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Ciencias Psicológicas

Print version ISSN 1688-4094On-line version ISSN 1688-4221

Cienc. Psicol. vol.17 no.2 Montevideo Dec. 2023  Epub Dec 01, 2023

https://doi.org/10.22235/cp.v17i2.2706 

Artigos Originais

Propriedades psicométricas dos instrumentos de mensuração de agency: uma revisão sistemática

Propiedades psicométricas de los instrumentos de medición de la agencia: una revisión sistemática

Maria Julia Pegoraro Gai1 
http://orcid.org/0000-0002-8481-1112

Roberto Moraes Cruz2 
http://orcid.org/0000-0003-4671-3498

João Nuno Ribeiro Viseu3 
http://orcid.org/0000-0002-9817-7300

Synara Sepúlveda Sales4 
http://orcid.org/0000-0002-7792-4952

Cyntia Nunes5 
http://orcid.org/0000-0002-9150-2254

1Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, mariajuliagai@hotmail.com.

2Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

3Universidade de Évora, Portugal

4 Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

5 Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil


Resumo:

A capacidade de agência, relacionada à percepção de protagonismo na tomada de decisões sobre a própria vida, já apresenta um histórico de investigações a partir de estudos empíricos, mas ainda existem indefinições conceituais e de mensuração do fenômeno, em que são observadas simplificações e generalizações do construto. Tendo isso em vista, o objetivo desta revisão sistemática da literatura é analisar as propriedades psicométricas de instrumentos de mensuração da agência pessoal. Executou-se uma revisão sistemática de literatura com buscas em seis bases de dados brasileiras e internacionais de publicações até 2020. Dos 55 documentos analisados, identificaram-se 23 instrumentos com essa proposta. Observaram-se fragilidades no tocante à robustez das propriedades psicométricas apresentadas, já que a maior parte se limita à validade de estrutura interna. As validades convergente e divergente são pouco exploradas. Não foi identificado um instrumento de mensuração da agência com validade estatística para o contexto brasileiro, pois encontrou-se apenas um instrumento com validação semântica. O desenvolvimento de um instrumento adaptado para o contexto brasileiro é a principal recomendação para estudos futuros.

Palavras-chave: agência; agência pessoal; propriedades psicométricas; instrumentos de mensuração

Resumen:

La capacidad de agencia, relacionada con la percepción de protagonismo en la toma de decisiones sobre la propia vida, presenta un historial de investigaciones basadas en estudios empíricos, pero aún existen incertidumbres conceptuales y de medición del fenómeno en las que se hacen simplificaciones y generalizaciones del concepto. Teniendo esto en cuenta, el objetivo de esta revisión sistemática de la literatura es analizar las propiedades psicométricas de los instrumentos de medición de la agencia personal. Se realizó una revisión bibliográfica sistemática con búsquedas en seis bases de datos brasileñas e internacionales hasta 2020. De los 55 documentos analizados, se identificaron 23 instrumentos con esta propuesta. Se observaron debilidades en cuanto a la robustez de las propiedades psicométricas presentadas, ya que la mayoría se limita a la validez de la estructura interna. La validez convergente y divergente son poco exploradas. No se identificó un instrumento de medición de agencia que tenga validez estadística para el contexto brasileño, ya que solo se encontró un instrumento con validación semántica. El desarrollo de un instrumento adaptado al contexto brasileño es la principal recomendación para futuros estudios.

Palabras clave: agencia; agencia personal; propiedades psicométricas; instrumentos de medida

Abstract:

Agency capacity, related to the perception of protagonism on making decisions about one's own life, currently presents a previous record of investigations based on empirical studies, but there is still a lack of definition around the concept and the measurement of the phenomenon, considering the simplifications and generalizations observed. With that in mind, the goal of this systematic literature review is to analyze the psychometric properties of instruments for measuring personal agency. A systematic literature review was carried out with searches in six Brazilian and international databases on publications from up to 2020. We identified 23 instruments with this proposal, from the 55 documents analyzed. There were fragilities regarding the robustness of the presented psychometric properties, since most of them are limited to the internal structure validity. The convergent and divergent validities are little explored. An agency measurement instrument with statistical validation for the Brazilian context was not identified, only one instrument with semantic validation was found. The development of an instrument adapted to the Brazilian context is the main recommendation for future studies.

