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Revista Uruguaya de Ciencia Política

Print version ISSN 0797-9789On-line version ISSN 1688-499X

Rev. Urug. Cienc. Polít. vol.30 no.2 Montevideo  2021  Epub Dec 01, 2021

https://doi.org/10.26851/rucp.30.2.2 

Artículo original

Vigilantes e alertas: pandemia e democracia na América do Sul

Watchers and alerts: pandemic and democracy in South America

1Universidad Federal de Pernambuco (Brasil) reboucas.ian@gmail.com

2Universitário Estácio do Recife (Brasil) linsprodrigo@gmail.com


Resumo:

O primeiro ano da pandemia do covid-19 e as medidas governamentais para seu enfrentamento degradaram a democracia na América do Sul? Institutos responsáveis pelo estudo e monitoramento da democracia à nível global desenvolvem projetos para avaliar medidas que trouxessem riscos às instituições democráticas durante o período de calamidade pública. A preocupação se justifica uma vez que Estados de Emergência foram declarados, os poderes do Executivo se expandiram e medidas de restrição de circulação de pessoas foram postas em prática. Mas os institutos monitores adotaram critérios distintos para a avaliação desses riscos. Neste trabalho, propomos a comparação dos vigilantes, seus critérios e seus alertas para a América do Sul, com o objetivo de (i) avaliar as discrepâncias nas análises de monitores desse tipo, que decorrem naturalmente das diferentes metodologias, e (ii) apresentar como medidas de combate à pandemia constituíram desafios aos regimes políticos sul-americanos.

Palavras-chave: pandêmica; covid-19; América do Sul; democracia

Abstract:

Has the first year of the covid-19 pandemic and government measures to address it degraded democracy in South America? Institutes responsible for the study and monitoring of democracy at the global level develop projects to evaluate measures that would bring risks to democratic institutions during the period of public calamity. The concern is justified because once States of Emergency have been declared, the powers of the Executive have expanded and measures to restrict the movement of people have been put in place. But the monitoring institutes have adopted different criteria for the assessment of these risks. In this work, we propose to compare the guards, their criteria, and their alerts for South America, seeking (i) to evaluate discrepancies in monitors’ analysis of this kind, and (ii) to demonstrate how measures to deal with the pandemic presented challenges to the region’s political regimes.

Keywords: pandemic; covid-19; South America; democracy

1. Introdução

A pandemia do covid-19 já é um marco histórico. Como a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, a Segunda Guerra Mundial e o fim da Guerra Fria, a pandemia que se iniciou em 2020 trouxe consequências severas às maneiras com que nos relacionamos em sociedade, que os governos atuam, orientam e guiam a população, que os Estados interagem no ambiente internacional. Um dos elementos característicos da pandemia do covid-19 é a orientação pelas medidas de isolamento social (Fong, Gao, Wong, Xiao, Shiu,Ryu e Cowling, 2020), o que se tornou um desafio aos governos em termos de implementação e à sociedade civil, que globalmente apresentou questionamentos à legitimidade de medidas como essa quando impostas pelo governo, principalmente em democracias. A partir disso, uma das agendas de pesquisa da ciência política no que se refere aos efeitos da pandemia é a relação entre regimes políticos e o combate ao vírus. Democracias apresentam melhores resultados no enfrentamento à pandemia? (Cheibub, Hong e Przeworski, 2020; Cepaluni, Dorsch, e Branyiczki, 2020; Lins, Rebouças e Domingos, 2020) Autocracias possuem maior facilidade para implementar as medidas necessárias para enfrentar a crise? (Frey, Chen e Presidente, 2020; Rodrik, 1999) E, mais importante para os efeitos de médio e longo prazo da pandemia nas instituições políticas, a pandemia e as medidas de enfrentamento possibilitaram degradação da democracia?

Neste texto, discutimos esta última preocupação, apresentando uma comparação de indicadores de risco à democracia durante o primeiro ano da pandemia (março de 2020/março de 2021). Focamos nossa análise na América do Sul por dois motivos: (1) por uma razão metodológica, para reduzir os casos sob análise e facilitar a comparação, permitindo maiores detalhes em algumas unidades; e (2) porque, dentre as regiões do globo, esta combina democracias recentes com sistemas presidencialistas -combinação que facilita perturbações ao regime (Cheibub, 2006). Além disso, a região possui um longo histórico autoritário e populista.

Entendemos aqui que a pandemia pode afetar de maneira problemática a democracia de duas maneiras: (i) quando se torna uma justificativa para que ataquem as instituições democráticas responsáveis por mediar os conflitos da sociedade (eleições, separações de poderes, limitações ao poder executivo, pluralismo etc.), inclusive através da ventilação de alternativas autoritárias ao regime democrático (Ginsburg e Versteeg, 2020), e (ii) quando se torna uma oportunidade para cercear liberdades e direitos de grupos minoritários específicos, de opositores ao governo e da mídia livre.

Os primeiros alertas de que o enfrentamento à pandemia poderia ser a oportunidade perfeita para a autocratização não demoraram a surgir (Luhrmann, Edgell e Maertz, 2020). Situações de crise e calamidade pública, como catástrofes naturais e guerras, dependem enormemente da capacidade de enfrentamento do poder público (Stephens, 2020). Foi natural, portanto, que declarações de Estado de Emergência surgissem por todo o globo, como uma maneira de expandir os poderes das autoridades, permitindo temporariamente medidas e políticas que em situações normais seriam consideradas inconstitucionais, como a restrição do direito de ir e vir da população. O exemplo mais contundente dessa forma de agir é a Hungria, liderada por Viktor Orbán. Ainda em março de 2020, o parlamento controlado pelo governo permitiu que Orbán governasse via decreto (Rácz, 2020). Já se sabe hoje que a democracia corre especial risco de ser golpeada durante um Estado de Emergência (Luhrmann, Rooney, 2020), e por essa razão estudiosos da democracia no mundo todo estiveram atentos e vigilantes sobre o que governos estavam fazendo para lidar com o vírus de maneira efetiva e o que estava sendo feito com segundas intenções (Luhrmann et al., 2020).

