SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número2Asociaciones entre variables sociodemográficas y de comportamiento, fanatismo y agresividad de los fanáticos del fútbolAutoría y creación para estudiantes universitarios índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Links relacionados

Compartir


Ciencias Psicológicas

versión impresa ISSN 1688-4094versión On-line ISSN 1688-4221

Cienc. Psicol. vol.15 no.2 Montevideo dic. 2021  Epub 01-Dic-2021

https://doi.org/10.22235/cp.v15i2.2149 

Original Articles

História de vida de homens com transtorno pedofílico em cumprimento de pena

Caroline Velasquez Marafiga1 
http://orcid.org/0000-0003-4802-3781

Eduarda Lima de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0003-3612-8498

Marcela Nunes Penna1 
http://orcid.org/0000-0002-7768-6966

Denise Falcke2 
http://orcid.org/0000-0002-4653-1216

1 Universidad de Vale do Rio dos Sinos, Brazil

2 Universidad de Vale do Rio dos Sinos, Brazil, dfalcke@unisinos.br


Resumo:

Esta pesquisa objetiva compreender a história de vida e dos relacionamentos amorosos de homens com transtorno pedofílico que cumprem pena pela condenação por estupro de vulnerável contra crianças e/ou adolescentes, bem como das circunstâncias dos crimes que cometeram. Trata-se de um estudo de base qualitativa com delineamento de casos múltiplos. Participaram três homens que apresentam o diagnóstico de transtorno pedofílico, em situação de condenação por crimes que envolvem violência sexual contra crianças e/ou adolescentes. Foram utilizados os seguintes instrumentos: questionário sociodemográfico e entrevista semiestruturada. Os resultados revelaram que os vitimizadores avaliam os relacionamentos com crianças/adolescentes como adequados, quando não envolvem crianças muito pequenas e ocorrem sem uso de violência. Eles reconhecem seu transtorno somente em termos de imaturidade. Destaca-se a relevância do acompanhamento psicológico de vitimizadores sexuais infantis, concomitante ao cumprimento da pena, de modo a prevenir a reincidência.

Palavras-chave: transtorno pedofílico; pedófilo; abuso sexual infantil

Abstract:

This study’s objective was to understand the life story and romantic relationships of men serving time for the rape of children and/or adolescents and the circumstances under which the crimes were committed. This is a qualitative study with a multiple-case design. Three men diagnosed with pedophilic disorder, convicted of sexual violence against children and/or adolescents participated. The following instruments were used: a sociodemographic form and semi-structured interviews. The results revealed that the victimizers consider that sexual interactions with children/adolescents are appropriate, provided not very young children or violence is involved. They acknowledged their disorder only in terms of immaturity. In addition to criminal punishment, psychological counseling provided to pedophiles is vital to prevent relapses.

Keywords: pedophile disorder; pedophile; child sexual abuse

Resumen:

Esta investigación tiene como objetivo comprender la historia de vida y las relaciones amorosas de los hombres con trastorno pedófilo que cumplen condena por el delito de estupro contra niños y adolescentes, así como las circunstancias de los delitos que han cometido. Este es un estudio de base cualitativa con un resumen de múltiples casos. Participaron tres hombres diagnosticados con trastorno pedófilo, en situación de condena por delitos de violencia sexual contra niños y adolescentes. Se utilizaron los siguientes instrumentos: cuestionario sociodemográfico y entrevista semiestructurada. Los resultados revelaron que los victimarios evalúan las relaciones con niños / adolescentes como adecuadas, cuando no involucran a niños muy pequeños y ocurren sin el uso de violencia. Reconocen su trastorno sólo en términos de inmadurez. Se destaca la relevancia del monitoreo psicológico de los victimarios sexuales infantiles, junto con la ejecución de la sentencia, para prevenir la recurrencia.