Keywords: agency; personal agency; psychometric properties; measurement instruments

A capacidade de fazer escolhas, definir objetivos e agir de acordo com essas decisões são características da capacidade de agência. Nesse processo, a possibilidade de ter alternativas se configura como fator fundamental para que a deliberação sobre a própria volição seja realizada com mais abertura. Se trata de um fenômeno que envolve aspectos relacionados à motivação, significado e propósito, que acabam influenciando nessa percepção de “poder interno” (Kabeer, 1999, p. 438). Esse recurso tem implicações para além do âmbito pessoal, já que acaba causando impactos a nível social e econômico (Cauce & Gordon, 2012). A agência humana é decorrente das influências externas, fatores pessoais e motivação para o comportamento, que se auto influenciam e são causadores uns dos outros de maneira recíproca e interativa (Bandura, 1989, 2018).

Essa capacidade de protagonismo na tomada de decisões sobre a própria vida já apresenta um histórico de investigações a partir de estudos empíricos, mas ainda existem indefinições sobre a conceitualização e na mensuração do fenômeno. Para auxiliar no delineamento desse processo, a revisão da literatura sobre o assunto com enfoque nas técnicas de investigação proporciona avanços nos estudos futuros, visto que as informações já descobertas são importantes para evitar equívocos já observados anteriormente. Um exemplo que ilustra essa necessidade de entendimento sobre o construto e técnicas de medição é o próprio uso de escalas de autoeficácia para medir agência. Sabe-se que se trata de uma dimensão relacionada, mas que não contempla a capacidade agêntica como um todo (Alkire, 2005).

Landes e Settersten Jr. (2019) ampliam a percepção de agência com relação à influência dos relacionamentos interpessoais nessa capacidade e criticaram a falta de reconhecimento desse aspecto na literatura, ainda que esteja englobada na conceitualização de Bandura como parte dos influenciadores externos. Os autores apontaram que a agência humana é dependente dos aspectos relacionais e propuseram que a conceitualização e mensuração da agência requerem a consideração de que as vidas das pessoas são interligadas. Desse modo, para que a agência se estabeleça, não é necessária essa noção de total independência.

Por conta dessa dificuldade na delimitação teórica, os aspectos metodológicos das pesquisas também são impactados, em que se observa simplificações e generalizações sobre o construto. Em muitas pesquisas são utilizados instrumentos que propõem mensurar agência, mas que na verdade se referem a fenômenos relacionados ou fatores da agência, como autoeficácia, autodeterminação, locus de controle, mas que não abrangem todos os aspectos necessários (Pick et al., 2007), como por exemplo na pesquisa de Vidrine et al. (2009), que utilizou uma escala de Escala de Autoeficácia e um questionário para avaliar as expectativas de regulação afetiva; as pesquisas de Friestad e Skog Hansen (2010) e Graff (2016), que utilizaram uma escala de autoeficácia geral; e também a pesquisa brasileira de Dressler et al. (2019) que utiliza como medida de senso de agência pessoal uma combinação de escalas de locus de controle e tolerância à frustração.