Situações como essa, que requerem união da sociedade e enfrentamento conjunto a um inimigo externo, possibilitam não só que líderes ampliem seus poderes para além dos limites constitucionais, mas que façam isso de maneira legitima, por dentro da legalidade e ainda apoiados por amplos segmentos da sociedade. A estratégia de expansão gradual dos poderes de Executivos eleitos através de reformais institucionais, de indicação de aliados a cargos de agências que deveriam vigiar o poder do Executivo e cooptação de cortes judiciais é a mais comum dentre os aspirantes a autocratas do século xxi (Bermeo, 2016). Além disso, medidas iliberais de ataque a minorias e restrição de direitos, como liberdade religiosa e casamento de pessoas do mesmo sexo, podem por vezes ser populares entre eleitores, o que revela uma «tensão estrutural intrínseca entre dois elementos definidores de democracia», eleições e direitos civis e políticos (Ding e Slatter, 2020, p. 4).

Portanto, a preocupação de que a pandemia traria desafios e riscos à democracia globalmente era justificada e ainda reforçada pela literatura recente onde mensurações de qualidade do regime são utilizados para apontar uma crise da democracia em escala global. Institutos que acompanham o estado da democracia no mundo criaram verdadeiras vigílias para acompanhar medidas governamentais que estariam indo além do necessário para enfrentar o vírus, e se aproveitando assim para autocratizar o país. A partir disso, este trabalho objetiva propor uma comparação dos vigilantes da situação global da democracia durante o primeiro ano da pandemia do covid-19 com o intuito duplo de (i) avaliar as discrepâncias nas análises de monitores desse tipo, que decorrem naturalmente de diferentes metodologias e critérios, e (ii) apresentar como medidas de combate à pandemia constituíram desafios aos regimes políticos sul-americanos.

Para isso, procedemos da seguinte forma. Após uma seção introdutória que contextualiza a condição das democracias recentes da região, bem como a concepção de democracia adotada por este trabalho, apresentamos e comparamos os institutos vigilantes, suas metodologias para construção dos alertas, a maneira com que esses foram divulgados (se com menos ou mais detalhes) e, finalmente, os países para os quais a sirene soou. Nesta etapa, ressaltamos de que maneira os diferentes critérios e métricas dos institutos geraram alertas diferentes, que enfatizaram como preocupantes e alarmantes distintos casos na região. Na sequência, tentamos ainda realçar essas discrepâncias nos alertas ao discutir o enfrentamento da pandemia em alguns países da região, propondo separar o ruído do barulho dessas sirenes. Nossas considerações finais ressaltam que o real impacto nas instituições causado pelas instabilidades e turbulências que a pandemia trouxe aos regimes políticos da região ainda é uma questão em aberto.

2. Contexto: democracias recentes

Dentro da Ciência Política, a democracia é um conceito essencialmente contestado (Gallie, 1955). Isso implica dizer que diferentes abordagens estão disponíveis dentro da disciplina (Munck, 2009). Neste trabalho, o conceito de democracia que será utilizado parte de Schumpeter (1942) e Dahl (1971). Isto é: a característica minimamente necessária para a percepção de um país enquanto democrático é realizar eleições. Assim, a democracia, em um primeiro momento, é entendida como um procedimento para a eleição dos tomadores de decisão (Schumpeter, 1942).

Mas essa concepção minimalista não é suficiente. Uma democracia de fato deve ir além da participação da população no pleito eleitoral e permitir também a formação e atuação de uma oposição (Dahl, 1971). Para tanto, sete instituições devem estar postas:

  • (1) oficiais eleitos;

  • (2) eleições livres e justas;

  • (3) sufrágio inclusivo;

  • (4) direito a concorrer em eleições. Esses quatro primeiros pontos estão relacionados com a visão procedimental de Schumpeter (1942). No entanto, Dahl (1971) continua:

  • (5) liberdade de expressão;

  • (6) fontes alternativas de informação; e

  • (7) autonomia para associação. Dessa forma, este trabalho faz uso do conceito de democracia como definido por Dahl (1971): uma visão procedimental, que considera as dimensões de participação e de oposição.

Dentro de tal percepção, podemos afirmar que o contexto histórico dos regimes democráticos na América do Sul vem seguindo um caminho sinuoso. As democracias da região são tidas como novas democracias -um contraposto em relação às antigas democracias da Europa e dos Estados Unidos. O processo de florescimento das novas democracias sul-americanas tem início com a terceira onda de democratização (Huntington, 1991). O gráfico 1 mostra esse processo.

Gráfico 1:  Regimes Políticos na América do Sul (1977-2020)  

O gráfico acima divide os países da América do Sul entre democracias e ditaduras, usando um índice construído a partir da categorização Regimes of the World (Luhrman, Lindberg e Tannenberg, 2017), composta de quatro tipos de regimes políticos, mas que podem ser agregadas para construção de uma variável binária (democracia ou ditadura) que segue características semelhantes à conceituada por Dahl (1971). O gráfico 1 mostra que a América do Sul se torna majoritariamente democrática em meados dos anos 1980, pouco tempo depois da terceira onda democrática iniciada com a Revolução dos Cravos, em 1974, e a consequente elaboração da constituição democrática, de 1976, em Portugal. O pico democrático da região se dá no início dos anos 2000, quando todos os dez países eram considerados democráticos. Se em 1977 apenas a Venezuela era considerada democrática, no dado mais recente, de 2020, o país é um dos únicos dois, junto com a Bolívia, a ser considerado não democracia.

