SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28 número1PRESENTACIÓNRepresentaciones del guaraní y el español en alumnado de Escuelas medias de la ciudad de Buenos Aires con población de familias guaraní hablantes índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Links relacionados

Compartir


Lingüística

versión On-line ISSN 2079-312X

Lingüística vol.28 no.1 Montevideo dic. 2012

 

Lingüística

Vol. 28, diciembre 2012: 5-19

ISSN 2079-312X en línea

ISSN 1132-0214 impresa

 

 

 

QUANDO A INTERAÇÃO ENTRE PARES FAVORECE UMA COMUNICAÇÃO AUTÊNTICA NA AULA DE LÍNGUA

 

WHEN PEER INTERACTION FAVOURS AUTHENTIC COMMUNICATION IN LANGUAGE CLASS

 

Olga Alejandra Mordente

USP

alemordente@usp.br

 

Roberta Ferroni

USP

 robertaferroni@hotmail.com

 

 

Neste trabalho examinaremos uma série de sequências dialógicas, na quais os aprendizes de italiano LE, empenhados na realização de uma tarefa, colaboram na construção do sentido, valendo-se de numerosas estratégias de comunicação.

 

Palavras-Chave: interação; tarefa; estratégias de comunicação.

 

Key Words: interaction; task; communicative strategies.

 

In this paper we examine a series of dialogic sequences in which learners of Italian L2, engaged in solving a task, participate jointly for meaning construction by means of various communicative strategies.

 

 

(Recibido: 02/01/12; Aceptado: 01/02/12)

 

 

1. Introdução

 

A conversação exolinguística, típica da classe de língua, é caracterizada pela divergência entre o repertório linguístico dos participantes (Lüdi e Py 1986).

Devido a essa assimetria, os interactantes deverão exercer um controle cuidadoso para gerenciar os problemas de natureza formal e comunicacional. Essa dupla vigilância, denominada bifocalização[1] (Bange 1992), garante que a comunicação possa desenvolver-se seja no plano metadiscursivo seja no plano metalingüístico.

Analisando, porém, a estrutura comunicativa que caracteriza a maior parte das trocas entre professor e alunos, conhecida como IRE[2], a literatura (Cazden 1988, Cicurel 1990, Hall 1995, Pekarek 2002) costuma salientar que esse tipo de troca privilegia a dimensão metalinguística em prejuízo daquela comunicativa. A esse respeito, Bange (1996) observa que esse tipo de sequência instaura um tipo de comunicação completamente diferente da conversação ordinária porque a passagem para a unidade contígua sucessiva depende exclusivamente da avaliação que o professor fará da dupla anterior, ao passo que, na conversação, os turnos da palavra sucedem-se, reciprocamente, uns aos outros. Portanto, uma avaliação negativa irá produzir uma suspensão da progressão e iniciará um movimento de retomada de alguns elementos da dupla contígua, que será objeto de uma avaliação.

Não há duvida de que uma rotina deste tipo, além de não proporcionar aos estudantes a oportunidade de desenvolver o saber complexo interacional, linguístico e cognitivo exigido pela conversação comum, porque a pergunta pode apresentar fatores que bloqueiam a comunicação ou direcioná-las segundo esquemas pré-fixados (Fasulo e Girardet 2002, Hall 1995, Pekarek 2002), reduz drasticamente a conversação a mero procedimento de correção gramatical, no qual o terceiro movimento, aquele iniciado pelo professor, consiste, geralmente, na reformulação dos problemas de natureza formal (Bange 1996).

Pergunta-se, então, se uma estrutura comunicativa desse tipo pode favorecer ou não a aquisição/aprendizagem da língua estrangeira (doravante LE), visto que, para aprender uma LE, além de estar exposto ao input, o aprendiz deve produzir e interagir em LE (Long 1996, Swain 1985).

O trabalho em duplas ou em pequenos grupos, ao contrário, viabiliza a participação em atividades comunicativas semelhantes àquelas que ocorrem em contextos naturais, aumentando a motivação e a integração social. Os estudantes, trabalhando juntos, sentem-se mais à vontade, porque não estão sujeitos à avaliação individual do professor. Bygate (1988) afirma que o input produzido pelo professor não é suficiente para fins de aprendizagem e que o aluno, por meio da interação com os colegas, sente-se na obrigação de elaborar frases que produzam um sentido, aprendendo, assim, a utilizar as características típicas do discurso falado.

