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Revista Uruguaya de Ciencia Política

versión On-line ISSN 1688-499X

Rev. Urug. Cienc. Polít. vol.22 no.spe Montevideo dic. 2013

 

AS ENCRUZILHADAS DO ESTADO SOCIAL NO BRASIL

 

The Brazilian Social State at the crossroad

 

 

Arnaldo Provasi Lanzara* e Rodrigo Cantu**

 

Resumo: O objetivo do presente texto é examinar a mudança da política social no Brasil recente e a consequente transformação da sociedade por ela engendrada. Avaliam-se o sistema fiscal, o mercado de trabalho e a previdência social, a área da saúde e os programas de transferência de renda. Argumentamos que o Estado brasileiro vem produzindo importantes iniciativas no sentido de conferir faticidade às aspirações e expectativas concernentes a uma efetiva participação daqueles grupos que apenas desempenhavam um papel passivo na vida política. Ativando um “limiar de sensibilidade social”, de percepção das desigualdades circundantes, essas iniciativas constituem, porém, bases frágeis de construção da política social, sobretudo quando surgem desacopladas das dinâmicas de proteção pertinentes à seguridade social e ao mundo do trabalho. 

 

Palavras-chave: Estado social, Brasil, seguridade

 

Resumen: El objetivo del presente texto es examinar el cambio en la política social de Brasil y las transformaciones sociales generadas por ella. Se examina el sistema fiscal, el mercado de trabajo y la previdencia social, el área de salud y los programas de transferencias monetarias. El argumento es que el Estado brasileño ha generado importantes iniciativas orientadas a tornar reales las aspiraciones y expectativas relativas a una efectiva participación de aquellos grupos que tenían un papel pasivo en la vida política. Aun cuando activan el “umbral de sensibilidad social” respecto de las desigualdades circundantes, esas iniciativas aun constituyen bases frágiles para la construcción de la política social, sobre todo porque surgen desligadas de las dinámicas de protección social referidas a la seguridad social y al mundo del trabajo.

 

Palabras clave: Estado social, Brasil, seguridad

 

Abstract: In this article we examine the social policy shift in Brazil in recent years and the consequent transformation of society it engendered. Analysing the tax system, the labor market, social security, and health and income transfer programs, we argue that the Brazilian government has taken important initiatives to give facticity to aspirations and expectations regarding the effective participation of groups that played hitherto a passive role in political life. Although activating a "social sensitivity threshold" concerning inequalities, these iniciatives form a weak foundation for the construction of social policy, as they emerge uncoupled from the dynamics of protection relevant to the labor market and social security.

 

Key words: Social state, Brazil, security

 

 

Introdução

 

Seguindo a interpretação de Barrington Moore Jr. a respeito do papel dos interesses agrários nos processos de modernização capitalista, a análise de Gøsta Esping-Andersen (1985) demonstra que o êxito da socialdemocracia escandinava dependeu de uma aliança de classes (operária e agrária) que, na primeira metade do século XX, mostrou-se crucial para a construção do Estado Social. Mais tarde, com o enfraquecimento dos partidos agrários, a socialdemocracia deslocou seu espectro de alianças para os setores médios, sem perder o apoio central do movimento operário, o que possibilitou a formação de uma sólida “coalizão de assalariados” estruturada em torno das políticas de seguridade e de proteção do trabalho. Retomamos essa narrativa já bastante conhecida para começar com o seguinte ponto: independentemente de sua “idealização”, a socialdemocracia “fabricou” sua própria classe.

No caso brasileiro, o desenvolvimento capitalista periférico provocou uma hipertrofia dos fatores sociais e políticos associados à hegemonia das elites agrárias e industriais, em consonância com a depressão medular do valor do trabalho assalariado. Entretanto, as condições pouco propícias a formação de grandes partidos de massa da classe operária não impediram que no Brasil se produzisse uma forte cultura reformista. A despeito da excepcionalidade dos países escandinavos, dificilmente generalizável para os países da periferia do capitalismo, não se pode negar que mesmo nos países latino-americanos as reformas sociais conduzidas pelo Estado levaram a importantes conjunturas transformadoras do social.

No Brasil, em uma primeira conjuntura crítica, o poder da dominação oligárquica baseada na agricultura de exportação foi enfraquecido a partir da década de 1930 num primeiro impulso industrializante e mobilizador das categorias de trabalhadores mais centrais ao capitalismo industrial nascente. Nas décadas de 1960-70, em uma segunda conjuntura desse tipo, um novo impulso industrializante foi levado a cabo pela ditadura militar (1964-1985). A modernização econômica (conservadora) transformou a sociedade brasileira de tal modo que o controle pelo governo autoritário se tornou cada vez menos eficaz, desmoronando no início da década de 1980. Uma terceira fase começa com a redemocratização ao longo da década de 1980 e com a promulgação de uma nova Constituição em 1988. Essa fase atinge talvez seu momento crítico na década de 2000, com a conjunção de vários processos, a saber: 1) a eleição de um governo de centro-esquerda, titubeante entre perseguir uma agenda política mais centrada no reformismo social ou em dar continuidade as políticas de ajuste fiscal; 2) a retomada do crescimento econômico e a recuperação do salário mínimo e da previdência como eixos estruturantes da proteção social; 3) a criação de programas de transferência de renda que, apesar de falhos e de não se constituírem como um direito social, penetraram pela primeira vez nos territórios da extrema pobreza, gerando consequências não antecipadas no que se refere às expectativas dos grupos mais vulneráveis quanto à sua efetiva integração, ao menos na comunidade política.

Pela primeira vez a população em condições de extrema pobreza conheceu a ação da “mão esquerda do Estado” (para usar o termo do sociólogo Pierre Bourdieu). Somados aos outros dois fatores mencionados, o Brasil vivenciou uma década de certa prosperidade, de diminuição da pobreza e das desigualdades. O padrão do gasto social se alterou por volta de 2004, numa trajetória de crescimento constante desde então –passando do patamar de 17,6% em 1990 para 27% em 2009. Não obstante, essa onda transformadora teve que abrir caminho por uma realidade onde a inclinação privatista da proteção social é bastante arraigada e onde a rejeição das elites com relação à incorporação de demandas populares ainda é vigorosa. Sem conseguir desmobilizar os velhos sedimentos de privatismo e de elitismo, os desenvolvimentos da década de 2000 colocaram, porém, o Brasil em uma encruzilhada com relação a seu futuro. O objetivo do presente texto é examinar a mudança da política social no Brasil recente e a consequente transformação da sociedade por ela engendrada, colocando a questão do momento relativamente indeterminado que o país enfrenta com relação ao devir de seu Estado social.