É importante destacar, no entanto, que os países que compõem o grupo democrático não são homogêneos. Embora todos apresentem as condições mínimas necessárias para serem considerados democráticos, existe uma variação no índice de democracia deles, mesmo quando olhamos apenas para as características eleitorais. O gráfico 2 apresenta o índice de democracia eleitoral do V-Dem, que varia entre 0 e 1, para países específicos. Brasil, Chile e Paraguai foram escolhidos especificamente por apresentarem tendências diferentes e, assim, mostrarem a falta de homogeneidade entre as democracias da região. O Chile, desde a redemocratização, apresenta valores altos de democracia eleitoral. Ainda que apresente uma queda nos anos mais recentes, tal redução não é tão íngreme fazendo com que o país mantenha um índice de 0,814 em 2020. O Brasil, que apresentava valores semelhantes ao do Chile desde o início dos anos 1990 até meados dos anos 2010, apresenta uma redução mais importante. Em 2020, o índice para o país era de 0,690. Por fim, o Paraguai, desde o processo de redemocratização, não experimentou valores tão altos quando Brasil e Chile. No entanto, ele apresenta mais estabilidade dos anos recentes do que os outros dois países citados. Em 2020, seu índice era de 0,581.

Gráfico 2:  Índice democracia eleitoral 

Dessa forma, a alta variabilidade do nível eleitoral de democracia para os países da região, assim como o gap que parece começar a fechar entre ditaduras e democracias (gráfico 1), indica que os regimes políticos na região ainda são instáveis. Assim, crises importantes -como a da pandemia do novo coronavírus- parecem ameaçar de maneira mais severa democracias recentes do que democracias já estabelecidas (Cornell, Moller e Skaaning, 2020). Para avaliar esses riscos, institutos internacionais especializados em avaliar as condições e a qualidade das democracias pelo mundo estiveram especialmente atentos aos impactos da pandemia nos regimes políticos. Na próxima seção, apresentamos esses vigilantes e os seus alertas.

3. Os vigilantes

O idea (Institute for Democracy and Electoral Assistance) propôs seu monitor como uma forma de vigiar qualitativamente medidas governamentais de enfrentamento ao covid-19 que ameaçassem a democracia e os Direitos Humanos. São cinco os aspectos principais da democracia para o idea: governo representativo, direitos fundamentais, controles ao governo, administração imparcial e engajamento participativo. Isso permite identificar quais aspectos específicos são ameaçados por determinada medida. Na América do Sul, eles indicam que medidas preocupantes (concerning) foram tomadas em cinco das oito democracias da região (Argentina, Chile, Colômbia, Equador e Paraguai) além da Venezuela, que o idea classifica como um regime autoritário. O monitoramento do idea não se restringe a compilar somente as medidas que são potencialmente danosas à democracia, mas abrange todo o arcabouço de políticas adotadas pelo governo no enfrentamento ao vírus. Esse tipo de abordagem e de apresentação dos dados permite a apresentação de toda a resposta governamental, dividida nos principais eixos de vigília do instituto e especificando em que momento da resposta o governo implementou uma medida que pode ser interpretada como exagerada. O quadro 1 condensa as informações a respeito dos países que tiveram algum retrocesso institucional em decorrência da pandemia da covid-19 a partir do monitoramento do idea.

Quadro 1:  Países que sofreram mudanças importantes (idea)  

Os países incluídos no quadro acima são aqueles que tiveram transformações importantes que são diretamente decorrentes das práticas de combate à pandemia. Assim, cabe nota a ausência de Bolívia, Brasil, Peru e Uruguai, o que permite a interpretação de que qualquer turbulência ou atrito institucional que tenha ocorrido nesses países durante o ano de 2020 não foi fruto de medidas relacionadas à então crise sanitária, segundo esta avaliação do idea.

O Freedom House divulgou seu relatório «Democracia em Lockdown» (Democracy under Lockdown) em outubro de 2020. Ele é fruto de um survey com quase 400 jornalistas, ativistas da sociedade civil e especialistas sobre o impacto da pandemia na democracia e nos direitos humanos. De maneira geral, apontam que globalmente a pandemia ajudou a piorar as condições em 80 países, sendo cinco na América do Sul - Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e Venezuela.

No relatório de vinte páginas, apresentam e discutem o caso da Bolívia, cuja resposta ao vírus é classificada como disruptiva à democracia e aos direitos humanos pelos seguintes critérios: perturbação eleitoral, restrição à mídia e restrição a protestos. A eleição presidencial que foi adiada três vezes e aconteceu em outubro é apontada pelo relatório como perturbada, e compreendem também o governo interino de Janine Añez como sendo politicamente motivado nas políticas de enfrentamento ao vírus. A Venezuela é outro país destacado no relatório, com medidas abusivas em quatro eixos: restrição de mídia, restrição de protestos, detenção e prisão e violência policial. No entanto, o Freedom House não apresenta a totalidade dos dados em seu relatório, o que limita a investigação de que medida específica do governo é compreendida como exagerada ou prejudicial. Não sabemos, assim, quais os critérios e quais as medidas que levaram Argentina, Equador e Paraguai a serem apontados pelo relatório como tendo piorado suas condições de democracia e direitos humanos. Fazem referência, contudo, ao Brasil, que não é apontado como um dos casos de piora, mas comentam sobre o negacionismo das autoridades brasileiras e sobre como o Supremo Tribunal Federal (stf) teve papel importante para controlar medidas de poder abusivas e excessivas do governo federal, trazendo como exemplo o veto do presidente Jair Bolsonaro para assistência a comunidades indígenas.

