O sono é um comportamento ativo, repetitivo e reversível que pode ser usado para diversas finalidades, como processos restaurativos, fisiológicos e cognitivos (Ackermann & Rasch, 2014; Landmann et al., 2014; Rasch & Born, 2015). Dessa forma, dentre outros processos, o sono se torna indispensável para a neurogênese, plasticidade sináptica, atenção, vigília, aprendizagem e consolidação de memórias (Panjwani et al., 2019).
No entanto, a sociedade contemporânea apresenta uma crescente demandas por trabalho, estudo e compromissos sociais em horários irregulares, o que acaba por negligenciar mecanismos naturais relacionados ao sono, o que resulta em danos à saúde física e mental das pessoas (Amaro & Dumith, 2018). Para lidar com os diversos interesses do dia a dia, muitas pessoas preferem sacrificar um tempo de sono, tendo em mente que isso não trará consequências adversas ou danosas (Curcio et al., 2006).
Os estudantes universitários são um exemplo disso (Almojali et al., 2017). Geralmente, apresentam um padrão de sono irregular, caracterizado por alterações na duração, no horário de início e término do sono, ocorrendo mais tarde aos fins de semana em comparação aos horários da semana, provavelmente às demandas sociais, acadêmicas, adaptação ao contexto universitário, falta de supervisão dos pais (Amaral, 2018; Araújo et al., 2013; Phillips et al., 2017). Para se ter uma ideia da gravidade deste fenômeno, tal padrão resulta em alta variação nos hábitos de sono, gerando um débito de sono acentuado, o que não é observado com frequência em populações não clínicas ou que não trabalham em turnos (Lemma et al., 2012; Li et al., 2017).
A qualidade do sono (QS) e a sonolência diurna (SD) têm sido apontadas como fatores que têm uma grande influência na aprendizagem do estudante universitário (Huang et al., 2014). A avaliação da QS com instrumentos de autorrelato, geralmente, tem uma faceta objetiva (e.g., número de despertares noturnos, latência e duração de sono), mas também uma perspectiva subjetiva (e.g., percepção de profundidade de sono e do nível de restauração que o indivíduo sente ao acordar, além de satisfação geral com o sono; Bertolazi, 2008). A sonolência é, geralmente, um aumento da propensão a cochilar/adormecer durante o dia ou à incapacidade de manter-se alerta nesse período (Thorpy & Billiard, 2011). É, geralmente, acompanhada de uma baixa latência de sono, saltos em estágios importantes do sono devido ao débito acumulado, o que é um indicador comum da existência de distúrbios do sono (Kaur & Singh, 2017).
Dessa forma, acredita-se que o estudo das condições que interferem nessas variáveis seja uma demanda relevante de investigação e intervenção por parte da comunidade acadêmica, pois, ao se relacionar com aspectos de saúde física e mental, e aspectos cognitivos de aprendizagem e memória, o sono, a qualidade do sono e a sonolência podem interferir no rendimento acadêmico do estudante universitário (Christodoulou et al., 2023; Fonseca & Genzel, 2020). Em termos gerais, estudos anteriores já demonstraram algumas variáveis que podem predizer a QS e a SD em uma população universitária, tendo destaque o estresse acadêmico (Alotaibi et al., 2020), o desconforto psicológico (Najafi Kalyani et al., 2017), a fadiga (Sajadi et al., 2014), assim como o uso/abuso de substâncias psicoativas (Zhabenko et al., 2016).
No que diz respeito ao fenômeno do estresse, este é definido como um estado de ativação do organismo em resposta à percepção de uma ameaça, real ou imaginada, que é capaz de alterar a sua condição de bem-estar subjetivo, ocasionando sensações de desconforto e/ou desconforto temporários ou permanentes (Lazarus & Folkman, 1984). Dessa forma, o estresse acadêmico (EA) é definido como uma reação de ativação fisiológica, emocional, cognitiva e comportamental em resposta a estímulos acadêmicos (García & Zea, 2011). Dentre as principais situações que que os estudantes podem interpretar como estressantes estão: a realização das provas, a apresentação de trabalhos em sala de aula, a sobrecarga de atividades etc. (García-Ros et al., 2012; Lund et al., 2010). Estudos anteriores já demonstram os efeitos negativos do EA na QS de universitários em diferentes contextos (Lemma et al., 2012; Lund et al., 2010).