Segundo Barnes e Todd (1977), os alunos esforçam-se mais quando falam sem a presença do professor e têm a possibilidade de assumir um papel mais ativo e independente em relação aos seus conhecimentos. O trabalho em grupo permite que os alunos experimentem, reelaborem, realizem autocorreções e heterocorreções, colaborem na construção do discurso, visando levar a termo a tarefa (Griggs 1998). Numa situação colaborativa de aprendizagem entre pares, haverá um uso da língua funcional e expressivo, dirigido para o interlocutor e próximo das necessidades reais de aprendizagem. Os estudantes terão todo o tempo necessário para elaborar suas estratégias de aprendizagem e utilizarão os processos do grupo seja para instaurar formas de colaboração seja para dirigir sua aprendizagem (Ciliberti 2003). Finalmente, as atividades em dupla ajudam a manter um clima mais distenso e a regular o filtro afetivo[3], contribuindo para o desenvolvimento da competência conversacional (Qcer 2002)[4].

Nesse artigo vamos examinar uma série de sequências dialógicas extraídas num contexto que privilegia a interação entre pares, no qual os interactantes colaboram na construção do sentido, valendo-se de numerosas estratégias de comunicação. Observa-se que o uso dessas estratégias, de um lado, constitui um potencial para a aprendizagem, porque induz os aprendizes a formularem hipóteses; de outro, estimula um tipo de comunicação em que a dimensão metalinguística não é um fim em si mesma, mas se torna funcional para a dimensão metadiscursiva.

 

 

2. Quadro teórico

 

As estratégias de comunicação (doravante EC) foram definidas de diversas maneiras, de acordo com a perspectiva do pesquisador. A maioria dos autores (Faerch e Kasper 1983, Tarone 1980) concorda que as EC são utilizadas pelos falantes para resolver um problema comunicativo, ou seja, quando eles não possuem recursos linguísticos adequados na língua alvo. Entretanto, também os falantes nativos podem utilizar as EC em sua LM para satisfazer a exigências de comunicação (Bialystock 1990). Portanto, concordamos plenamente com o Qcer (2002), que afirma que as EC não devem ser necessariamente consideradas como expressão de incapacidade, como uma maneira para compensar uma deficiência linguística. Em outras palavras, as estratégias, mais do que para isso, são utilizadas conscientemente pelos falantes, durante a interação, para realizar uma tarefa com sucesso e na maneira mais econômica e exaustiva possível.

O estudo das EC originou um amplo leque de taxonomias que permitem aos pesquisadores reconhecer e classificar as diversas estratégias utilizadas pelos falantes[5]. Esta pesquisa analisará as EC, presentes na interlíngua de aprendizes de italiano durante a realização de uma tarefa escrita em duplas, retomando a taxonomia proposta por Dörnyei e Kormos (1998), pelas seguintes razões. Em primeiro lugar porque, com base no modelo oral da fala de Levelt (1989), consideramos o uso das estratégias não somente em função do seu produto final (a superfície dos enunciados linguísticos), mas levando em conta também os processos cognitivos e mentais que as produziram. Além disso, nos parece particularmente adequada para o fim do nosso trabalho porque, tratando-se de uma pesquisa interessada na importância das práticas comunicativas em contexto, buscamos conciliar a ótica psicológica com aquela sociointeracional. Quando e se necessário, utilizaremos algumas noções surgidas no âmbito da análise da conversação, disciplina que tem o mérito de dirigir a atenção para os aspectos mais miúdos da interação (pausas, hesitações, sobreposições, silêncios, etc.). Esses instrumentos teóricos nos permitiram esclarecer os modelos de construção do discurso em colaboração e as formas de resolução dos problemas que se apresentam no decorrer da comunicação quando a interação acontece única e exclusivamente entre aprendizes de LE.

 

 

3. O contexto

 

Os dados que vamos analisar foram obtidos mediante a observação de uma classe composta por estudantes de língua materna português-brasileiro, de nível B2, inscritos no curso de Língua e Literatura Italiana de uma Universidade do Estado de São Paulo. As atividades que aplicamos para a realização da pesquisa são conhecidas como tarefas (task). Trata-se de atividades que se fundamentam na convicção de que somente por meio da interação é possível adquirir a LE, porque, para aprender uma LE, o estudante, além de estar exposto ao input, deve produzir e interagir em LE (Long 1996, Swain 1985).

As tarefas (task) que aplicamos para a realização da pesquisa tinham sempre como ponto de partida um input inicial constituído por um texto literário, ou uma sequência de vídeo, com um conteúdo intelectual e um nível linguístico adequado para a classe. A execução da tarefa ocorria por meio de uma modalidade interativa durante a qual os aprendizes deviam analisar um texto de um ponto de vista funcional e sociointerativo e, no final, produzir um texto escrito em duplas (output).

