLO COUTO & Célia Regina dos Santos (Orgs.). 2010. As formas de tratamento em português e em espanhol. Variação mudança e funções conversacionais / Las formas de tratamiento en español y en portugués. Variación, cambio y funciones conversacionales. Niterói: Editora da UFF, 591 pp. ISBN 978-85-228-0607-2

 

 Reseñado por Carlos Felipe da C. Pinto

Universidade Tiradentes

 

 

(Recibido: 13/02/12; Aceptado: 27/02/12)

 

 

1. Apresentação

 

O livro em análise se trata de uma coletânea de 22 artigos que buscam discutir as formas de tratamento (doravante FT) tanto no espanhol como no português a partir de uma perspectiva que extrapola a análise sociolingüística, procurando motivações pragmáticas para a explicação do funcionamento das FT nas duas línguas. Além da extrapolação do aspecto sociolingüístico, a obra se torna bastante interessante porque seus trabalhos são construídos a partir de análise de corpora ou de atos de fala específicos, o que permite ao leitor uma noção do funcionamento real/concreto do fenômeno em cada variedade de língua estudada.

A obra está dividida em 3 partes: Parte 1 - Formas Nominais, composta por 9 capítulos, busca discutir as FT nominais sob aspectos teóricos e metodológicos da análise do discurso e da interação; Parte 2 - Variação e Mudança, também com 9 capítulos, discute a variação e mudança das FT em diferentes contextos sócio-históricos; Parte 3 - Tradução e Ensino, composta por 4 capítulos, discute o contraste entre as duas línguas e os problemas que podem aparecer no processo de tradução e de ensino-aprendizagem.

O público-alvo da obra é constituído por estudantes e pesquisadores da área de Letras e Lingüística, mas também por “historiadores, antropólogos e sociólogos e todos aqueles que buscam compreender as relações entre língua, história e sociedade” (p. 14).

As autoras ressaltam que os textos significam uma contribuição original e necessária para a formação de professores de português e de espanhol como línguas estrangeiras[1]. No caso do espanhol, comentam que o desconhecimento da variação das FT é freqüente entre os profissionais do ensino da língua no Brasil. No caso do português, registram que a realidade não deixa de ser complexa e pouco descrita.

A seguir, farei uma breve apresentação dos textos que compõem a coletânea na ordem em que aparecem e, em seguida, tecerei algumas considerações gerais sobre a obra.

 

 

2. Formas nominais

 

“Modelos de variações intraculturais e interculturais: as formas de tratamento nominais em francês”, de Catherine Kerbrat-Orecchioni, analisa variação das formas de tratamento nominais (FTN) a partir do contraste observado numa interação produzida entre a autora e dois de seus orientandos, um francês, que não produziu nenhuma FTN, e um gabonês, que produziu cerca de 20 ocorrências de FTN. O trabalho apresenta a tipologia e as funções da FTN e, em seguida, discute as variações intraculturais agrupando os dados em dois grupos (interações comerciais, entre vendedor e cliente; debates políticos televisivos). Os dados são analisados à luz das classificações apresentadas na seção anterior. Por fim, a autora discute a variação intercultural das FTN comparando os dados do francês com dados do árabe e do inglês.

“De Mário a Otário. As formas de tratamento nominais: modelos de função alocutiva ou predicativa?”, de Anna Giaufret, discute o uso predicativo das FTN. O artigo se fundamenta em pressupostos teóricos da pragmática e da estrutura da informação, apresentando uma tabela que relaciona os tipos de predicação (posta e pressuposta) com as FTN, os fatores semânticos e o objeto da predicação (locutor, alocutor e relação). Neste sentido, a autora termina o artigo discutindo questões pragmáticas (aspecto perfomativo e perlocutório), informativas e morfológicas (as classes gramaticais) das FTN. Embora o artigo não esteja baseado em análise de corpus, oferece definições e classificações claras para o estudo das funções predicativas das FTN.