Palabras clave: trastorno pedófilo; pedófilo; abuso sexual infantil

Dentre os casos de vitimização sexual contra crianças, apenas uma parcela dos agressores apresenta o transtorno pedofílico, pois nem todo molestador de crianças é pedófilo e nem todo pedófilo é molestador de crianças (Arakaki, Hastenreiter, Oliveira, Guerra & Souza, 2019; Baltieri, 2013). Isso se explica, pois muitos vitimizadores sexuais podem praticar a violência em crianças e/ou adolescentes sem que essa seja sua preferência e, sim, por oportunismo ao selecionar as vítimas (Williams, 2012). Por outro lado, o indivíduo que apresenta diagnóstico de transtorno pedofílico pode manifestar fantasias sexuais intensas e recorrentes envolvendo crianças, sem jamais concretizá-las (Arakaki et al., 2019; Santos & Mesquita, 2019). Sendo assim, de acordo com Santos e Mesquita (2019), o indivíduo entendido como pedófilo deverá ser considerado agressor somente quando existir interação sexual com criança ou pré-púbere, pois é considerado vitimizador aquele que, em posição de poder (psicológico e/ou físico) em relação à vítima, obtém vantagens sexuais.

Embora muitos pedófilos não concretizem suas fantasias, alguns fatores psicossociais têm sido apontados como facilitadores da sua expressão, tais como: transtornos afetivos, estresse psicológico intenso e abuso de substâncias psicoativas (Baltieri, 2013; Marsden, 2009). Monteiro (2012) ressalta que o transtorno pedofílico manifesta-se como crônico, normalmente tendo início na adolescência e podendo ter diferentes orientações sexuais.

Conforme a definição diagnóstica do transtorno pedofílico no DSM5 (APA, 2013), existem critérios a serem observados: A. Por um período de pelo menos seis meses, fantasias sexualmente excitantes, impulsos sexuais ou comportamentos intensos e recorrentes envolvendo atividade sexual com criança ou pré-púberes (13 anos ou menos). B. O indivíduo coloca em prática esses impulsos sexuais, ou os impulsos ou as fantasias sexuais causam sofrimento intenso ou dificuldades interpessoais. C. O indivíduo tem, no mínimo, 16 anos de idade e é pelo menos cinco anos mais velho que a(as) criança(s). Neste caso, não inclui um indivíduo no fim da adolescência envolvido em relacionamento sexual contínuo com pessoa de 12 ou 13 anos de idade. Além disso, ressalta que, dentro do grupo do transtorno pedofílico, existe a distinção entre o pedófilo do tipo exclusivo (atração exclusiva por crianças e/ou adolescentes até 14 anos incompletos) e não exclusivo (também sente atração por adultos) (APA, 2013).

Os dados empíricos sobre a temática são escassos e baseados, principalmente, em amostras de indivíduos condenados por crimes sexuais (Casarin, Botelho & Ribeiro, 2016; Seto, Babchishin, Pullman & McPhail, 2015), sendo, no Brasil, o estupro de vulnerável, o mais recorrente. De acordo com Baltieri (2013), somente 20 % dos indivíduos condenados por crimes sexuais contra crianças e/ou adolescentes apresentam características que atinjam os critérios diagnósticos para o transtorno pedofílico. Entretanto, o autor acrescenta que, apesar da necessidade de diagnóstico e tratamento específico para esses casos, muitos condenados por crimes sexuais contra crianças e/ou adolescentes, não passam por avaliação diagnóstica ou intervenção psicossocial, o que muitas vezes viabiliza condições de reincidência nos crimes e falta de orientação em relação ao problema (Soldino & Carbonell-Vayá, 2017). Em um dos estudos realizados no contexto brasileiro buscou-se descrever o perfil e as experiências na família de origem de homens condenados pelo crime de estupro de vulnerável, identificando que apenas 6,1 % da amostra tinha diagnóstico de transtorno pedofílico (Marafiga & Falcke, 2020).

Apesar da gravidade do fenômeno, os estudos de caso em relação aos indivíduos diagnosticados com transtorno pedofílico ainda são incipientes, dada a dificuldade de acesso à amostra (Baltieri, 2013; Marafiga, Falcke & Teodoro, 2017; Herrero & Negredo, 2016; Van Leeuwen et al., 2013). Os estudos da área com esse público apontam traumas e violência sexual na infância estão presentes na história de muitos indivíduos com transtorno pedofílico (Baltieri, 2013; Williams, 2012). Pesquisa realizada na Suíça com uma amostra de adolescentes destacou relação entre vivências de violência sexual e comportamentos de abuso por parte da população (Aebi et al., 2015).