O artigo está organizado da seguinte forma. Uma primeira parte discute os diferentes “regimes de Bem-Estar” frente à realidade do capitalismo periférico e levanta algumas questões principais sobre o desenvolvimento do Estado social no Brasil. Uma segunda parte examina quatro áreas da política social: o sistema fiscal e sua relação com a seguridade social; o mercado de trabalho e a previdência social; a área da saúde; e os programas de transferência de renda. Encerramos o artigo com algumas considerações acerca dos desafios colocados pelo contexto atual do país. 

 

 

1. Onde situar o Brasil nas tipologias de Regimes de Bem-Estar?

 

Parte da literatura sobre os “regimes de bem-estar” pauta suas análises nos modelos tipológicos elaborados por Esping-Andersen (1990) cujo cerne são os conhecidos regimes socialdemocrata, conservador-corporativo e residual-liberal. Um problema recorrente da teoria sobre os “regimes de bem-estar” é sua incapacidade em concordar com algumas situações que tipificam as sociedades periféricas. Diante disso, alguns autores vêm reconceituando a noção de “regimes de bem-estar” de acordo com a variabilidade contextual das desigualdades (Gough e Wood 2004). Ao conceituar as especificidades dos “regimes de bem-estar” nas sociedades periféricas, Ian Gough (2004) dirige algumas críticas aos modelos tipológicos convencionais derivados da classificação feita por Esping-Andersen, sobretudo no que se refere a uma inadequação para classificar sociedades que não compartilham das mesmas características estruturais e organizativas dos chamados “Welfare States centrais” (Gough 2004). Ademais, no contexto latino-americano, os padrões setoriais de organização da política social destoam significantemente, o que torna a tarefa taxionômica excessivamente complexa e até mesmo a priva de sentido.

            O exemplo brasileiro é emblemático para exprimir a complexidade que caracteriza os sistemas de proteção social na América Latina. A sociedade brasileira construiu seu imaginário em torno de uma “sociedade do trabalho”, mas a construção das suas proteções ficou aquém das expectativas projetadas (Cardoso 2010). A expressão do processo ambíguo que deu ensejo à construção do Estado social no Brasil foi definida por Wanderley Guilherme dos Santos (1979), através do conceito de “cidadania regulada” –conceito este que por sua generalidade pode ser ampliado para abarcar todas as situações históricas nas quais os direitos sociais surgiram imbricados à noção de ocupação. Esse conceito não traz nenhuma novidade, visto que a maioria dos países que organizaram arranjos públicos e estatutários de proteção seguiu critérios ocupacionais na concessão dos direitos sociais de cidadania, incluindo primeiramente as categorias de trabalhadores urbanos mais mobilizadas e/ou centrais ao processo acumulativo. Mas o que Santos (1979) quer chamar a atenção é para o modo peculiar através do qual as elites estatais brasileiras se apoderaram do artifício da regulação da cidadania para criar as condições de institucionalização das políticas sociais no país. A “cidadania regulada” seria, portanto, mais um dos tantos artifícios que essas elites se utilizaram para construir as instituições do Estado social numa sociedade desigual e organizacionalmente rarefeita. Daí o particular modo de operação da gestão regulada da conflitividade social na realidade brasileira, ao criar “pelo alto” as condições para a emergência dos direitos sociais e ao regular paulatina e categoricamente os grupos credenciados a participar do universo desses direitos.

Ao contrário dos países nos quais os direitos de proteção nasceram fortemente imbricados à maior densidade social dos sindicatos, no Brasil a ausência dessa densidade fez com que a legislação social criada pelo Estado corporativo durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) desempenhasse o papel ativador de uma espécie de “luta de classes institucionalizada no capitalismo”.[1] Esse processo no Brasil, guardando as devidas e grandes diferenças, deu-se de um modo distinto, com as regulações do direito do trabalho e das proteções organizando lentamente as forças estruturantes do mundo do trabalho.

A imagética da cidadania regulada criou nos trabalhadores, pela primeira vez, as expectativas de serem integrados na legislação social do Estado, com a instituição dos Institutos de Aposentadoria e Pensão –IAPs–  e de um salário mínimo protegido por lei nas décadas de 1930 e 1940 (Cardoso 2010). A criação dessas instituições de proteção não foi nada trivial, considerando a predominância de relações pouco estruturadas no mercado de trabalho e a existência de um ambiente hostil aos direitos sociais. A estratégia perseguida pelos legisladores sociais das décadas de 1930 e 1940 trazia consigo a promessa de construção de uma “sociedade salarial” (Castel 1998) centrada no eixo trabalho e proteção securitária. Tal promessa advinha das vantagens da sindicalização compulsória associada, antes de tudo, ao acesso ao seguro social. Por determinações legais a securitização da força de trabalho levava ou “forçava” à sua sindicalização[2], esta, por seu turno, poderia fortalecer os vínculos entre os benefícios do seguro e a valorização do salário mínimo, uma vez que se contava com a expectativa de que as categorias mais mobilizadas puxariam para cima os salários das categorias menos mobilizadas. Se por um lado essa experiência foi constrangida, devido à forte oposição do patronato agrário e industrial, por outro, ela se destacou por ter consagrado uma regulação pública do trabalho que minimamente limitou a ação dos empregadores.

Mas ao legislar exclusivamente para os setores urbanos, o Estado social que emergiu no Brasil do pós-30 teve de contemporizar com as elites agrárias, franqueando as mesmas o destino das massas rurais. Ademais, a cidadania regulada acabou se revelando excessivamente plástica ao processo acumulativo. As políticas econômicas durante o período desenvolvimentista se desvincularam das pressões populares, tanto urbanas quanto rurais, e o caráter excludente do crescimento tornou muito lenta a transfiguração da ordem social por intermédio das políticas sociais do Estado. A faceta perversa da “cidadania regulada” se revelaria durante o regime autoritário de 1964-1985, que se por um lado foi estatizante na economia, por outro foi extremamente privatista em matéria de política social e proteção do trabalho. Apesar de ter unificado os benefícios do seguro social para as diversas categorias profissionais, em 1966, criando uma agência centralizada de coordenação das políticas sociais, o Instituto Nacional de Previdência Social –INPS–, esse regime foi responsável por acabar, no mesmo ano, com uma das criações mais originais do direito social brasileiro: o estatuto da estabilidade do trabalhador no emprego.[3]                      

Seguindo um movimento de inclusão controlada das categorias socioprofissionais, é somente em 1971, com o FUNRURAL, que é concedido aos trabalhadores rurais o benefício do seguro social contributivo –embora de caráter bastante restrito se comparado aos benefícios destinados aos trabalhadores urbanos–. Também a partir do início dá década de 1970 outras categorias antes excluídas passaram a contar com alguma proteção social do Estado, como os autônomos e os empregados domésticos. 