Mi vida, mi amor, mi corazón... Formas de tratamiento en el habla de la ciudad de Santiago de Cuba”, de Mercedes Causse-Cathcart, discute o uso de algumas FTN como já indicado no próprio título. Na primeira parte, se apresenta o marco teórico, discutindo principalmente questões de familiaridade, afetuosidade, cortesia focalizadora etc. Um aspecto interessante que a autora traz para o debate são algumas características sócio-culturais e históricas da região, que reflete o reconhecimento do santiaguero como uma pessoa hospitaleira, solidária, amável, empática etc. A coleta dos dados é feita através de entrevistas realizadas com falantes nativos reunidos em três faixas etárias diferentes. Foram combinados fatores como: situações em que são empregadas, a quem vão dirigidas, atitude frente ao uso entre outros. A autora conclui que a análise dos dados evidencia que a sociedade cubana está localizada no grupo das culturas de solidariedade tendo em vista que privilegia a afiliação, a solidariedade e o tratamento próximo e familiar.

“Análisis sociolingüístico de las formas nominales de tratamiento: datos de Guadalajara en Jalisco, México”, de Leonor Orozco, discute o emprego das FTN na região metropolitana de Guadajalara a partir de entrevistas realizadas com 36 indivíduos nativos, classificados em critérios sociolingüísticos relevantes. As FT são divididas em quatro grupos (nomes próprios, títulos de parentesco, títulos genéricos, títulos profissionais) e os analisa à luz da teoria de Brown e Gilman (1960) sobre poder (eixo vertical) e solidariedade (eixo horizontal) (sendo este segundo conceito adaptado pela autora em termos de distância). Os resultados apresentados pela autora mostram que: a) os nomes próprios são preferidos quando o falante tem mais poder que o destinatário; b) os títulos de parentesco são mais empregados quando o falante tem menos poder que o destinatário; c) os títulos genéricos são preferidos quando o falante tem mais ou igual poder e quando o destinatário é desconhecido; d) os títulos profissionais são preferidos quando o falante tem menos poder que o destinatário e se encontram em uma relação de tratamento.

“A entoação de vocativos e apostos no português do Brasil”, de João Antônio de Moraes e Hayla Thami da Silva, discute diferenças prosódicas de construções superficialmente idênticas como “Foi ele, José”, em que José pode ser interpretado como vocativo ou como aposto. A análise dos dados é feita a partir de um método experimental, tanto de produção como de percepção com grupos de falantes da variedade carioca. Os dados foram classificados segundo a posição em que o aposto/vocativo aparecia na estrutura (inicial, medial ou final). As principais conclusões dos autores são que aposto e vocativo têm prosódias distintas e os falantes são efetivamente capazes de identificá-las; o vocativo tem dois contornos melódicos a depender da sua posição (ascendente-descendente em posição inicial; baixo/parentético em posição final) e o aposto tem sempre um contorno descendente independentemente da posição; há uma relação dessas funções com a estrutura informativa, sendo o aposto identificado com o foco (informação nova) e o vocativo sendo identificado com o tema.

“Formas de tratamiento: los vocativos en el lenguaje juvenil de Madrid, Buenos Aires e Santiago de Chile”, de Annette Myre Jørgensen, explora a variação pragmática, ao comparar os usos de vocativos como tio/a, huevón/ona y boludo/a nas três cidades indicadas no título do trabalho. Os dados são coletados no corpus COLA (www.colam.org). A autora apresenta a teoria que sustenta sua análise, tanto sobre os aspectos linguísticos dos vocativos como sobre a linguagem juvenil; faz a análise dos dados, que se detém, principalmente, na posição em que o vocativo pode aparecer na oração (inicial, média e final) e as funções que pode desenvolver (chamar atenção; identificar o interlocutor; manter e reforçar as relações). Os resultados da autora mostram variação no fato de se o vocativo é masculino ou feminino; mas, de forma geral, em Madri há preferência por vocativos em posição inicial e final, com uma boa produção em posição medial; em Buenos Aires e Santiago há preferência pela posição final, sendo quase inexistente o uso de vocativos em posição medial.

“Formas de tratamento nominal no espanhol paraguaio: um caso de hibridismo lexical”, de Diego Jiquillin Ramírez e Denise Pozzani, discute as consequências do contato linguístico guarani-espanhol/castelhano nas FTempregadas no Paraguai. Os autores tecem considerações sobre as primeiras gramatizações das línguas românicas e ameríndias, passam a comentar as FT nas línguas românicas e sintetizam as FT no espanhol e mostram que o espanhol paraguaio tem uma assimetria com relação ao guarani. Em seguida, passam a comentar as influências do guarani em variedades do espanhol paraguaio. Os dados são classificados em formas pronominais e formas nominais. Os autores consideram que as FT em guarani receberam suas primeiras modificações devido ao contato com a cultura européia e que as FT no Paraguai refletem uma mistura de códigos tanto em nível lexical como morfológico.

