A agressão muitas vezes é empregada como sinônimo da palavra violência, mas estas se diferenciam em seu conceito, pois a agressão se refere a uma partícula da violência que tem o caráter mais grave (Anderson & Bushman, 2002; Goncy, Sullivan, Farrell, Mehari & Garthe, 2017; Warburton & Anderson, 2015). Esta é definida como um conjunto de comportamentos cuja finalidade é causar dano ao outro de forma imediata, sem metas para se atingir um objetivo (Anderson & Bushman, 2002; Warburton & Anderson, 2015).
Assim, toda violência pode ser considerada uma agressão, mas em muitos casos a agressão não chega a ser violência, pois não existe a intenção de causar um dano extremo (Anderson & Bushman, 2002). Nessa perspectiva, tratando-se da violência, o perpetuador acredita que irá prejudicar o alvo, sem que seja necessário o comportamento provocativo da vítima, ou seja, o alvo tenta evitar tais condutas (Anderson & Bushman, 2002; Warburton & Anderson, 2015). Desse modo, o masoquismo que pode causar dor ou algum tipo de sofrimento não é uma agressão, pois a vítima não tenta evitar a conduta agressiva.
Um dos pesquisadores da agressão dos mais importantes, o Craig A. Anderson criou o Modelo Geral da Agressão (GAM), sistematizando há mais de uma década, seu modelo parte de vários teóricos psicossociais, a fim de investigar a fundo os fatores que influenciam e direcionam para comportamentos agressivos e violentos (Anderson & Bushman, 2002; Warburton & Anderson, 2015). Esse modelo explica a agressão como uma resposta aos estímulos ambientais e pessoais (Anderson & Bushman, 2002), elementos esses que estão presente no instrumento de Buss e Perry (1992). Estudos têm analisado a relação da agressão com os fatores pessoais (e.g., personalidade; Anderson & Bushman, 2001) e situacionais (e.g., exposição a drogas, mídias agressivas; Santos, Pimentel, Vasconcelos, Silva-Junior, & Abreu, 2018) como meio direto para expressar a agressão no entorno. Ademais, Anderson e Bushman (2001) afirmaram que os traços de personalidade também possuem uma carga de propensão para se envolver em agressões físicas e verbais, mantendo as cognições hostis e para assim expressar a raiva. Esse modelo (GAM) forma um ciclo dos fatores expostos por Buss e Perry (1992), explicando o modo como cada fator pode explicar o comportamento agressivo.
Esta conduta vem sendo estudada na psicologia a partir de vários instrumentos psicométricos elaborados ao longo de vários anos (Bryant & Smith, 2001; Buss & Perry, 1992; Buss & Durkee, 1957). Buss e Durkee (1957) elaborou a Buss-Durkee Hostility Inventory um instrumento de auto-relato sobre agressões frequentes, com 75 itens em uma escala dicotômica (verdadeiro ou falso). Este era composto por vários fatores como: ataque, agressão indireta, negatividade, irritabilidade, ressentimento, desconfiança e agressão verbal.
Posteriormente, Buss e Perry desenvolveram uma medida psicométrica chamada de Aggression Questionnaire (AQ) ou Questionário de Agressão (QA) nos anos 1992, de autorrelato sobre a agressão composta inicialmente por 52 itens e reduzido com sua análise fatorial dos eixos principais para 29 itens. Recentemente, Bryant e Smith (2001) validaram a escala reduzindo o número de 29 para 12 itens distribuídos em 4 fatores descritivos: Agressão física, verbal, raiva e hostilidade, como definido por Buss e Perry (1992). Esta escala foi conceituada como Buss-Perry Aggression Questionnaire short version (AQ-R; Bryant & Smith, 2001) traduzida para o português pelo presente estudo como Questionário de Agressão Buss-Perry, versão reduzida (QA-R).
Buss e Perry (1992) e Bryant e Smith (2001) replicaram em suas análises confirmatórias três estruturas fatoriais: unifatorial em que os itens seriam compostos por uma agressão geral, tetra-fatorial representando uma estrutura encontrada em cada fator específico e um modelo hierárquico que se assume com os quatro fatores altamente correlacionados e um fator de ordem superior (“super fator”). Em Portugal, a primeira tradução para o português do questionário de Buss e Perry (1992) se deu por Simões (1993) avaliando a partir de uma estrutura tetra-fatorial, mas o fator da agressão verbal apresentou baixa consistência (0,60). Cunha e Gonçalves (2012) a partir da validação realizada por Simões (1993) resolveu validar o Questionário de Agressividade de Buss-Perry para estudantes universitários e ratificou os achados com a estrutura tetra-fatorial.
Já Pinto (2015) validou seu Questionário de Agressividade formulada com base em Bryant e Smith (2001), composta por 12 itens e distribuídos inicialmente em quatro fatores incluindo a agressividade verbal, mas após as análises fatoriais o questionário ficou composto por três fatores (Irritabilidade, Agressividade física e Hostilidade). No Brasil, Gouveia, Chaves, Peregrino, Branco, Gonçalves (2008) testou estas mesmas estruturas já citadas anteriormente com o questionário composto de 29 itens baseados em Buss e Perry (1992) em uma população brasileira assumindo que o modelo hierárquico é mais pertinente e mais vantajoso teoricamente, pois produz uma pontuação total como pode ter pontuações dos fatores específicos.
Com uma ampla amostra composta de 1.382 sujeitos pertencentes a diversos centros educativos da comunidade de Madrid, Rodríguez, Fernández e Gómez (2002) utilizaram-se do questionário original de Buss e Perry (1992) com 29 itens e um modelo de estrutura tetradimensional confirmando que nesta população, em termos gerais, o questionário de agressão permite medições válidas a agressão física e verbal, raiva e hostilidade em sujeitos espanhóis, assim os índices obtidos no estudo são semelhantes aos da escala original de Buss e Perry (1992).
Na Argentina, especificamente na cidade de Córdoba, Reyna, Sanchez, Ivacevich, Sanchez e Brussino (2011) analisaram uma amostra de 371 adolescentes e concluíram que a versão reduzida de 12 itens foi a que apresentou melhor ajuste para a população. Uma análise fatorial exploratória inicial não conseguiu replicar a estrutura de 4 fatores comumente relatada; um modelo de 2 fatores mostrou um melhor ajuste. Como observado em outros estudos, a estrutura de quatro fatores nem sempre oferece um bom ajuste. Por exemplo, Williams, Boyd, Cascardi, & Poythress (1996) descobriram que uma estrutura de dois fatores apresentava melhor ajuste para agressores adultos dos EUA.
A versão Holandesa de validação do QA realizada por Meesters, Muris, Bosma, Schouten, & Beuving (1996) apresentou resultados de três análises fatoriais confirmatórias sucessivas e confirmou o modelo de 4 fatores, que foi originalmente encontrado por Buss e Perry (1992) e replicado posteriormente por Harris (1995). Para obter esse ajuste, foi preciso remover 3 itens do questionário (1 item de agressão verbal e 2 itens de hostilidade), a decisão de remover 2 itens de hostilidade foi sobre a substancial correlação entre seus erros de medição. Em conclusão do estudo, os dados atuais sobre confiabilidade e validade do QA foram de acordo com os achados de Buss e Perry (1992) e Harris (1995) mostraram a importância de medir não apenas a agressão geral, mas também seus componentes separados.
Agressão física representa um elemento comportamental com intenção de causar dor ou sofrimento físico, assim como a agressão verbal que também possui o elemento comportamental, mas que este está na esfera da linguagem, se manifestando através de palavras e insultos. Um fator que está relacionado aos diferentes tipos de agressão é a raiva que é definida por Bryant e Smith (2001) como uma excitação fisiológica, um elemento emocional ou afetivo que resultaria em uma preparação para um comportamento brusco e grosseiro para com o outro. A agressão hostil, por sua vez, é concebida como elemento cognitivo, seria um sentimento impulsionado pela raiva e consiste em um sentimento de má vontade e injustiça é tido como algo impulsivo que ocorre como uma reação a alguma provocação percebida (Anderson & Bushman, 2002; Bryant & Smith, 2001).
Visão geral dos estudos
O objetivo deste estudo é validar o QA de Buss-Perry versão reduzida para a população brasileira, testando modelos fatoriais propostos por Buss e Perry (1992), visto a importância de se avaliar esse fenômeno a partir de modelos específicos bem como de um fator geral.
Para o primeiro estudo, foi realizado a tradução dos itens para o português e análise fatorial exploratória. Nesta etapa visou conhecer se os itens formam os quatro fatores propostos por Bryant e Smith (2001) como a: agressão física, verbal, raiva e hostilidade. Hipotetizamos que estes itens obteriamconsistência interna estatisticamente satisfatória nos quatros fatores, propostos pela literatura. No segundo estudo, realizamos as análises fatoriais confirmatórias para análise da adequação do modelo de medida proposto e o teste de sua validade. Este visa ampliar os achados do primeiro estudo, testando várias estruturas fatoriais, de modo a verificar qual é a mais adequada para o modelo proposto por Bryant e Smith (2001). Hipotetizamos que a estrutura que apresentará bons índices de ajuste ao modelo será o proposto pelos autores supracitados. Haja vista, que diversos autores têm mostrado inconsistência quanto as análises realizadas, logo, novas testagens devem ser feitas para o processo de validação.
Estudo 1
Método
Participantes
Contou-se com a participação de 200 pessoas, provenientes da população geral, não probabilística e por conveniência. Os participantes, em sua maioria, são residentes do Estado da Paraíba (88%), sendo 42,5% da capital (João Pessoa), com idades entre 18 a 64 anos (M=27,85; Mediana = 25,50; DP=9,01). Foram majoritariamente do sexo feminino (68,5%), solteiros (76%), heterossexuais (86,5%), com ensino superior incompleto (41%), de classe média (52,5%) e se consideram um pouco religioso (52,5%).
Instrumentos
Utilizou-se o Questionário de Agressão de Buss-Perry versão reduzida (QA-R), é um modelo mais refinado do que o Questionário de Agressão de Buss-Perry, ao qual continha 29 itens. Este modelo, refinado por Bryant e Smith (2001) é composto por 12 itens distribuídos em 4 fatores, como: Agressão física (e.g., Eu já ameacei pessoas que conheço); Agressão Verbal (e.g., Eu frequentemente discordo das pessoas); Raiva (e.g., Às vezes eu perco a razão sem nenhum motivo e Hostilidade (e.g., Algumas vezes eu sinto que sou tratado injustamente na vida). Os itens estavam dispostos em uma escala Likert de 6 pontos, induzindo os respondentes a escolher um dos lados dos polos, já que não possui um ponto médio central, variando de 1 (não é extremamente minha característica) até o 6 (é extremamente minha característica).Também se aplicou um questionário com informações demográficas (Estado que reside, idade, sexo, estado civil, orientação sexual, escolaridade, nível socioeconômico e religiosidade).
Procedimentos
Inicialmente a QA foi traduzida para o português, que apesar de termos traduções no idioma português estas apresentam diferenças culturais (e.g., Portugal; Cunha & Gonçalves, 2012; Simões, 1993), como também variações linguísticas temporais (e.g., Gouveia, et al., 2008), que podem ter sofrido modificações ao longo do tempo. Além disso, essas traduções se referem ao QA de Buss e Perry (1992) e não a versão reduzida. Com isso, solicitamos a dois tradutores bilíngues experts uma versão do questionário. Feita a tradução por dois psicólogos bilíngues, foi realizada a comparação entre as duas versões resultantes das traduções, avaliando-se as diferenças entre as duas para verificar se havia um consenso entre as traduções na intenção de obter uma versão única e traduzida que fosse compatível com a original. Após a síntese das traduções realizadas pela “team -approach”, realizou-se a tradução para o idioma original, objetivando verificar a qualidade da tradução dos itens e com isso aferirem que medida a versão traduzida representa o conteúdo original. É importante ressaltar que existe diferenças culturais e que por isso não se trata de reproduzir literalmente o item igual ao da versão original, mas de manter uma equivalência conceitual. Em sequência foi realizada a validação semântica de forma online, por 10 respondentes, não-probabilísticos que se dispusessem a responder. Constatando-se nenhuma modificação demandada pelos participantes estudantes universitários de primeiro período do curso de graduação em psicologia.
Logo, prosseguiu-se para a fase da coleta de dados. Foi realizada por meio de um survey online divulgados em redes sociais, para a população geral, com critério de que possuíssem acima de 18 anos. Pessoas com menos de 18 anos foram excluídos da análise. Os participantes foram informados do caráter voluntário da pesquisa, de cunho apenas acadêmico sem fins financeiros e necessitavam expressar sua anuência em relação ao TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) para ter acesso à pesquisa. Este trabalho foi elaborado respeitando a Resolução 510/16 do Conselho Nacional em Saúde, garantindo aos participantes o sigilo e confidencialidade das informações individuais, bem como o comprometimento de que a pesquisa não ofereça nenhum risco a saúde, a integridade biopsíquica, moral e espiritual.
Análise dos dados
Para a tabulação e análise dos dados foi utilizado o IBM SPSS Statistics versão 21 e o software Factor. Foram realizadas análises descritivas e inferenciais, como média, frequência das respostas, poder discriminativo dos itens, análise fatorial exploratória (AFE), e alfa de Cronbach. Em sequência realizou-se uma análise paralela por meio de umasintaxe realizado no IBM SPSS Statistics versão 21. Como também foi realizado o teste t para amostras independentes, com a finalidade de verificar se existem diferenças nos fatores da QA-R quanto aos gêneros feminino e masculino.
Resultados
Visando comprovar que os itens diferenciam os sujeitos, efetuou-se a análise do poder discriminativo dos itens, a partir do critério da mediana para definir grupos critérios (superior e inferior). Para cada item se calculou um teste t comparando as médias dos dois grupos. O critério da mediana somando a pontuação total dos itens. A partir da análise estatística descritiva traçou-se a mediana (31,5), a qual possibilitou diferenciar os grupos: Inferior (abaixo da mediana) e superior (acima da mediana). A partir do poder discriminativo dos itens, verificou-se que estes diferenciavam os sujeitos em sua maioria.
Assim a comprovação foi feita com o teste t de Studentpara amostras independentes, comparando-se as médias dos grupos inferior e superior de cada item. Todos os itens discriminaram os sujeitos com níveis de significância (p) satisfatórios.
Análise Fatorial Exploratória
Em seguida foi feito análise fatorial exploratória (AFE), foram estimados 4 dimensões, conforme a literatura (Bryant & Smith, 2001), com matrizes de correlações policóricas, método Weighted Least Squares(WLS) e rotação oblimin. Dada à hipótese que são fortemente correlacionados, assim como podem ser considerados ordinais. A AFE demonstrou a existência de apenas 1 fator geral para todos os itens. Mas, seguindo a literatura observamos que os fatores propostos obtiveram eigenvalues (valores próprios) foram maiores que 1, o que indica a existência desses fatores (Anunciação, 2018), com exceção do quarto fator que obteve valor próprio de 0,88. Conforme pode ser visto naTabela 1. Extraímos os índices de Kayser-Meyer-Olkin (KMO) de 0,79 e o teste de esfericidade de Bartlett (X² (66) = 1017,2; p < 0,001), significando que os dados são passíveis de fatoração (Anunciação, 2018). A estrutura dos fatores explica 69,7% da variância total do construto da agressão, o que indica uma ampla porcentagem na formação do construto teorizado (Anunciação, 2018). As comunalidades variaram entre 0,32 e 0,86.Dando prosseguimento, o critério de Cattel, representando pelo gráfico de sedimentação (ScreePlot), apontou a existência de quatro fatores, porém apenas um foi predominante.