Situações como experiência de vitimização sexual e ausência de um ambiente de cuidado e afeto podem ser fatores preditivos ao desenvolvimento do transtorno pedofílico (Margolin et al., 2009). Questões psicológicas individuais, como baixa autoestima (Etapechusk & Santos, 2017; Scortegagna & Amparo, 2013), depressão e habilidades sociais inadequadas também são comuns em indivíduos que manifestam o transtorno (Barros, 2017). Alguns estudos (Castro, López-Castedo & Sueiro 2009; Demidova et al., 2020; Etapechusk & Santos, 2017) indicam que a imaturidade emocional não é rara nesses indivíduos. Além disso, é possível que mostrem problemas no comportamento social e não apresentem habilidades sociais adequadas para a resolução de seus problemas. Com isso, suas respostas de enfrentamento acabam sendo desadaptadas, apresentando problemas laborais, dificuldade nas relações, além de baixa tolerância a frustrações (Castro et al., 2009; Marsden, 2009).

O indivíduo que apresenta o transtorno pedofílico, normalmente, não apresenta déficits cognitivos, reconhecendo, portanto, a gravidade dos atos abusivos em relação às crianças vítimas (Baltieri, 2013). Contudo, mesmo apresentando esse entendimento, a área volitiva pode estar comprometida, principalmente, em relação à falta de controle de impulsos, desejos e comportamentos sexuais dirigidos às vítimas (Castro et al., 2009; Marsden, 2009; Stein, Black & Pienaar, 2000).

Distorções cognitivas sobre interação sexual de adultos com crianças ou adolescentes estão presentes em vitimizadores sexuais infantis (Reis & Cavalcante, 2019a). A origem das perturbações estaria na forma distorcida de pensamentos disfuncionais (Muse & Frigola, 2003). O indivíduo com transtorno pedofílico apresenta distorções cognitivas que o fazem justificar suas ações, acreditando no consentimento das crianças e/ou adolescentes para a interação sexual, além de tendência à negação e minimização do fato (Muse & Frigola, 2003).

Buscando contribuir com a ampliação de pesquisas sobre a temática, este estudo teve como objetivo analisar a história de vida, dos relacionamentos amorosos e da condenação por estupro de vulnerável de três homens que apresentam o diagnóstico de transtorno pedofílico e que estão cumprindo pena em regime fechado. Mais especificamente, buscou-se conhecer as experiências vivenciadas na família de origem e descrever as motivações e o planejamento dos crimes pelos quais foram condenados, bem como os sentimentos despertados e a avaliação sobre suas repercussões.

Método

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, com delineamento de estudo de casos múltiplos. Os estudos de casos podem ser utilizados para investigações empíricas de um fenômeno em seu contexto de vida real (Yin, 2010).

Participantes

Participaram três homens que apresentam o diagnóstico de transtorno pedofílico, em situação de condenação por crimes que envolvem violência sexual contra crianças/adolescentes. O diagnóstico foi elaborado por psiquiatra forense e consta no processo judicial. Tabela 1

Tabela 1: Características dos participantes 

Instrumentos

Questionário sociodemográfico e análise do processo judicial: para coletar informações pessoais (idade, escolaridade, profissão e estado civil) e do processo judicial (sexo e idade das vítimas, assim como circunstâncias dos crimes).

Entrevista semiestruturada (adaptada de Passarinho, 2015): abordando questões sobre a história de vida dos participantes, incluindo experiências de violência na infância e sobre o crime de estupro de vulnerável. As questões também se baseavam em “Quais foram as motivações para o crime? ”, “Quais foram as táticas coercitivas utilizadas? ”, “Quais suas crenças sobre a violência sexual infantil? ”.

Procedimentos de pesquisa e éticos

Primeiramente, foi feito contato com o local de pesquisa, uma penitenciária da cidade de Curitiba, Brasil. Após a obtenção da Carta de Anuência, o projeto foi submetido à avaliação do Comitê de Ética da Unisinos (protocolo 2.662.961). O responsável pela instituição assinou o Termo de Cessão de Informações - TCI, autorizando a utilização dos dados dos processos judiciais. Os participantes que tinham diagnóstico de transtorno pedofílico, conforme laudo contido nos processos, foram convidados a participar. Após concordarem, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e todos os seus direitos foram respeitados, no sentido de preservação de sua identidade, garantia do direito de não responder alguma questão ou interromper sua participação em qualquer momento. As entrevistas ocorreram em sala separada no presídio, sem algemas, mas com monitoramento dos agentes penitenciários, e duraram em média 2 horas.