Nos casos em que se deseja mensurar agência voltada a um contexto específico, outros fatores relacionados podem ser acrescentados de acordo com a necessidade, mas a multidimensionalidade do fenômeno deve ser assegurada, independentemente da estratégia escolhida para a mensuração (Cauce & Gordon, 2012). Logo, fica evidenciada a necessidade de construção do fenômeno que se quer mensurar, como já indicavam Lautamo et al. (2020) ao desenvolver um instrumento para mensuração da agência. Nesse processo, a verificação das propriedades psicométricas de tais ferramentas torna-se fundamental para a verificação da qualidade dos instrumentos e para compreender como foram desenvolvidos esses instrumentos. A relevância desse tipo de revisão de literatura que enfoca nos instrumentos de medida se dá por possibilitar a escolha do instrumento mais indicado para pesquisas posteriores a partir de evidências científicas (Mokkink et al., 2016).

A partir disso, o objetivo desta revisão sistemática da literatura é analisar as propriedades psicométricas de instrumentos de mensuração da agência pessoal. Cabe mencionar que não foram identificadas revisões sistemáticas na literatura revisada que atendessem ao objetivo proposto, caracterizando-se uma lacuna nas pesquisas sobre o assunto. Tal avanço é importante para a verificação e análise dos instrumentos existentes para mensuração da agência para embasar a construção de novas medidas do construto.

Materiais e Método

Revisões sistemáticas de literatura possibilitam contrapor, analisar e sintetizar os achados contidos na literatura com rigor metodológico. Mais especificamente, esta pesquisa se trata de uma revisão sistemática com foco psicométrico, uma vez que viabiliza a análise das propriedades psicométricas de instrumentos, em que é possível examinar índices de confiabilidade e validade (Munn et al., 2018). Nessa pesquisa são analisados os instrumentos de medida de um único construto, a agência pessoal. Utilizou-se o protocolo para revisão sistemática com base no PRISMA, com etapas que contemplam a identificação, triagem, elegibilidade e inclusão dos documentos (Page et al., 2021).

Na etapa de busca e identificação do corpus da pesquisa, as bases de dados elencadas foram a Scopus, Web of Science, PsycINFO, Medline, SciELO e IndexPsi, sendo as quatro primeiras bases internacionais e as duas últimas nacionais. Realizaram-se as buscas em 21 outubro de 2020, atualizadas em 14 de fevereiro de 2021 por duas revisoras que utilizaram a estratégia: (“sense of agency” OR “human agency” OR “judgment of agency” OR “agency judgment” OR “personal agency” OR “types of agency” OR “forms of agency” OR “perceived agency” OR “feelings of agency”) AND (measur* OR assessment OR validity OR evaluation OR inventory OR scale OR “measures of agency” OR instrument), pesquisada em títulos, resumos e palavras-chave, com exceção da SciELO, a qual a busca foi realizada apenas no título e resumo devido à limitação da plataforma de busca. Nas duas bases nacionais incluíram-se os mesmos termos nos idiomas português e espanhol.

Como filtros de busca, limitaram-se os resultados a documentos em português, inglês e español, com exceção da PsycINFO, em que não foi possível incluir o filtro de idioma. Além das bases de dados, buscaram-se outros documentos para anexar ao corpus de pesquisa a partir das referências dos artigos já encontrados. Finalizada essa etapa, fez-se o download dos bancos de dados e iniciou-se a etapa de triagem. Removeram-se os dados duplicados e iniciou-se a análise da elegibilidade por meio da leitura dos resumos por duas revisoras independentes, que consideraram os seguintes critérios de inclusão: a) abordar o conceito de agência a partir da perspectiva cognitiva e comportamental; b) estudos quantitativos ou mistos; c) mencionar instrumentos psicométricos que mensuram a agência pessoal; d) estar no idioma português, inglês ou espanhol e disponível para acesso online.

A última etapa de coleta de dados refere-se à extração dos dados dos documentos, em que se buscou informações sobre os instrumentos utilizados, dimensionalidade, número de itens, população e amostra e propriedades psicométricas. Na análise dos dados utilizou-se a lista de verificação COSMIN (Consensus-based Standards for the selection of health status Measurement Instruments), ferramenta que auxilia na avaliação da qualidade metodológica em pesquisas acerca das propriedades de medição dos instrumentos (Mokkink et al., 2010). Para esse estudo apenas utilizaram-se os itens referentes à identificação das propriedades de medidas, que são: consistência interna, confiabilidade, erro de medição, validade de conteúdo, validade de estrutura interna, teste de hipóteses, validade transcultural, validade de critério e capacidade de resposta, acrescidas da verificação da validade convergente, divergente e de construto.