Contudo, no final da década de 1970 diversos atores políticos e sociais se articulam em torno de um processo de mudanças, visando restabelecer a democracia e consagrar as bases de um sistema de proteção social mais abrangente. O ponto culminante desse processo se deu com a promulgação da Constituição de 1988, que instituiu em seu texto um capítulo inteiramente dedicado a seguridade social. Com a nova Constituição, a seguridade social passou a compreender um conjunto de ações integradas destinadas a assegurar direitos sociais universais nos campos da Previdência, Saúde e Assistência Social, independentemente de vínculo contributivo.

É a partir desse período que as mudanças provocadas pelos processos de ampliação da participação política, junto aos avanços consagrados pela Constituição, começam a promover uma nova conjuntura crítica de consolidação de um Estado social mais redistributivo. Essa conjuntura, porém, é marcada por uma conturbada trajetória da seguridade social. Não resta dúvida que, nos últimos anos, a expressiva extensão da cobertura das políticas pertinentes à seguridade (saúde, previdência e assistência social), impactou positivamente as condições de vida da população. Mas essa mesma conjuntura vem sendo constrangida por um conjunto de propostas e iniciativas visando limitar a atuação do Estado no campo social, persistindo relevantes desafios para a consolidação da seguridade social no país. Passamos agora ao exame de transformações em áreas-chave da proteção social a fim de entender melhor a abertura desse novo contexto crítico e suas contradições.

 

 

2. Tributação, mercado de trabalho e proteção social: mudanças e continuidades

 

2.1 Sistema fiscal e proteção social

 

Nessa seção, procuramos abordar três questões: a organização do financiamento da seguridade social, o poder fiscal do Estado brasileiro e a estrutura (progressiva ou regressiva) de sua tributação. Quanto ao financiamento da política social, é preciso destacar uma importante inovação da Constituição de 1988: a criação de um Orçamento da Seguridade Social (OSS), separado do orçamento fiscal. No processo de redemocratização ao longo da década de 1980, a questão da política social marcou continuamente a agenda de transformações em curso. Além de ampliar os direitos sociais garantidos na carta magna, a assembleia constituinte buscou dotar a seguridade de fontes de financiamento sustentáveis. Como resultado, estabeleceu-se um mecanismo clássico de financiamento do Estado social: um orçamento da seguridade vinculando constitucionalmente recursos contributivos de empregados e empregadores, bem como recursos fiscais do governo.[4] 

Financiando saúde, previdência e assistência social, o OSS é uma peça-chave para entender a política social brasileira. Três desafios se colocam atualmente ao financiamento da seguridade social em particular. O primeiro é a drenagem de recursos por desvinculações orçamentárias. Iniciadas em 1994 para fazer frente ao pagamento da dívida pública, elas vem sendo renovadas por emendas constitucionais desde então. Em 2011, a Desvinculação de Receitas da União (DRU) –sua denominação atual– retirou R$52,6 bilhões do orçamento da previdência, ou seja, aproximadamente 10% de todo esse orçamento. Esses recursos passaram a ser utilizados como se pertencessem ao orçamento fiscal. As desonerações fiscais dos últimos anos constituem um segundo desafio (ANFIP 2012: 27-28). A intensificação das renúncias tributárias no governo Dilma Rousseff pode ser exemplificada com a substituição da contribuição do empregador de 20% sobre a folha de pagamento por uma alíquota de 1% a 2% sobre o faturamento da empresa. Para ilustrar o problema que tal política traz para o financiamento da seguridade: em 2011, o superávit da previdência urbana caiu R$21 bilhões por conta das renúncias (Fagnani 2012). Um terceiro desafio são as tentativas de desconstitucionalização das fontes de financiamento da seguridade, retirando do repertório de leis fundamentais a vinculação de recursos (Fagnani 2008). Ao lado da própria DRU mencionada acima, a mais recente proposta de reforma tributária –que fracassou em 2009– serve como exemplo, ao propor o fim das contribuições patronais à seguridade (CSLL e COFINS).[5]

            O poder fiscal do Estado brasileiro é ainda outro aspecto de interesse, pois os Estados latino-americanos são tradicionalmente considerados Estados fracos, especialmente por sua baixa capacidade arrecadatória. Sem a mínima estruturação financeira, o Estado latino-americano seria, assim, incapaz de responder às demandas da política social (Schrank 2009). De modo geral, é possível destacar que, apesar de manter estrutura bastante regressiva, o Brasil inequivocamente “aprendeu a tributar” –para responder a pergunta colocada pelo economista Nicholas Kaldor (1963). A Tabela 1 compara a evolução recente da carga tributária brasileira com o restante da América Latina e com os países da OCDE. Não só a arrecadação aumentou expressivamente ao longo dos últimos vinte anos como também ela alcançou o nível dos países da OCDE como proporção do PIB. Nesse período, a arrecadação cresceu a uma taxa maior que a economia. Ou seja, ela se tornou muito menos elástica ao crescimento econômico, aumentando continuamente ao passo que a economia passou por certos anos de baixo ou nenhum crescimento (Afonso e Meirelles 2006). Sobre essa nova situação, há dois comentários contrapostos a serem feitos. Por um lado, frente a esses números, é difícil retratar o Brasil como um país cronicamente fraco quanto a seus recursos fiscais. É clara a inflexão que define um outro país, cuja descrição cabe muito imperfeitamente na tradição do “Estado fraco”. Por outro lado, não é ainda possível dizer que houve um real catching up com o poder fiscal de Estados mais fortes, tais como os europeus, por exemplo. Apenas para se ter uma ideia, o poder fiscal per capita da Alemanha (medido pelo resultado da arrecadação dividido pelo número de habitantes) é pouco menos de três vezes superior ao brasileiro. Em suma, houve um avanço significativo na capacidade de tributar, o que não pode, porém, despertar ilusões com relação ao verdadeiro poder fiscal do Estado brasileiro.