Análise dos dados

A análise vertical de cada caso foi realizada após transcrição das entrevistas, visando a compreender a experiência subjetiva de cada participante. Posteriormente, foi realizada uma análise horizontal, que buscou semelhanças e particularidades entre os casos, compondo a síntese de casos cruzados (Yin, 2010).

Resultados

Os resultados serão apresentados a partir da descrição de cada um dos casos. A narrativa do caso foi construída com base nas temáticas definidas a partir dos objetivos: história de vida pregressa, relacionamentos afetivos, descrição do crime sexual cometido e avaliação das repercussões.

Caso 1 - Robson

Robson cresceu em ambiente rural, estudando em escolas pequenas, com poucos amigos. Revela-se vítima de bullying por parte dos colegas. A família dele era tranquila, mas pouco afetiva: “Não descreveria como um ambiente aonde eu recebia necessariamente assim, carinho, ou algum contato físico”.

Robson não considera que tenha vivido situações de abuso, mas que despertou para questões sexuais ainda criança: “Já nessa época eu pegava essa revista e daí tinha uma sessão de roupa íntima e eu ia na sessão infantil olhar pros meninos de cuequinha. E me masturbava olhando”. Relata que sua primeira interação sexual foi com um primo, um pouco mais velho, quando tinha 8 anos e o primo 13 anos:

Ele pedia pra que eu masturbasse ele e eu ficava indignado porque ele não fazia a mesma coisa por mim. (...) E pediu uma vez pra que eu fizesse, praticasse sexo oral com ele, e eu ... eu tentei mas eu não, falei, ah, não, eu não gostei... ele respeitou aquilo.

Robson comentou que nunca se casou, mas teve duas namoradas. Um dos namoros durou cerca de três anos e, segundo ele, era “bem certinho”, pois os dois eram “da Igreja” e não mantinham relações sexuais. Já o segundo relacionamento aconteceu enquanto Robson morava em outro país, sendo que coabitaram por oito meses. Depois da separação, Robson passou a morar com um menino de 15 anos, o qual ele referenciava como “enteado”, mesmo sem nunca ter tido relacionamento afetivo com a mãe do adolescente: “Ali tinha uma situação de uma criança carente de atenção, né, e tinha um adulto disposto a suprir isso, né?”.

Robson relata que foi condenado pelo crime de estupro de vulnerável por praticar ato libidinoso com dois meninos de 13 anos e, também, por praticar ato sexual na presença de menor de 14 anos, além de possuir imagens em seu computador. Ele foi condenado a 23 anos de reclusão. Robson relata sobre a situação que o levou à sua condenação:

Esses dois meninos, eles tinham fugido de um abrigo, de menores. Eles tavam na rua; e meu enteado convidou eles pra vir no meu apartamento... Aconteceu uma situação aonde eu me envolvi numa brincadeira com eles e de uma maneira, é, é... até mesmo provocada. ... me deixei levar pela situação onde o garoto veio e falou mesmo ' ah, tio, eu sei que o senhor gosta também.

O participante fez questão de ressaltar que não agiu sem a autorização do adolescente: “Jamais eu teria insistido em qualquer situação, hum, se houvesse qualquer, a mínima demonstração de dizer assim ‘Ah, eu num... num tá legal isso aqui’”.

Sobre os sentimentos do adolescente, Robson comentou: “Ele não tinha noção, obviamente nenhuma, de que ali tinha sido feito qualquer tipo de coisa errada, e nem sequer tinha noção de que se talvez contasse isso pra alguém, fosse sequer prejudicar alguém”. Destaca que: “No caso, em si, eu não acho que foi inapropriado porque havia uma reciprocidade”. Avaliando o seu papel, Robson considera: “Eu chego nessa situação, é como se eu fosse um outro garoto de 12, 13 anos, ali junto com eles, naquele momento, querendo participar de uma espécie de brincadeira ali”.

O participante expõe suas crenças sobre a interação com os adolescentes:

Talvez, o problema de quem pensa dessa forma é não conseguir enxergar aonde está a maldade ou aonde está a situação abusiva, porque não existe uma relação de poder (...). As situações aonde eu eventualmente cheguei a participar de algo assim, eu sempre tive um comportamento passivo nessa relação. Então, eu nunca fui o agente, é, por exemplo, que tomou a iniciativa, ou que falou faz assim, ou faz daquele outro jeito.