O construto de desconforto psicológico (DP) é entendido como aquele conjunto de transtornos psiquiátricos não severos, não psicóticos, que, geralmente, indicam a presença de ansiedade, depressão, abuso de substâncias e baixa autoeficácia (Massud et al., 2007), e tem influência na QS. Kaneita et al. (2009) conduziram um estudo longitudinal prospectivo com adolescentes japoneses e constataram que a perturbação do sono aumenta o risco de desenvolvimento de estado de saúde mental deficitário, e vice-versa. Outros estudos demonstraram que alterações no estado de saúde mental estão intimamente relacionadas às diferenças no estado de sono (Cheng et al., 2012; Suzuki et al., 2011).
A variável da fadiga é, geralmente, entendida como uma sensação de tensão, cansaço ou falta de energia (Fujii et al., 2015). Estudos recentes indicam que a fadiga pode ser um quadro causado por um estilo de vida considerado não saudável (i.e., comportamentos sedentários; Wang et al., 2019), sendo um problema prevalente na população adulta (Koohsari et al., 2021), na qual se incluem os estudantes universitários. Assim, tal variável, de forma similar, tem implicações para a qualidade do sono em diferentes populações (Wylie et al., 2022). Na relação entre a fadiga normal (em população não clínica) e o sono, tem sido demonstrado que a fadiga está relacionada à baixa qualidade do sono e curta duração do sono, bem como a altos níveis de estresse, além de uma forte relação com a percepção de menores níveis de saúde subjetiva e sonolência (Åkerstedt et al., 2014). Outro estudo refere-se à alta prevalência de fadiga entre pessoas com distúrbios do sono, tais como insônia, apneia obstrutiva do sono, narcolepsia, etc. (Tsai & Lee-Chiong, 2013).
Em suma, é mencionado o uso/abuso de substâncias, uma vez que implica em consequências fisiológicas e cognitivas individuais que, por sua vez, interagem com o ciclo vigília-sono (Madras & Kuhar, 2013). De acordo com Gillin et al. (2005), a cafeína tem sido estudada com menos frequência. Em uma metanálise, Gardiner et al. (2023), constataram prejuízos significativos na eficiência, latência e duração total do sono devido ao uso de cafeína. Há também evidências de que o do uso de cafeína interfere negativamente na QS de acadêmicos (Henriques, 2008). Além disso, Sin et al. (2009), em uma revisão sistemática, demostraram que a abstinência de cafeína promove um aumento na QS.
Diante do panorama apresentado, este estudo teve como objetivo desenvolver um modelo explicativo, através da Modelagem por Equações Estruturais (MEE), da QS e da SD de estudantes universitários brasileiros, tendo como variáveis independentes o DP, o EA, a fadiga e o uso de substâncias psicoativas, considerando a QS e a SD como variáveis critério do modelo. A proposta de um modelo preditivo é uma forma de se obter dados para serem considerados em futuras ações interventivas em relação à saúde e ao rendimento acadêmico dos universitários, que, por sua vez, concorram para a satisfação do estudante em relação à vivência universitária (Lopes et al., 2013).
Materiais e Método
Participantes
Participaram 407 estudantes universitários de uma instituição pública de Ensino Superior situada na região Norte do Brasil, localizada na cidade de Boa Vista, Estado de Roraima. Os participantes apresentaram idades que variaram de 18 a 63 anos (M= 23 anos; DP= 6,75), sendo a maioria do sexo feminino (64,4%), solteiro (82,1%), frequentando cursos diurnos (56%) e cursando psicologia (26,5%). Em relação ao uso/abuso de substâncias: 80,5% dos estudantes usaram cafeína e 51,6% do álcool. Além disso, outras sustâncias foram usadas: tabaco (7,8%), anfetaminas (2,5%), tranquilizantes (1,7%), maconha (7,1%), cocaína (1%), inalantes (0,2%).