 

 

4. Metodologia

 

A pesquisa, que se valeu do instrumento de investigação da etnografia, baseou-se na observação de um grupo-classe. Ao todo, temos à disposição 15 horas de gravação. O grupo que participou do estudo era composto por seis alunos que, por razões de privacidade, foram identificados com as letras Ad-F-L-Pa-M-An.

A fim de garantir a naturalidade do dado, decidimos colher os dados no contexto natural, ou seja, na sala de aula, visto que é por meio da gravação frente a frente que surge a possibilidade de apanhar a língua efetivamente usada e o comportamento real dos interagentes.

Preferimos observar um grupo de nível avançado porque, como confirmam os trabalhos de Bialystok (1990), o nível linguístico dos aprendizes pode influenciar o uso de estratégias de comunicação, ou seja, quanto maior for a competência linguística, maior será o uso de estratégias de comunicação. As gravações foram realizadas por meio de um gravador de áudio. A presença do gravador e do pesquisador no setting é uma das dificuldades principais que se apresentam durante a coleta de dados que se gostaria que fossem ''naturais'' e ''espontâneos''. É o ''paradoxo do observador'', já evidenciado por Labov (1970: 209). A presença do observador é uma variável que, inevitavelmente, modifica o contexto da interação: o problema, então, está na maneira como os dados colhidos podem ser considerados válidos.

Em função disso, a modalidade de observação que adotamos foi de semiparticipação, ou seja, participamos das trocas comunicativas somente quando havia um convite direto por parte dos alunos.

A transcrição dos dados obedeceu às seguintes etapas: num primeiro momento, efetuamos a audição de toda a gravação; posteriormente, procedemos à análise dos segmentos em que aparecia o uso das estratégias de comunicação. Depois de selecionado, o segmento era transcrito. As normas empregadas para a transcrição são as de Van Lier (1988), com algumas adaptações[6].

 

 

5. A análise

 

Logo na primeira análise dos dados, fica claro que os interactantes, quando devem resolver um problema, optam por uma modalidade cooperativa em que interagem e negociam o sentido, juntamente com a produção de diversos turno de palavra, para procurar a palavra correta, modalidade que parece mais produtiva para a aprendizagem (Gass et al. 1998, Swain e Lapkin 1998). Veja-se, a esse respeito, o recorte seguinte:

 

EXEMPLO 1

A dupla está formulando hipóteses sobre o conteúdo do vídeo.

 

F: penso che su lui eh sia come un::: historiador come si dice historiador dell’immagine  

L: non lo so

F: non lo so come uno che studia cose cose (antigue) TL

L: cose antiche

F: cose antiche  

 

F e L estão fazendo hipóteses após assistirem a um vídeo. Dado que F não lembra ou não sabe como se diz ''storico'', antes procura ganhar tempo com hesitações e repetições, em seguida recorre à sua LM e pede ajuda ao colega com uma pergunta direta: ''come si dice historiador dell’immagine''. F, que não sabe ajudar o colega, em lugar de abandonar o tópico, sugere uma circunlocução, ou seja, em lugar de utilizar o termo adequado na língua alvo, descreve suas características: ''uno che studia cose antigue''. Utiliza, porém, uma tradução literal ''antigue'' e o colega o corrige mediante uma sequência de correções: ''cose antiche''. A essa altura, F se autocorrige.

Esta sequência mostra claramente que a língua, quando utilizada de um ponto di vista linguístico e funcional, revela-se muito mais eficaz comunicativamente do que uma situação formal de aprendizagem. Os falantes, nesse contexto de aprendizagem que promove a interação, colaboram na construção do sentido por meio do uso de inúmeras estratégias: hesitações, trocas de código, pedidos diretos, traduções literais, correções, correções de adequação, meio que servem para negociar o input, dado que é por meio da negociação que o input se torna compreensível (Long 1996, Pica 1987). Esse processo revela-se ainda mais produtivo quando o feedback e as correções partem dos colegas, porque a correção entre pares, ao contrário da correção formal do professor, que pode provocar ansiedade e inibir a aprendizagem, favorece em medida maior a aprendizagem de estruturas e do léxico. Veja-se, a esse respeito, o que acontece quando o professor participa da interação, como no exemplo (2):

 

EXEMPLO 2

O grupo está olhando as fotografias e formulando hipóteses sobre o conteúdo do texto.