Resultados

Diversas escalas se propõem a mensurar a agência como um fator de outros construtos, mas são poucos os instrumentos específicos para medição desse fenômeno. Dos 3.451 documentos identificados, após realização da organização e filtragem da base de dados, apenas 377 resumos passaram para a etapa de leitura na íntegra para analisar sua adequação ao objetivo da pesquisa com base na leitura dos resumos considerando os critérios de inclusão. Desses, 17 não puderam ser verificados, pois não estavam disponibilizados na versão completa; 141 documentos foram identificados com propostas de mensuração da agência pessoal, no entanto, em apenas 42 utilizou-se instrumentos com a finalidade específica de mensurar esse construto de maneira geral.

Por meio das referências desses documentos, identificaram-se outros 15 que tratavam do desenvolvimento de medidas psicométricas de agência. Desses, incluíram-se apenas 13 porque dois não foram encontrados disponíveis, totalizando 55 documentos selecionados. O fluxograma da coleta de dados e delimitação do corpus de pesquisa está ilustrado na Figura 1.

Figura 1:  

Entre os 55 documentos que utilizam ferramentas que atendem aos critérios de inclusão para a pesquisa, identificaram-se um total de 23 instrumentos que se propõem a mensurar agência pessoal. Alguns desses documentos referem-se à construção ou adaptação e validação de instrumentos, enquanto outros aplicam essas ferramentas em suas pesquisas. As ferramentas identificadas estão descritas na Tabela 1 2, 3, 4, 5, que contém informações sobre suas dimensões, itens, amostra da pesquisa e propriedades psicométricas.

Tabela 1: Instrumentos de mensuração de agência pessoal e suas propriedades psicométricas 

Com base na Tabela 1, observa-se que dos 23 instrumentos analisados, 21 apresentam análise da consistência interna e confiabilidade. Desses, 20 utilizaram o alfa de Cronbach, que é um dos procedimentos mais utilizados para mensurar a consistência interna ou fidedignidade de um instrumento (Zanon & Hauck Filho, 2015). O critério de validade mais utilizado por esse grupo de instrumentos é a validade de estrutura interna (ou validade fatorial, interna e de construto), mensurada em quinze instrumentos de diferentes maneiras. Esse tipo de validade indica se as respostas obtidas pelo instrumento são internamente consistentes no tocante às distintas partes que compõem a ferramenta (International Test Commission, 2014; Pasquali, 2007). O teste de hipóteses, que se refere à verificação do aceite ou rejeição das hipóteses iniciais formuladas pelos pesquisadores, foi identificado em oito instrumentos. Essa propriedade de medida é fundamental para a obtenção da validade de construto (Souza et al., 2017).

A validade convergente foi identificada em seis instrumentos e possibilita a verificação de que os indicadores de diferentes fenômenos possuem relação significativa, em que ambos apresentam alta variância em comum (Hair Jr. et al., 2019). Pode ser obtida correlacionando instrumentos que mensuram um fenômeno semelhante, em que se espera uma alta correlação entre os fatores. No caso da validade divergente, somente quatro instrumentos apresentaram análises que apresentam evidências desse tipo de validade, que é observada por meio do uso da medida de um construto contraposto ou em direção oposta do que aquele que se está investigando (Polit, 2015). Além da validade divergente, a validade de conteúdo foi mencionada em quatro instrumentos. Sua importância se dá por possibilitar uma definição quanto à natureza do fenômeno que se pretende mensurar e proporcionar informações importantes a respeito da validade de construto (Vianna, 1983).