O V-Dem (Variaties of Democracy), um dos principais institutos preocupados com a qualidade da democracia em escala global e responsável pela elaboração anual de uma série de indicadores que propõem acompanhar a evolução dos mais variados aspectos da democracia, também elaborou seu indicador de violações de padrões democráticos durante a pandemia. O PanDem (Pandemic Violations of Democratic Standards Index) (Edgell et al., 2020), lançado em abril de 2020, lançou três atualizações durante o primeiro ano da pandemia (em junho, outubro e dezembro de 2020). São sete os tipos de violações que o indicador considera: medidas discriminatórias, redução de direitos, implementação abusiva, ausência de limite de vigência da medida, limitação ao poder Legislativo, desinformação oficial veiculada pelos canais do governo e restrições ao funcionamento livre da mídia. A construção do indicador PanDem foi realizada através da codificação dos investigadores principais do V-Dem, que também supervisionaram o trabalho de assistentes de pesquisa treinados a monitorar e avaliar medidas em quatro categorias: sem violações, pequenas violações, algumas violações e importantes violações. Inicialmente, em junho de 2020, 89 países do mundo apresentavam algumas ou importantes violações de normas democráticas, número que caiu para 69 no relatório de dezembro -a maior parte dessas violações acontecendo em países que já apresentavam erosão das instituições democráticas, como Hungria, Turquia e Índia (Luhrmann et al., 2020), pelos próprios termos e indicadores do instituto. Uma maneira de interpretar essa queda no número dos países em risco, ao comparar o indicado em junho e em dezembro, é compreender que o que era potencialmente danoso de início não se concretizou ao longo dos meses.

No que se refere aos países da América do Sul, três países são recorrentes nos estágios mais graves desta avaliação do V-Dem: Brasil, Paraguai e Venezuela. Inicialmente, indicou-se algumas violações para os três países em junho de 2020 (os demais países da região apresentavam menores violações; com exceção do Chile, sem violações). Em setembro, Brasil e Venezuela apresentavam importantes violações, e todos os demais da região menores violações. Por fim, em dezembro, Paraguai e Venezuela apresentavam importantes violações, o Brasil algumas violações e os demais da região menores violações. O quadro 2 sumariza todas as violações, por nível, que aconteceram nos países da América do Sul. Os dados consideram o período entre março e dezembro de 2020.

Quadro 2:  Países que sofreram mudanças importantes (V-Dem) 

O único país que não figura no quadro acima é a Bolívia. Isso acontece porque, de acordo com a avaliação do V-Dem, o país não teria experimentado nenhum tipo de violação durante a pandemia. Por outro lado, o país mais castigado foi a Venezuela. Foi não só o país em que mais aspectos foram violados (quatro), como também o que teve o maior número de violações importantes (três). Para a América Latina como um todo, o instituto destaca que os aspectos mais golpeados pelas medidas de enfrentamento à pandemia foram restrições à mídia, implementação abusiva e ausência de limite de tempo delimitado para as políticas.

Após a apresentação dos três monitoramentos, é possível a elaboração do quadro 3, onde se comparam os institutos e seus alertas. De maneira geral, pelo que se tira dos elementos recorrentes que são vigiados pelos monitores, a democracia estaria ameaça pela pandemia se esta última fosse o pretexto ideal para que líderes mal-intencionados utilizassem da calamidade para expandir os seus poderes de maneira irreversível, cortasse direitos de segmentos específicos da sociedade e golpeasse a liberdade, seja de ir e vir, seja de expressão, de maneira desproporcional para o enfrentamento da pandemia. Ainda assim, o diagnóstico varia consideravelmente entre eles, em termos de quais países mereceriam cautela em relação às suas políticas potencialmente nocivas.

Quadro 3:  Institutos vigilantes, aspectos vigiados e países sul-americanos com medidas potencialmente danosas à democracia 

Essas distinções de alertas ocorrem em grande parte por diferenças metodológicas. Comparando o indicador do idea e do V-Dem, por exemplo, este último indica que todos os países da região apresentaram ao menos menores violações do padrão democrático, mas sugere que a atenção maior seja dada a países que apresentaram violações importantes. Ao mesmo tempo, o idea soa a sirene para mais países da região, identificando que qualquer violação, por menor que seja, já mereceria advertência. Sobre isso, cabe atenção ao fato de que o monitor do idea é factual e cataloga as medidas governamentais de maneira ampla, indicando qual tem potencial danoso, ao passo em que as políticas dos países no indicador do V-Dem são filtradas e avaliadas por especialistas, o que de certa forma permite menos alarde e delimitação refinada do que seria de fato perigoso ou somente má formulação de política. Por exemplo, o idea aponta como perigoso o aumento de vigilância online na Argentina, o que pode não necessariamente indicar que essa política será usada com fins de perseguição política. O indicador do V- Dem parece avaliar esta medida, através dos especialistas consultados, e caracterizar somente como menor violação. Ao mesmo tempo, o V-Dem avalia como perigosas as recorrentes afirmações do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, menosprezando o efeito do vírus e se colocando contra as medidas de isolamento social, o que não constitui uma medida específica e, portanto, está fora do monitor do idea -mas é problemático no sentido de espalhar desinformação através de canais oficiais, sendo, assim, captado pela avaliação qualitativa dos especialistas consultados pelo V-Dem.

O que emerge na avaliação dos distintos monitores, portanto, é a necessidade de separar o ruído do barulho. Os esforços dos institutos são válidos principalmente considerando que foram realizados em tempo real, ao longo de 2020, ao passo em que as medidas eram tomadas. Mas um ano após o início da pandemia, é preciso estar atento ao que de fato foi nocivo à democracia na América do Sul e o que não foi.

4. Os ruídos e os barulhos

O quadro 4 apresenta os países da região que foram identificados pelos monitores como apresentando políticas potencialmente danosas ao regime, especificando, quando disponível, aspectos atingidos e exemplos de medidas. Na sequência, avaliamos onde realmente a democracia pode ter piorado em decorrência do vírus.

Quadro 4: Países da região com medidas apontadas como perigosas para a democracia 

Quadro 4: continuación 

Quadro 4:  continuación 

O Brasil, que só aparece no alerta do V-Dem, é um dos casos de países que sentiu o efeito do vírus em suas instituições. Março de 2021, um ano após o início da pandemia, foi o mês em que o país registrou seu maior número de mortos até então, alcançando assim o total de 300.000 mortes pela doença. O governo Bolsonaro é apontado como responsável por uma das piores respostas globais à pandemia, e parte disso decorre de seu negacionismo e inação em adotar medidas nacionais de isolamento social. Por causa disso, a crise sanitária engendrou em crise político-institucional, com aberto conflito do presidente contra governadores e contra os poderes Legislativo e Judiciário, que divergiam sobre políticas a serem tomadas, responsabilização das esferas e repasses de verba. Nesse processo, o governo federal atacou a mídia, reduziu a transparência das informações relacionadas à pandemia (Transparência Brasil, 2020) e testou as instituições, questionando o processo eleitoral e abertamente criticando ministros do stf. Bolsonaro chegou a participar de manifestações que pediam o fechamento da suprema corte e a intervenção militar no governo. A ausência do Brasil no alerta dos monitores do idea e da Freedom House é uma falha aparente desses institutos ao identificar ao menos ameaça à democracia brasileira durante a pandemia. Ainda que análises dos reais impactos das ações do governo indiquem mais barulho do que consequências nocivas à democracia (Avritzer e Rennó, 2021; Smith, 2020), Bolsonaro adotou medidas de enfrentamento às instituições democráticas (Inácio et al., 2021), o que poderia ter sido apontado pelo monitor do idea. Da mesma forma, a Freedom House comenta sobre o Brasil em seu relatório, como anteriormente mencionado, mas finda por classificar o estado da democracia brasileira durante a pandemia como «quase a mesma coisa» («about the same»).

Paraguai e Venezuela são os países que aparecem nos alertas dos três monitores. O primeiro é um típico caso de Estado com poucas capacidades de atuação (Vaccaro, 2020), onde o enfrentamento sanitário à pandemia esbarrou em debilitada infraestrutura hospitalar e delicados índices sociais. Para lidar com o vírus sob essas condições, o governo parece ter desembocado em uso excessivo da força pelas autoridades para que a população respeitasse as medidas de combate. A gestão da pandemia tem sido desastrosa de tal forma que a capital Assunção assistiu a protestos massivos no início de março de 2021 demandando a saída do presidente Mario Benítez, que respondeu com reformas ministeriais. Uso excessivo de força é um problema típico das preocupações inicias sobre os riscos que a pandemia poderia trazer à democracia. A má gestão da pandemia, que envolve desde a violência até à baixa taxa de vacinação, de pronto trouxe consequência à estabilidade política no país. Instituições fracas não estão prontas para lidar com desafios grandiosos, e o Paraguai parece ser exemplo disso. Ainda que não fosse um modelo antes da pandemia, o vírus contaminou o sistema político do país guarani.

A Venezuela é outro caso em que a democracia já estava enferma antes da covid-19: na classificação do idea trata-se de um regime autoritário; nos termos da Freedom House, é um país não-livre; e na classificação do V-Dem, trata-se de uma autocracia eleitoral. As condições socioeconômicas prévias à pandemia também apontavam fragilidades sociais que prejudicariam o enfrentamento do vírus, mas segundos dados oficias a Venezuela apresentava em março de 2021 uns dos números mais baixos da região em termos de casos e mortos. O governo de Nicolás Maduro desde o início do pandemia tomou as medidas de combate ao vírus da maneira que os monitores globais estavam mais preocupados: medidas amplas, sem restrições de tempo de duração e com legitimidade para abusos por parte das forças de segurança. Soma-se a isso o fato de que a Venezuela organizou eleições legislativas em dezembro de 2020 com um processo eleitoral marcado por

  • (i) reformas para cooptação do Conselho Nacional Eleitoral (cne), a agência que organiza as eleições,

  • (ii) perseguição à oposição e o consequente anúncio desta de

  • (iii) boicote ao pleito. O governo ainda tem sido acusado de priorizar a vacinação à população mais leal ao governo, excluindo opositores. Dessa feita, não se pode falar em erosão da democracia na Venezuela durante a pandemia. O termo mais adequado parece ser autocratização: Maduro é um exemplo de autocrata que aproveitou o combate a pandemia para ampliar seus poderes, influenciar o processo eleitoral e orientar políticas para governistas, discriminando opositores.

A Bolívia aparece somente no relatório da Freedom House como um caso em que a democracia teria piorado desde o início da pandemia. Considerada pelo instituto como parcialmente livre, o idea considera um regime híbrido e o V-Dem uma autocracia eleitoral. A Bolívia inicia 2020 sob um governo provisório que deveria convocar novas eleições em maio, após um confuso processo eleitoral no final de 2019 onde o presidente que tinha sido reeleito, Evo Morales, teve que deixar o país após acusações de fraudes. A nova eleição foi adiada três vezes em decorrência da pandemia, ocorrendo finalmente em outubro e novembro, e elegendo o candidato do partido de Moreles, Luis Arce. Apesar da instabilidade em que se encontrava o país desde antes da pandemia, não é possível identificar de que maneiras o vírus tenha especialmente afetado o estado das coisas na Bolívia. O adiamento das eleições parece ter sido o principal ponto considerado pela Freedom House para soar o alerta ao país, mas o fato é que as eleições aconteceram, o resultado foi desfavorável ao então governo provisório e o vencedor tomou posse. O alerta foi válido, o processo merecia atenção, mas no final o regime não piorou em decorrência do vírus, de maneira que nem o idea nem o V-Dem soaram o alerta ao monitorar o caso boliviano.

A Argentina e Chile são países com algumas medidas governamentais que foram apontadas como potencialmente danosas à democracia -a Argentina aparece no alerta do idea e da Freedom House, o Chile somente no idea. As preocupações aqui estiveram centradas na imposição de medidas duras de restrição de liberdades por parte dos governos argentino e chileno, envolvendo repressão policial, monitoramento de atividades online e longos períodos de quarentena e lockdown sem previsão de término. Apesar da preocupação legítima que os monitores possuem em relação a medidas exageradas que cerceiam a liberdade dos indivíduos para além do necessário para combater o vírus, é possível interpretar as ações em ambos os países como medidas duras de enfrentamento que não trouxeram pioras significativas para seus regimes. Ao fim e ao cabo, a pandemia não se configurou como uma janela de oportunidade para «concentração ilegítima ou ilegal de poder» (Inácio et al., 2021, p. 218). Globalmente, medidas duras foram tomadas em países que conseguiram por grande parte do tempo controlar a taxa de transmissão, como Nova Zelândia e Noruega, o que não necessariamente é apontado como prejudicais a essas democracias. Um ano de pandemia permite atestar o mesmo para Argentina e Chile, embora aqui não haja uma avaliação de efetividade dessas medidas para conter o número de casos. Até março de 2021, ambos os países orientaram suas medidas de acordo com a situação epidemiológica, flexibilizando o isolamento quando foi possível. Na Argentina, destaca-se a participação de grupos organizados da sociedade civil na adoção dessas medidas (Abers, Rossi e von Bulow, 2021), o que possibilitou despolarização e consenso inicial em relação a maneira com que governo lidou com a pandemia, ainda que esses efeitos não tenham sido permanentes (Peruzzotti e Waisbord, 2021). Já o Chile realizou em outubro de 2020 um plebiscito onde 78 % da população votou pela realização de uma assembleia constituinte para elaboração de uma nova constituição, rejeitando assim a constituição de Pinochet ainda vigente no país. A oposição nesses países não apresentou maiores sentimentos de perseguição por parte do poder público, nem opções autoritárias foram ventiladas pelos atores políticos relevantes como alternativa à maneira com que o regime democrático lidou com o vírus. Isso nos permite dizer que o vírus não foi prejudicial a esses aspectos dos regimes argentino e chileno.

Peru e Uruguai são os únicos países que não aparecem nos alertas de nenhum dos monitores. O Uruguai parece ser justificado. O governo não implementou em nenhum momento do primeiro ano de pandemia medidas duras de restrição de circulação de pessoas, como Argentina e Chile, bem como se destacou por dialogar com a oposição para tomar as medidas iniciais -o governo de Lacalle Pou tinha somente duas semanas no cargo quando a oms declarou a pandemia do covid-19. Apontado como um dos modelos de democracia bem-sucedida na região, as instituições uruguaias não foram testadas pelo governo durante o combate ao vírus. Pelo contrário, sua solidez institucional, estratégia de enfrentamento flexível e tomada em conjunto com a oposição e sua cultura política cívica são apontados por Daniel Chasquetti como elementos que permitiram uma boa resposta uruguaia à pandemia (Inácio et al., 2021), que apresentou baixos números de casos e de mortos ao longo de todo 2020, mas com aumento considerável de casos em dezembro e janeiro como consequência da combinação de férias de verão e medidas restritivas pouco rígidas.

Menos justificada, contudo, é a ausência do Peru em qualquer um dos alertas dos monitores aqui considerados. O Peru já se encontra em turbulência institucional e crise política há alguns anos, decorrente da investigação de esquema de corrupção envolvendo os últimos presidentes do país e uma consequente crise de legitimidade dos políticos e da política no país. No início da pandemia, o governo sancionou uma lei que dava carta branca aos militares e forças policiais, isentando-os de ferimentos e mortes causadas no cumprimento das medidas de isolamento, exemplo de medida exagerada com a qual os monitores estão preocupados. Ao longo de 2020, a crise política e a crise sanitária se somaram, em um país com infraestrutura hospitalar limitada e de economia majoritariamente informal (70 %), culminando no momento mais agudo em novembro, quando o presidente Martín Vizcarra foi derrubado pelo Legislativo por acusações de corrupção quando ainda era gobernador. Uma crise de sucessão, sob o som de protestos populares e repressão policial, com mortos e feridos, fez com que o Peru tivesse três presidentes em uma semana. Milagros Campos em Inácio et al. (2021) sugere que três são os elementos responsáveis pelas turbulências políticas no Peru em 2020: debilidade das instituições que afetam a estabilidade democrática, crise de representação e demanda por integridade pública. Assim, por mais que esses elementos sejam anteriores à pandemia, é difícil não compreender que as crises sanitárias e econômica não sejam intensificadoras da instabilidade que tomou o país no final de 2020. A pandemia trouxe à democracia peruana sintomas de repressão policial exagerada e derrubou presidentes, e os institutos monitores falharam em diagnosticar o que se passou no país. A razão talvez seja a ausência de medidas tomadas pelo governo para de fato ruir instituições e liberdades, mas o fato de tamanha crise passar batidas pelos diagnóstico dos monitores talvez revele problemas nos critérios de avaliação adotados para examinar o impacto da pandemia nas democracias ao redor do mundo.