“Las formas de tratamiento nominales usadas por y para la población de origen africano en Montevideo en los siglos XVIII y XIX”, de Magdalena Coll, faz uma interessante apresentação sociohistórica da chegada do negro ao Uruguai e, em seguida, apresenta o marco teórico no qual se baseia (Brown e Gilman, 1960), com a seguinte observação: na relação senhor/escravo, conceitos como face positiva/negativa, polidez e cortesia são, por definição, inexistentes. A autora analisa FTN usadas nas relações assimétricas de senhor/escravo e escravo/senhor e nas relações simétricas escravo/escravo. Outro aspecto bastante relevante observado é a escassez de fontes nas quais seja possível estudar as FTN usadas pelos negros já que o seu discurso era representado ou intermediado pela fala do homem branco. A autora conclui que as FTN usadas para os negros fazem referência à pigmentação da pele e refletem uma carga de racismo; as FTN usadas na relação escravo/senhor expressam distância; por fim, as FTN usadas nas relações simétricas entre os escravos, muitas vezes, refletem a voz do branco, mas também se registram casos de vozes próprias africanas.

“História e linguagem: um diálogo sobre o tratamento na prática epistolar luso-brasileira setecentista”, de Adriana Angelita da Conceição e Leonardo Lennertz Marcotulio, faz uma discussão sobre as FTN usadas pelo Marquês do Lavradio em suas relações políticas e privadas como vice-rei do Estado do Brasil. O trabalho faz uma apresentação da produção epistolar no Brasil colônia, apresenta o personagem em análise e faze uma discussão da inexatidão da estrutura hierárquica da administração colonial, ponto chave para os fatos lingüísticos que serão analisados posteriormente. A partir daí, passa a uma análise das formas de tratamento no contexto em que o Marquês do Lavradio se inseria, observando as relações assimétricas ascendentes, simétricas e assimétricas descendentes. Os dados mostram a posição política complicada em que o Marquês do Lavradio se encontrava.

 

 

3. Variação e Mudança

 

“Notícias recentes da presença do pronome tu no quadro de pronomes do português falado no Rio de Janeiro”, de Vera Lúcia Paredes Silva, faz uma interessante análise da evolução do pronome tu no português carioca mostrando evidências de que, ao contrário do que muitas pesquisas que enfatizam a expansão do pronome você parecem mostrar, o pronome tu está recobrando espaço na fala carioca, mas como uma variante não padrão, sem concordância (tu vai, tu tem...). O artigo faz uma apresentação de trabalhos anteriores, tanto com cunho diacrônico como sincrônico, e mostra que, dadas as características das fontes utilizadas, se torna bastante difícil analisar dados típicos da interação. Contudo, dados de crônicas de João Ubaldo Ribeiro, personagens de novelas televisivas parecem evidenciar uma mudança em curso no português falado no Rio de Janeiro, em que o pronome tu não padrão compete acirradamente com o pronome você.

“A variação no uso dos pronomes tu e você em Santa Catarina”, de Izete Lehmkuhl Coelho e Edair Maria Görski, faz uma análise da variação tu e você na fala e na escrita catarinense, procurando relacionar os aspectos lingüísticos com questões históricas da constituição/colonização da região. O artigo se concentra na comparação de duas cidades representativas, Florianópolis (litoral) e Lages (planalto). Com relação aos dados de fala, mostra-se que em Florianópolis há predomínio das formas tuteantes, devido à colonização açoriana, enquanto que em Lages há um predomínio das formas voceantes, devido às influências dos paulistas, no caminho dos tropeiros, embora nas duas regiões também sejam encontrados falantes que fazem uso das duas variantes. Com relação aos dados de escrita, com base em peças de teatro, as autoras apontam que durante o século XIX havia predominância de tu e, no século XX, você tem realização quase categórica. Em todos os casos (dados de fala e escrita), as autoras também analisam outros aspectos da língua e sugerem que as mudanças estejam acontecendo em cadeia.