 

F: ma ma quello oggetto che::: (colloca) TL …che 

Ad: mettiamo =

F: = mettiamo::: le nostre cose quando siamo in viaggio? come si chiama?

P : il bagagliaio

F: il bagaglio!

P: cioè dove mettiamo la la::: la valigia le borse

F: ah valigia!

P: sì bagagliaio

F: ah

 

Em comparação com a sequência anterior, nota-se que, em virtude da presença de um falante mais experiente, ou seja, do professor[7], os interlocutores reduzem consideravelmente o uso das estratégias e, portanto, limitam suas possibilidades discursivas[8]. É bem provável que a presença do professor crie expectativas maiores e provoque a diminuição do empenho coletivo, em prejuízo da fala exploratória que, segundo Fasulo e Girardet (2002), é típica do trabalho de grupo. Por outro, para não se sair mal[9], os aprendizes podem ter adotado estratégias de evitamento, para evitar cometer ''erros''. Um controle maior de cima para baixo torna os aprendizes menos autônomos do ponto de vista linguístico e, portanto, provoca uma dependência maior em relação ao professor. A intervenção do professor provoca, em primeiro lugar, a exclusão de Ad, que é o interlocutor ao qual F se dirige inicialmente. F, para saber como se diz ''valigia'' em italiano, prefere dirigir-se diretamente ao falante mais experiente. Nesse caso, a solução do problema não acontece segundo modalidade cooperativa, na medida em que os falantes não interagem e não negociam o sentido em conjunto para encontrar a palavra correta, mas esperam a resposta imediata do professor.

Em alguns casos, poucos em comparação com os anteriores, o falante não precisa do feedback do colega e faz tudo sozinho, como na sequência (3):

 

EXEMPLO 3

L e Pa estão escrevendo o texto juntos.

 

L: ha cominciato a camminare::: prima di arrivare::: al gabinetto perché qua dice che lei era al gabinetto

Pa: e se mettiamo… ha messo la mano destra nella tasca e ha preso un pacchetto di sigaretto::: sigaretti::: sigarette mentre nazarena e michelina la inseguivano…. la inseguivano eh::: continuavano a  (blasfemare) TL due punti no? ((escreve no papel o que disse)) mentre nazarena e michelina la inseguivano::: e::: continuavano a (blasfemare) TL (diasfemare) ES no?

L: io credo di sì

Pa: (blasfemare) TL (diasfemare?) ES biasimare? cos’è biasimare quando si dice una grossa parola ((inc)) come si dice blasfêmia?... bestemmiare

 

L e Pa devem escrever um texto juntos e cada um levanta algumas hipótese. Vejamos o que acontece no turno de Pa. Logo no início, Pa usa, por duas vezes consecutivas, um termo em LE, mas com o gênero da LM: ''sigaretto:::sigaretti:::''. Após uma hesitação, Pa se autocorrige e pronuncia a forma correta ''sigarette''. Segue-se a isso uma período redundante, formado por uma série de repetições ''la inseguivano…la inseguivano'', pausas, alongamentos do som ''la inseguivano:::'' que sugerem que Pa tem consciência das estratégias que está utilizando e está procurando ganhar tempo para escolher a palavra adequada, que não demora a aparecer, mas, em lugar de ''bestemmiare'', Pa faz uma tradução literal: ''blasfemare''. Não satisfeito, continua ganhando tempo e, após mais uma tradução, cria a forma híbrida ''diasfemare'', formada pela união do verbo português ''blasfemar'' e pelo sufixo italiano verbal da primeira conjugação ''are''. Dado que Pa não está convencido que o termo esteja correto, pede ajuda à colega por meio de um pedido direto ''blasfemare diasfemare no?''. L, que, evidentemente, não conhece a palavra, confirma a resposta: ''io credo di sì''. Finalmente, Pa, por não estar satisfeito com isso, faz mais uma tentativa e, após uma série de passagens que contêm uma hesitação, uma tradução literal e um estrangeirismo, apela para a LM. Só assim consegue resgatar o termo que estava procurando: ''bestemmiare''.

Há casos em que nem o iniciador nem o colega têm condição de resolver o problema. O número das ocorrências em que os interactantes declaram abertamente que não conhecem uma palavra em italiano é realmente pequeno em comparação com as sequências resolvidas. Apresentamos um exemplo:

 

EXEMPLO 4

A dupla está formulando hipóteses sobre o conteúdo do vídeo.

 

Ad: i pantaloni sono bianchi e forse sarebbe:::

Pa: come si dice rosa?