 



           

Mas o que essa mudança representou para o caráter distributivo da tributação no Brasil? Apesar do crescimento da arrecadação, o sistema tributário que se consolidou ao longo das últimas cinco décadas é consideravelmente regressivo. A tabela 2 traz o peso dos impostos sobre o orçamento das famílias segundo diferentes faixas de renda. A má distribuição da carga tributária é gritante. Em 2009, enquanto as famílias mais ricas desembolsavam apenas 29% de sua renda para pagar impostos, as famílias mais pobres comprometiam 53,9% de sua renda com esse fim. A dimensão da regressividade não se alterou muito ao longo dos anos; a carga tributária aumentou igualmente sobre todas as faixas de renda. Mesmo que a tendência internacional das últimas três décadas tenha sido enviesada a favor da regressividade dos sistemas tributários, o Brasil se destaca comparativamente pela distribuição assimétrica do peso dos impostos.[6] Na raiz desse resultado está a maior importância relativa dos impostos indiretos. Os impostos diretos somam apenas 20% da arrecadação total. Ademais, o Imposto de Renda no Brasil possui somente quatro alíquotas (a alíquota mais alta é de 27,5%), o que prejudica sua utilização como instrumento distributivo.

 



 

4.2 A articulação Trabalho e Previdência Social

 

Conforme mencionado, a amarração entre seguro social e legislação trabalhista no Brasil reveste-se de um caráter fortemente simbólico, permanecendo intacta até os dias de hoje. Possuir um trabalho registrado para grande parte dos trabalhadores brasileiros significa ter um emprego protegido pela Justiça do Trabalho e pelo seguro social. Entretanto, as mudanças sofridas pela economia brasileira nos anos 1990 produziram enormes impactos sobre o mercado de trabalho e as proteções previdenciárias. Como consequência do baixo crescimento da economia e das políticas de ajuste fiscal, o mercado de trabalho mostrou-se restritivo ao longo de toda a década de 1990, impactando negativamente a filiação previdenciária.

Embora tenha se configurado na maioria dos países do “capitalismo do bem-estar” como um fato estilizado, a estruturação do mercado de trabalho envolveu o predomínio quase absoluto da regulação pública do emprego assalariado, destacando-se as leis do trabalho, a seguridade social e a contratação coletiva do trabalho. Se dividirmos o mercado de trabalho brasileiro em dois segmentos segundo seu grau de estruturação temos: de um lado, os trabalhadores envolvidos em relações de assalariamento legal, ou seja, aqueles assalariados com registro em carteira assinada e que contribuem para a previdência social; de outro lado, os trabalhadores classificados como integrantes do conjunto de relações “pouco estruturadas de trabalho”, isto é, os trabalhadores sem carteira e sem vínculos previdenciários (Cardoso Jr 2007). Como se pode inferir do gráfico 1, em 1999, a distância entre o segmento estruturado e o pouco estruturado do mercado de trabalho brasileiro aumentou consideravelmente, fruto das políticas de ajuste dos anos 1990. Em grande medida, a dinâmica econômica do período provocou um movimento de desassalariamento, que resultou em um número crescente de empregos sem direitos trabalhistas/previdenciários e de ocupações por conta própria sem vínculos previdenciários.

 


 

Em contraste com essas mudanças, o arcabouço institucional e legal que regula as relações de trabalho não sofreu grandes reformas flexibilizadoras. No campo das políticas previdenciárias, tampouco houve reformas privatizantes. As reformas previdenciárias empreendidas no Brasil desde os anos 1990 preservaram o componente público do sistema. Contudo, mudanças processadas no âmbito das regras de concessão dos benefícios impuseram algumas dificuldades adicionais para uma parte considerável dos segurados, especialmente para os trabalhadores com baixas remunerações e trajetórias irregulares de trabalho (Matijascic et al  2007).[7]

            A previdência social brasileira é de caráter contributivo e de filiação compulsória, provendo benefícios de aposentadoria e pensões por invalidez e morte, além de contemplar outros auxílios (maternidade, desemprego, doença e acidentes de trabalho). Entre os benefícios estritamente concedidos pela previdência social, destacam-se aqueles no valor de um salário mínimo destinados à maioria dos trabalhadores inativos oriundos das atividades urbanas, filiados ao Regime Geral de Previdência Social –RGPS–, e a quase totalidade dos trabalhadores rurais,[8] representando, atualmente, cerca de 66% do total de benefícios pagos pela Previdência Social (Jaccoud 2009; MPS 2011). Os níveis de cobertura previdenciária à população idosa no Brasil estão muito próximos da universalidade, sendo que mais de 80% dos idosos estão amparados pela previdência social (MPS 2011).

Um problema ainda persistente é a existência de 10,7 milhões de trabalhadores por conta própria sem qualquer proteção previdenciária. O governo brasileiro tem tomado medidas para enfrentar este desafio, incentivando a inclusão previdenciária desses trabalhadores, os quais não tinham meios de cumprir com suas obrigações contributivas. A inclusão previdenciária mediante redução das alíquotas contributivas e simplificação tributária acelerou-se nos últimos anos por força da LC n° 3/2006 –Lei do Super Simples ou Simples Nacional; e da LC n°128/2008, que criou a figura do Microempreendedor Individual (MEI), cujos efeitos se fizeram notar a partir de 2009, com o incremento de 3 milhões de trabalhadores por conta própria protegidos pela Previdência Social (IPEA 2012).

Nos últimos anos, o crescimento da economia brasileira foi um dos aspectos mais relevantes na melhoria do mercado de trabalho nacional. A partir de 2004 houve um relativo crescimento do trabalho formal (como é possível observar no gráfico 1). É importante salientar que essa melhora partiu de uma estratégia política deliberada de recuperação do emprego registrado e de incremento da massa salarial na economia, o que levou o mercado de trabalho, pontualmente, a voltar a afiliar trabalhadores na previdência.