“Tratamento na díade pai e filho: uso de você e senhor”, de Jânia Ramos, discute a variação e mudança nas FT de filho em direção ao pai na sociedade brasileira. A autora faz um panorama histórico do desgaste que a FT senhor passou e em seguida discute o uso dessa forma no Brasil a partir de entrevistas realizada com 300 informantes moradores da cidade de Belo Horizonte e mostra que quanto mais velho o informante maior o uso desta forma. A análise da autora relaciona essa mudança nas formas de o filho se referir ao pai com as mudanças na estrutura familiar brasileira a partir dos anos de 1950, quando a família brasileira deixou de ser hierárquica para ser igualitária. Neste sentido, como os fatores idade e grau de parentesco não desempenham nenhum papel na hierarquia família, a FT senhor perde espaço.

“O senhor e você. Formas de tratamiento, cortesía y diversidad cultural”, de Luiz Antônio da Silva, tece considerações sobre o uso das FT no português brasileiro, especialmente, o uso de o senhor e você na relação entre pais e filhos em peças teatrais. O autor faz um breve percurso teórico apresentando a teoria de Brown e Gilman (1960), sobre poder e solidariedade, na qual fundamenta seu trabalho. O autor também discute as máximas conversacionais de Lakoff (1973) e mostra com as FT podem se encaixar nesses conceitos. A sociedade brasileira é comparada em alguns momentos com a sociedade espanhola. A conclusão a que os dados levam, a partir de dados dramáticos ficcionais, é que há um predomínio do tratamento informal nas relações de pais e filhos, sendo que tal informalidade se acentua nas classes média e alta.

“O tratamento em bilhetes amorosos no início do século XX: do condicionamento estrutural ao sociopragmático”, de Célia R. dos Santos Lopes, Márcia Cristina de Britto Rumeu e Leonardo Lennertz Marcotulio, discute aspectos estruturais e sociopragmáticos no português brasileiro com base em uma amostra de 13 bilhetes escritos por uma mulher no começo do século XX. A opção de adotar uma abordagem que unir as teorias sociolingüísticas e pragmáticas foi justamente para casar critérios linguísticos com extralingüísticos na análise do fenômeno já que as primeiras teorias respondem por quem e para quem e as segundas explicam por que determinadas FT foram usadas. É feito um debate sobre os estudos que analisam as FT no português brasileiro, em seguida discutem aspectos estruturais que condicionam o uso das variantes lingüísticas; por fim, discutem os destinatários das FT com um olhar sociopragmático.

“Semántica y pragmática de los usos de usted, y vos como sujeto en el siglo XIX en Uruguay”, de Virginia Bertolotti, faz uma discussão das funções que os referidos pronomes desempenham como sujeito no Uruguai no Século XIX. O corpus da autora está composto por 100 cartas divididas em dois períodos (1793-1830/1872-1905) e foram classificadas segundo aspectos lingüísticos e extralingüísticos além de serem agrupadas, seguindo a teoria de Brown e Gilman (1960), a partir da correlação entre poder e solidariedade. O problema levantado pela autora é o fato de que a forma usted apresenta porcentagem maior que as formas /vos nos dois períodos estudados, embora usted diminua e /vos aumente de um período para o outro. A autora apresenta uma análise dos dados encontrados no seu corpus. A interpretação que é feita dos dados é que a origem nominal de usted, além do seu uso como forma de deferencialidade, favorece o seu aparecimento na estrutura; contudo, o avanço do processo de gramaticalização de usted está fazendo com que essa forma não seja tão bom candidato para a cortesia e a deferencialidade no espanhol uruguaio.

¿De vos, de , de usted? Gramática, pragmática y variación: hacia una reinterpretación de los pronombres de tratamiento en español bonaerense”, de Elizabeth Rigatuso, levanta a problematização da mudança de código no uso das FT pronominais no espanhol bonaerense (vos à ; vos à usted; usted à vos). A autora comenta que há duas possibilidades de mudança de código: segundo a situação comunicativa e no transcurso de uma mesma interação, sendo esta última possibilidade seu objeto de análise. O trabalho toma como base a relação de uma série de teorias para explicar o fenômeno da mudança de código e, neste sentido, são levantados dois problemas: negar a existência de nesta variedade pode ser uma simplificação demasiada das formas de cortesia; restringir a mudança de vos à usted aos contextos de afetuosidade ou aborrecimento também seria uma simplificação da questão. Após a apresentação e análise da dinâmica da mudança de códigos nas três direções, a autora conclui que o pronome está sendo reintroduzido com um caráter conotativo, refletindo um processo de pragmaticalização e que é necessário revisar os valores atribuídos à forma usted.