O que parece diferenciar o caso peruano do paraguaio, este último tendo sido identificado pelos alertas dos três institutos aqui analisados, é a centralidade da má gestão da pandemia nos sucessivos protestos e crises institucionais que aconteceram no país guarani, diferente do que ocorreu no Peru. Contudo, entendemos aqui que crises político-institucionais ocorridas no ano de 2020 foram potencializadas pelas dificuldades sanitárias e econômicas impostas pela pandemia, sendo impossível desvencilhar o contexto dos acontecimentos. Neste sentido, que a pandemia tenha gerado instabilidades políticas e institucionais em mais de um caso sul-americano revela mais sobre o continente, suas instituições e suas democracias recentes, do que necessariamente sobre o enfrentamento à pandemia pelos governos.

Em mais uma tentativa de separar o que foi pontual ao ano de 2020 do que foi de fato nocivo e prejudicial às instituições dos países sul-americanos, podemos fazer uso de alguns dos principais e mais utilizados indicadores de qualidade da democracia na atualidade: os indicadores de democracia eleitoral e democracia liberal, elaborados pelo V-Dem. Esses indicadores mensuram em qualquer regime político a presença ou ausência de políticas, instituições e práticas orientadas pelo ideal democrático, com diferentes ênfases. O indicador de democracia liberal avalia a proteção dos direitos individuais e de minorias diante da tirania do Estado e da maioria. Já o indicador de democracia eleitoral propõe a mensuração dos pontos mais caros à noção de poliarquia de Robert Dahl (1971): (1) nível de participação da sociedade civil e (2) possibilidade de contestação por parte da oposição política. Em anos não eleitorais, avalia ainda a liberdade de expressão e livre ação da mídia. Como se nota, esses indicadores avaliam no regime político alguns dos pontos que estiverem sob os holofotes dos vigilantes da condição da democracia durante a pandemia. A tabela 1 apresenta os valores desses indicadores para os anos 2019 e 2020, e uma terceira coluna indicando a variação de um ano para o outro.

Tabela 1:  Indicadores de democracia (V-Dem) 

Fonte: elaboração dos autores.

Destaca-se que mesmo que produzidos pelo mesmo V-Dem, cujo monitor PanDem é discutido neste trabalho, compreendemos a construção de seus indicadores anuais como um processo distinto do trabalho de monitoramento de medidas durante a pandemia. A mais fundamental diferença emerge do fato de que os indicadores anuais são construídos por um grupo amplo de especialistas, com balanceamento bayesiano das respostas que foram dadas visando reduzir enviesamentos, ao passo que o monitor PanDem foi realizado por um grupo reduzido de investigadores do V-Dem, que codificaram as medidas a partir de suas avaliações.

Para a maior parte dos países da região, a diferença nesses indicadores de qualidade do regime são graduais, variando inclusive dentro do intervalo de confiança (que geralmente fica entre 0,04 e 0,06 para mais ou para menos do valor indicado na tabela 1). A Bolívia é o único país com uma mudança significativa no ano de 2020, maior do que 0,1, de -0,237, quando comparado com 2019. Portanto, esses indicadores do V- Dem não relatam degradações consideráveis aos aspectos liberais e eleitorais na maior parte dos regimes da região, ainda que essas sejam justamente as nuances vigiadas pelos monitores aqui trabalhados.

É possível afirmar, assim, que pela mensuração de alguns dos indicadores de qualidade do regime mais utilizados pela literatura especializada na atualidade, os regimes sul-americanos não tiveram suas democracias degradas em 2020 em decorrência da pandemia. Uma afirmação que desafia os acontecimentos discutidos anteriormente para alguns casos, como Brasil, Venezuela, Paraguai e Peru. A discussão permanece sendo se os efeitos dos acontecimentos de 2020 são contextuais, o que não os tornaria menos alarmantes, ou de longo prazo, com consequência para o futuro das instituições desses países. Se os acontecimentos como derrubada de presidentes (Peru), boicote da oposição a eleições (Venezuela), enfrentamento entre poderes (Brasil) e protestos massivos seguidos por reforma ministerial (Paraguai) significam que as instituições dos países da região estão funcionando ou fraquejando, é um debate longo e vívido que foge do escopo deste texto.

5. Considerações finais

É inegável que a pandemia trouxe desafios e alterações drásticas na maneira com que Estado e sociedade civil se relacionam. Em decorrência disso, uma das principais agendas de pesquisa que emergiu na ciência política em 2020 foi sobre a relação entre regimes políticos e a pandemia. Institutos voltados ao estudo, mensuração e acompanhamento do estado global da democracia não demoraram em lançar monitores para avaliar em que medida as políticas governamentais de combate ao covid-19 eram nocivas às instituições e as liberdades civis de maneira duradoura. A preocupação era de que líderes mal-intencionados aproveitassem a pandemia para expandir poderes, perseguir opositores e ampliar as possibilidades de permanência no cargo, sob a justificativa de estar fazendo o que era necessário para o enfrentamento da pandemia e de suas muitas consequência econômicas e sociais. Exemplos como o de Vitor Orban na Hungria, onde ainda em março de 2020 o Legislativo o concedeu irrestrito poderes por quanto durasse a crise, e Rodrigo Duterte nas Filipinas, que autorizou uso letal pelas forças policiais para garantir o cumprimento das medidas de isolamento social, não demoraram a surgir para ilustrar esse tipo de inquietação.