O mercado de trabalho brasileiro recebeu impactos positivos em decorrência de uma política exitosa de valorização do salário mínimo, da maior fiscalização do cumprimento da legislação do trabalho e das pressões e negociações sindicais (Baltar e Leone, 2012).[9] A política de valorização do salário mínimo, além de ser extremamente importante para determinar a elevação das remunerações de base e influenciar as negociações dos pisos salariais das categorias profissionais, impactou positivamente a distribuição de renda, contribuindo para reduzir a pobreza e expandir o consumo das famílias. Note-se que a elevação do salário mínimo teve ainda um efeito indireto sobre as condições de vida das famílias pobres, especialmente aquelas compostas por idosos e crianças, em razão da existência de programas de assistência e previdência, cujos benefícios estão atrelados ao valor do salário mínimo.

A importância do salário mínimo no caso brasileiro deve-se à grande proporção de trabalhadores que recebem salários próximos desse patamar. Os empregados formalmente contratados não podem receber menos que esse valor legal. Ademais, a maioria dos assalariados que estão na informalidade –sem registro em carteira– e parcela dos trabalhadores por conta própria têm no valor do salário mínimo uma referência para sua remuneração. Como o salário mínimo funciona como um balizador para as remunerações do mercado de trabalho, o seu aumento em termos reais apresentou uma influência positiva nas negociações salariais, especialmente nos pisos normativos das categorias profissionais (Baltar e Leone 2012).

Entretanto, a rotatividade do mercado de trabalho permanece como um fator preocupante para a geração de trabalho estável e protegido. Apesar da grita empresarial contra a “rigidez” da legislação trabalhista, o mercado de trabalho brasileiro caracteriza-se por uma forte flexibilidade contratual.[10] Um grande contingente de trabalhadores tem participação intermitente no mercado de trabalho formal, variando entre a condição de desligados e admitidos durante anos seguidos, o que compromete sobremaneira a inscrição regular dos trabalhadores no universo previdenciário.

No período 2000-2009, a despeito da recuperação do emprego formal, os desligamentos com menos de seis meses de duração superaram 40% do total dos vínculos desligados em cada ano. Cerca da metade desses desligamentos não atingiram três meses de duração e 2/3 dos vínculos desligados sequer atingiram um ano de trabalho, sendo que 76 a 79 % dos desligamentos não tiveram dois anos de duração (MTE 2011). O agravante do fenômeno da acentuada rotatividade no mercado de trabalho brasileiro decorre do fato de a remuneração média das admissões ser inferior à remuneração média dos desligamentos, com algumas poucas variações setoriais. Praticamente não existe limitação à demissão no Brasil. A rotatividade do mercado de trabalho é fortemente pró-cíclica, revelando que as restrições às demissões no país são principalmente de ordem econômica. 

 

4.3 O Privado e o Sistema Público de Saúde

 

Uma das principais inovações no campo da seguridade social brasileira deu-se com a criação de um sistema público de saúde, o Sistema Único de Saúde – SUS (Lei 8080/90), baseado nos princípios constitucionais da universalidade e integralidade do atendimento. No entanto, é na área da saúde que se evidenciam as principais contradições que perpassam o atual quadro de instabilidade da seguridade social brasileira. O SUS enfrenta dificuldades crescentes para assegurar o acesso universal de atenção à saúde.

A Constituição previa a vinculação de parte do Orçamento da Seguridade Social (OSS) –30% dos recursos– nas ações públicas de saúde, pretendendo assim superar a fragilidade do antigo modelo contributivo de assistência médica. Entretanto, a necessidade de superar o gargalo do financiamento do setor público foi interditada, logo de saída, com o desmonte do OSS, dado que os 30% indicados nas disposições transitórias da Constituição foram vetados, anunciando uma longa crise crônica de financiamento do SUS (Fagnani 2005).

O subfinanciamento do SUS, consequente ao compromisso dos sucessivos governos com a desvinculação de receitas do OSS, comprometeu a universalidade do acesso à saúde, contribuindo para a precarização do sistema. O primeiro golpe deferido contra o recém-instituído sistema público de saúde ocorre em 1993, quando por iniciativa do governo o SUS deixou de contar com os recursos provenientes da arrecadação das contribuições previdenciárias. Desde então, o SUS passou a depender exclusivamente das disponibilidades financeiras do tesouro nacional, sofrendo significativa redução no seu patamar de gastos. Outro golpe foi a transformação dos recursos destinados ao financiamento da seguridade social em recursos fiscais para a composição do superávit primário.[11] Assim, a política fiscal dos últimos governos, refém do pagamento dos encargos financeiros da dívida pública, acabou restringindo o nível do gasto público em saúde, dificultando que o SUS assegurasse o acesso universal e integral de suas prestações.

O mais curioso, nesse aspecto, é que o subfinanciamento da prestação pública contrasta com os incentivos governamentais, diretos e indiretos, ao fortalecimento do mercado privado de assistência médica. A magnitude do privado no sistema de saúde brasileiro não é nada desprezível. O gasto total em saúde no Brasil corresponde a 8% do PIB (média 2001-2010), o que não é pouco, considerando os países com o mesmo nível de renda e desenvolvimento. Mas o que diferencia o país, revelando algo paradoxal, é que a participação pública no gasto total é bastante baixa (44% do gasto total) –a despeito do Brasil possuir um sistema público e universal. A participação privada, por sua vez, é bastante expressiva (56% do gasto total), demonstrando a forte dependência da população das prestações privadas. A composição pública do gasto em saúde no Brasil em relação ao PIB é muito baixa, especialmente quando comparada com a de outros países com sistemas universais de saúde (ver gráfico 2). Mesmo entre os países latino-americanos, com renda per capita acima de US$ 8.000, o Brasil exibe níveis baixíssimos de gasto público em saúde.[12]

 


 

A hegemonia do privado no sistema de saúde brasileiro tem longas raízes históricas e decorre do modelo de assistência médica adotado pelo país que, a partir da década de 1960, privilegiou a produção privada de serviços no âmbito das instituições previdenciárias do Estado (Bahia 2005; Menicucci 2007). Os planos de saúde foram patrocinados pelo padrão de financiamento público (isenções fiscais) desde 1968, seguindo, nesse aspecto, o modeloresidual-liberal” estadunidense de medicina privada ocupacional. Mais tarde, com a criação do SUS, o modelo em questão não pode ser superado, e o recém-instituído sistema público passou a conviver com um sistema privado “complementar”, mas em constante expansão. Assim, a publicização do sistema de saúde brasileiro viu-se constrangida, desde o início, pela predominância dos interesses privados na área médica. A força de trabalho organizada permaneceu dentro de arranjos ocupacionais que privilegiaram a contratação de planos privados de saúde no âmbito das empresas, configurando um processo de “americanização perversa” (Vianna 1998) da provisão de benefícios médicos, montado sobre o tripé fragmentação institucional, privatismo e assistência pública para os mais necessitados.