“De vos, de , de usted? Las formas de tratamiento entre los jóvenes guatemaltecos”, de Ana Luísa Acevedo, faz um estudo, com base em entrevistas, sobre como funcionam as FT pronominais na linguagem de jovens entre 15 e 25 anos, sendo essa faixa etária escolhida por ser a mais representativa das mudanças lingüísticas em curso numa sociedade. O trabalho se fundamenta em conceitos básicos da pragmática e da cortesia, como poder, solidariedade, as máximas conversacionais, imagem positiva e negativa, afiliação e autonomia. Os resultados apresentados pela autora mostram que não acontecem relações abertas entre os jovens, que os jovens mantêm relações assimétricas, principalmente entre homens e mulheres, o que reflete uma sociedade conservadora e pouco moderna.

“Deixis pronominal en Costa Rica (San José) y Argentina (Córdoba): ustedeo versus voseo: ¿dos soluciones diferentes para el mismo sistema?”, de Karolin Moser, faz um estudo comparativo do sistema de FT pronominal no espanhol de San José e de Córdoba capital com o intuito de levantar o problema se o uso do voseo e do ustedeo nas duas capitais é uma expressão do mesmo sistema lingüístico. É feito um breve relato sobre as duas capitais e são apresentadas as FT no mundo hispânico, reiterando que as FT do plural são uniformes na América (unicamente ustedes) mas apresentam variação no singular (, vos e usted). No caso da Costa Rica, há registros significativos do uso de usted como tratamento informal, embora na Argentina seja pouco documentado ainda. Após a apresentação e discussão de alguns dados, a autora faz algumas conclusões prévias no sentido de que os mesmos usos encontrados para o ustedeo na Costa Rica parecem estar sendo registrados para o voseo em Córdoba.

 

 

4. Tradução e ensino

 

“Pensando as formas de tratamento a partir da semiótica e a semiótica a partir das formas de tratamento”, de Heloísa Pezza Cintrão, procura aplicar elementos da semiótica greimasiana na explicação dos sentidos produzidos pelas FT. A autora traz para discussões elementos da análise do discurso, discutindo questões de ideologia, fazendo, em seguida, uma apresentação das FT nos três níveis de produção de sentido. O trabalho discute um exemplo bastante interessante que é os efeitos que expressões como linda, querida e meu bem podem produzir a depender da relação que é mantida com o emissor da FT. Uma das principais conclusões do trabalho é que a instabilidade das FT está relacionada com o fato de tentar marcar no discurso ideais de interação humana que não podem ser garantidos na opção formal ou informal.

“Variedades de la lengua y opciones del traductor literario: formas de tratamiento en portugués y en español”, de Laura Masello, discute a tradução das FT do português para o espanhol a partir da análise da obra “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. A autora traça um panorama da reivindicação da variedade brasileira pelo movimento modernista, discute aspectos cruciais da atividade tradutológica (a tradução como apropriação e reescritura), discute aspectos lingüísticos e sociolingüísticos do português e do espanhol, discute as opções de variedade do espanhol adotadas nas traduções e passa à análise da tradução da obra. O problema levantado pela autora é se a tradução mantém os sentidos produzidos pelas FT em português. A análise mostra que a maior parte das decisões tomadas pela tradutora uruguaia parece vir de reflexões acerca dos parâmetros de solidariedade, distância e cortesia existentes nas duas línguas mas, em alguns casos, esse equilíbrio é quebrado e aparecem incoerências talvez voluntárias.

“El voseo argentino y el voseo chileno: diferencias sociolingüísticas y conversacionales a través de diálogos cinematográficos y textos en internet”, de Leticia Rebollo Couto e Zulma Moriondo Kulikovski, discute a variação nas FT no espanhol argentino e chileno tendo como objetivo uma apresentação de uma sistematização das diferenças de uso nas FT no espanhol tendo em vista a formação de professores de espanhol no Brasil. As autoras apresentam um histórico de questões políticas/normativas/ideólgicas do voseo no Chile e na Argentina e, em seguida, passam a uma discussão das formas pronominais e verbais do voseo nas duas variedades. Também discutem questões relacionadas com as formas nominais e, na conclusão, resumem as principais diferenças entre as duas variedades. O texto se encerra retomando sua questão inicial/motivadora, que é a observação da variação do espanhol no ensino da língua no Brasil trazendo para discussão um fragmento da UNESCO sobre a diversidade cultural.