O erro de medição é apontado por quatro instrumentos, sendo que dois destes indicam o erro padrão identificado a EAPI e a PAS. Esse dado pode ser identificado por meio da observação da variação nos escores obtidos entre as aplicações de um instrumento em um mesmo participante, que tem como causa a variação dos escores de erro. Desse modo, se refere ao desvio padrão dos escores de erro (Primi, 2012). O erro da medida é indicado pelo erro padrão da medida. Tal dado indica que medida verdadeira referente a um atributo está localizada entre o valor médio das medidas realizadas e um erro padrão para mais e para menos (Pasquali, 2003).

Quatro instrumentos foram identificados apresentando validade de critério. Esse tipo de validade pode ser preditiva -possibilita identificar em que medida o instrumento consegue predizer comportamentos futuros com base na avaliação em determinado momento- ou de critério -os pesquisadores comparam os resultados obtidos por meio da escala com os resultados de outra escala a respeito do mesmo construto considerada “padrão ouro” (Pacico & Hutz, 2015; Polit, 2015). A validade transcultural foi verificada em apenas dois instrumentos e foi realizada de maneira parcial em outros quatro, já que nem todos apresentam todas as etapas indicadas por Beaton et al. (2000). As informações referentes às propriedades de medidas verificadas nos 23 instrumentos identificados estão sintetizadas na Tabela 2.

Tabela 2: Síntese das propriedades de medidas dos instrumentos de mensuração da agencia 

Nota: * Processo realizado parcialmente ou de forma incompleta.

Por meio da síntese proposta pela Tabela 2 cabe observar que nenhum instrumento demonstrou a capacidade de resposta do instrumento. Também é possível constatar que nem todas as ferramentas apresentaram diferentes tipos de validade, sendo que cinco instrumentos apresentam delineamentos conceituais e estatísticos pouco aprofundados, tais elementos não foram encontrados nos documentos que apresentam seu desenvolvimento ou não estavam disponibilizados.

Discussão

Os instrumentos identificados são analisados a partir de três prismas: a) perspectivas teóricas e historicidade dos instrumentos; b) propriedades psicométricas e; c) população e amostra dos estudos que desenvolveram os instrumentos e idiomas que estão disponibilizados.

Perspectivas teóricas e historicidade dos instrumentos

Diferentes perspectivas teóricas a respeito dos estudos sobre agência podem ser observadas por meio dos instrumentos de mensuração do construto a partir do referencial teórico que os embasa e se reflete na dimensionalidade das escalas. Os primeiros instrumentos identificados estão alinhados com a perspectiva teórica que relaciona sexo, gênero e a influência na agência e comunalidade, que tem como base a ideia de representação de papéis sociais de homens e mulheres e os estereótipos associados. A partir dessa compreensão, o senso de agência está associado ao masculino, com características de determinação, individualismo, ação, competência, ambição, dominância, objetividade, por exemplo. Já o senso de comunalidade direciona-se ao feminino, contemplando o cuidado, coletivismo, moralidade, interdependência e investimento parental, por exemplo (Abele et al., 2008). Nove instrumentos identificados estão alinhados a essa perspectiva: o PAQ, EPAQ, GEPAQ, IAT, GRI-14, AC, ACJ, AC e ASMS.

A outra perspectiva teórica observada nos instrumentos está associada ao modelo de causação recíproca triádica e processos metacognitivos. Este modelo parte do pressuposto de que os fatores ambientais, fatores pessoais e motivação para ação e comportamento exercem influência entre si na capacidade de agência. A metacognição tem papel fundamental nesse processo, em que os principais recursos são a intencionalidade, premeditação, autorreatividade e autorreflexão (Bandura, 2001, 2018). Quatorze instrumentos estão associados a esta perspectiva: o BIF, APAB, CAMI, Multi-CAM, MAPS, MAPS-20, PIAS, EAPI, PAS, ESAGE, AHA, AQ, PAB e ATPA-22.