Em 1998, o mercado de planos de saúde é regulado pelo Estado através da criação de uma agência reguladora para o setor, a Agência Nacional de Saúde Suplementar –ANS.  Desde então, essa regulação tem-se provado débil. A despeito do marco regulatório em questão, os planos privados de saúde continuam a estender sua oferta diferenciada para parte considerável da população, incluindo as “novas classes médias” e a força de trabalho organizada. Como mostra a tabela 3, em dez anos, o número de pessoas inscritas no setor privado aumentou em 46%. O governo federal, por sua vez, incentiva as famílias e os empregadores a adquirir planos privados de saúde por meio da renúncia de arrecadação fiscal. Esse subsídio do governo, que patrocina o consumo dos planos de saúde, vem privando o SUS de importantes recursos financeiros, agravando o já crônico quadro do seu subfinanciamento.

 



 

Apesar da mudança de orientação do sistema de saúde brasileiro com a criação do SUS, a oferta de serviços permaneceu fortemente segmentada e concentrada no provedor privado. A universalidade do sistema é constantemente mitigada por uma lógica de racionamento de recursos. Esta, por seu turno, molda-se perfeitamente a uma provisão ajustada ao atendimento exclusivo aos mais pobres.

 

4.4 Transferência de renda e combate à pobreza

 

A transferência de renda no Brasil está baseada principalmente em dois programas assistenciais: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família (PBF). Ao contrário do sistema previdenciário, os programas de transferência de renda são relativamente recentes no Brasil. Salvo algumas iniciativas anteriores pontuais e de pouco peso, é com a nova Constituição de 1988 que um esquema mais abrangente de assistência social começa a ser primeiramente concebido com o BPC, efetivamente regulamentado em 1993. O BPC é uma transferência mensal de um salário mínimo a pessoas acima de sessenta e cinco anos e a pessoas com deficiência, cuja renda mensal familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. No fim da década de 1990, foi criada uma série de outras transferências, algumas condicionadas, tais como o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio-Gás. Em 2003, esses programas foram unificados no PBF, que, em seu formato básico, transfere um benefício mínimo de R$70 a famílias com renda per capita inferior a R$70 mensais, com um adicional de até R$38 por filho.[13] No começo de 2013, o BPC possuía uma cobertura de 3,7 milhões de pessoas e um orçamento de 0,55% do PIB (2011). O PBF cobria, nesse mesmo período, mais de 13 milhões de famílias e o total dos benefícios somam 0,42% do PIB (2011).[14]

Por um lado, apesar do custo extremamente baixo, esses alicerces da transferência de renda têm se mostrado eficazes no combate à pobreza e na redução das desigualdades.[15] Por outro lado, seus diferentes fundamentos delineiam clivagens no campo da transferência de renda. Enquanto o BPC é um direito garantido pela Constituição, o PBF é ainda apenas um programa do governo com dotação orçamentária definida. Essa menor institucionalização é um desafio a ser enfrentado pelo PBF. Apesar da crescente inclusão de famílias, ainda persiste o estranho conceito de “população elegível não coberta”, ou seja, famílias ainda não introduzidas no programa, impossibilitadas de reivindicar na justiça sua inclusão. Além disso, por ser definido com base no valor do salário mínimo, o BPC acompanha seus reajustes. Como o salário mínimo vem se beneficiando de uma política de valorização nos últimos anos, o valor do BPC tem aumentando substantivamente. O valor dos benefícios do PBF, por sua vez, além de não ser atrelado ao salário mínimo, tampouco contou com reajustes da mesma intensidade, deteriorando-se com a inflação.[16] Isso significou uma ampliação do hiato entre o BPC e o PBF. Os mecanismos de transferência de renda são, portanto, fragmentados segundo seu grau de institucionalização e segundo diferentes critérios de elegibilidade.      

O BPC, criado na conjuntura da redemocratização e voltado à população incapaz de participar ativamente do mercado de trabalho, passou ao largo de provações mais sérias na arena pública. Entretanto, o PBF –destinado a famílias teoricamente aptas a participar do mercado de trabalho– foi obrigado a passar por uma sucessão de provas com relação a sua pertinência, legitimidade e lisura.[17] Embora ainda sem a efetiva institucionalização como um direito social, o PBF dá poucos sinais, ao final dessas provas, de se mostrar reversível a qualquer sinal de mudança no ciclo político. Além disso, o Bolsa Família tem se tornado uma plataforma a partir da qual outros programas tem se apoiado. Em 2011, no primeiro ano de seu governo, a presidenta Dilma Rousseff lançou o Plano Brasil Sem Miséria (PBSM), o qual tem o PBF como um de seus componentes. O PBSM visa a erradicação da pobreza extrema; mas também introduz outros componentes, tais como a ampliação dos investimentos em serviços públicos em áreas críticas e a tentativa de integração produtiva dos beneficiários.[18] É interessante notar como essa ampliação do escopo do PBF procura integrar aspectos das críticas que lhe foram feitas ao longo de sua existência, ao associar o acesso a serviços públicos e a capacitação para o mercado de trabalho à plataforma já existente.

Ao colocar o PBF como peça central de sua política social, tal governo estaria, entretanto, reconvertendo o sistema à focalização? É em torno dessa questão –para a qual não há uma resposta simples e unívoca– que se definem as perspectivas sobre as políticas de transferência de renda. Por um lado, o PBF não é estabelecido como um direito, fixa condicionalidades, estratifica os pobres (duas linhas de pobreza) e concede benefícios muito baixos. Tais aspectos deixam transparecer o caráter focalizado do programa. Por outro lado, por mais que o PBF não seja uma forma de inclusão cidadã mínima, ele constitui um programa de amplitude inédita no que concerne a relação entre o Estado e a população pobre. É muito difícil negar que isso tenha tido um enorme impacto político. Desse modo, a questão se coloca apenas parcialmente no campo da desmercantilização e da focalização e jaz também no impacto da efetiva e inédita inclusão de facto –via transferência de renda– de uma numerosa parte da população na comunidade política (Rego 2008; Kerstenetsky 2009). Com isso, o peso do PBF produziu uma saliência nada transitória no espaço político brasileiro.[19]