“Mafalda y El Laberinto de Fauno: el uso de vosotros en las clases de español lengua extranjera en Brasil”, de Leticia Rebollo Couto, faz uma importante reflexão sobre o uso das FT no espanhol no momento de ensinar a língua, como língua estrangeira, no Brasil, com base na observação de que nenhuma FT carrega valores de cortesia, distancia de forma inerente, independentemente do contexto. Para ilustrar esse fato, discute uma tira de Mafalda em que aparece a forma vosotros e sua interpretação feita por uma falante do espanhol peninsular, que é divergente do emprego da tira no contexto riopratense. A partir de então, faz uma exposição sobre os usos e valores de vosotros em diferentes gêneros textuais e traça um percurso histórico da inserção de vosotros no quadro das FT no espanhol. Por fim, discute conseqüências discursivas da realização fonética de vosotros e das suas correlações semânticas ou sintáticas. Na conclusão, a autora reitera a importância do contexto da interação, dos fatores de distância e proximidade, na eleição e nos valores de uma determinada FT.

 

 

5. Considerações

 

Como se pôde ver pela breve apresentação acima, a obra em análise procurou discutir aspectos diversos das FT tanto no português e no espanhol. Embora a maioria dos trabalhos tenha como base/ponto de partida a teoria de Brown e Gilman (1960) para a análise dos fenômenos, são artigos independentes. É certo que cada artigo mereceria considerações particulares mais acuradas; contudo, por questões de espaço, me deterei a expor algumas considerações que põem em evidência os pontos positivos da obra.

Discutindo a origem e caracterização do espanhol americano, Fontanella de Weinberg (1993) dizia que as teorias sobre o espanhol da América foram feitas baseadas em registros cultos e que não havia descrições suficientes de variedades regionais. Neste sentido, esta obra preenche uma lacuna bastante importante nos estudos descritivos sobre o espanhol já que alguns dos trabalhos sobre o espanhol não se restringem a capitais dos paises e tampouco se restringem à norma culta. Este fato, aliado à realização de pesquisas baseadas em corpus de fala espontânea ou entrevistas, permite uma visão do funcionamento real de variedades da língua. Esta metodologia é um importante instrumento quando se discute a questão da variação do espanhol, já que, como pontuei em Pinto (2009), respaldado pela afirmação de Fontanella de Weinberg (1993) e pelo projeto de norma lingüística hispânica de Lope Blanch (2002), a proximidade da norma culta com os ideais da gramática normativa ofuscam a real variação do espanhol na atualidade.

Com relação ao português, diversos trabalhos mostram uma mudança lingüística em curso no tocante às formas de tratamento. Muito interessante e importante, nesta direção, é o artigo de Vera Lúcia Paredes Silva, que mostra a reinserção do pronome tu na fala carioca, mas de uma forma não padrão. Talvez, com toda a discussão da valorização do português brasileiro como variedade legítima do português frente ao português europeu e as discussões sobre as discrepâncias entre a norma culta brasileira e a norma padrão da língua portuguesa, especialmente com relação aos fatos de concordância (tanto verbal como nominal), o pronome você ganhou espaço nos estudos lingüísticos, o que ofuscou a observação da manutenção do pronome tu num contexto não padrão, sem concordância, não só na fala carioca, mas também de outros estados da federação.