Ad: non lo so

 

Ou, então, ignoram o problema e mudam bruscamente de assunto, como se observa no exemplo (5):

 

EXEMPLO 5

A dupla está formulando hipóteses sobre o conteúdo do vídeo.

 

F: qui sono ragazzi di::: come si dice? con i vestiti di:::

L: scuola non lo so

F: questa cosa uniforme né ((em voz muito baixa risos))

L: uniforme è non lo so io non credo un viaggio

F: è un viaggio no la vita sono gli avvenimenti della sua vita fin dal ((inc)) scuola

c’è questo titolo

L: ((lendo)) il diario delle cacridobo

 

Nessa sequência, L e F devem formular hipóteses sobre o conteúdo do diário com base nas imagens. F não sabe como se diz ''divisa'' e usa o termo em português (uniforme), seguido por risos[10] e por um abaixamento da voz, como se quisessem impedir que o gravador (e, portanto, o professor ou o pesquisador) registrasse uma imagem negativa de sua competência (Nussbaum et al. 2002). L, que, por sua vez, não sabe ajudar F, em lugar de corrigir a forma errada, como acontece na maioria das vezes nas interações entre professor e alunos (Bange 1992, Griggs 1998), procedimento que pode induzir o aprendiz a adotar uma estratégia de evitamento com prejuízo para a aquisição, resolve continuar desenvolvendo a atividade, uma vez que o importante é concluí-la (Nussbaum et al. 2002). Os exemplos desse tipo são poucos, dado que, geralmente, os estudantes preferem produzir intervenções discursivas, mesmo que a duras custas, servindo-se de estratégias de compensação como a tradução literal ou a paráfrase para não deixar em suspenso o termo em LM. Além do mais, é bem provável que muitas estratégias de evitamento que consistem mais na omissão do que na presença escapem aos olhos do pesquisador, sendo possível reconstruir a evasão somente quando há produção de indícios que permitam localizá-la (Faerch e Kasper 1983).

É provável, também, que o tipo de atividade que está sendo realizada, determine uma precisão maior ou menor e condicione o uso estratégico da língua (Bialystok e Frohlich 1980).

 

EXEMPLO 6

Em dupla, devem responder a algumas perguntas sobre o vídeo.

 

M: sì perché quando::: si fa questo si perde molto tempo molte cose che si dicono sono sbagliate

An: sì             

M: eh:::

An: non c’è un (giugizio) ES

M: sì

An: perché::: quando racconta quando lei (escreve) TL quando. si legge ques- il libro di storia. noi siamo (distante) TL

M: sì lontani

Ad: il (giugizio) ES i valori sono diversi 

 

M e An estão tão compenetrados na discussão que o cuidado com a expressão passa em segundo plano, a ponto de deixar passar, além do estrangeirismo ''giugizio'', a presença de duas traduções literais ''escreve'' e ''distante'', que não são corrigidas nem por quem fala nem por seu interlocutor. Diferentemente dos outros exemplos, as produções anômalas não são precedidas nem por sinais de hesitação, nem por pedidos de ajuda, nem por feedback (com exceção de ''lontani'' que M corrige e substitui a ''distante''). Pode-se dizer que o nível de tolerância dos falantes está abaixo do normal. A razão disso talvez esteja no fato de que, nesta atividade, os dois estudantes devem falar. Nos momentos em que se exige maior correção, como, por exemplo, na elaboração de um texto escrito, os aprendizes irão recorrer, com frequência, a uma modalidade cooperativa, irão interagir e negociar juntos o sentido para buscar a palavra correta, assim como tentarão ganhar tempo e farão mais pedidos de ajuda, auto e heterocorreções. Ao contrário, quando a tarefa exige menor precisão, como nas interações, momento em que a comunicação, mais do que a competência linguística, está em primeiro plano, é bem provável que os falantes, cientes disso, estejam mais predispostos a usar formas indeterminadas e aproximadas.

Sobre esse ponto, veja-se o exemplo seguinte, que foi produzido durante a elaboração de um texto escrito. Dado que o output produzido durante a elaboração de textos escritos oferece aos aprendizes mais oportunidades de notar (noticing) e testar a próprias hipóteses, porque a produção obriga os aprendizes a prestar atenção nos meios de expressão de que precisam para transmitir, com sucesso, aquilo que pretendem dizer, os aprendizes demonstram-se, como nesse caso específico, mais disponíveis e atentos à correção.

 

EXEMPLO 7

O grupo deve escrever um comentário sobre o vídeo.