Mesmo com quatorze instrumentos desenvolvidos, que consideram dimensionalidades distintas relacionadas ao modelo de causação recíproca triádica e processos metacognitivos, não se identificou nenhum instrumento que contemple todos os fatores de agência identificados por Gai et al. (no prelo). Os autores propõem uma dimensionalidade ampliada da agência pessoal a partir da perspectiva banduriana, que incluem: intencionalidade, premeditação, autorreatividade, autorreflexão, autoeficácia e controle interno. Esse modelo contempla os processos metacognitivos indicados por Bandura (2001), assim como a autoeficácia (Bandura, 1989) e o controle interno proposto por Rotter (1966). Isso demonstra uma possível limitação no tocante ao embasamento teórico na construção desses instrumentos, que se reflete na dimensionalidade das escalas.

Em relação à distribuição temporal do desenvolvimento dessas escalas, observaram-se movimentações distintas quanto ao desenvolvimento de instrumentos de diferentes perspectivas teóricas (Figura 2).

Figura 2: Distribuição do desenvolvimento das escalas de cada perspectiva teórica por ano 

Com base na Figura 2 observa-se que os instrumentos que se referem à agência e comunalidade e estereótipos de gênero são mais antigos e preconizam o ferramental para mensuração do construto. No entanto, possuem menor constância quanto ao desenvolvimento de novas escalas, visto que após a escala de 1981 apenas foram identificados novos instrumentos a partir de 2006 e nenhuma nova ferramenta desde 2015. Em contrapartida, mesmo com o primeiro instrumento relacionado a essa perspectiva datar o ano de 1989, a linha teórica que associa a agência e o modelo de causação recíproca triádica e os processos metacognitivos apresenta maior constância no desenvolvimento de novos instrumentos.

A razão do decréscimo do uso de instrumentos associados à noção de agência e estereótipos de gênero pode estar associada a desmistificação dessa estereotipia, especialmente por estarem relacionados a prejuízos no desenvolvimento e maturação emocional, levando ao sofrimento psíquico (Jesus et al., 2020). A influência dos relacionamentos interpessoais na percepção de agência é ampliada por Landes e Settersten Jr. (2019) que criticam a falta de reconhecimento desse aspecto na literatura, ainda que esteja englobada na conceitualização de Bandura como parte dos influenciadores externos. Os autores compreendem que a agência humana é dependente dos aspectos relacionais e propõem que a conceitualização e mensuração da agência requerem a consideração de que as vidas das pessoas estão interligadas, sendo equivocada a percepção de total “independência”, o que contraria a noção de antagonismo entre agência e comunalidade.

Propriedades psicométricas dos instrumentos

Com base na análise das propriedades psicométricas dos instrumentos selecionados, o uso da teoria clássica dos testes foi identificado na análise de todas as ferramentas que apresentavam esses dados, com nenhuma verificação do uso da Teoria de Resposta ao Item. Dentre essas propriedades observadas, o uso predominante do alfa de Cronbach nos instrumentos confirma a preferência para analisar a consistência interna ou fidedignidade (Zanon & Hauck Filho, 2015). Os instrumentos identificados possuem o valor de alfa entre .61 e .95, ou seja, a maioria apresenta valores aceitáveis (Hair Jr. et al., 2019).

Nos critérios de validade, a verificação das evidências de validade de estrutura interna foi a mais atendida nos instrumentos, especialmente com uso de análises fatoriais exploratórias e confirmatórias. Os outros tipos de validade mais observados, ainda que em menor número, são a validade convergente -em seis instrumentos- e a validade divergente -em quatro instrumentos-. Ao considerar o número inferior de ferramentas que executaram esse processo, é possível corroborar a afirmação de Henderson (2002) a respeito da dificuldade na identificação de instrumentos de medidas bem validados para executar a verificação desses dois tipos de validação. Essa dificuldade também pode estar relacionada com a falta de clareza conceitual sobre a agency para que sejam estabelecidos os construtos que apresentam características análogas ou antagônicas.