Por fim, muito relevante também é a afirmação feita na introdução e reiterada em trabalhos da Parte 3 sobre a importância do conhecimento da variação das formas de tratamento no espanhol no cenário do ensino da língua no Brasil. Este aspecto mereceria muito debate, pois afeta seriamente o processo de ensino-aprendizagem do espanhol no Brasil. Acredito, no entanto, que esse problema do desconhecimento da variação das formas de tratamento se deva a um desconhecimento mais amplo da variação do espanhol. Pensando exclusivamente nos problemas relacionados com a diversidade do espanhol (sem entrar nas conseqüências que a divisão do trabalho acadêmico e as escolhas teóricas feitas pelos profissionais da língua espanhola nas Universidades brasileiras possam trazer para o debate), ainda se tem a crença de que a variação do espanhol se encontra robustamente nos níveis fônico e lexical e que não é possível estabelecer divisões dialetais do espanhol como acontece com o português (Fanjul, 20042011). Aliado a isso, encontra-se também o imaginário dos professores e estudantes de espanhol de que a variedade européia, como se o espanhol europeu fosse uma variedade homogênea, é melhor que as variedades americanas (Irala, 2004Bugel e Santos, 2010)[2] Neste sentido, esta coleção é um claro exemplo de que as normas populares do espanhol não são homogêneas e que a variação não se restringe aos níveis fônico e lexical. Diversos trabalhos da obra, mesmo os que não fazem análises dialetais comparativas, deixam claro que a variação do espanhol alcança níveis mais profundos como o nível sintático[3] e o pragmático/discursivo. O último trabalho do livro, de Leticia Rebollo Couto, mostra claramente que o sentido produzido por uma forma de tratamento está associado ao contexto, que também é contexto estrutural/lingüístico, já que o falante peninsular, que usa/interpreta as formas de tratamento de maneira diferente de falantes de outras regiões, faz uso de construções sintáticas diferentes dos outros falantes.

 

 

REFERÊNCIAS

 

Brown, Roger e A. Gilman. 1960. The pronouns of power and solidarity. En Sebeok, T. A. (org.), Style in Language, Cambridge, MIT Press: 253-76.

Bugel, Tália e Helade Scutti Santos, 2010. Attitudes and representations of Spanish and the spread of the language industries in Brazil, Language Policy,  9, 2 :143-170.

Carricaburo, Norma 1997. Las fórmulas de tratamiento en el español actual, Madrid, Arco/Libros.

Chomsky, Noam 1986. Knowledge of Language: Its nature, origin and use, New York, Praeger.

Fanjul, Adrian Pablo 2011. "Policêntrico" e "Pan-Hispânico". Deslocamentos na vida política da língua espanhola. En X. Lagares e M. Bagno (orgs.), Política da norma e conflitos linguísticos, São Paulo, Parábola: 299-332.

______ 2004. Português Brasileiro, Espanhol de... onde? Analogias incertas, Letras & Letras, 20: 165-183.

Fontanella de Weinberg, María Beatriz 1993. El español de América, Madrid: Mapfre.

Hummel, Martin Bettina Kluge, e  María Eugenia Vázquez Laslop, 2010, Formas y fórmulas de tratamiento en el mundo hispánico, México: El Colegio de México.

Irala, Valesca B. 2004. A opção da variedade de Espanhol por professores em serviço e pré-serviço, Linguagem & ensino, 7,2: 99-120.

Lakoff, Robin 1973. The Logic of Politeness; or, Minding Your p's and q's, Papers from the Ninth Regional Meeting of Chicago Linguistic Society, Chicago, Linguistic Society: 292-305.

Lope Blanch, Juan Miguel. 2002. La norma lingüística hispánica, Anuario de Letras, 40: 23-41.

Modesto, Artarxerxes Tiago Tácito 2009. Formas de Tratamento no Português Brasileiro: um estudo de caso. Curitiba: Editora DNAZ.

Pinto, Carlos Felipe da C. 2009. Los criterios sintácticos en la división dialectal del español. En  Pinto, Carlos Felipe e Valesca Brasil  IRALA (orgs.),Um dossiê de estudos lingüísticos hispânicos, São Paulo: Casa do Novo Autor: 61-96.

 

 

 




[1] Outras obras, no entanto, também discutem as formas de tratamento nas duas línguas: Carricaburo (1997)Hummel, Kluge e Vázquez Laslop (2010) são exemplos de obras que procuram oferecer uma descrição das formas de tratamento em todo o mundo hispânico. Para o português brasileiro, pode ser citado Modesto (2009).

[2] Esse imaginário, seguramente, é causado por vários fatores externos entre os quais, acredito que estejam a herança do nosso processo de colonização e desenvolvimento sócio-cultural, em que exaltamos a cultura européia em detrimento da nossa própria, e as políticas lingüísticas do espanhol mesmo encabeçadas pela Real Academia e o Instituto Cervantes (ver Bugel e Santos, 2010).

[3] Em Pinto (2009), problematizei questões de variação sintática do espanhol tendo como pano de fundo a Teoria de Princípios e Parâmetros e conceitos como língua-E e língua-I de Chomsky (1986).

 

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