Estudos preliminares já apontam que medidas que violaram as normas democráticas não se relacionam com menores taxas de mortes (Maertz, Luhrmann, Lachapelle e Edgell, 2021), derrubando por terra a possível justificativa para tais medidas. Ainda que alguns possam alegar que a intenção era salvar vidas, sobra oportunismo para aqueles que se aproveitaram da pandemia para golpear instituições e cercear liberdades. Neste texto, consideramos três monitores do estado global da democracia durante a pandemia, do idea, da Freedom House e do V-Dem, buscando avaliar em como se diferem os critérios e diagnósticos de cada um desses. Concentramos o interesse na América do Sul, região de particular histórico de instabilidade democrática e de líderes autoritários, o que poderia tornar os países mais sujeitos à degradação durante a pandemia.

Demonstramos que os institutos diferem em suas metodologias de monitoramento, o que gera alertas de distintos níveis de ameaça. O idea é menos incisivo no que pode ser duradouro ou não, mas indica um panorama completo da resposta governamental, demonstrando de que maneira a medida se relaciona com os aspectos da democracia que considera. Já o V-Dem apresenta um indicador construído a partir da avaliação de especialistas, o que torna o alerta final mais bem refinado, além de se tratar de esforço contínuo que produziu alertas atualizados e revisados. O indicador da Freedom House é o menos transparente dos três analisados aqui, sem plataforma online de visualização global dos dados, mas aparenta estar localizado entre o alerta do V-Dem e do idea: é criado a partir de survey com especialistas, mas é amplo no que considera piora das condições democráticas durante a pandemia. Pela distinção das abordagens, os institutos soaram a sirene para diferentes países, ainda que observando a mesma realidade. Isso demonstra o considerável impacto que as métricas e critérios adotados em monitoramentos globais possuem na avaliação da situação global da democracia. Um diagnóstico que emerge desta análise, ainda, é a importância de se considerar processos de avaliação minuciosos, contínuos, sujeitos a revisão sob a luz de novos acontecimentos e ancorados em especialistas nos países. Análises globais não são tarefas fáceis, ainda que necessárias, e o fardo é menos pesado se carregado com o apoio de especialistas nos países e regiões.

Da avaliação dos casos proposta neste texto, identificamos que o primeiro ano de pandemia proporcionou turbulência política e institucional aos regimes de Brasil, Venezuela, Paraguai e Peru, uma vez que consideramos impactos à democracia medidas que prejudicassem o funcionamento das instituições, o equilíbrio entre os poderes e os controles ao Executivo, e cerceassem as liberdades e os direitos civis. A discussão sobre se essas turbulências trarão impactos duradouros às instituições desses países já vem sendo ensaiada pela literatura (Avritzer e Rennó, 2021; Smith, 2020), mas evidentemente ainda é uma questão em aberto.

Por fim, cabe mencionarmos que essa discussão sobre a influência da pandemia nas democracias não ocorre no vácuo. Por anos a literatura de política comparada vem apontando uma recessão global das democracias, em alertas mais (Mounk, 2019) ou menos (Prezeworski, 2020) emergenciais no que se refere à real degradação de democracias consolidadas. Apesar de algumas dessas terem ou estarem enfrentando desafios inéditos em décadas, com líderes populistas eleitos nos eua e no Reino Unido, as instituições nos países centrais tem dado sinais de perseverança diante de testes autoritários. O problema parece ser mais severo em democracias mais frágeis (Svolik, 2015), como as sul-americanas. Instabilidade política que decorre de má administração e crise de legitimidade não são exclusividades da região, mas os efeitos tendem a ser mais severos em democracias recentes como as daqui. Enquanto durar a pandemia e suas consequências, que promete ainda ser a tônica por alguns anos, os países sul-americanos estarão sujeitos as mesmas condições existente até então, o que pode suscitar novas e mais graves violações da ordem democrática. A sirene está tocando e o estado deve ser de alerta.

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1Nota: Los autores han realizado igual contribución al artículo y son los únicos responsables de su contenido

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21Existem duas possíveis justificativas para essa diferença entre os dados do relatório pandêmico (PanDem) e os dados do banco anual do V-Dem no que se refere à Bolívia: (1) as mudanças contidas no banco anual vão além das características ligadas à pandemia, o que pode indicar que transformações institucionais que não foram contabilizadas no relatório relacionado à pandemia podem ter causado a diferença entre os resultados, como os meses do governo interino de Janine Añez; ou (2) o fato do relatório seguir metodologias distintas, preocupados com aspectos distintos. Se o primeiro ponto for verdadeiros, a perspectiva do V-Dem compreenderia que os acontecimentos políticos de 2020 são dissociáveis da pandemia, isto é, podem ser analisados separadamente. Já em relação ao segundo, ao selecionarmos os indicadores de democracia liberal e eleitoral a ideia era avaliar justamente aspectos que eram vigiados durante a pandemia. Que a Bolívia não tenha aparecido no alerta PanDem mas que tenha os mesmos aspectos degradados nos indicadores anuais demonstra como os processos de construção desses indicadores dependem de pessoas diferentes e, portanto, geram resultados diferentes.

2Nota: Este artículo fue aprobado por el editor de la revista Dr. Federico Traversa

Recebido: 25 de Maio de 2021; Aceito: 26 de Setembro de 2021

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