 

Pa: comincia mostra- (mostrando) TR

An: (mostrando?) TR ma c’è questo gerundio? ((risos))

Pa: non c’è?

An: non so

Pa: comincia (mostrando:::) TR

Ad: sì

Pa: comincia mentre… ao fazer ti ricordi a fazer mentre comincia mostra

An: ah sì sì comincia (mostrando) TR edifici antichi  dei ristoranti

Ad: ((escrevendo)) comincia (mostrando) TR dei

P: degli edifici antichi

Ad: dei ristoranti

 

Pa, após uma autorrepetição, sugere o gerúndio ''mostrando'' (mas em italiano seria mais oportuno usar o infinitivo ''mostrare''). An manifesta sua perplexidade e pergunta ao colega, por meio de um pedido direto, se essa forma existe em italiano: ''ma c’è questo gerundio?''. A dúvida de An origina uma série de sequência em que os dois interactantes empenham-se para encontrar uma forma mais adequada, mas sem resultado.

Nem sempre os aprendizes possuem os conhecimentos linguísticos necessários para corrigir suas produções. Apesar disso, movidos pela vontade de expressar o que desejam compartilhar com o colega, em lugar de desistir da mensagem, utilizam outras estratégias de compensação, fato que demonstra, mais uma vez, que, com frequência, o falante tem consciência de estar usando uma estratégia e que a comunicação, e não o aspecto formal, constitui uma prioridade nesse tipo de atividade:

 

EXEMPLO 8

Após assistir ao vídeo, o grupo deve responder a um questionário.

 

An: senza senza l’audio senza sapere proprio l’audio può essere per (qualche::: TL) per (qualche) TL  persona (qualche qualche) TL anche brasiliani o stranieri

 

Nesse caso, An gostaria de usar o pronome indefinido ''qualsiasi'', mas, não sabendo como se diz, usa a tradução literal do pronome português, ''qualquer''. Seu esforço é notável, tanto é verdade que procura ganhar tempo, alongando o som final da sílaba ''qualche:::'' e repete mais de uma vez a a mesma palavra ''qualche, qualche''. A essa altura, não tendo conseguido seu objetivo, em lugar de desistir da mensagem ou de usar a LM, formula uma paráfrase ''anche brasiliani o stranieri'' e, assim, realiza seu propósito de comunicação.

 

 

6. Conclusões

 

A análise do contexto em que a pesquisa foi realizada mostra que as atividades desenvolvidas pelos aprendizes favoreceram a interação e, portanto, também o uso de estratégias de comunicação. Com base nisso, pode-se afirmar que o uso de estratégias de comunicação na aula de língua, durante a elaboração de um texto escrito em dupla, promove a aquisição/aprendizagem?

A nosso ver, as estratégias de comunicação presentes nesse contexto não somente ajudam os aprendizes a manter aberta a conversação, mas também fornecem um input maior, maiores oportunidades para os aprendizes controlarem e validarem as hipóteses e, portanto, maiores chances de eles desenvolverem o seu próprio sistema linguístico. Isso se aplica especialmente às situações em que os aprendizes interagem e negociam juntos o sentido por meio de modalidade de cooperação cujo objetivo é a produção de um output mais correto.

O contexto, também, influenciou algumas estratégias mais do que outras. Se, por exemplo, durante as conversações, o grau de ''risco'' foi o mais envolvido porque os estudantes produziram trocas que favoreceram o uso de várias estratégias, diminuindo, assim, a atenção para a forma, diante de atividades mais formais, como, por exemplo, a produção escrita, os aprendizes demonstraram ter condições de controlar sua produção de um ponto de vista linguístico. Empenharam-se e demonstraram maior colaboração para conseguir modificar o output por meio de auto e heterocorreções, aproximações, traduções literais, transfer, transfer fonéticos e estrangeirismos. Isso foi possível porque a produção em LE é o instrumento principal por meio do qual os aprendizes podem reorganizar e integrar tudo aquilo que foi observado e adquirido em precedência (Swain 1985).

Concluindo, podemos afirmar que a estrutura interativa observada nos exemplos citados, ao contrário do que ocorre nas interações entre professor e aluno, em que a percentagem elevada de perguntas reduz drasticamente a possibilidade discursiva, oferece um terreno fértil para estimular um tipo de comunicação em que a dimensão metalinguística não é um fim em si mesma, mas se torna funcional para a dimensão metadiscursiva.

 

 

Bibliografia

 

Bange, Pierre. 1996. Considérations sur le rôle de l’interaction dans l’acquisition d’une langue étrangère, Les carnets du cediscor, 4: 189-202. 