Instrumentos
Os participantes responderam a um questionário online que, incluía de perguntas sobre a idade, sexo, orientação sexual, estado civil, religião, turno do curso de graduação, uso de substâncias, etc.
Pittsburg Sleep Scale Index (PSQI; Buysse et al., 1989) tem como objetivo avaliar a qualidade do sono no último mês. A versão do PSQI adaptada para o contexto brasileiro (Bertolazi, 2008) é composta por 19 questões, divididas em sete componentes: a qualidade subjetiva do sono, a latência do sono, a duração do sono, a eficiência habitual do sono, os distúrbios do sono, o uso de medicação para dormir, e a sonolência diurna e distúrbios durante o dia. Para cada componente da medida, o escore pode variar de 0 (nenhuma dificuldade) a 3 (dificuldade grave), gerando um escore de no máximo 21 pontos. No presente estudo, a escala de resposta foi invertida, de modo que quanto maior a pontuação na PSQI, melhor é a qualidade de sono dos participantes. Neste estudo, segundo Marôco e Garcia-Marques (2006) o alpha de Cronbach desta medida apresentou fidedignidade moderada (α = 0,82).
A Escala de Sonolência de Epworth (ESS; Johns, 1991) a versão adaptada para o contexto brasileiro (Bertolazi et al., 2009). Os participantes foram instruídos a indicar suas chances de adormecer em oito situações que envolvem atividades diárias (e.g., “Sentado e lendo”, “Assistindo TV” etc.). Os itens da escala (i.e., oito itens) foram respondidos em uma escala de quatro pontos (variando de 0 = nunca cochilar a 4 = grande probabilidade de cochilar), apresentando, neste estudo, índice de fidedignidade moderada α = 0,83 (Marôco & Garcia-Marques, 2006).
Questionário de Saúde Geral (QSG-12; Goldberg, 1972), tem o objetivo de avaliar a saúde mental de pessoas através de questões que versem sobre sintomas psiquiátricos não psicóticos (e.g., “Suas preocupações lhe têm feito perder muito sono?”). Os participantes foram solicitados a responder a uma escala de quatro pontos tipo Likert: para os itens negativos, as alternativas de resposta variam de 1 = absolutamente não, a 4 =muito mais que de costume; para os itens positivos, a escala de resposta varia de 1 =mais que de costume, a 4 = muito menos que de costume. Após a inversão dos itens negativos, gerou-se uma pontuação total do QSG-12, de forma que maiores pontuações indicavam maior desconforto psicológico. No presente estudo, o índice de fidedignidade do QSG-12 foi moderado α = 0,80 (Marôco & Garcia-Marques, 2006).
Escala de Avaliação de Fadiga (EAF; Michielsen et. al, 2004), é composta por 10 itens, tais como (e.g., “Sinto-me incomodado devido à fadiga”; “Fico cansado muito rapidamente” etc.). Tais itens foram respondidos em escala Likert de cinco pontos (variando de 1 = nunca, a 5 = sempre), conforme o participante tem se sentido nos últimos dias em relação à fadiga. O índice de fidedignidade da EAF, neste estudo, foi moderado α = 0,87 (Marôco & Garcia-Marques, 2006).
Escala de Estresse Acadêmico (EEA). Consiste em versão adaptada da Escala de Estresse no Trabalho (EET; Paschoal & Tamayo, 2004). Esta foi adaptada para o contexto universitário (Freires et al., 2018). Seus 12 itens (e.g., “A forma como as tarefas são distribuídas entre as disciplinas tem me deixado nervoso”.) foram respondidos em uma escala tipo Likert de cinco pontos (variando de 1 = discordo totalmente, a 5 = concordo totalmente). No presente estudo, a consistência interna da EEA foi adequada (α = 0,88).
Questionário sobre Tempo de Uso de Drogas (QTUDR). Tal instrumento, composto por 27 itens, foi empregado para avaliar a frequência do uso de inúmeras substâncias por parte da amostra: tabaco, anfetaminas e estimulantes, tranquilizantes, álcool, maconha, cocaína ou crack e inalantes. Dessa forma, o QTUDR possibilitou a identificação de consumidores ocasionais e dependentes de algumas das drogas mais comuns (Mariño et al., 1998).