 

5. Considerações Finais

 

De um modo geral, os sistemas de bem-estar latino-americanos podem ser caracterizados como resultantes de esquemas de proteção social marcados por uma forte hibridização organizativa, produto da heterogeneidade estrutural de suas sociedades. O caso brasileiro pode ser considerado como uma síntese dessa heterogeneidade na região. Dentro desse quadro heterogêneo, vimos que o Brasil é um dos maiores arrecadadores da América Latina. Embora aumentando ao longo das últimas duas décadas, a carga tributária brasileira é extremamente mal distribuída, recaindo com mais força sobre a renda dos mais pobres. Além disso, os desafios colocados perante o OSS mostram o perigo da gradual drenagem de recursos. Embora a arrecadação geral cresça, os recursos da política social têm sido drenados para outros fins. Cabe alertar para o risco de uma redução contínua do orçamento da seguridade e, consequentemente, de uma “crise planejada” dos recursos da política social.

            No campo da saúde, o sistema universal criado no começo da década de 1990 enfrenta várias dificuldades para se firmar. A falta de financiamento adequado se alinha com a herança privatista do sistema. Mais da metade dos gastos com saúde no país são feitos no circuito privado e o poder público tem, até aqui, apoiado seu crescimento. Não é por acaso que, na última década, o setor privado de saúde aumentou quase 50%.

            Com relação à década de 1990, o mercado de trabalho passou por uma melhora em termos da valorização do salário mínimo e do crescimento das contratações formais. Isso implicou numa recuperação da vinculação previdenciária na década de 2000, com o auxílio das políticas de inclusão previdenciária. Apesar dos avanços recentes, mais da metade da população ocupada (em meados da década de 2000) ainda estava em núcleos pouco estruturados de relações de trabalho. Ademais, a persistência da grande rotatividade no emprego constitui forte obstáculo a cobertura previdenciária. 

Durante a conjuntura da década de 2000, os problemas referidos à pobreza entram na agenda pública, gerando um conjunto de intervenções governamentais.  Desde a Constituição de 1988, assiste-se à ampliação dos programas de garantia de renda às famílias em situação de vulnerabilidade, destacando-se a emergência de benefícios monetários de natureza não contributiva –como o BPC–, operados pelo governo federal, e que podem ser considerados hoje parte integrante do sistema de seguridade social. No campo dos benefícios assistenciais, reformas implementadas permitiram ainda, além do BPC, o aparecimento e a posterior consolidação de novos benefícios. Num contexto de crítica à seguridade social, esses programas se voltaram, num primeiro momento, ao atendimento de famílias pobres e se associavam a um projeto de restrições progressivas às coberturas universais asseguradas pelo modelo de proteção social adotado em 1988.

Entretanto, é a partir de 2003 que a luta contra a pobreza se torna uma prioridade da política governamental. A coalizão de centro-esquerda que governa o Brasil desde 2003, sob a liderança do Partido dos Trabalhadores, vem promovendo realinhamentos significativos com novos atores sociais e induzindo polarizações na sociedade até então inéditas sobre importantes questões de natureza redistributiva. Apesar das restrições fiscais, os governos de Luís Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff colocaram no centro do debate político os problemas oriundos de uma agenda social historicamente pendente. A centralidade desses problemas vem gerando importantes medidas que buscam a integração social dos segmentos mais vulneráveis, através de políticas de combate à pobreza que adquiriram o status de políticas de Estado.

Apesar disso, as políticas de transferência de renda assumem diferentes graus de institucionalização e alcance, o que representa um obstáculo a sua universalização. O Bolsa Família, em particular, embora se mostre dificilmente reversível, está longe de configurar uma renda básica de cidadania. A questão que se coloca então é a de seu papel, daqui em diante, na trajetória civilizacional de redução das desigualdades no Brasil. O ritmo de redução da desigualdade de renda na década de 2000 superou o ritmo de países da OCDE, quando da implantação de seus sistemas de proteção social (Soares, 2010), despertando a expectativa de um rápido avanço a patamares menos perversos. Nesse contexto, a manutenção da queda da pobreza e da desigualdade dependeria apenas do aprimoramento do PBF, no sentido de sua institucionalização como um direito garantido a todos que cumprirem exigências mínimas e da elevação de sua linha de elegibilidade e de seus benefícios? O horizonte a se atingir é simplesmente incluí-los no universo do consumo, via uma hipotética igualdade de oportunidades gerada por uma renda básica incondicional, ou integrá-los em posições mais estáveis, centradas nas proteções e estatutos do mundo do trabalho?

É inegável que o alcance da política de combate à pobreza, em termos de territorialidade e cobertura, vem auxiliando determinados grupos a superar problemas de ação coletiva. Nesse aspecto, o Estado brasileiro vem cumprindo um importante papel no sentido de conferir faticidade às aspirações e expectativas concernentes a uma efetiva participação daqueles grupos que apenas desempenhavam um papel passivo na vida política. Programas de transferência de renda, como o PBF, estão modificando o hiato através do qual os indivíduos e grupos percebem seus níveis de privação absoluta e relativa. Daí a razão de sua recente popularidade em sociedades como a brasileira. Em última instância, ativam um “limiar de sensibilidade social”, de percepção das desigualdades circundantes, nos grupos para os quais eles se destinam. Contudo, constituem-se em bases frágeis de construção da política social, sobretudo quando surgem desacoplados das dinâmicas de proteção pertinentes ao mundo do trabalho. É neste ponto que surge a encruzilhada do sistema de proteção social brasileiro, dando ensejo a novas questões sociais.

A incerteza que paira sobre o futuro da seguridade social no país é que, no campo da intervenção no social, o crescimento da exclusão tem-se constituído no objeto-limite dessa intervenção. Ao mesmo tempo em que o combate à pobreza se torna a estratégia prioritária dos governos, a construção dos programas da seguridade social parece haver refluído para uma posição marginal.

Mas é especialmente na sociedade brasileira que a justa preocupação prioritária com os excluídos não pode ser pensada sem que se leve em conta os fatores desestabilizadores relacionados à precariedade estrutural do mundo do trabalho. No Brasil, a persistência das desigualdades é um fator que se situa no centro da sociedade, e não apenas em suas franjas, reproduzindo constantemente a heterogeneidade das condições de trabalho que acaba por retroalimentar o crescimento do número de excluídos.