A validade transcultural foi verificada em apenas um instrumento -a adaptação da Stereotypical Masculinity Scale de Bem (1974)- realizada por Besta et al. (2015). No entanto, essa informação não representa um indício de que essa etapa não foi contemplada nos artigos por falha metodológica, visto que a maioria se trata de desenvolvimento dos instrumentos e não de adaptações transculturais. Nos casos dos instrumentos de Runge et al. (1981) e de Fontes et al. (2010), a validação transcultural não foi executada de maneira completa, visto que apenas foram realizadas as primeiras etapas desse processo, limitadas a validação semântica com tradução e retrotradução dos instrumentos. As etapas para uma adaptação transcultural completa se referem a tradução, síntese das traduções, retrotradução, sínteses das retrotraduções, comitê de especialistas e pré-teste (Beaton et al., 2000). Ainda que não tenha sido mencionado o processo de validação transcultural, três instrumentos foram construídos em diferentes idiomas: a AC, CAMI e Multi-CAM. No entanto, não apresentam as propriedades psicométricas dessas diferentes versões.

No tocante às propriedades psicométricas, ao analisar os aspectos metodológicos desse grupo de instrumentos, observou-se que nem todos apresentaram diferentes tipos de evidências de validade, o que indica pouca robustez das análises propostas, especialmente porque muitos apresentam análises estatísticas pouco aprofundadas. Salienta-se a ausência de linguagem clara acerca das propriedades de medida utilizadas para análise dos instrumentos, as quais não são escritas de maneira objetiva em todos os casos, o que pode dificultar o entendimento da qualidade dos instrumentos para leitores que não tenham tanta proximidade com os termos e testes estatísticos.

População, amostra e idioma dos instrumentos

Os instrumentos identificados se destinam a diferentes grupos populacionais, em que se observou uma distribuição da amostra dos estudos que inclui: crianças e adolescentes, jovens e estudantes, adultos (sem especificações) e profissionais. Quanto aos testes indicados para crianças e adolescentes, apenas identificou-se dois: o CAMI e o Multi-CAM. As amostras de jovens e estudantes foram encontradas em nove estudos que se propuseram a desenvolver os instrumentos. O direcionamento para esse grupo pode estar associado à importância da agência para decisões relacionadas à carreira e à inserção no mundo do trabalho. Isso também se justifica nos casos das amostras com adultos, identificadas em dez estudos, e com profissionais, observadas em dois estudos. Esses dados reforçam a importância de mensuração da agência especialmente pelas implicações do fenômeno na percepção sobre carreira (Chen & Hong, 2020) e nas respostas de modo proativo às situações que envolvem o âmbito educacional e profissional (Betz, 1987).

Quanto ao idioma dos instrumentos, dos 23 identificados, 19 estão disponíveis em inglês e apenas 7 estão em outros idiomas. O segundo idioma com maior número de escalas é o alemão, com três instrumentos (GEPAQ, CAMI e Multi-CAM), seguido do polonês, com dois instrumentos (SMS e AC). Em russo também estão dois instrumentos (CAMI e Multi-CAM). Os idiomas que apresentaram apenas um instrumento para mensuração de agência são o português (EAPI), espanhol (ESAGE), japonês (CAMI), francês (AC) e o italiano (AC). A existência do mesmo instrumento em diferentes idiomas torna possível o uso dessa medida em uma extensão territorial maior, viabilizando estudos comparativos entre diferentes países e culturas.

Conclusão

A partir da execução dessa revisão sistemática da literatura em que se buscou analisar as propriedades psicométricas de instrumentos de mensuração da agência pessoal, identificaram-se 23 instrumentos que se propõem a mensurar a agência pessoal de maneira específica. Dos 55 documentos analisados, alguns se destinam especificamente à construção ou adaptação e validação desses instrumentos, enquanto outros apresentavam pesquisas empíricas com uso dessas ferramentas.