Bange, Pierre. 1992. A propos de la communication et de l’apprentissage de L2 notamment dans ses formes institutionnelles, Aile, 1: 53-85. 

Barnes, Douglas e Todd Frankie. 1977. Communication and learning in small groups, London, Routledge & Kegan Paul.  

Bialystok, Ellen. 1990. Communication strategies: a psychological analysis of second-language use, Oxford, Basil Blackwell.  

Bialystok, Ellen. 1983. Some factors in the selection and implementation of communication strategies, in C. Faerch, G. Kasper (eds.), Strategies in interlanguage communication, London, Longman: 100-118.  

Bialystok, Ellen e Frohlich Maria. 1980. Oral communication strategies for lexical difficulties, Interlanguage studies bullettin, 5: 3-30.  

Bygate, Martin. 1988. Units of oral expression and language learning in small group interaction, Applied linguistics, 9: 59-82.    

Cambra, Giné Margarida. 2003. Une approche ethnographique de la classe de langue, Paris, Didier.  

Cazden, Courtney. 1988. Classroom discourse: the language of teaching and learning. Portsmouth, Heinemann.  

Cicurel, Francine. 1990. Éléments d’un ritual communicative dans les situations d’enseignement, in L. Dabène, F. Cicurel, M.C. Lauga-Hamid e C. Foerster (eds.), Variations et rituels en classe de langue, Paris, Hatier: 23-54. 

Ciliberti, Anna. 2003. Collaborazione e coinvolgimento nella classe multilingue, in A. Ciliberti, R. Pugliese e L. Anderson (eds.), Le lingue in classe. Discorso, apprendimento, socializzazione, Roma, Carocci: 123-142.  

Dörnyei, Zoltán e Kormos Judit. 1998. Problem-solving mechanism in L2 communication, Studies in second language acquisition, 20: 349-385.  

Faerch, Claus e Kasper Gabriele. 1983. Strategies in interlanguage communication, London, Longman.  

Fasulo, Alessandra e Girardet Hilda. 2002. Il dialogo nella situazione scolastica, in C. Bazzanella (ed.), Sul dialogo. Contesti e forme di interazione verbale, Milano, Guerini Studio: 59-72.  

Foerster, Cornelia. 1990. Et le non-verbal?, in: L. Dabène (ed.), Variations et rituels en classe de langue, Paris, Didier: 75-94.  

Gass Susan, Mackey Alison e Pica Teresa. 1998. The role of input interaction in second language acquisition: introduction to the special issue, The modern language journal, 82: 299-307.  

Goffman, Erving. 1967. Il rituale dell’interazione, Bologna, Il Mulino. 

Griggs, Peter. 1998. Cómo tratan los aprendientes adultos los problemas de lengua en tareas comunicativas efectuadas en pareja, in M. Pujol Berché, L. Nussbaum e M. Llobera (eds.), Adquisición de lenguas extranjeras: perspectivas actuales en Europa, Madrid, Edelsa: 207-218.  

Hall, Joan Kelly. 1995. ''Aw, man, where you goin?'': classroom interaction and the development of L2 interactional competence, Issues in applied linguistics, 6: 37-62.  

Krashen, Stephen. 1985. The input hypothesis: issues and implications, London, Longman.  

Krashen, Stephen. 1982. Principles and practice in second language acquisition, London, Phoenix ELT.  

Labov, William. 1970. The study of language in its social context, Studium generale, 23: 30-87.  

Levelt, Willem. 1989. Speaking: from intention to articulation, Cambridge, MIT Press.  

Long, Michael. 1996. The role of the linguistic environment in second language acquisition, in W. Ritchie e T. Bhatia (eds.), The handbook of second language acquisition, San Diego, Academic Press: 413-468.  

Lüdi, Georges e Py Bernard. 1986. Etre bilingue, Bern, Peter Lang.  

Mehan, Hugh. 1979. Learning lesson: social organization in the classroom, London, Harvard University Press.  

Nussbaum Luci, Tusón Amparo e Unamuno Virginia. 2002. Procédures de contournement des difficultés de langue dans l’interaction entre apprenants, in F. Cicurel e D. Véronique (eds.), Discours, action et appropriation des langues, Sorbonne, Presses Sorbonne Nouvelle: 147-162. 

Orletti, Franca. 2000. La conversazione diseguale. Potere e interazione, Roma, Carocci.  