Não podemos perder de vista que a efetiva integração da seguridade social com o mundo do trabalho guarda um profundo significado associativo que constitui, em si mesmo, uma expressão marcante do vínculo social, dando testemunho a uma forma específica de solidariedade. O risco mais acentuado para o atual estado dos programas da seguridade social no Brasil é relegá-los a mera função de assistência aos mais necessitados.

Em que pese os recentes avanços referidos ao combate à pobreza, a expansão dos programas da seguridade social no Brasil se faz de modo bastante precário e insuficiente para suprir as carências de grandes setores da sociedade. E é por isso que a expansão efetiva desses programas se torna um aspecto tão mais importante para a sociedade brasileira, especialmente num momento no qual constatamos que esse limiar de sensibilidade social acima aludido vem despertando nos grupos antes excluídos os anseios por maior participação no universo das proteções, e não apenas no universo do consumo.

 

 

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* Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – IESP-UERJ e professor adjunto da Universidade Federal Fluminense – UFF/PUVR. E-mail: alanzana@iesp.uerj.br

** Doutorando em Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – IESP-UERJ. E-mail: rcantu@iesp.uerj.br  

[2] Apesar da Lei de Sindicalização varguista (Decreto n.19.770 de 19/03/1931) instituir a sindicalização como facultativa, ela se tornava na prática compulsória, visto que somente os sindicalizados poderiam gozar dos benefícios da legislação social.

[3]A Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 consagrou em seu texto o princípio da estabilidade no emprego, conferindo certa proteção ao trabalhador, ao penalizar as empresas que demitissem sem justa causa. As indenizações cresciam em proporção ao tempo de serviço na empresa; e, após dez anos, o trabalhador tornava-se estável. Em 1966, com o fim do instituto da estabilidade, assiste-se a materialização do ideário do empregador. Este, enfim, viu-se contemplado em seu objetivo, sempre perseguido, de limitar a duração dos contratos de trabalho o que lhe possibilitou a contratação de trabalho farto e ocasional tornando cada vez mais difícil a distinção entre o assalariado e o subempregado.

[4] Em 2011, o orçamento da seguridade social representou 37,15% de toda arrecadação do Estado (Receita Federal 2012). Além das contribuições previdenciárias de empregados e empregadores, o orçamento conta com os recursos da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade (COFINS) e parte do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP).

[5] A Proposta de Emenda à Constituição 233/2008 previa o fim da CSLL e da COFINS, introduzindo uma parte do Imposto de Renda como base para o financiamento da seguridade. Essa modificação significaria o fim da diversidade das bases de financiamento da seguridade social, princípio inscrito na Constituição Federal (Salvador 2008).

[6] Ver Goñi et al. (2008:16) para uma comparação das cargas tributárias segundo quintis de renda dos países latino-americanos.

[7] Após a introdução da chamada Lei do Fator Previdenciário, com a Reforma da Previdência de 1998, as regras de acesso às aposentadorias tornaram-se demasiadamente severas para os trabalhadores brasileiros filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) em termos do número mínimo de anos para requerer uma aposentadoria.

[8] O Brasil possui um emblemático sistema de seguridade rural que além de contribuir para a redução substantiva da pobreza no campo, e das disparidades entre as diferentes regiões do país, confere ao trabalhador rural o status de “segurado especial da previdência”.

[9] No período de 2003 a 2010, houve uma geração de 15.384 milhões de empregos formais, o que representou um incremento médio anual de 1.923 milhão, correspondendo ao crescimento acumulado de 53,63% no período, equivalente a um aumento anual expressivo de 5,51%, inédito na história do emprego formal para um período de oito anos sucessivos (MTE 2011).

[10] O Brasil segue não sendo signatário da Convenção 158 da OIT, que busca inibir a demissão imotivada.

[11] Em 1994-1995, por meio do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, posteriormente, com a criação da Desvinculação das Receitas da União (DRU).

[12] Segundo dados da Organização Mundial de Saúde –OMS–, em 2008, Costa Rica, Colômbia, Chile, Peru, México, Uruguai e Argentina destinavam como gasto público de saúde respectivamente 26,1%, 18,3%, 15,6%, 15,6%, 15,0%, 13,8%, 13,7% do gasto total do governo, o Brasil destinava nesta rubrica 6% (OMS 2011).

[13] Há duas linhas de pobreza para elegibilidade. A primeira é a linha de pobreza extrema e considera famílias cuja renda per capita é inferior a R$70. As famílias abaixo dessa linha recebem um benefício fixo, independentemente do número de pessoas na família, além de terem também direito ao mesmo benefício variável, dependente do número de filhos. Os benefícios variáveis são concedidos até o quinto filho com o limite de idade de 15 anos. A segunda é a linha de pobreza, considerando famílias com renda per capita de até R$140. Famílias cuja renda per capita se encontra entre a linha de pobreza extrema e a linha de pobreza (não extrema) recebem apenas o benefício variável segundo o número de filhos. 

[14] Os gastos com os programas foram estimados a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e do Ministério da Previdência Social (MPS).

[15] Segundo as estimativas de Soares et al. (2009: 15), os programas de assistência social são responsáveis por 1/3 da redução do coeficiente de Gini entre 2004 e 2006. O PBF é, sozinho, responsável por 20% dessa redução. Porém, não é possível desprezar o papel de outras fontes de diminuição da desigualdade. A renda do trabalho e as aposentadorias são responsáveis por aproximadamente 1/3, cada uma, da redução.

[16] Do mesmo modo, o valor das linhas de pobreza não é reajustado ao mesmo passo pelo governo federal. A inflação acumulada desde a fixação da linha de R$70 em 2009 chega a mais de 20%.

[17] Cf. Kerstenetzky (2009:59-63) sobre a robustez do PBF frente à contestação na imprensa e no mundo político.

[18] Para um exame das principais características do PBSM com relação a seus possíveis problemas, ver Lavinas e Martins (2012). Independentemente das políticas específicas do PBSM, o maior desafio da integração produtiva da população pobre continuará sendo o crescimento econômico. Sem um dinamismo econômico crescente, será impossível incluí-los no mercado de trabalho de forma menos intermitente e precária (IPEA 2012: 50-55).

[19] A “Carta Social”, na qual o principal candidato da oposição da eleição presidencial de 2010, José Serra, se comprometia não só a manter o PBF como também a expandi-lo, serve de ilustração a esse ponto.

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