Procedimento
A coleta dos dados foi realizada online. Os sujeitos foram contatados previamente, via e-mail e redes sociais, estando os instrumentos supracitados dispostos por meio da ferramenta Lime Survey. Todos os instrumentos eram autoaplicáveis, contendo as instruções necessárias para proceder às respostas; ademais, os pesquisadores envolvidos se colocaram à disposição em endereço eletrônico para esclarecer eventuais dúvidas quanto à participação no estudo. Foram seguidas todas as prerrogativas dispostas na Resolução nº 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde, no que tange à regulamentação das pesquisas com seres humanos. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma instituição pública do norte brasileiro (parecer nº 726.580).
Análise dos dados
Para a análise de dados, utilizou-se o software R (R Development Core Team, 2015). As estatísticas descritivas, para fins de caracterização amostral, assim como as análises de correlação e regressão linear (i.e., relações entre as variáveis antecedentes com as variáveis critério: QS e SD) foram realizadas pela interface Rcommander do pacote Rcmdr (Fox, 2017).
Para a testagem do modelo teórico explicativo, utilizou-se o pacote lavaan (Rosseel, 2012), aplicando-se o método de estimação Robust Maximum Likelihood (MLR). Para fins de avaliação do ajuste do modelo, os seguintes indicadores de ajuste dos dados foram adotados: (a) razão qui-quadrado por graus de liberdade (χ²/gl), aceitando-se valores entre 2 e 3, admitindo-se até 5; (b) Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI), aceitando-se valores iguais ou superiores a 0,90, (c) Standardized Root Mean Square Residual (SRMR), admitindo-se como recomendável um valor abaixo de 0,08, e Root Mean Square Error Approximation (RMSEA), cujos valores recomendados se situam entre 0,05 e 0,08, admitindo-se até 0,10, em que os intervalos de confiança (90%) não incluam um valor maior que 0,10 (Schreiber et al., 2006). Quanto aos testes inferenciais para os efeitos indiretos no modelo explicativo, utilizou-se o procedimento de Bootstrap Confidence Intervals com 10,000 reamostragens (Hayes, 2017), em que os efeitos são considerados significativos quando o intervalo de confiança não inclui o zero.
Resultados
Correlatos da qualidade do sono e sonolência diurna de estudantes universitários
Com a finalidade de conhecer em que medida as variáveis independentes do presente se estudo se correlacionam com as variáveis critério, QS e SD, realizaram-se correlações entre as mesmas. Quanto às questões sobre a frequência de uso de substâncias, apenas o uso de cafeína e álcool foram relatados em maior medida pela amostra, portanto, as variáveis com as demais substâncias foram desconsideradas das análises. Em relação aos resultados, conforme é possível observar na Tabela 1, a SD se relacionou negativamente com a QS. Ademais, a SD apresentou relações significativas e positivas com o DP, EA, fadiga, sendo a relação negativa com o uso de cafeína; não houve relação significativa com o uso de álcool. Frente à QS, esta se associou negativa e significativamente com todas as variáveis (i.e., DP, EA, fadiga e uso de cafeína) sendo o uso de álcool, a única exceção.
Preditores da qualidade de sono e sonolência diurna de estudantes universitários
Por não se identificar estudos prévios que permitam consolidar uma elaboração teórica a respeito, decidiu-se realizar uma regressão linear múltipla por etapas (stepwise), procurando evitar o efeito de multicolinearidade, visando definir os preditores significativos da QS e SD de estudantes universitários. As variáveis antecedentes foram selecionadas, para ambas os variáveis critérios, a partir da significância de seus respectivos coeficientes de correlação, assim como pela direcionalidade teórica entre as mesmas. Os resultados desta análise são apresentados na Tabela 2.
Nota: B: coeficiente de regressão não padronizado; β: coeficiente de regressão padronizado; t: Estatística t; p: valor-p.
Para a QS (Tabela 2), as variáveis DP, EA e o uso de cafeína entraram como preditores significativos, todas apresentando coeficientes negativos. Especificamente, em conjunto, tais variáveis (R = 0,55, F(3, 404) = 56,94, p < 0,001) explicaram 31,2% da variância total (R2 ajustado). Para o segundo modelo de regressão, para explicar a SD, observou-se (Tabela 2) que a fadiga, positivamente, e a QS, negativamente, predisseram de forma significativa tal variável critério. Conjuntamente, tal modelo (R = 0,43, F(2, 406) = 47,25, p < 0,001) explicou 19,1% da variância total (R2 ajustado).
Elaboração do modelo explicativo: qualidade de sono de estudantes universitários
Os resultados acima descritos sugerem que, entre estudantes universitários, a QS e a SD podem ser compreendidas por meio dos níveis de EA, DP, fadiga e uso de cafeína, isto tendo em vista o poder preditivo dessas variáveis. Deste modo, a partir destes resultados é possível pensar em uma sequência (i.e., modelo explicativo) que reúne o DP, o EA e o uso de cafeína como preditores da QS, e esta última juntamente com a fadiga, por sua vez, explicando a SD. Tal cenário analítico correspondeu à elaboração de um modelo explicativo, testado a partir da MEE, apresentado na Figura 1.
Os índices de ajuste do modelo (Figura 1) foram adequados: χ²/gl = 1,14, CFI = 0,96, TLI = 0,91, SRMR = 0,030 e RMSEA = 0,073 (0,031 - 0,080). De igual modo, os efeitos indiretos foram testados. Especificamente, o DP (β = 0,09, IC95% = 0,030/0,082), o EA (β = 0,03, IC95% = 0,003/0,027) e o uso de cafeína (β = -0,03, IC95% = -0,498/-0,030) predisseram a SD, através da QS. Finalmente, determinou-se a variância explicada do modelo (Shrout & Bolger, 2002), observando-se que o modelo foi capaz de explicar 47% da variância da QS e SD dos estudantes universitários.
Discussão
Até recentemente os estudos empíricos acerca do padrão de sono e SD entre estudantes universitários enfatizavam tão somente a verificação dos níveis de mensuração de tais variáveis, dando menor atenção aos potenciais preditores desses fenômenos (Huang et al., 2014; Wang & Bíró, 2021). Dessa forma, o presente estudo objetivou testar um modelo explicativo da QS e da SD de uma amostra de universitários brasileiros via um modelo estrutural. Os resultados indicaram que o DP, o EA e o uso de cafeína impactaram negativamente a QS. Em seguida, a QS (negativamente) e a fadiga (positivamente) explicaram os níveis de SD da amostra. O ajuste dos dados ao modelo proposto foi adequado (Hair et al., 2014), reforçando os achados de estudos anteriores acerca da relação entre as variáveis supracitadas (Alotaibi et al., 2020; Najafi Kalyani et al., 2017; Sajadi et al., 2014; Zhabenko et al., 2016), nesta oportunidade, de maneira hierárquica.
Na direção de achados anteriores, o DP associou-se a menores níveis de QS na amostra de universitários. De fato, as condições de saúde mental individual implicam em um fator central para a QS das pessoas, sendo tais relações demonstradas por investigações epidemiológicas transversais envolvendo populações adultas (Roberts et al., 2000). Em populações clínicas, a maior parte dos indivíduos com problemas de saúde mental relatam sono disfuncional e/ou distúrbios do sono, sendo tais sintomatologias a motivação para a procura de assistência profissional (Mendlewicz, 2009). Conforme indicado, tal padrão, de igual modo, foi replicado no caso dos estudantes universitários apontando que o sofrimento psicológico se associa a situações de déficits na QS (Wang et al., 2019). Ademais, é importante ressaltar que existem evidências de que problemas do sono e o estado de saúde mental podem apresentar uma relação bidirecional, isto é, um pode ser a causa ou o resultado do outro (Morphy et al., 2007).
O EA predisse baixos níveis de QS nos universitários, um achado consistente na literatura médico-psicológica (Alotaibi et al., 2020; Yan et al., 2018). Em função das inúmeras tarefas acadêmicas, os universitários frequentemente apresentam problemas de sono, com pouco tempo dedicado ao descanso (Milojevich & Lukowski, 2016), devido à pressão por alta performance acadêmica (Cardoso et al., 2009). Tais achados têm um correlato biológico. Especificamente, existem conexões neurais, assim como uma proximidade entre os centros hipotalâmicos reguladores do sono (núcleo supraquiasmático) e estruturas encefálicas envolvidas com respostas autonômicas relacionadas ao estresse (eixo hipotálamo-pituitária-adrenais; Tomfohr et al., 2012).
O uso da cafeína, de igual modo, apresentou impactos negativos na QS no modelo estrutural ora testado. Para além de efeitos da cafeína sobre o sistema cardiovascular, tal substância produz efeitos perturbadores no sono, principalmente quando ingerido em doses múltiplas ao longo do dia (Nordt et al., 2012). Ademais, a cafeína é empregada como um “modelo de insônia”: os efeitos metabólicos da cafeína, de natureza fisiológica, são usados para desenvolver um modelo de excitação fisiológica de insônia crônica em amostras em geral (Bonnet & Arand, 1992). Quanto ao correlato fisiológico, a secreção de melatonina, o principal hormônio responsável pela sincronização do sono, é controlada por um neurotransmissor que pode ser afetado pela ingestão da cafeína (Shilo et al., 2002), que por sua vez impacta na QS.
Finalmente, conforme esperado, baixos níveis de QS predisseram a maior propensão à SD dos universitários. Por exercer funções na restauração, proteção e conservação de energia, quando ocorre uma baixa QS, consequentemente isso se traduz em prejuízos no funcionamento do indivíduo a curto e longo prazo em suas funções físicas, ocupacionais e cognitivas (Müller & Guimarães, 2007), sendo expressos por SD, isto é, dificuldades na manutenção de se manter alerta, com nível de adequado de excitação fisiológica (Thorpy & Billiard, 2011). Assevera-se que tal condição, geralmente, está presente em mais da metade dessa população tal como reportam estudos no Brasil com alunos de odontologia (Angelin et al., 2020), medicina (Milojevich & Lukowski, 2016), e psicologia (Danda et al., 2005). Adicionalmente, a fadiga predisse positivamente a SD. De fato, em populações não clínicas, maiores níveis de fadiga estão associados a altas demandas de trabalho e longas jornadas, aqui representadas pelos eventos acadêmicos (Åkerstedt et al., 2014), que, por sua vez, afetam negativamente a rotina dos estudantes, influenciando no cumprimento de atividades e funções exigidos pelo mundo acadêmico (Zakeri et al., 2006).
Entretanto, apesar dos achados descritos, este estudo não está isento de limitações. A primeira refere-se à natureza não probabilística da amostra, fato que impossibilita generalizações dos resultados para a população universitária brasileira. Em seguida, as medidas ora empregadas consistiram em instrumentos de autorrelato, impossibilitando o controle do efeito da desejabilidade social na resposta dos participantes. Por fim, menciona-se o delineamento adotado, correlacional (ex-post facto). Apesar de ser possível indicar a existência da relação entre um dado conjunto de variáveis, tal fato não garante a direção (e.g., causalidade reversa) quanto a influência de uma terceira variável no modelo ora testado (Fife-Schaw, 2010).
Em resumo, os resultados ora apresentados podem subsidiar intervenções para a população universitária. Em nível político-institucional, as universidades podem se voltar à construção de redes de apoio para comunidade discente (Yusuf et al., 2020), tais como serviços de atendimento, envolvendo questões como treinos de resiliência frente a estímulos estressores (Hasel et al., 2011), gerenciamento do tempo em atividades pessoais e acadêmicas (Brus, 2006) que podem criar condições de uma vivência adaptativa ao meio acadêmico. Nessa direção, estudos futuros podem tanto testar o efeito preditivo de outras variáveis na QS dos universitários (e.g., ansiedade frente ao adormecimento, práticas de higiene do sono etc.), como indicam Brown et al. (2002) e Al-Kandari et al. (2017), quanto investigar a efetividade de intervenções práticas com grupos de estudantes universitários de cursos em diferentes áreas de concentração, conforme sugerido por Mendes et al. (2019) ou diferentes etapas da experiência acadêmica (Soares et al., 2014).