Pekarek, Simona. 2002. Formes d’interaction et complexité des tâches discursives: les activités conversationnelles en classe de L2, in R. Cicourel e D. Véronique (eds.), Discours, action et appropriation des langues, Paris, Publications de la Sorbonne Nouvelle: 117-130.    

Pica, Teresa. 1987. Second-language acquisition, social interaction, and the classroom, Applied linguistics, 8: 3-21.  

Quadro comune europeo di riferimento per le lingue: apprendimento insegnamento valutazione. 2002. Firenze, La Nuova Italia-Oxford.  

Sinclair, Mchardy e Coulthard Malcom. 1975. Towards an analysis of discourse: the english used by teachers and pupils, London, Oxford University Press.  

Swain, Merrill. 1985. Communicative competence: some roles of comprehensible input and comprehensible output in its development, in S. Gass e C. Madden (eds.), Input in second language acquisition, Mahwah, NJ, Lawrence Erlbaum: 235- 253.  

Swain, Merrill e Lapkin Sharon. 1998. Interaction and second language learning: two adolescent french immersion students working together, The modern language journal, 82: 320-337.  

Tarone, Elaine. 1980. Communication strategies, foreigner talk, and repair in interlanguage, Language learning, 30:417-431.  

Van Lier, Leo. 1988. The classroom and the language learner, London, Longman.  

Vion, Robert. 1992. La communication verbale. Analyse des interactions, Paris, Hachette.

 




[1] A bifocalização consiste, segundo Bange (1992), numa focalização central da atenção dos falantes, dirigida para o tema da comunicação, e numa focalização periférica, dirigida para a presença eventual de problemas na realização das atividades de comunicação.

[2] Essa estrutura, destacada, pela primeira vez, por Sinclar e Coulthard (1975) e Mehan (1979), é constituída por uma sequência, em que o primeiro movimento é constituído, geralmente, por uma pergunta do professor, seguida pela resposta do estudante e a avaliação do professor.

[3] De acordo com as hipóteses de Krashen (1982, 1985), o filtro afetivo seria uma espécie de bloqueio que limitaria a entrada de novos conhecimentos.

[4] A competência comunicacional implica algo mais do que aprender a entender e a produzir enunciados. Envolve os sujeitos numa interação em que cada lance de abertura induz uma resposta e contribui para que a interação avance em direção ao seu objetivo, passando por etapas que vão desde as trocas iniciais até a conclusão (Qcer 2002).

[5] Cf. Tarone 1980; Faerch e Kasper 1983; Bialystok 1990.

[6] As normas que utilizamos para transcrever: P professor; Ad, An, F, L, M, Pa iniciais utilizadas para indicar os alunos; …, …, etc. pausa de um segundo; = dois turnos de palavras em sobreposição; ((inc)), ((risos)) o parêntese duplo indica uma parte da conversação incompreensível ou comentários sobre a transcrição, como risos etc.; no- um hífen indica uma interrupção brusca; eh::: os dois pontos repetidos por três vezes seguidas indicam um som prolongado; ? entoação ascendente; ! entoação descendente; texto mudança de código; (texto) TL tradução literal; (texto) TR transferência; (texto); ES estrangeirismo.

[7] A interação que acontece na aula de língua estrangeira, devido à assimetria de conhecimentos, é caracterizada por uma organização hierárquica (Orletti 2000, Van Lier 1988, Vion 1992). Numa conferência ministrada em 1976 e publicada em 1981, Goffman, com muita ironia, propõe uma releitura da aula, comparando-a a uma conferência. O professor, na qualidade de conferencista, ocupa mais a cena: do ponto de vista físico e linguístico receberá mais ou menos consensos e, sendo o único detentor da palavra, deixará espaço para as perguntas somente no final de sua fala.

[8] Pekarek (2002) observa que uma ordem interacional altamente previsível como aquela gerenciada pelo professor reduz as possibilidades discursivas e a participação e a colaboração local, eliminando, assim, uma das obrigações do professor, que é fazer com que os alunos falem (Bange 1992).

[9] Como registrou magistralmente Goffman (1967), os interactantes utilizam procedimentos específicos para proteger sua reputação de possíveis ameaças. Todas as interações, especialmente aquelas públicas, podem representar ameaças potenciais para a reputação dos participantes. Na aula de língua estrangeira, devido à assimetria linguística, as avaliações e correções efetuadas em continuação pelo professor podem ser vivenciadas pelos aprendizes como ameaças. A esse respeito, veja-se Cambra (2003).

[10] Sobre as diversas funções do riso na aula de língua estrangeira, ver Foerster (1990).

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons