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Psicología, Conocimiento y Sociedad

On-line version ISSN 1688-7026

Psicol. Conoc. Soc. vol.7 no.1 Montevideo May 2017  Epub May 31, 2017

 

Revisiones

Gênero e identidade masculina no novo milênio: A homoafetividade e a visão social baseada na filosofia comportamental gØy (g-zero-y)

Gender and male identity of the new millennium: The homo affectivity and the social vision based on behavioral philosophy gØy (g-zero-y)

Género y identidad masculina en el nuevo milenio: La homo afectividad y la visión social basada en la filosofía de comportamiento GØy (g-cero-y)

Álvaro de Almeida1 

Pedro Castro2 

Fernando Razuck3 

Walner Mamede4 

1Universidade Federal do Pará (Brasil)

2Universidade de São Paulo (Brasil)

3Universidade de Brasília (Brasil)

4Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil Autor referente: walner.mamede@capes.gov.br


Resumo

O artigo aborda o coletivo masculino denominado G0ys. O conceito de homem g0y foi desenvolvido nos Estados Unidos, chegando também a América Latina e outras partes do mundo. A sua visibilidade atual é crescente e as formas de sociabilidade predominantes se dão por meio de sites, redes sociais, grupos de mailing, bem como, fraternidades masculinas reais. Os g0ys no cenário internacional mostram uma realidade/perspectiva intermediária da sexualidade, até então renegada. Colocando-se como meio termo na tradicional dicotomia héteroversus homo, os g-zero-y afirmam constituir um movimento composto por homens com orientação homoerótica alicerçado em restrições a determinados tipos de práticas que são tipicamente homossexuais (tais como o sexo anal, seja insertivo ou passivo), além da total abstinência nesse quesito, os g0ys universalmente valorizam os atributos masculinos, se aproximam dos valores e dos comportamentos héteros e rejeitam a seu modo a política do “coming out”;os pensamentos do movimento surpreendem o mundo exterior ao assumir uma postura aparentemente autêntica, entretanto que vai contra aos preceitos do movimento gay e vai contra também aos preceitos do mundo heterossexual normativo. Seria o mundo da sexualidade intermediária finalmente ganhando uma identidade? Apesar de recente na história, o campo dos g0ys se estabelece enquanto o poder inerente que é apropriado pelo coletivo, fazendo com que o dito intermediário se replique e se transforme ao mediar construções particulares e estabelecer contrastes entre os grupos e indivíduos, ao criar e prover formas, práticas e identidades homoeróticas atuais.

Palavras-Chave: g0y; homo erotismo; heteroflexível; masculinidade

Abstract

This article discusses the male collective denominated g0ys. The concept of g0y man was created in the United States, also coming to Latin America and other parts of the world. Your current visibility is growing and the predominant forms of socializing occur through websites, social networks, mailing groups, as well as men's real fraternities. The g0ys in the international arena show an intermediate reality/perspective of sexuality, until now renegade. Posing as middle ground in the traditional straight versus gay dichotomy, the g-zero-y say constitute a compound movement by men with homoerotic orientation anchored in restrictions on certain types of practices that are typically homosexuals (such as anal sex, either top or bottom), in addition to total abstinence in this aspect, the g0ys universally valued male attributes and approach the values ​​and behaviors of heterosexuals and reject their way the policy of "coming out";the thoughts of the movement surprise the outside world to take a stance seemingly authentic, but that goes against the precepts of the gay movement and will also counter to the precepts of normative heterosexual world. It would be the world of mid sexuality finally gaining an identity? Although in history recent, the field of g0ys settles as the inherent power that is suitable for the collectivity, causing such intermediate to replicate and become the particular constructions and mediate establish and contrasts between groups and individuals to create and provide forms, practices and current homoerotic identities.

Keywords: g0y; eroticism homo; heteroflexible; masculinity

Resumen

Este artículo aborda lo colectivo masculino denominado g0ys. El concepto de hombre g0y fue creado en los Estados Unidos, también viene a América Latina y otras partes del mundo. Su visibilidad actual es creciente, y las formas predominantes de sociabilidad se producen a través de sitios web, redes sociales, grupos de correo, así como fraternidades reales de hombres. Los g0ys en el ámbito internacional muestran una realidad/perspectiva intermedia de la sexualidad, antes renegada. Posando suelo como media en tradicional dicotomía gay frente a rectos, los g-cero-y decir constituye un movimiento compuesto por hombres con orientación homoerótica anclado en restricciones a ciertos tipos de prácticas que suelen ser homosexuales (como el sexo anal, ya sea activo o pasivo), además de la abstinencia total en este aspecto, los g0ys universalmente valorados atributos masculinos y se acercan a los valores y comportamientos del heterosexuales y rechazan a su modo la política de "salir del armario"; los pensamientos del movimiento sorprenden al mundo para tomar una posición aparentemente auténtica, pero que va en contra de los preceptos del movimiento gay y también en contra el preceptos de la normativa heterosexual. ¿Sería el mundo de la sexualidad intermedia finalmente ganando una identidad? Aunque de historia reciente, el campo de g0ys asienta mientras que el poder inherente que es adecuado para la colectividad, haciendo que dicho compuesto intermedio para replicarse y convertirse en las construcciones para mediar y establecer contrastes entre grupose individuos, para crear y proporcionar formas, prácticas e identidades homoeróticas actuales.

Palabras clave: g0y; homo erotismo; heteroflexible; masculinidad

1. Introdução

As questões inerentes ao campo da sexualidade humana, especialmente após os anos 80, criaram diversos movimentos e atores políticos a eles atrelados e a própria dinâmica dos conceitos envoltos em cada movimento social tem propulsionado o campo do conhecimento antropológico, psicológico, sociológico e das diversas ciências sociais voltadas para os estudos de gênero e da sexualidade. De acordo com Grossi (1998), o estudo sobre o conceito de “Gênero” serve, principalmente, para definir tudo que é social, cultural e historicamente determinado, sendo que nenhum indivíduo existe sem relações sociais, e, consequentemente, o gênero está diretamente relacionado ao sexo do indivíduo. Entretanto, ainda segundo a autora, o conceito de gênero é mutável, uma vez que o seu significado é definido a cada momento, devido às interações concretas existentes entre indivíduos do sexo masculino e feminino.

A própria noção de masculino e feminino é, no extremo, relativizada, se considerarmos as possibilidades trazidas pelas proposições ontológicas, no que Mol (1999) chama de “fenômeno da interferência”. Para a autora, a consideração da diversidade na perspectiva do indivíduo (modelo patofisiológico) dissipa inegáveis diferenças entre os sexos; mas por outro lado, apesar de diferenças inclusive biológicas, de uma forma mais global, em um modelo epidemiológico, as diferenças entre o masculino e feminino evidenciam a arbitrariedade que determina a construção de categorias.

Nesse sentido, Grossi (1998) discute ainda os papéis que são dados aos gêneros, de forma que este papel deve ser interpretado como um personagem, ou seja, tudo aquilo que deve ser associado ao sexo biológico de “fêmea” ou “macho”, e que podem ser diferentes de acordo com uma determinada cultura. Para a autora, na verdade, o mais importante é entender que esses papéis também mudam no interior de uma mesma cultura, como por exemplo no caso da cultura ocidental, que sofreu enorme influência dos movimentos sociais oriundos da segunda metade do século XX com relação à transformação dos modelos vigentes sobre a sexualidade, principalmente daqueles definidos a partir de movimentos libertários como o Iluminismo e a Revolução Francesa.

Sendo assim, pode-se dizer que a sexualidade humana é vivenciada na neomodernidade por meio de uma vasta multiplicidade, tendo como base uma complexidade de tipos e formas (Wiik, 2012). Assim, para (Wiik (2012),

Tal característica que perpassa, provê sentido e forma à sexualidade parece consonante com as demais dimensões da vida social no ocidente contemporâneo - caso partamos do princípio de que esta dimensão da vida social não pode ser dissociada ou compreendida de forma isolada, assim como das estruturas que replicam, comunicam e sustentam, ao menos no nível ideológico, o capitalismo tardio globalizado - cujo repertório cultural é consonante com valores formadores desta dimensão humana. A exemplo, nas últimas décadas, diversidade, liberdade de escolha, abertura e laicidade têm sido princípios tão caros aos movimentos pelos direitos sexuais e reprodutivos (inclusive aos que vão além das fronteiras das chamadas minorias sócio sexuais) quanto para a setores da economia de mercado neoliberal (p. 67).

Uma consequência direta desse processo está no fato de que, conforme apontado por Siqueira e Zauli-Fellows (2006), em um mundo globalizado, que leva ao imediato aumento da diversidade cultural da mão-de-obra (e dos próprios consumidores), o processo de conscientização da existência da diversidade acaba por facilitar a inclusão nas organizações de pessoas com suas respectivas diferenças, sejam elas de características culturais, de gênero ou de orientação sexual, por exemplo, o que permite o reconhecimento, a compreensão e a valorização das diferenças e semelhanças entre os indivíduos.

Alicerçado na racionalidade de Max Weber (Weber, 2004), uma nova identidade social de gênero pode, tranquilamente, no momento em que permite o reconhecimento mútuo entre pessoas com práticas semelhantes, também abrir espaço um movimento de mudança seja ele estruturado ou não. Smelser (1963) baseado nos pressupostos Weberianos levanta que os movimentos coletivos/sociais surgem por causa de mudanças não assimiladas pela sociedade. Para Neil Smelser, os indivíduos passam de um tipo de integração para outra, mas não as assimilaram pelo menos não as assimilaram completamente no nível abstrato/conceitual e nesse momento ocorrem as perturbações que levam ao agrupamento social, para compartilhamento de ideias e até mesmo o surgimento de uma bandeira.

Conforme Smelser (1963), na formação de qualquer movimento coletivo, há uma descontinuidade, pois se passa de uma ordem conceitual para outra, mas esta última ainda não foi assimilada, nascendo daí a angústia pessoal e às vezes, a hostilidade; sendo nesses casos o movimento apenas sintomas da necessidade de mudanças sociais. Nesse sentido Weberiano, reforçado por Smelser, o movimento g0y (bromossexuais e afins) seria também um movimento social, não um movimento tipicamente com passeatas ou manifestações públicas, mas um movimento desejando especialmente de forma articulada divulgar visões de mundo e agremiar mudanças na direção da maior liberdade de expressão no campo da sexualidade humana, ou se quisermos ser mais precisos no alargamento da concepção contemporânea de heterossexualidade, trazendo a reflexão que o heterossexualismo, não necessariamente tem que estar vinculada com a heterossexualidade normativa e nem estarconflitante com a homoafetividade.

Mediante esses elementos é possível observar que mesmo ainda emergente, o movimento g0y na classificação clássica de movimentos sociais - conservador, reformista e revolucionário -conforme Touraine (1976), Ian (1998) e Geoffrey (1999), pode ser visualizado como um movimento com perfil de cunho reformista-conservador.

Sendo o seu caráter reformista explicitado quando de uma forma mais contemporânea, “virtual” e “silenciosa”, e não tão visível nas ruas, o movimento ao divulgar seus conceitos nas redes sociais e sítios da internet, organizadamente deseja inovar e reformar pontos específicos da sociedade, incluindo visões de mundo acerca da expressão da sexualidade masculina.

O caráter mais conservador dos homoafetivos g0ys, por sua vez não é ilustrado na forma clássica dos movimentos conservadores, isto é, os movimentos que lutam de forma organizada para manter a sociedade como está, mas sobretudo o seu caráter conservador torna-se nítido no momento que esses indivíduos desejam que a sociedade volte a ser de uma maneira que consideram que tenha sido bem melhor no passado - no caso o mundo heterossexual flexível típico das comunidades da Antiguidade, pré-romanas e mais explicitamente o mundo homo erótico da sociedade Grega expressa nos ideais Platônicos.

Portanto, entende-se aqui que a abertura desse espaço de discussão g-zero-y marcou a ampliação do entendimento de que a masculinidade é socialmente construída: É uma construção social baseada em modelos estabelecidos, mas criando por outro lado um modelo próprio (re)construído. Como não há, em princípio, conforme Giddens (1993), uma identidade que não seja caracterizada por contradições, promove-se, de forma cada vez mais visível, uma revisão do que vem a ser o masculino.

No campo da heterossexualidade mais flexível, ainda que a virilidade permaneça predominante como expressão da identidade masculina e funcione como “dogma inconsciente”, pode-se dizer que há uma mudança social em andamento com relação ao comportamento masculino ou, no mínimo, por parte de alguns homens heterossexuais. Uma vontade (ou compreensão) de ser, de algum modo, diferente dos modelos heterossexuais precedentes e reproduzidos.

Na contemporaneidade, entram em cena mudanças que atingem diversas áreas da cultura ocidental, inclusive aquelas relacionadas ao caráter identitário e sexual do homem. Amplas mudanças nas experiências e práticas cotidianas das sociedades ocidentais parecem estar se tornando um conjunto comum e compartilhado de significados, crenças e valores entre as pessoas que, até certo ponto, se identificavam com heterossexuais e excluíam do seu arcabouço de conceitos qualquer interação homo afetiva e essa em qualquer nível.

Articula-se aparentemente no inconsciente coletivo e no entendimento de cultura universal, uma noção de masculino e do que seria um modo de vida do ‘homem’; trata-se de assumir uma postura perante um mundo onde as distinções e hierarquias tradicionais que se definem em: (1) Highsexual- como sendo aquele que se relaciona sexualmente com mulheres e (2) Highsexual- como aquele que não realiza sexo transviado (ou seja, aquele que segundo o imaginário masculino, não se desvia para a prática do sexo anal enquanto homopassivo). Dessa forma, haveria basicamente duas categorias comportamentais que definem o ser Homem, o “bofe”, “macho”, ou highsexual, sendo uma com polo positivo (ação) e outra com polo negativo (a não ação). Sendo idealizado que se atinja aos dois critérios de uma forma simultânea.

Nesse sentido, Wiik (2012) versa sobre um coletivo masculino denominado “G0ys” (cuja visibilidade e formas de sociabilidade predominantes podem ser encontradas nos sítios http://www.g0ys.org, http://heterogoy.webnode.com/ entre outros), a se caracterizar “por um movimento composto por homens com orientação homoerótica alicerçado em restrições a determinados tipos de práticas e desejos (tais como sexo anal insertivo ou passivo), a comportamento sou papéis de gênero considerados ‘femininos’.” (Wiik, 2012, p.66), se aproximando dos valores culturais héteros.

Para o autor, esse movimento no seu cerne embrionário vai mais adiante por apresentar um cunho religioso em seus alicerces, uma vez que os Estados Unidos de maioria Cristã Protestante, para legitimar os preceitos g0ys, primeiro teriam que se livrar da ideia de pecado atribuído às práticas homoeróticas:

Tais restrições são balizadas pela “G0y-Centric Theology”, teologia alicerçada em textos judaicos e cristãos cujo repertório sacralizado media a ressignificação e o reordenamento do cosmos, das escatologias, assim como dos desejos, interações, estéticas, ideais de gênero homoeróticos tidos pelos G0ys como “abençoados” (...). Argumenta-se que evento e estrutura se articulam dialeticamente, pois virtualidade, novas tecnologias, diversidade como valor, liberdade sexual e novas identidades de gênero contemporâneas justapõem-se ao sedimentado campo e fenômeno religiosos. Seu poder inerente é apropriado pelo coletivo g0ys, fazendo com que o sagrado se replique e se transforme ao mediar construções particulares de sentido, ao estabelecer alianças e contrastes entre os grupos e indivíduos, ao criar novas redes sociais atuais. (Wiik, 2012, p. 66).

Logo, este movimento vai além das categorias tradicionais, especialmente na cultura latina-iberoamericana onde muitas vezes o gay ativo é culturalmente ainda muitas vezes considerado “macho”, quebrando também esse paradigma o movimento g0y afirma que o homo-ativo também poderia ser considerado transviado no sentido de que não trata o seu semelhante como igual e estabelece na relação homossexual uma hierarquia e uma tentativa de cópia da relação heterossexual e/ou ainda uma relação intrínseca de dominado e dominador.

Para Arendt (2016), a condição humana e suas práticas não são sinônimos de natureza humana. A condição humana, incluindo a condição sexual no caso homoaffective only, pode ser sobretudo resultante de uma série de normas que o homem impõe a si, normas com lastros espaciais e temporais. Nesse aspecto, existe um movimento de reciprocidade entre o condicionar e ser condicionado, um duplo sentido do condicionamento com uma dimensão interna e uma dimensão externa que cria a ilusão da reciprocidade ontológica entre natureza e condição humana.

Assim, estar no mundo, como condição da existência humana, se inscreve na categoria “ação” trazida por Arendt (2016), haja vista que se comprometer com a autenticidade, a originalidade e, também, a pluralidade, extrapola o simples comportamento, existe uma resposta a expectativas traçadas por diretrizes provenientes de valores, que são culturais/sociais e também que são individualmente construídas, com consequente há a uniformidade relativa que caracteriza a aparente pluralidade que pode ser apenas a pluralidade de normas e valores.

Oportuno retomarmos que a multiplicidade ontológica, e não a pluralidade, representa a essência ou, melhor dizendo, a não-essência de todas as coisas, uma vez que aquilo que uma “coisa” ou uma “categoria” é, se constitui uma mera materialização momentânea daquilo que ela é em potência, sendo a definição de categorias um reflexo da arbitrariedade derivada de fatores espaço-temporais e humanos que condicionam a escolha de uns atributos em detrimento de outros, sempre fruto de sua própria biografia coletiva (Mol,1999). Portanto o que o movimento g0y declara em seus ambientes da internet começa a fazer sentido: G-zero-y não é uma orientação sexual, é uma questão de escolha.

Suas escolhas são, segundo Rey (2003), devedoras de uma tensão entre o que traz de si e daquilo que encontra no contexto em que se manifesta, podendo fazer opções diferentes em contextos diversos, pelo simples fato de que cada contexto apresenta valores, conceitos, concepções e conteúdos legitimados e valorados por seus partícipes, que o particularizam em relação aos demais, constituindo também o que Rey, denomina de subjetividade social, que é constrastiva e compartilhada.

Isso vai ao encontro do que é defendido por Wiik (2012) para a definição de g0ys, segundo o qual caracteriza-se por:

Um movimento constituído por homens que afirmam seu desejo homoerótico, o qual se forma e constrói sua identidade a partir de uma postura contrastiva frente aos demais grupos de mesma orientação e/ou prática. (p. 71).

Caracteriza-se assim uma crise, contrastiva, onde as noções de liberdade, igualdade, identidade, valores e pluralismo movimentam-se através das mediações de poder material e simbólico, como bens produzidos pelos novos intermediários culturais prontos para serem reinterpretados a fim de dar sentido à vida cotidiana dos sujeitos contemporâneos, contrastando comportamento (condição sexual)e a natureza humana (orientação sexual) em um diálogo ainda por atingir a maturidade.

2. Por Uma Nova Definição de Gênero-Homoafetivo

A definição do que vem a ser um hétero-g0y parece ser mais clara, no campo do soft bisex, o hetero-g0y seria um homem (não há mulheres g0ys); neste caso, um homem considerado pseudo bissexual, que mesmo sentindo-se atraído em relação ao seu semelhante, se identifica mais com os valores masculinos heterossexuais e não se identifica com valores e comportamentos identitários da chamada cultura gay. Seria dessa forma um homem hétero-atraído, mas com desejos bivalentes em relação aos sexos, sendo também dessa forma, em algum grau, um homem homo-afetivo; todos assumem isso, em diferentes gradações e níveis, podendo dessa forma representar um homem heterossexual flexível que não possuí a homofobia internalizada nos moldes culturais e aparentemente apresentando menores níveis de stress e de ansiedade (Nance, 2008).

A questão é diferenciar qual seria o limite ou o escopo do conceito - até que ponto o sujeito pode se considerar um hétero g0y (ou heterogoy numa versão aportuguesada, do Brasil) e partir de que momento se dá a fronteira com o bissexual conforme conhecido amplamente. Essa diferenciação se torna crucial especialmente em vista de que a cultura ibero-latino-americana é extremamente permissiva em relação aos ativos, uma vez que para boa parte da população, os ativos não seriam gays, ou seja, os homens que praticam o ato homossexual como penetrantes, estariam mantendo a sua postura e o seu papel de “macho”. Apesar do conceito de gay ser um pouco mais abrangente, a sua imagem ainda é extremamente vinculada e atrelada aos gays passivos - popularmente chamados de ‘bottoms’, de ‘viados’ e jogados à margem da sociedade.

No entanto, o próprio movimento GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) nos anos 80 e 90, depois transformado em LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e os diversos trans..., que incluem transgêneros, transexuais e travestis) a partir dos anos 2000; de tanto discutir e esclarecer essa questão, fez com que essa imagem perante a população se modificasse um pouco. Hoje pelas ruas já se sabe que homossexual ou gay, não é exclusivamente o que faz passivo. O que realiza o papel ativo também é gay, ou venhamos e convenhamos tratar-se-á de no mínimo, um homem bissexual.

Gay na sua origem de língua inglesa possuía o significado de alegre, tanto que em dicionários um pouco mais antigos, essa definição ainda aparece, mas o uso e o hábito, bem como, a sua associação aos homossexuais masculinos, foi tão forte, que em dicionários mais modernos, esse significado sequer é citado. Gay referindo-se a ‘Homossexual’, ou seja, aos homens que praticam sexo entre si, remonta à década de 1930, mas se estabeleceu de fato com esse significado, a partir da década de 1960, por ter sido adotado enquanto termo preferido pelos homossexuais ao se descreverem.

  • Gay: “A homosexual, especially a man” (Oxford University Press, s. f.).

  • Gay: “Of a person, especially a man, homosexual” (Cambridge University Press, s. f.).

  • Gay: “Alegre, divertido, vistoso, brilhante; adj. Relativo a um homem homosexual” (Hollaender & Sanders, 1996).

  • G0y: “G0y é um termo de sexualidade intermediária e exclusivo para homens. Serve para designar homens que não se situam nas categorias tradicionais - gay, hétero, bisex. Um g0y não pratica sexo anal com outros homens e, portanto, por não praticarem sexo entre iguais, não são considerados homossexuais ou gays, no entanto, praticam diversas outras formas de contatos íntimos mais leves entre os pares/semelhantes e por isso são considerados homo afetivos (grifo nosso).” (CLG, 2014).

Hoje por força do uso, o termo gay - referindo a pessoas homossexuais sejam ativas ou passivas é um padrão aceito em todo o mundo de idioma inglês. Bem como, aceito além de suas fronteiras linguísticas, pois praticamente todo o planeta também adotou o termo. Como resultado, as dezenas de outros significados para gay como 'despreocupado', ‘alegre’ ou 'brilhante e vistoso', são muito menos frequentes. Hoje, a palavra gay não pode hoje ser facilmente usada com esses sentidos mais antigos, ou originais, sem induzir no mínimo a um duplo sentido.

Gay em seu sentido moderno normalmente se refere a homens (sendo lésbica o termo padrão para mulheres homossexuais), mas em alguns contextos, pode ser usado para ambos, homens e mulheres, mas isso ainda não é tão usual, também alguns tentam, especialmente na América Latina, esticar a aplicação e o conceito, ampliando-o para homens que gostam de homens, e não apenas homens homossexuais que pratiquem o ato sexual, mas como visto essa ampliação do conceito não é hegemônica; por todo o mundo, via de regra, gay significa um homem que atue sexualmente em algum dos dois papéis - seja ele o papel de ativo ou de passivo, na relação.

Nesse contexto, pela própria definição do termo gay, e a definição do termo g0y nota-se que um é diferente do outro, são conceitos não convergentes apesar de possuírem semelhanças no que se refere à orientação sexual - a homossexualidade, mas são totalmente diferentes no que se refere às posturas, às práticas e aos comportamentos homo masculinos apresentados. Esses conceitos são tão recentes que o próprio Direito possui entraves para reconhecimento e diferenciação entre união afetiva e união de reprodução sexualizada, conforme aborda Efrem Filho (2014) e Oliveira (2009). Mas, a questão vai um pouco mais além e há também outras vertentes e variantes, no mínimo um pouco destoantes do arcabouço e das delimitações do ambiente LGBT, entre elas, as citadas como pode ser caracterizado pelos critérios apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 Comparativa de Atributos e Respectivas Convergências e Divergências Entre Outras Vertentes Próximas ao Comportamento G-zero-y 

Os praticantes de gouinage, ou homens gouines, seriam o que o mundo chama de gay light - ou seja algo como um gay “que pega leve”. Os gouines apesar de não serem numerosos no Brasil, a sua postura possui adeptos e são homens que se relacionam sexualmente com outros homens sem intercurso sexual (pênis-ânus). Seja entre dois ativos ou dois passivos, a gouinage não isenta de eles praticarem sexo ocasional com outros parceiros como ativo ou passivo. Gouine vem do Francês e significa Lésbica, isto é, seriam os homens que não praticam sexo penetrativo e portanto fazem sexo como as lésbicas, seriam gays “lésbicos”. Esse conceito não é aceito pelos g0ys no momento que pela influência francesa, os gouines são mais permissivos com a postura afeminada e identificam-se mais com a cultura gay. Coisa que, no meio g0y ocorre uma ruptura nesse quesito, pois os mesmos identificam-se mais com os valores da cultura hétero.

Nota-se conforme Tabela 1, que a diferença central entre os homens amantes de gouinage estariam nos quesitos 4 e 5, bem como, nos quesitos 7 e 8 e a diferença entre um homem g0y e, para sermos mais precisos entre um homem hétero g0y e um homem bissexual estaria basicamente nos quesitos 9 e 10.

A questão central para o entendimento do dito movimento g0y é conseguir separar os conceitos de homo-sexual e de homo-afetivo - nesse caso as palavras compostas foram escritas com hífen apenas para dar a devida ênfase, pois este seria o cerne da questão. O termo homossexual remete ao ato sexual entre iguais, já o afeto remete a questões mais amplas que envolvem o carinho, o toque, o contato íntimo, etc.... Esta interseção relacional entre conceitos ocorre conforme Figura 1.

Entre a situação do homo afetivo e do homossexual ilustrada na figura 1 encontra-se intercalada a situação comportamental do homo erótico, conforme ilustra Castro (2015), em sua coluna intitulada: “O novo rótulo não importa. Importante é o conceito”. O novo termo norte-americano “g0y” não é homogêneo, o artigo de Roma Castro aborda que diversos nomes, entre eles heterogoy, hétero g0y, hétero flexível, bicurioso, soft-bisex, almostbisex e pseudo bissexual, são todos rótulos referindo-se a uma mesma demanda tentando classificar o novo comportamento de um homem “quase-que-bissexual”.

Figura 1 Diagrama ilustrando a relação entre o termo homossexual e o termo homo afetivo enquanto instâncias homo masculinas, com suas particularidades. Fonte: Heterog0y (2014). 

A questão é que se o contato masculino homo afetivo e/ou homo erótico não necessariamente em todos os casos é um contato homossexual pleno tal como se concebe, por uma implicância decorrente e necessária, o mundo bissexual também seria abalado pela visão g-zero-y, pois o atual conceito de bissexual nada mais é que a presença do comportamento heterossexual+homossexual em uma mesma pessoa.

De certa forma a polêmica do termo gay zero - utilizado para designar o homo masculino que não era nem ativo, nem passivo, nem versátil, ou seja, em princípio não seria “nada”, seria um ‘zero’ ou uma incógnita; no seu início semântico tende a se misturar, justamente por que o gay zero na verdade não é um ‘homo masculino zero’.

A questão do ‘gostar de homens’ e, portanto do afeto, está presente; e dessa forma, o que sobressai de forma direta, pela leitura da figura 1, é que todo homossexual pode ser um homo afetivo, mas nem todo homo afetivo chega a ser homossexual na sua prática.

Figura 2 Diagrama ilustrando a interação entre a heterossexualidade e as instâncias homo masculinas. A nova visão acerca da sexualidade ilustra a região híbrida (2 e 4) de apropriação do g0ys. 

Uma vez entendida essa diferenciação dos termos homo-sexual e homo-afetivo, que por sua vez remetem aos termos gay e g0y, fica um pouco mais nítido que efetivamente o movimento social g0y vem construir uma identidade intermediária e até então renegada na literatura sobre sexualidade, ou não vista como tal, pois anteriormente o conceito de bissexual englobava tudo, sexo e afeto. No sentido que o contexto do homo afetivo é mais amplo conforme figura 1, o conceito de homo afetivo ao interagir com a concepção de heterossexualidade ilustra um novo mundo. Esse mundo um pouco mais complexo e intermediário por natureza que ocorre conforme ilustrado na figura 2.

Dessa maneira, em acordo com o diagrama da figura 2, a ideia contemporânea e presente a partir dos preceitos g0ys, é que um homem heterossexual (ou às vezes não, já que um g0y também pode ser exclusivamente homo afetivo) pode manter relações eróticas ou contatos homos e não ser necessariamente gay, entendendo-se gay nesse contexto particular como sendo um homem que mantém relações de cópula com outro homem (penetração pênis-ânus).

Nessa mesma linha dos pressupostos do movimento g0y, há muitos anos Michel Foucault (1994) já criticava a ideia de que a homossexualidade masculina pudesse ser interpretada como uma “constante antropológica” que insiste em focar o fato de que não há permanência ao longo dos séculos do que nós, enquanto sociedade designamos por esse termo - termo que na verdade representa a junção de dois outros termos: homo e sexual, e não algo mais amplo como homoafetividade por exemplo. Ou seja, no termo homossexual, embute-se a relação intrínseca com o ato sexual entre iguais.

Ao longo dos séculos, especialmente após o virtual e hipotético ano zero da nossa era, com o advento do Cristianismo e posteriormente a sua fusão com o Império Romano, já eram adotadas práticas homossexuais em Roma, só que com significados vinculados à demonstração de poder, à perversidade e a subjugação do parceiro, especialmente quanto ao homo passivo. A impressão que se passa é que com a fusão entre a religião e o estado, promovida por Constantino por volta do ano 300 de nossa era, é que a partir de então, promoveu-se uma reviravolta nos valores vigentes e a simples expressão da homoafetividade passou a ser vista como uma revolta e uma cisão dentro da heterossexualidade presente no seio da maioria.

Praticamente dois mil anos passados, no que se refere a essa fusão, os g0ys parecem querer provocar uma contra revolta cultural e de costumes vigentes até então, mas ao mesmo tempo mantendo um ponto enquanto denominador comum. Na cultura ocidental atual, certamente continua hegemônica a concepção de que o mínimo esperado de um homem heterossexual é que o mesmo possua uma total aversão às práticas anais, especialmente àquelas que o confundam com algum papel penetrativo vinculado, subjetivamente, às fêmeas.

Não à toa, o movimento g0y internacional foi um movimento primordialmente promovido e provocado originalmente por heterossexuais, entretanto não se pode deixar de frisar heterossexuais um pouco diferentes, não héteros normativos, visualizados como libertários e muito liberais considerando-se a cultura heterossexual vigente. Isso por si só, já seria algo para a nossa geração atual como certamente "espantoso", mas o que causa, uma tamanha e igual surpresa é que o movimento hétero liberal ganhou também a simpatia de uma boa parte dos que antes se autodenominavam gays.

Nessa direção, o movimento g0y nos últimos anos passou a ganhar não apenas a adesão, mas também a simpatia de não g0ys, recebendo o apoio de parte de bissexuais e gays; notadamente, os que se consideram mais masculinos, os não afeminados, os ativos ou, simplesmente, aqueles que se consideram fora da cultura gay massificada, que para eles cria estereótipos e comportamentos sociais não vinculados à masculinidade. Nesse sentido, quase que como um efeito colateral, os g0ys também seriam simbolicamente uma cisão dentro da homossexualidade que se junta dessa forma moral e psicologicamente aos valores e aos padrões mais heterossexuais. Entretanto, desta vez menos hétero normativa, mais branda e mais harmônica com a maioria adaptada.

Hoje a aparência viril é cada vez mais prezada e começa a surgir um novo homossexual estereotipado que frequentemente ressalta sua aparência máscula, (...) existem muitos outros indivíduos dados a práticas sexuais com parceiros do mesmo sexo, mas de forma mais discreta e muitas vezes até furtiva. Muitos desses adéquem a categorização tradicional e hierárquica da homossexualidade e até consideram-se heterossexuais (MacRae, 1986, p. 68).

Segundo Guy Corneau (2015),toda a pessoa tem uma tendência erótica dirigida a pessoas do mesmo sexo, mas não necessariamente a tendência erótica tenha que transformar-se em tendência de cópula e é essa tendência erótica que alimenta o afeto, a amizade e a admiração que temos pela pessoa do mesmo sexo. Para o autor confunde-se, talvez, identidade masculina com vivência sexual, pois não é por um homem sentir afeto por outro homem que esse homem não é homem, mas a cultura hétero normativa nos mantém nessa ambivalência.

Para Corneau (1995), os homens heterossexuais estariam presos a uma verdadeira camisa de força. Assim que aflora o domínio de sua sensualidade, o homem se confronta com sua homossexualidade latente, ainda mais poderosa ao considerar-se que toda sua sensualidade original refugiou-se ou necessitou ser suprimida em algum momento. Para os adeptos da filosofia g-zero-y, seria um equívoco de que no limite, se este mesmo homem adulto quiser (re)apropriar-se de seus sentidos afetivos, a sua única saída seria tornar-se homossexual (ou gay) ou arriscar-se a passar por tal aos olhos dos outros homens e mesmo aos olhos das mulheres, potenciais parcerias.

3. Considerações Finais

Para os heterossexuais fora da prisão normativa nesses moldes de Guy Corneau e para demais adeptos e simpatizantes do movimento g0y, o homossexualismo exprimiria a necessidade de fixar-se no masculino, no que é semelhante; ou seja seria o homo no sentido literal do termo, homem que gosta de ser homem, ‘macho que gosta de macho’ e sentem-se atraídos por essa mesma identidade masculina evitando-se práticas anal penetrativas que acabam por configurar-se como uma tentativa de cópia de uma relação de cópula nos moldes heterossexuais, jogando-se o papel feminino para um dos parceiros.

Essas características dos g0ys em especial, para Wiik (2012) são derivadas de uma teologia própria gzeroy, como que se os g0ys fossem um sub-grupo ou uma dissidência judaica-cristã. O autor desenha esse quadro, baseado única e exclusivamente no conteúdo do portal http://g0ys.org, que é um dos ambientes da web, mais acessados no mundo no que se refere à temática g-zero-y (G0ys, 2004), mas que cujos autores e mantenedores são oriundos de uma origem ética cristã-protestante, concepção religiosa majoritária nos Estados Unidos.

O site Heterog0y (2014) também coloca essa questão vinculada à teologia, como sendo um dos possíveis cenários da etimologia do termo: “(...) há indícios de que o termo (g0y) tenha fortes raízes nas escrituras judaico-cristãs, tendo em vista que os Estados Unidos é de maioria não católica e formado predominantemente por cristãos protestantes.” Segundo o site Heterog0y, o Hebraico antigo - a língua da Torá e do restante do Velho Testamento - é uma língua que na sua escrita original não possuía vogais. Ou seja, gay, guy e goy teriam a mesma escrita: יג (gimel-yod; g-y),sobretudo nessa lógica o novo termo cunhado g0y, com um zero tinha que ser algo entre os dois extremos do gay (homossexual), para o Guy (heterossexual) e ao mesmo tempo algo como um caminho de transformação.

No entanto, nesse campo da teologia, apesar das reflexões de Wiik (2012) não apresentarem imprecisões, torna-se parcial nesse sentido que a teologia/filosofia “g0y”, se é que pode-se usar literalmente essa expressão, pode até ter sido importante como embrião desse movimento contra cultural que precisava legitimar-se perante aos seus semelhantes e principalmente esquivar-se da ideia de pecado, interpretado pelos cristãos protestantes mais ortodoxos. No entanto, essa teologia ressaltada nos Estados Unidos, com certeza foi-se diluindo, esvaindo-se, ou até mesmo tornando-se difusa na medida que os preceitos e comportamentos g0ys foram difundindo-se para os demais países ocidentais - de maioria católica.

Figura 3 Bandeira do movimento g0y. 

Dessa maneira, atualmente em países da Europa, na América Latina e, especialmente, no Brasil, a filosofia g-zero-y encontra-se mais direcionada e focada em aspectos comportamentais éticos sexuais, mais vinculados à valores e preceitos masculinos do que necessariamente a preceitos teológicos como guia de conduta. O slogan da bandeira g0y (Figura 3) atualmente utilizada, por exemplo é a: profundidade/intensidade (azul escuro), guerreiro por natureza (azul índigo), paz /amizade (branco) e integridade/virilidade (azul turquesa). “A bandeira traz a consciência de que o azul pode até ter gradações, mas deve continuar azul. Dessa forma traz o slogan de que os homens são profundamente unidos e que gØys permanecem homens íntegros, guerreiros e pacifistas” (Heterog0y, 2014).

Por isso, ao longo do discurso, as questões identitáriasgayseg0ys, trazem no seu âmago, em diferentes gradações, a mesma condição sexual (a homossexualidade), mas se distinguem no que diz respeito ao comportamento sexual, apresentado por ambos, e mais pontualmente em uma das práticas sexuais, seja ela com a presença ou ausência do sexo anal pleno entre homens mutualmente atraídos.

Faz-se relevante, portanto, deixar claro que conforme é defendido por Grossi (1998), deve-se distinguir identidade de gênero das práticas afetivo-sexuais, uma vez que a sexualidade é apenas uma das variáveis que configura a identidade de gênero, como papéis de gênero e o significado social de reprodução, sendo que o sexo seria uma categoria de diferenciação biológica entre homens e mulheres e o gênero um conceito que remete à construção cultural coletiva dos atributos de masculinidade e feminilidade. Assim, a “identidade de gênero é uma categoria pertinente para pensar o lugar do indivíduo no interior de uma cultura determinada e que sexualidade é um conceito contemporâneo para se referir ao campo das práticas e sentimentos ligados à atividade sexual dos indivíduos (grifo nosso)” (Grossi, 1998, p. 12).

Apesar de recente na literatura, o movimento g0y, de certo ainda ‘dará muito o que falar’, e no caso acadêmico ‘a se pesquisar’; a construção de uma identidade não extremista e intermediária por natureza aumenta a complexidade do fenômeno da sexualidade onde antes existia apenas duais instâncias claramente definidas enquanto postura maiores - a hetero e a homo - agora observa-se fronteiras mais fluidas, se é que se tem fronteiras definidas. Até que ponto começa um e termina o outro conceito, certamente será objeto de muita discussão e debate de especialistas do tema, pois a miscelânea ao mesmo tempo que torna-se maior e mais rica, ao focar a uma nova identidade o movimento g0y por sua vez parece diminuir as diferenças binárias ou dicotômicas.

Ao exacerbar as discrepâncias no que diz respeito aos extremos em relação ao cenário binário do homem totalmente heterossexual para o homem totalmente homossexual, o movimento g-y ganha críticas dos dois lados, soando politicamente incorreto para as pessoas que situam-se nas posições extremas dessa dicotomia clássica. Por outro lado, aparentemente com os novos conceitos essas instâncias deixam de ser uma dicotomia com barreiras tão nítidas, o mundo da bissexualidade aumenta seu espectro e, dessa forma, o que antes era visto analogicamente como que “caixas em separado” parecem ganhar o aspecto de continuum, contínuo este onde de uma ponta à outra, dentre essas posições extremas começarão a existir várias posições intermediárias, e nesse cenário, os g0ys no futuro podem não ser os únicos a reivindicar o direito de possuir uma identidade que seja própria.

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Recebido: 15 de Outubro de 2015; Aceito: 28 de Outubro de 2016

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