Com a finalidade de se conhecer a distribuição dos itens ao fator, procedeu-se com a Análise paralela, devido a sua robustez, com 1.000 simulações e 95% de confiança, que buscou verificar a existência dos fatores como determina a literatura, examinando as comparações através do Critério de Kaiser com a Análise Paralela (tabela 2).
Apesar do critério de Horn apontar a existência de três fatores pelo fato do quarto fator não ter apresentado eigenvalue (valor próprio) > 1,14, como critério para a sua existência, este achado vai ao encontro do modelo proposto pela literatura que propõe quatro fatores (Bryant & Smith, 2001). Portanto, de acordo com o critério teórico se admitiram 4 fatores. Para aferir a existência ou não do quarto fator, foi verificado o alfa de Cronbach, ao qual demonstrou a consistência interna adequada com a estrutura fatorial proposta, em cada fator, variando de 0,79 a 0,81, sugerindo dessa forma a permanência do modelo enfatizado. A escala total obteve um alfa de Cronbach de 0,86 e um ω = 0,86, considerados estatisticamente satisfatórios (DeVellis, 2017; Revelle & Zinbarg, 2009).
Diferenciação quanto aos gêneros
Realizou-se ainda um teste t para amostras independentes, verificando que existe diferenças de médias entre homens e mulheres. Na agressão verbal foi observado resultados marginalmente significativos (t (198) =1,98; p= 0,06), demonstrando que os homens relataram mais agressão verbal (M = 3,16; DP = 1,25) do que as mulheres (M = 2,83; DP = 1,25). Na agressão física também obtivermos resultados parecidos (t(198) = 3,21; p = 0,002), em que os homens (M = 2,29; DP = 1,28) reportaram mais o uso da força física do que as mulheres (M = 1,75; DP = 0,99). Entretanto, a raiva e a hostilidade não obtiveram variações de médias estatisticamente significativas (p> 0,05), quanto aos gêneros (tabela 3).
Estudo 2
Método
Participantes
Contou-se com a participação de 207 pessoas, provenientes da população geral, não probabilística e por conveniência. A maioria dos participantes é residente do estado da Paraíba (96,6%) sendo 56,5% da cidade de João Pessoa. As idades variaram entre 18 a 62 anos (M=29,06; Mediana = 26,00;DP = 10,04) sendo 61,4% do sexo feminino, autodeclarados solteiros (69,1%), heterossexuais (89,4%), com ensino superior incompleto (38,2%), de classe média (54,1%)e se consideram um pouco religioso(56%).
Instrumentos
Foi utilizada o Questionário de Agressão de Buss-Perry versão reduzida (QA- R), composto por 12 itens já explorados no estudo 1, cujos itens se apresentavamnuma escala Likert de 6 pontos, induzindo os respondentes a escolher um dos lados dos polos, já que não possui um ponto médio central, variando de 1 (não é extremamente minha característica) até o 6 (é extremamente minha característica). E um questionário com informações demográficas (Estado que reside, idade, sexo, estado civil, orientação sexual, escolaridade, nível socioeconômico e religiosidade).
Procedimentos
Seguiu-se os mesmos procedimentos do estudo 1.A coleta de dados foi realizada por meio de survey online divulgados em redes sociais, para a população geral, com critério de que possuíssem acima de 18 anos. Pessoas com menos de 18 anos foram excluídos das análises. Os participantes foram informados do caráter voluntário da pesquisa, de cunho apenas acadêmico sem fins financeiros e necessitavam expressar sua anuência em relação ao TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) para ter acesso à pesquisa. Este trabalho foi elaborado respeitando a Resolução 510/16 do Conselho Nacional em Saúde, garantindo aos participantes o sigilo e confidencialidade das informações individuais, bem como o comprometimento de que a pesquisa não ofereça nenhum risco a saúde, a integridade biopsíquica, moral e espiritual.
Análise dos Dados
Para a efetivação da análise fatorial confirmatória foi utilizada com o programa RStudio (versão 3.5.3). Para execução das análises foi usado o pacote Lavaan. Estimador Weighted Least Squares Mean- and Variance-adjusted (WLSMV). Para estimar o modelo mais adequado, utilizou-se os indicadores de adequação de ajuste ao modelo, considerando os valores absolutos, parcimoniosos e os instrumentais (Anunciação, 2018).
Esses valores são representados pelos índices: Chi-quadrado dividido pelos graus de liberdade (X 2 /g.l ) cujos valores devem se apresentar entre 1 e 3 (Anunciação, 2018); o CFI e GFI (Índice de qualidade de ajuste) cujos valores acima de 0,95 indicam ótimo ajuste e os superiores a 0,90 indicam ajuste adequado; o RMSEA (Raíz quadrada média dos quadrados dos erros de aproximação) é também uma medida de discrepância, sendo esperados resultados menores que 0,05, mas aceitáveis até 0,08 (Anunciação, 2018; Kline, 2015); e SRMR (Raiz padronizada do resíduo do quadrático médio) com índices sendo que índices menores que 0,10 são indicativos de bom ajuste (Anunciação, 2018; Kline, 2015). Parsimony Goodness-of-Fit Index (PGFI) variam de 0 e 1, valores mais próximos de 1, indicam que o modelo é mais parcimonioso (Schermelleh-Engel, Moosbrugger, & Müller, 2003).A figura foi feita com o auxílio do pacote SemPlot. Também realizou o ω de McDonald para aferição da consistência da escala.Além disso, através do SPSS versão 21, fez-se a frequência das médias e desvios padrões do perfil amostral, bem como alfa de Cronbach para aferição da consistência interna dos fatores. Também realizamos o testet para amostras independentes, com a finalidade de verificar se existem diferenças nos fatores da QA-R, quanto aos gêneros feminino e masculino.
Resultados
A partir da estrutura fatorial da QA-R apresentada no primeiro estudo, resolveu-se testar o modelo fatorial obtido e compará-lo com vários outros modelos alternativos. Para o efeito, testou-se o modelo unifatorial formando uma escala geral de agressão; um modelo tetra-fatorial com os 4 fatores especificando cada tipo de agressão e um modelo hierárquico composto por quatro fatores de primeira ordem e um fator geral de segunda ordem. Como pode ser observado na tabela 4, os três modelos testados(e.g., unifatorial, hierárquico e tetra-fatorial) apresentaram bons índices de ajuste ao modelo, isso significa que o QA-R pode se adequar a diferentes estruturas.
Na escolha da estrutura mais adequada, utilizou-se o menor X²/g.l denominado de valor absoluto (Anunciação, 2018), porém para analisar modelos alinhados usou-se o X² (Schermelleh-Engel et al., 2003), isto é, na análise do modelo unifatorial ou treta-fatorial. Dentre as duas opções o modelo tetra-fatorial foi o melhor modelo, entretando, como as correlações entre os quatro fatores foram apresentadas de maneira forte, variando entre os valores não padronizados de 0,84 (hostilidade e raiva) e 1,20 (agressão física e a raiva), este possibilitou o surgimento de uma estrutura hierárquica, em que os fatores estão fortemente correlacionados formando uma estrutura única, isto é, um fator de 2a ordem. Para analisar, o melhor modelo, decidiu-se além do menor X²,verificaro maior valor PGFI, pois esse índice diz respeito, o quão o modelo é parcimonioso aos dados (Schermelleh-Engel et al., 2003). Como também foram avaliados pelos pesos que cada variável observada tem sobre a variavel latente. Logo, a estrutura que obteve melhor ajustamento foi a estrutura hierárquica, bem como já testada pelos autores Buss e Perry (1992).
Todas as saturações/cargas fatoriais (lambdas (λ)) foram estatisticamente diferentes de zero (p < 0,001), como mostra a figura 1. Estes resultados demonstram que o questionário de agressão pode ser adequadamente representado por um modelo hieráquico, assumindo que a agressão geralé um fator mediado pelas quatro dimensões da agressão. Isto é, a agressão geral é composta pelas quatro dimensões correlacionadas que refletem a predisposição de uma pessoa para a agressãono físico, verbal, emocional (raiva) e cognitivo (hostilidade) (Buss & Perry, 1992; Bryant & Smith, 2001).
Na figura 1, percebeu-se que existe uma relação entre a densidade das linhas e a representatividade dos itens com maior carga fatorial. Todos os itens apresentaram λ > 0,45, o que torna estatisticamente suficiente para pertencer aquele fator, ratificando com a estrutura original de Bryant e Smith (2001). Observou-se que a agressão verbal obteve alfa de 0,66 (ω = 0,69); a hostilidade apresentou α= 0,73 (ω = 0,74); a agressão física apresentou α= 0,66 (ω = 0,69), e a raiva apresentou α = 0,74 (ω = 0,76), estes fatores obtiveram consistência baseada no alfa razoável estatisticamente, mas que para fins de pesquisa já são considerados pertinentes (Hogan, 2006). O fator de 2a ordem apresentou consistência interna de 0,80, foi estatisticamente satisfatório (DeVellis, 2017). Tendo como intuito uma maior validade do fator geral, realizou-se também o ω de McDonald sendo também estatisticamente satisfatório (ω =0,81; Revelle & Zinbarg, 2009), para o modelo hierárquico.
Diferenciação quanto aos gêneros
Realizou-se ainda um testet para amostras independentes, verificando que existe diferenças de médias entre homens e mulheres. Na agressão verbal (t (205) =2,56; p= 0,01), foi observado que os homens concordam mais com a agressão verbal (M = 3,03; DP = 1,11) do que as mulheres (M = 2,63; DP = 1,05). O mesmo não aconteceu quanto ao sentimento da raiva (t(174,50) = -1,77; p = 0,08), em que as mulheres exibem mais raiva (M = 2,72; DP = 1,17) do que os homens (M= 2,43. DP= 1,24). A agressão física, a hostilidade e o fator geral da agressão não obtiveram variações de médias estatisticamente (p> 0,05), quanto aos gêneros.
Discussão
Esse estudo objetivou validar a QA-Rde Buss-Perry para a população brasileira, utilizando os modelos fatoriais e itens propostos por Bryant e Smith (2001) e como base metodológica o modelo original de Buss e Perry (1992). Esses modelos, no entanto, mostraram-se compatíveis ao presente estudo, apresentando bons índices de ajuste ao modelo como também confiabilidade nos dados observáveis.
Visou-se traduzir e validar o instrumento QA-R, por uma necessidade de preencher uma lacuna teórica existente, aliás a literatura se mostra inconsistente nas estruturas fatoriais quanto as suas validações mundiais (e.g., EUA, Portugal, Brasil, Espanha, Argentina e entre outros). Esse instrumento também permite identificar quatro formas específicas de agressão física, verbal, hostilidade e raiva, de maneira menos cansativa para o leitor e de fácil aplicação (Bryant & Smith, 2001). Permite ainda, como Gouveia et al., (2008) pontua, conhecer os fatores específicos que podem se relacionar com outros potencializadores ou repressores da agressão. Segundo Bryant e Smith (2001), o critério de ordem dos itens é importante, e nesse estudo cabe ressaltar que foi mantido a ordem original apresentada pelos autores, com a finalidade de manter a especificidade de cada tipo de agressão, permitindo a comparação transcultural dos dados.
Em estudos anteriores, a estrutura de 4 fatores comumente relatada não foram replicadas em análises iniciais (Reyna et al., 2011; Cunha & Gonçalves, 2012; Simões 1993) proporcionando modelos variados, desde dois a três fatores, mostrando seus melhores índices pautados nesses modelos (Reyna et al., 2011; Pinto, 2015). Por outro lado, resultados de estudo de Meesters et al. (1996) confirmou o modelo de 4 fatores tal qual como o questionário original (Buss & Perry, 1992). Bem como estudos de Gallagher e Ashford (2016) que testaram a estrutura fatorial com pessoas que cometeram algum tipo de delito, e ressaltam que a estrutura da versão reduzida por Bryant e Smith (2001) é uma das melhores adequações de modelo. Essa estrutura também foi testada com policiais (Greenberg, Riggs, Bryant & Smith, 2003) indicando melhor ajuste aos modelos hierárquicos e tetra-fatorial. Atenta-se para o fato de que no presente estudo constatou-se que o QA-R se adequa a diferentes estruturas e que nosso estudo possibilitou uma nova forma de se analisar, já testada anteriormente por Buss e Perry (1992) como também por uma validação brasileira (Gouveia et al., 2008), por meio da estrutura hierárquica, entretanto esses instrumentos possuem 29 itens. Nosso estudo, demonstrou, em uma versão curta, por meio da estrutura hierárquica, que o fator geral da agressão não consegue ser visualizado pelos indicadores diretamente, mas são mediados pelos quatro fatores propostos por Buss e Perry (1992).
A consistência interna dos itens foi constatada como estatisticamente satisfatória (DeVellis, 2017), apesar de alguns fatores (a exemplo de agressão física e verbal) não pontuarem> 0,70. Porém, Hogan (2006) retrata que para instrumentos próprios para pesquisas > 0,60 já é suficiente, já que o instrumento não será utilizado para fins de diagnóstico. Neste sentido, o fator geral também apresentou consistência interna satisfatória para o alfa de Cronbach (DeVellis, 2017), como também no Ômega de McDonald, por baseia-se na proporção da variância comum em um teste, o que faz com que esse índice obtenha um melhor desempenho (Revelle & Zinbarg, 2009).
A propósito da diferenciação quanto aos gêneros já era esperado que o sexo masculino apresentasse mais aceitação com as agressões físicas e verbais (e.g. Rodríguez et al., 2002), no entanto, no presente estudo, os homens confirmaram nossas hipóteses mostrando mais favoráveis a agressão verbal nos dois estudos (Reyna et al., 2011; Rodríguez et al., 2002) e apenas no primeiro estudo, confirmou em relação à agressão física, ratificando com estudo de Rodríguez et al. (2002). Em seu estudo Rodríguez et al. (2002), mostrou que os homens manifestam mais esses comportamentos em diversas situações. É importante ressaltar que esses comportamentos podem ser manifestos em relacionamentos, disputa de poder, discussões de trânsitoe que sua favorabilidade pode ser um indicativo para a prática de atos violentos nessas situações. Quanto ao sentimento de raiva e hostilidade, se esperava que as mulheres mostrassem mais favoráveis as agressões verbais (Rodríguez et al., 2002), o que de certo modo foi coerente com a literatura (Gouveia et al., 2008; Reyna et al., 2011; Rodríguez et al., 2002) mostrando que as mulheres apresentaram mais sentimento de raiva do que os homens, mas não apresentaram diferenças em nenhum dos dois estudos quanto a hostilidade.
Dentre as limitações que podem ser apontadas nesta pesquisa em primeira instância aponta-se para a representatividade da amostra, uma vez que foi majoritariamente de um Estado brasileiro e não ter equiparação quanto ao sexo, escolaridade e nível de religiosidade que pode interferir no maior endossamento das normas sociais. Além disso, não administramos outras medidas de autorrelato sobre a agressão, o que ajudaria a estabelecer a validade convergente, em especial a validada por Gouveia et al. (2008). Outra limitação, foi a falta de análise de invariância para os gêneros (homens e mulheres) quanto a estrutura do QA-R, o que impossibilitou compará-los com estudos de Reyna et al. (2011). Apesar dessas limitações o estudo é importante uma vez que há benefícios relacionados a otimização de tempo, tendo a possibilidade de resultados satisfatórios. Espera-se, no entanto, que o estudo tenha contribuído com as comparações transculturais sobre o fenômeno da agressão. Seria interessante tambémum estudo futuro com análises de validade preditiva, convergente e discriminante para uma verificação se o Questionário de Agressão versão reduzida de Buss-Perry,apresenta-se outros tipos de validade.