Observaram-se dois grupos de instrumentos com base no aporte teórico que os embasa, identificados na literatura mencionada e nos fatores que compõem as escalas. Os primeiros instrumentos estão baseados na percepção de agência e comunalidade, pautados em estereótipos de gênero. A segunda vertente de instrumentos tem alinhamento com o modelo de causação recíproca triádica e processos metacognitivos, que contempla o maior número de ferramentas. Não foram identificados instrumentos que contemplem de maneira concomitante a dimensionalidade ampliada de agency proposta por Gai et al. (no prelo), que são: intencionalidade, premeditação, autorreatividade, autorreflexão, autoeficácia e controle interno, o que enfatiza a necessidade de construção de novos instrumentos.

Há fragilidades no tocante à robustez das propriedades psicométricas dos instrumentos, já que a maior parte se limita a apresentação de evidências de validade de estrutura interna. As validades convergentes e divergentes são pouco exploradas, o que pode se dar em função da dificuldade em identificar instrumentos que possibilitem essa verificação ou pela falta de clareza conceitual sobre agency para que seja possível estabelecer esses critérios. Não foram identificados instrumentos que visem a mensuração da agência com validade estatística para o português, tampouco no contexto brasileiro. O único instrumento adaptado para esse idioma apresentou somente validação semântica o Agency Beliefs (Smith et al., 2000) adaptado por Fontes et al. (2010).

A partir desse dado, observa-se que o desenvolvimento de um instrumento adaptado para o contexto brasileiro é a principal recomendação de estudos a partir dessa revisão sistemática. A inexistência de um instrumento que atenda aos critérios de validade dificulta os avanços da literatura sobre agency no país. A construção de um instrumento que contemple a dimensionalidade ampliada de agency proposta por Gai et al. (no prelo) possibilita o preenchimento dessa lacuna teórica. Tal instrumento pode ser uma opção para uso por pesquisadores que já estudam o tema e acabam por utilizar instrumentos de medida de construtos relacionados, como o caso da pesquisa de Dressler et al. (2019).

Dentre as limitações do estudo, mesmo com o rastreio em seis bases de dados, ainda é possível que outros instrumentos não tenham sido contemplados, em vista da dificuldade de abarcar a totalidade dos estudos disponíveis e também por não terem sido considerados os documentos da literatura cinzenta. Além disso, os documentos foram pesquisados até o ano de 2020 e alguns dos documentos que desenvolveram instrumentos não puderam ser acessados, o que limitou a descrição do desenvolvimento da ferramenta e suas propriedades psicométricas. Como sugestões para estudos futuros, salienta-se a indicação de desenvolvimento de pesquisas em outros idiomas além do inglês, pois dos 23 instrumentos estudados, somente seis não estavam nesse idioma. Isso pode ser uma das possíveis justificativas para o pequeno número de estudos sobre a capacidade de agency na América Latina, incluindo o Brasil.

Referencias:

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Como citar: Gai, M. J. P., Cruz, R. M., Viseu, J. N. R., Sales, S. S., & Nunes, C. (2023). Propriedades psicométricas dos instrumentos de mensuração de agency: uma revisão sistemática. Ciencias Psicológicas, 17(2), e-2706. https://doi.org/10.22235/cp.v17i2.2706

Participação dos autores: a) Planejamento e concepção do trabalho; b) Coleta de dados; c) Análise e interpretação de dados; d) Redação do manuscrito; e) Revisão crítica do manuscrito. M. J. P. G. contribuiu em a, b, c, d, e; R. M. C. em a, b, c, d, e; J. N. R. V. em c, d, e; S. S. S. em b, c, d; C. N. em b, c, d.

Editora científica responsável: Dra. Cecilia Cracco

Recebido: 13 de Outubro de 2021; Aceito: 21 de Junho de 2023

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