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Psicología, Conocimiento y Sociedad

versión On-line ISSN 1688-7026

Psicol. Conoc. Soc. vol.8 no.2 Montevideo nov. 2018

https://doi.org/10.26864/pcs.v8.n2.5 

Trabajo original

“Drogas da Inteligência?”: Cartografando as controvérsias do consumo da Ritalina® para o aprimoramento cognitivo

“¿Drogas de la Inteligencia?”: Cartografando las controversias del consumo de la Ritalina® para el mejoramiento cognitivo

“Smart Drugs?”: Mapping the controversies on the use of Ritalin® for cognitive enhancement

Cristiana de Siqueira Gonçalves1 
http://orcid.org/0000-0002-6413-6578

Rosa Maria Leite Ribeiro Pedro1 
http://orcid.org/0000-0002-3476-790X

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Autor referente: cristianasiqueira@yahoo.com.br


Resumo:

O consumo da Ritalina® para o aprimoramento cognitivo vem aumentando no Brasil e no mundo, atraindo a atenção de diversos estudiosos que vêm discutindo as questões éticas envolvidas nesse consumo, denominado off-label, que ainda portam muitas controvérsias. O presente artigo apresenta algumas controvérsias referentes aos riscos e efeitos do consumo da Ritalina para fins de aprimoramento cognitivo, bem como as expectativas em relação ao futuro desse consumo. Para tanto, foi realizada uma pesquisa na qual foram entrevistados psiquiatras, propagandistas da indústria farmacêutica e consumidores destes medicamentos. Os resultados apontam para a centralidade do respaldo médico ao consumo, o que converge para as análises voltadas para a medicalização e farmaceuticalização da sociedade contemporânea; e para a prevalência da performance sobre o risco, em sintonia com os valores próprios à atualidade.

Palavras-chave: Ritalina; Biotecnologias; Medicamentos psicotrópicos; Cartografia das controvérsias

Resumen:

El consumo de la Ritalin® para el mejoramiento cognitivo viene aumentando en Brasil y en el mundo, atrayendo la atención de varios estudiosos que vienen discutiendo las cuestiones éticas acerca de ese consumo, llamado off-label, que todavía genera muchas controversias. El presente artículo presenta algunas de esas controversias relativas a los riesgos y efectos del consumo de la Ritalina para fines del mejoramiento cognitivo, así como las expectativas en relación a ese consumo. Para ello, fue realizada una investigación en la cual se entrevistó a psiquiatras, propagandistas de la industria farmacéutica y consumidores de estos medicamentos. Los resultados apuntan a la responsabilidad al respaldo médico del consumo, lo que converge en el sentido de los análisis de la medicalización y farmaceuticalización de la sociedad contemporánea; y al predominio de la performance sobre el riesgo, en sintonía con los valores propios de la actualidad.

Palabras claves: Ritalina; Biotecnologías; Psicofármacos; Cartografía de las controversias

Abstract:

Ritalin® consumption for cognitive enhancement has been increasing in Brazil and in the world, attracting the attention of several scholars who have been discussing the ethical issues involved in this consumption, called off-label, which still carry many controversies. This article presents some controversies regarding the risks and effects of Ritalin consumption for the purpose of cognitive enhancement, as well as the expectations regarding the future of this consumption. To do so, a survey was conducted in which psychiatrists, pharmaceutical industry propagandists and consumers of these drugs were interviewed. The results point to the centrality of medical support to consumption, which converges to the concepts of medicalization and pharmaceuticalization, used to characterized contemporary society; and also to the prevalence of performance over risk, in line with current values.

Keywords: Ritalin; Biotechnology; Psychotropic medications; Cartography of controversies

Introdução

O consumo de medicamentos psicotrópicos é um tema controverso, seja pela dificuldade em definir as fronteiras do que é ou não patológico no âmbito dos transtornos mentais, por seu excessivo consumo na atualidade, ou ainda pelos efeitos colaterais e possibilidade de abuso e dependência. Não menos controverso é o consumo de psicotrópicos para aprimoramento da performance cognitiva, tratado, por alguns estudiosos, dentro da temática das enhancement technologies - intervenções que visam a melhora do funcionamento ou de características humanas para além do sustento da saúde ou reparo do corpo (Hogle, 2005 citado por Frize, 2013). Um desses psicotrópicos é o cloridrato de metilfenidato, popularmente conhecido pela Ritalina.

O cloridrato de metilfenidato foi sintetizado em 1944 na Suíça por Leandro Panizzon, químico da empresa CIBA. Dez anos depois, a substância foi patenteada com o nome de Ritalin®, em homenagem a Marguerite (cujo apelido era Rita), esposa de Panizzon, que consumia regularmente a substância antes de suas partidas de tênis, relatando efeito energizante advindo da mesma. Nesse mesmo ano, a Ritalina passou a ser comercializada na Suíça como um psicoestimulante leve e em 1955 foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), sendo introduzida no mercado americano no início do ano seguinte (Blech, 2009; Brant y Carvalho, 2012; Domitrovic, 2014; Herrera, 2015).

Descrita como um estimulante do sistema nervoso central de excelente tolerância, com efeitos colaterais leves e controlados se comparados às anfetaminas (Conrad, 2007), a Ritalina era indicada para o tratamento de adultos com distúrbios psicológicos diversos, como “fadiga crônica, letargia, estados de psicose associada à depressão e narcolepsia” (Herrera, 2015, p. 26), e em episódios de confusão no envelhecimento (Blech, 2009). Era também empregada no emagrecimento, melhoria da performance atlética e do desempenho intelectual (Itaborahy, 2009 citado por Brant y Carvalho, 2012). Atuando na melhora do humor e da performance em geral, sem provocar euforia, seu uso por sujeitos sãos era totalmente tolerado para fins de eficácia (Domitrovic, 2014).

Nas décadas de 60 e 70, a partir de pesquisas acerca do efeito dessa substância no organismo, seu uso em crianças com transtornos de comportamento se tornou possível e, mesmo sem indicação médica específica, nem clareza quanto à finalidade da prescrição passou-se a noticiar o “suposto remédio maravilhoso”, aumentando o número de receitas (Blech, 2009). No final dos anos 60, a fim de resolver o problema da inexistência de indicação médica, cientistas estabeleceram que o próprio medicamento seria usado para diagnosticar a doença, ou seja, quem modificasse seu comportamento ao ingerir o fármaco estava doente e, em contrapartida, aquele que não reagisse à substância estaria (Blech, 2009). Deste modo, mesmo que o consumo da Ritalina por crianças já estivesse aprovado pela FDA desde 1961, apenas nos anos 70 ela passou a ser promovida e indicada para crianças com Disfunção Cerebral Mínima (DCM) - categoria diagnóstica da época que precedeu o que conhecemos hoje por TDAH (Herrera, 2015). Se até então era impensável ministrar anfetaminas e outras substâncias similares às crianças, agora havia uma síndrome clínica para curar (Blech, 2009), e a Ritalina passou a se consolidar no meio médico e leigo como medicamento voltado para o tratamento de crianças com problemas de comportamento evidenciados no contexto escolar, passando a estar associado fundamentalmente à hiperatividade jovem. A partir daí, multiplicaram-se publicações exaltando seus benefícios, reforçando teorias biomédicas em que o tratamento medicamentoso assumia a centralidade nos problemas do comportamento infantil (Domitrovic, 2014).

Nas décadas de 80 e 90, tal transtorno, até então restrito ao universo infantil, passou a ser visto como um distúrbio do desenvolvimento que continua na vida adulta, sendo considerado crônico e incurável (Caliman, 2009). Com a publicação do DSM V, em 2013, definiram-se alterações relevantes em relação ao TDAH, como a inclusão de critérios para o diagnóstico de adulto e o estabelecimento da classificação do quadro em três intensidades: leve, moderado e grave (ABDA, 2013 citado por Domitrovic, 2014). Ampliava-se assim, o público alvo passível de ser diagnosticado e, consequentemente, tratado com o metilfenidato.

Se, por um lado, houve crescimento no consumo deste medicamento devido à ampliação da categoria diagnóstica de TDAH, vemos atualmente uma clara reapropriação de seu consumo para fins de aprimoramento da performance cognitiva, que tem repercutido na mídia através de notícias de “concurseiros” e executivos que fazem uso dessas substâncias para estudar ou trabalhar por mais horas e “bater suas metas”. Nos EUA, adolescentes e jovens adultos vêm usando a Ritalina como “droga de substituição”, para reprimir a fome e diminuir o cansaço (Blech, 2009). No Brasil, diversas matérias jornalísticas ressaltam o uso da Ritalina por jovens estudantes. Em uma busca por “Ritalina” no Facebook, encontramos mais de 10 grupos dedicados à discussão sobre o consumo desse medicamento por quem tem TDAH, assim, como por “concurseiros”, além de grupos de venda sem receita. Recentemente, a plataforma Netflix lançou um documentário chamado “Take your pills” (Clements, Hepburn, Goldman, Osborn y Klayman, 2018) no qual é abordado o consumo não apenas da Ritalina, mas de outros medicamentos por jovens estudantes e empresários visando o aprimoramento da performance cognitiva.

Esse tipo de consumo vem sendo analisado por diversos autores como um aprofundamento da medicalização (Conrad, 2007; Dumit, 2012) ou biomedicalização, da sociedade, para enfatizar os avanços tecnocientíficos, que permitiram novas descobertas e aplicações no domínio da saúde, incluindo seu aprimoramento (Clarke, Shim, Mamo, Fosket, y Fishman, 2003; Martins, 2008). E também a partir do conceito de farmaceuticalização, cujo foco é a presença das soluções farmacêuticas para dar conta das questões da sociedade contemporânea. Privilegiando esse conceito, Williams, Martin e Gabe (2011) traçam 6 dimensões-chave para análise das tendências e transformações que essa farmaceuticalização traz, envolvendo: a redefinição de problemas de saúde como tendo uma solução farmacêutica, enfatizando o crescimento dos mercados e a participação ativa das companhias farmacêuticas na definição das doenças e na promoção de seus tratamentos; mudanças das relações entre as agências regulatórias e indústrias farmacêuticas, com a presença cada vez maior destas nos processos de regulamentação dos fármacos; ressignificação dos problemas de saúde, na mídia e na cultura popular, como tendo solução farmacológica, destacando-se o papel da web não apenas como fonte de informação, mas como meio para a compra de fármacos; a criação de novas identidades sociais e o papel ativo de grupos de consumidores e pacientes em seus tratamentos e no cuidado com a saúde; o uso de medicamentos para fins não-médicos e a criação de novos mercados - ponto em que aparece a questão da busca de medicamentos para enhancement, criando mercados farmacêuticos através da relação direta com os consumidores para além do controle médico; e a inovação farmacológica e a colonização dos futuros da saúde, destacando-se as expectativas fomentadas pelo discurso da inovação farmacológica, com a manutenção da hegemonia do discurso biomédico. Vale destacar que para os autores a farmaceuticalização é vista como um processo sócio-tecnico heterogêneo dinâmico e complexo, que articula uma rede de instituições, organizações, atores e artefatos, além de estruturas cognitivas associadas a criação, produção e consumo de novas terapias. Consumo que se estende para além do domínio médico, abrangendo outros usos não-médicos, como o consumo para o aprimoramento cognitivo por pessoas saudáveis.

Todos esses pontos nos demonstram como na atualidade, para além do espraiamento do discurso médico, assistimos ao espraiamento do discurso farmacológico, ultrapassando a tradicional relação médico-paciente e colocando os medicamentos não apenas como a solução para os problemas de saúde, mas como o que nos permitirá estar “melhor que bem” e nos ajudará a superar os nossos limites. No caso dos enhancements cognitives, como o que trará vantagens competitivas, tornando-nos mais produtivos.

O presente artigo tem como foco justamente o consumo da Ritalina para fins de aprimoramento cognitivo por pessoas que não possuem diagnóstico de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), como o objetivo de traçar as controvérsias que atravessam o consumo desse medicamento. Baseando-nos teórica e metodologicamente na Teoria Ator-Rede e na Cartografia das Controvérsias, tal como desenvolvida por Bruno Latour (2012), consideramos que esse fenômeno se constitui como uma rede sócio-técnica heterogênea, que articula actantes humanos e não-humanos cujas conexões devem ser seguidas a fim de identificar as questões “quentes”, ou seja, que ainda não estão totalmente estabilizadas e ainda portam controvérsias. Neste sentido, os medicamentos, os médicos, os consumidores, os representantes das indústrias farmacêuticas e a mídia, são vistos aqui como importantes actantes nessa rede.

Metodologia

Em nossa pesquisa, realizamos entrevistas com 3 propagandistas da indústria farmacêutica, 9 médicos psiquiatras, dentre os quais 5 trabalham receitando a Ritalina, e 3 consumidoras deste medicamento para fins de aprimoramento cognitivo. Os entrevistados eram adultos com idades entre 27 e 58 anos e a seleção se deu por meio da técnica “bola de neve”, em que um entrevistado indica o outro e assim sucessivamente. A discrepância observada entre as “categorias” se deveu à dificuldade em contatar os propagandistas da indústria farmacêutica e os consumidores, sobretudo por tratar-se de um consumo off-label, visto como “ilegal”. As entrevistas foram abertas, realizadas a partir de um roteiro que serviu como um guia. Para além das entrevistas, utilizamos também fontes diversas, matérias jornalísticas, documentos da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e bulas dos medicamentos, que nos ajudaram a delinear esta rede.

Buscamos traçar como se dá o consumo, como ele é demandado junto aos médicos psiquiatras, como os diferentes atores percebem e lidam com o mesmo, quais questões presentes na atualidade colaboram para a existência desse fenômeno. Buscamos também traçar a prospecção e as expectativas futuras dos diferentes atores da rede. A partir da análise do material colhido, foram desdobradas algumas discussões presentes nesse campo, tais como as controvérsias quanto à segurança e risco desses medicamentos e quanto aos seus efeitos de aprimoramento cognitivo, assim como quais questões presentes na atualidade colaboram para a busca desse medicamento, e o que nos reserva o futuro.

A cartografia aqui apresentada é um recorte, restrito a um campo específico de pesquisa, parte de uma discussão mais ampla, que envolve muitos outros atores. Objetiva dar visibilidade à constituição dessa rede com suas diferentes vozes, mapeando como os diferentes atores se apropriam da Ritalina para fins de aprimoramento cognitivo, e vão compondo sua existência articulados a esse consumo.

Se entendemos que a medicalização e a farmaceuticalização são fenômenos sócio-técnicos heterogêneos e complexos próprios da atualidade, torna-se urgente realizar pesquisas que sigam discursos e praticas que contribuam para sua compreensão.

Resultados

A controvérsia Segurança versus Risco no consumo da Ritalina®

Na literatura, o debate quanto a segurança e risco do consumo do metilfenidato ronda em torno do risco de efeitos adversos, desconhecimento de seus efeitos a longo prazo e possibilidade de uso abusivo. Porém, nas entrevistas efetuadas o debate apareceu com nuances um pouco mais complexas.

Ao se referir aos efeitos colaterais da Ritalina, os psiquiatras entrevistados destacaram a diminuição do apetite e a perda de peso, diminuição do sono, tiques motores, enjôo, dor de cabeça e risco de eventos cardiovasculares - todos coincidentes com aqueles previstos na bula do medicamento. Já os efeitos colaterais relatados pelas entrevistadas que consumiram o medicamento para aprimoramento cognitivo nem sempre coincidiram com os previstos. Houve relato de taquicardia e um enorme cansaço após o uso, acompanhado de um incômodo “subjetivo”, como se estivesse drogada ou fora de si - o que acabou levando à suspensão do uso. O cansaço intenso também apareceu em outro relato. Já uma terceira consumidora relatou perda de apetite e conseqüente emagrecimento, um efeito colateral avaliado como benéfico, que a faz querer voltar a tomar a Ritalina, agora com a finalidade de emagrecer. Mesmo com esses relatos, as três afirmaram não ter sido uma preocupação os possíveis efeitos colaterais da medicação.

Alguns dos psiquiatras entrevistados consideram que os efeitos colaterais - previstos ou relatados - são inerentes à prescrição de qualquer medicamento, e o importante é pesar o risco e benefício do consumo, mesmo no tratamento dos transtornos. Já para outros, trata-se de efeitos colaterais leves, envolvendo poucos riscos. Apenas um entrevistado destacou a necessidade de levar em conta os riscos especificamente com relação ao consumo do metilfenidato para fins de aprimoramento da performance, que ele avaliou como perigoso.

Este último relato parece ir ao encontro do que sustenta Rothman (citado por Conrad, 2007), para quem os riscos envolvidos na prescrição do metilfenidato podem ser aceitáveis quando o que está em jogo é o tratamento de doenças, mas não para fins de aprimoramento da performance. E também de um aspecto destacado por Chatterjee (2009), para quem os riscos do uso desses medicamentos superariam seus benefícios. Para este autor, a FDA deu ao metilfenidato a tarja-preta justamente por seu potencial risco de abuso e dependência, assim como de morte súbita e eventos cardiovasculares adversos, bem como da possibilidade de trade-offs, ou seja, da perda da criatividade após uso prolongado.

Para três psiquiatras entrevistados, o principal problema não seriam os riscos de efeitos colaterais, mas o potencial de uso abusivo desses medicamentos. Dois deles relataram casos de pessoas que chegaram a abrir quadros psicóticos por conta do consumo abusivo do metilfenidato para efeito de melhoria de performance - que ele chega a denominar de “consumo recreativo”.

Mota e Pessanha (2014), no entanto, consideram que os riscos de abuso e de consumo recreativo seriam pouco prováveis, devido à farmacocinética do medicamento, que tem início de ação relativamente lento e pico sérico de 1 hora. Na mesma direção, Greely, Campbell, Sahakian, Harris e Kessler (2008) argumentam que, mesmo existindo tais riscos, isso não seria razão para impedir seu uso para fins de aprimoramento cognitivo, visto que todas as drogas comportariam um potencial dano aos indivíduos e à sociedade, e é justamente para isso que existem as regulamentações: para regular esse potencial de dano.

Interessante ressaltar que um dos psiquiatras, mesmo destacando a abertura de quadro psicótico por uma mulher que fez uso abusivo do metilfenidato, sustentou que seriam pequenos os riscos envolvidos no consumo desses medicamentos, principalmente no que se refere às crianças, pois essas, por não fazerem uso por conta própria (o medicamento costuma ser administrado pelos pais), teriam o risco de consumo abusivo baixo.

Pastura e Matos (2004 citado por Mota y Pessanha, 2014) igualmente destacam que o risco de abuso por pacientes com TDAH é raro. Também Harris (2009) e Greely et al. (2008) ressaltam que, se o metilfenidato e outras drogas são consideradas seguras o suficiente para serem consumidas por crianças e jovens com TDAH, e para serem usadas em pesquisas clínicas com indivíduos saudáveis, em testes acerca de seus efeitos cognitivos, elas também deveriam sê-lo para fins de aprimoramento.

Em todos os casos, sendo o principal risco desta medicação o potencial de abuso, parece que caberia ao médico “avaliar bem o perfil de personalidade da pessoa, se ela tem um potencial de comportamento compulsivo pra abusar ou não” (Médico). Além disso, seria papel do médico levar em consideração o benefício que o medicamento pode trazer à pessoa, seja no tratamento ou no aprimoramento cognitivo, como destacado por uma médica psiquiátrica, que disse receitar medicamentos para a melhora da performance e acompanhar seus pacientes nesse uso. Também um propagandista da indústria farmacêutica disse ser a favor do uso de qualquer medicamento psicotrópico desde que fosse avaliado pelo médico como algo capaz de melhorar a qualidade de vida do paciente - errado seria o paciente decidir por conta própria.

A “decisão por conta própria” parece ser um ponto crucial nessa discussão. Ou seja, para os entrevistados, o mais preocupante em relação ao consumo de medicamentos para o aprimoramento da performance cognitiva não são os efeitos colaterais, nem o uso off-label em si, mas o consumo não respaldado pelo profissional médico, com aquisição no mercado negro, onde a pessoa define o modo de uso, tornando-o perigoso. A segurança parece residir, portanto, no uso respaldado pelo médico.

Isso aponta para o que Barros (2009) e Itaborahy (2011) (citados por Coelho, 2014) destacam acerca da existência de uma partilha entre uso lícito e ilícito do metilfenidato, definida em função do olhar médico e de sua prescrição. O uso não médico é considerado perigoso e ilegal - o que repercute na mídia, que veicula reportagens alertando para os males causados pelo uso sem autorização médica. Já o uso médico é visto como seguro e eficaz, moralmente qualificado, sendo apontado como fator importante de prevenção a más condutas futuras, assim como ao desenvolvimento de outros transtornos.

Porém, se no discurso dos entrevistados a avaliação custo-benefício seria atribuição do médico, na literatura acerca do consumo dessas substâncias para fins de aprimoramento da performance, ela deveria ser protagonizada pelos próprios consumidores, que deveriam julgar os prováveis riscos e benefícios de seu uso. Seria responsabilidade dos sujeitos decidir pelo consumo ou não desses medicamentos (Greely et al., 2008), devendo prevalecer a liberdade dos mesmos nessa escolha (Esposito, 2005).

Contudo, mesmo considerando que o consumo das drogas de aprimoramento é uma escolha, não se pode desconsiderar que os sujeitos, tornados responsáveis por gerir não só sua saúde, mas também sua empregabilidade, podem se sentir “coagidos” a fazer uso das mesmas. Como destacado por Chatterjee (2009), a questão de escolha pode evoluir para a coerção, pois não tirar proveito das melhorias pode significar estar sendo deixado para trás. Fica a questão de qual seria nosso grau de autonomia em nossas escolhas.

Um terceiro aspecto que apareceu em relação ao risco do consumo off-label da Ritalina, mas também ao uso feito por crianças que estariam sob tratamento, refere-se ao desconhecimento dos efeitos colaterais a longo prazo, como destacado por uma das consumidoras: “Ah, daqui a 30 anos vão descobrir que o uso excessivo de Ritalina tá ligado ao aumento de casos de Alzheimer, sei lá, acho que isso me preocupa”. Uma preocupação que parece se relacionar, principalmente, com os medicamentos que mexem com a “mente, cérebro, as transmissões neuroquímicas”, e com o efeito colateral advindo da mistura de medicamentos.

O desconhecimento das conseqüências a longo prazo vai ao encontro do que destaca Dalibert (2014): devido ao pouco conhecimento acerca do funcionamento do nosso cérebro, mexer com ele pode acarretar efeitos indesejados. Além disso, em se tratando de tecnologias emergentes, o conhecimento sobre seus efeitos e consequências seria limitado.

Concluindo, podemos afirmar que a existência de efeitos colaterais, o desconhecimento de efeitos a longo prazo e o potencial de abuso se mostraram como pontos importantes em relação ao consumo desses medicamentos, principalmente o consumo off-label sem acompanhamento médico. Neste sentido, talvez o que esteja em jogo na discussão acerca dos riscos no consumo do metilfenidato não seja tanto o consumo para o aprimoramento da performance - o que chamamos de consumo off-label -, mas o consumo por conta própria, que pode levar ao consumo abusivo e, aí sim, com efeitos colaterais danosos.

Droga da Inteligência?: A controvérsia quanto aos efeitos da Ritalina®

Desde que os casos de consumo da Ritalina para o aprimoramento cognitivo começaram a aparecer, surgiram questionamentos acerca de seus efeitos para essa finalidade. Principalmente nas matérias jornalísticas publicadas sobre o tema, que destacam esse medicamento como a “droga da inteligência” - termo que muitas vezes vem em destaque nas chamadas das matérias -, e questionam seu possível efeito.

Nas entrevistas realizadas, mesmo com a maioria dos entrevistados reconhecendo efeitos de aprimoramento da performance cognitiva em pessoas que não possuem diagnostico de TDAH, tal aspecto não ficou isento de controvérsias.

Dentre os efeitos que o medicamento teria no aprimoramento da performance cognitiva, os entrevistados destacaram desde uma diminuição no sono que possibilita a pessoa estudar por mais tempo, até o aumento do foco, o aumento da concentração e da vigília, melhor rendimento, maior produtividade, uma amplitude momentânea para a questão cognitiva e um levante da energia que ajuda a produzir mais. Esse efeito de aprimoramento da performance em pessoas com ou sem diagnóstico parece ser similar ao das anfetaminas, o que reforça o uso off-label do metilfenidato principalmente por estudantes.

Essas narrativas corroboram com a pesquisa feita por Mota e Pessanha (2014), na qual a grande maioria dos universitários pesquisados relatou ter alcançado seus objetivos com o uso do medicamento. E também para o que ressaltam Greely et al. (2008) acerca da ação de drogas como a Ritalina e o Adderall no sistema catecolaminérgico, que teriam efeito de ampliar a função executiva em pessoas com ou sem TDAH, melhorando a habilidade de focar a atenção, manipular informações da memória de trabalho e flexibilizar o controle das respostas.

Mesmo destacando que a Ritalina melhora a atenção de quem tem ou não déficit de atenção, pois ser um psicoestimulante, dois psiquiatras puseram em questão esse efeito. Para um deles, inclusive, não haveria efeito em pessoas cuja “desatenção não é um fator importante para a perda da performance”, pois esta depende de vários outros fatores. Esse relato vai ao encontro àquele de uma das consumidoras entrevistadas. Quando começou a tomar a Ritalina, seu objetivo era voltar para a tese, ter disposição para ler e escrever, mas nisso a Ritalina não ajudou, pois quando tomava o medicamento, só ficava organizando as coisas. Ou seja, o medicamento deu foco, mas não o foco para o estudo, que ela realmente queria naquele momento, acentuando, segundo ela, uma característica “obsessiva compulsiva”.

Nesse sentido, o reconhecimento de que o medicamento tem, de fato, como efeito o aprimoramento da performance, não impediu que, uma vez mais, a existência de efeitos colaterais se fizesse presente nos relatos dos entrevistados. Segundo uma das psiquiatras, a Ritalina faz a pessoa ter um rendimento melhor para quem suporta bem seus efeitos colaterais, como a taquicardia. Esses efeitos também foram destacados por duas consumidoras entrevistadas: o aumento do foco nos estudos, se fez acompanhar de efeitos colaterais tais como agitação e “mal-estar subjetivo”’, levando à suspensão do uso. Também apareceu um “efeito de sociabilidade”: a Ritalina melhora o desempenho da vida como um todo, tendo uma função antidepressiva de “dar uma levantada”, embora essa levantada seja “roubada”. Do mesmo modo, outra consumidora relatou efeitos positivos do uso da Ritalina, tais como conseguir trabalhar o dia inteiro com pique, conseguir se concentrar, ter mais foco e fluência na escrita, porém, no dia seguinte se sentia muito cansada e tinha que reler tudo o que escreveu, pois “saia muita besteira”.

Vale ressaltar que, a despeito dos efeitos colaterais ou da não obtenção dos efeitos esperados, a maior parte das consumidoras entrevistadas afirmou que voltaria a fazer uso do metilfenidato. Isso nos possibilita concluir que não são apenas os “efeitos prometidos” da Ritalina que reforçam seu consumo para aprimoramento cognitivo. Comparece também nesse processo aquilo que os pesquisadores chamam de possibilidade de coerção indireta ao consumo: a “sensação de estar atrás na disputa” poderia, de certo modo, coagir a pessoa a buscar o medicamento para aprimorar sua performance cognitiva e competir em pé de igualdade. Um aspecto, portanto, que parece estar em sintonia com uma sociedade de mercado, competitiva, na qual parece não haver limites para se buscar ser o melhor.

Sobre o presente e o futuro do consumo da Ritalina

Como vimos, os possíveis riscos envolvidos no consumo da Ritalina, bem como a possibilidade de não obter o desejado efeito de aprimoramento cognitivo, não aparecem como fatores para que os sujeitos não façam uso desse medicamento. Ao contrário, o que assistimos atualmente é um consumo cada vez mais noticiado pelas diferentes mídias, de tal modo que mais e mais sujeitos passam a buscar nesses medicamentos o meio que os ajude a estudar e/ou produzir mais. Visto isso, perguntamos: Quais questões presentes na atualidade estariam articuladas a essa busca pelo medicamento para a melhora da performance cognitiva, a despeito das controvérsias que relatamos?

Segundo um dos médicos entrevistados, essa busca estaria relacionada tanto à melhoria da performance quanto a um certo individualismo. Por um lado, haveria uma percepção de que é preciso ser competitivo. Por outro, a constatação de que vivemos um momento em que é “cada um por si”, com as pessoas cada vez mais sozinhas para lidar com as suas dificuldades e, nesse contexto, o discurso científico (ou pseudocientífico) em prol da medicação acaba sendo um discurso sedutor.

Além da competitividade, as consumidoras entrevistadas afirmaram que essa demanda também estaria relacionada a uma necessidade de conseguir “dar conta de tudo (....) o que é inacreditavelmente enorme, desafiador”. O consumo da Ritalina não seria o ideal, mas a cobrança em relação à performance seria muito maior do que se pode dar conta. Também uma das médicas psiquiatras associou a necessidade de melhora da performance às “demandas da vida” e à tendência de as pessoas interpretarem a incapacidade de se concentrar e de conseguir render como os outros como uma falha pessoal.

Necessidade de performance articulada a uma aceleração do tempo, responsabilidade do sujeito em gerir tudo, são justificativas que emergem para dar conta da demanda. Questões como a possibilidade de trabalhar de forma mais eficiente (Médico); melhora de desempenho no trabalho, mas também nos estudos (Médico); pressões por rendimento em concursos e na faculdade, associado a um sentimento de insuficiência diante da escassez de tempo, e necessidade de aumento na concentração (Médica) - tudo isso aparece nos consultórios, na expectativa de obter alguma coisa que “facilite”. Segundo uma entrevistada, a Ritalina viria atender à demanda de uma sociedade que tem focado na questão do desempenho e acrescido a isso, uma sociedade com intolerância à frustração.

Todos esses argumentos também emergiram em uma pesquisa com universitários (Ortega et al., 2010), apontando para a possibilidade de coerção ao consumo desses medicamentos, seja diretamente (pela solicitação de reforço farmacêutico por empregadores ou pela escola, no caso das crianças), ou indiretamente, advinda da necessidade de o sujeito competir com seus colegas. Também haveria a possibilidade de o sujeito se sentir coagido a consumir por achar que outros estariam fazendo isso, ou até mesmo por pressão do empregador, como relatado na matéria “A nova onda dos remédios para o cérebro” da Revista Época: “Como diz Elaine (...) que também faz uso da Ritalina: ‘Eu recomendaria o remédio para alguns dos meus funcionários mais lentos, para que eles acompanhassem meu ritmo’” (Vera, 2009).

Assim, tendo que gerir a sua empregabilidade em um mundo competitivo e tendo que estar ativo para cumprir metas, além de ter disponibilidade integral, o consumo de medicamentos para a melhora cognitiva parece ser um meio para conseguir aderir a tal modelo. Modelo este que diz respeito não apenas à performance no presente, mas também à antecipação do que pode ocorrer no futuro, como destacou um dos médicos entrevistados ao se referir à demanda dos pais pela Ritalina. Segundo ele, haveria uma preocupação dos pais em relação ao futuro profissional dos filhos, uma ideia de que eles poderiam lançar mão de algo para que o filho possa estar ainda melhor.

Outra questão relacionada à busca por esses medicamentos, segundo relato de um dos médicos entrevistados, seria o que ele considera “preguiça”, ou seja, a aposta na medicação como algo eficaz para a melhoria da performance, fazendo com que as pessoas não se empenhem em se esforçar. A crítica embutida nesse argumento - de que haveria, na atualidade, uma busca por meios fáceis, de que a procura pela medicação se sobreporia à mudança de hábitos - parece se constituir naquilo que Klerman (citado por Conrad, 2007) denomina “calvinismo farmacológico” da sociedade em relação ao consumo de medicamentos para o aprimoramento da performance. Assim, frequentemente são levantadas questões acerca de os enhancements biomédicos serem meios “não naturais” de se obter uma melhora, e haveria uma avaliação negativa destes frente aos meios naturais, vistos como algo bom.

Assim, as questões mapeadas apontam que o consumo desses medicamentos busca responder às exigências existentes na atualidade, exigências de performance, competitividade e sucesso. Além disso, apontam também para um consumo que só tende a aumentar no futuro. Todos os entrevistados apostam nessa tendência, seja por conta do baixo limiar à frustração da sociedade (Médica); pela busca crescente por imediatismo (Médicos); por uma demanda social por performance (Médico); por uma possível diminuição no controle - por exemplo, passar a ser exigido o receituário azul ao invés do amarelo (Médico); pelo aparecimento de novas substâncias associadas ao bem estar (Médica); pela competitividade do ambiente (Consumidora); pelas pressões que já incidem sobre as crianças (Propagandista), ou simplesmente porque existe um medicamento que pode melhorar a performance e dar uma vantagem extra (Médico). Segundo um dos médicos entrevistados, ainda não chegamos ao pico do consumo do metilfenidato, pois parte da população ainda não tem acesso aos medicamentos básicos para tratamento médico e psiquiátrico, nem tampouco conhecimento acerca da possibilidade de se consumir medicamentos para melhorar a performance. Para ele, o aumento do consumo, trará consequências ruins e boas. Ruins, porque as pessoas acabarão perdendo a noção de quando tomar e quando não tomar o fármaco, e começarão a aparecer casos de intoxicação, por exemplo. E boas, porque à medida que isso se dissemine, as pessoas debaterão mais sobre o assunto. Um debate que não se restringirá as questões médicas, mas ao projeto da sociedade que queremos. Aspectos também destacados por outra psiquiatra, que ressaltou que quando começarem a aparecer casos complicados e os efeitos a longo prazo, medicamentos como a Ritalina e o Stavigile, que têm pouco tempo de uso, começarão a ser regulamentados, como já aconteceu anteriormente com outras medicações, como a Sibutramina. E por uma das consumidoras, que disse acreditar que o uso desses medicamentos será indiscriminado e isso vai acabar gerando um debate ético, por exemplo, associando o consumo à questão do doping.

Haverá assim, segundo estes entrevistados, discussões éticas e regulamentação, mas espera-se também que haja maior controle social e governamental desse consumo, e mais problematização, questionamento e fiscalização, como destacado por uma das médicas, para quem esse assunto não pode ficar “debaixo do pano”, pois é perigoso tanto para quem toma como para quem prescreve.

Mesmo com o aumento do consumo, para a maioria dos entrevistados uma possível liberação da Ritalina para fins de aprimoramento cognitivo parece estar fora de questão. Segundo dois propagandistas entrevistados, dificilmente esses fármacos serão liberados para uso “regular”. Para eles, o consumo indiscriminado permanecerá por conta dos médicos que receitam ou do mercado negro, mas dificilmente será um medicamento que se possa pegar no balcão e dizer “vou aumentar minha performance”. Os órgãos regulamentadores não aprovariam, mesmo que estes medicamentos adquiram um bom grau de segurança, visto que são medicamentos que interferem no sistema nervoso central e seu uso não pode ser indiscriminado.

E, para além do aumento da demanda e do consumo, também foi apontado pelos médicos que, no futuro, essa demanda social por performance poderá ser suprida por outro tipo de intervenção, pela estimulação magnética transcraniana, por exemplo, que daqui a algum tempo poderá ser vendida como alguma coisa que melhora a performance e será feita sob medida para cada um, ou mesmo através da nanotecnologia. Tais argumentos apontam para um futuro com renovadas técnicas de aprimoramento cognitivo, que certamente trarão novas controvérsias acerca dos limites de intervenção sobre a capacidade humana.

Considerações finais

Desde o surgimento da Ritalina, temos assistido a diversas modificações em termos de sua prescrição e usos, chegando ao momento atual, em que se constata a reapropriação de seu uso para fins de aprimoramento da performance cognitiva. O termo reapropriação é utilizado aqui exatamente para dizer que é algo que de certa maneira já estava dado no momento de surgimento da substância, em que o consumo por pessoas saudáveis era aceitável (Domitrovic, 2014). Porém, diferentemente daquele momento, o que vemos na atualidade é um uso fora das indicações previstas na bula - off-label - , um consumo ora obtido no mercado negro, ora respaldado pelo profissional médico. E, além disso, um uso que, segundo os entrevistados em nossa pesquisa, reflete determinados aspectos próprios à atualidade, como valorização da performance, competitividade, individualismo e imediatismo, aos quais consumo da Ritalina parece vir atender. Um consumo voltado para questões que ultrapassam a tríade doença, saúde e cuidado, compreendendo a busca do homem por superar seus limites e viver bem em sociedade (Brant & Carvalho, 2012), e que segundo nossos entrevistados, só tende a aumentar.

Pudemos perceber que o consumo da Ritalina envolve questões que, longe de apresentarem um consenso, ainda portam controvérsias que rondaram em torno da segurança e risco desse consumo, bem como de seus efeitos e eficácia para fins de aprimoramento cognitivo. Os resultados das análises apontaram que, menos do que o risco do consumo off-label, emergiu o risco do consumo não mediado pelo médico, o que converge para as problematizações suscitadas pelos pesquisadores no campo da farmaceuticalização da sociedade contemporânea. Além disso, observou-se também que a possibilidade de efeitos colaterais adversos e a não garantia dos resultados esperados não foram determinantes para impedir o consumo, o que aponta para a prevalência da performance sobre o risco, em sintonia com os valores próprios à atualidade.

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Recebido: 28 de Março de 2018; Aceito: 27 de Setembro de 2018

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