Sobre crianças e/ou adolescentes (menores de 14 anos) darem consentimento sobre relações libidinosas e sexuais, Robson afirma:

Por essas experiências que eu passei, eu sei que é possível. Logicamente que ele num vai consentir assim, “Ah, eu aceito participar, eu aceito transar ou participar, ou, eu aceito que esse cara me penetre” (...). Quando se fala em relação a atos sexuais, que atos sexuais são esses? Talvez esse adulto que tá se envolvendo sexualmente com esse adolescente, ele não tenha atingido a maturidade ou, naquele momento ali, ele trate aquele adolescente como um igual, (...) dois adolescentes explorando juntos uma sexualidade.

Robson ainda adverte:

E se alguém se interessar em pesquisar a opinião dessa pessoa que hoje é um adulto, e ele vai falar assim 'ah, quando eu tinha 13 ou 14 anos, eu tive um relacionamento com ele e foi muito bom, foi muito positivo pra minha vida, etc, etc. Hoje eu sou uma pessoa melhor porque eu conhecia ele e ele foi uma pessoa, talvez, a pessoa mais importante na minha vida hoje', as pessoas vão pegar e vão combater esse estudo com unhas e dentes dizendo assim 'ó, isso aí tá errado, quem escreveu isso aí tá defendendo os pedófilos.

No entendimento sobre seu caso, Robson revela:

No que diz respeito a conviver em sociedade, eu não tenho problemas de autocontrole. (...) A gente não tá falando de criança de 4 ou 5, 6 anos de idade, como tem casos horríveis na notícia de caras que vão lá e pegam a criança pequenininha e não tem nada a ver, e penetram. Essa diferenciação é muito importante, só que essa diferenciação não encontra espaço na mídia, um debate.

Ele ainda comenta: “Eu acho que isso são coisas que precisa haver menos hipocrisia por parte da sociedade, um pouco mais de investigação, um pouco mais de estudo e precisa, com o passar do tempo, começar a ter uma abertura pro debate”.

Caso 2 - Júnior

Júnior relata que conheceu seu pai biológico prestes a morrer. Segundo o participante, sua mãe trabalhava como prostituta e foi criado pela avó. Sobre a família, ele comenta:

Isso fez uma falta muito grande, na minha família.... Até que apareceu uma solução pra mim, um acampamento bíblico. Foi aí que eu conheci o tal de John (nome fictício). Ele era um pai particular. O John era um cara de Deus, que veio para te dar um apoio, um rumo na vida.

Júnior comenta que foi diversas vezes agredido pela avó, a ponto de ficar machucado e pensar em ir embora da casa. Segundo ele: “Houve muita revolta... contra a minha mãe”.

Júnior foi condenado pelo crime de estupro de vulnerável por se relacionar de forma libidinosa com 5 meninos, de 11 a 15 anos de idade. Na época ele exercia atividades de recreação e, sobre o caso pelo qual foi condenado, considera que: “Não me sinto como, por exemplo, doente devido ao meu caso, não sinto isso”. O participante relata que as famílias dos meninos entravam em contato com ele, buscando ajuda para cuidar destes, especialmente nos finais de semana:

Eu largava eles dentro do hotel e colocava as rédeas, só que eu ia trabalhar enquanto eles iam se divertir. (...) Peguei no flagra alguns momentos deles, em questão de sexualidade e aí pum “ah professor, você sabe sobre educação física” e tal e tinha um que era mais levado, outro morria de vergonha e a coisa foi... E aí, numa dessa, voltando pra casa, eu peguei uns primos dentro da casa de um deles lá se masturbando e acontecendo uma série de coisas. Aí eu fiz de conta que não vi, deixei passar.

Junior tinha a percepção de que existia uma admiração por parte dos meninos, que ia além do fato dele ser um instrutor. Ele relata:

Esse garoto inclusive ele não queria ir lá só pra se divertir, ele queria ir pra ficar do meu lado aonde que eu fosse. Porque é aquele negócio de... você deve ter ouvido, de... de adolescentes gamarem em você (...). Aí o adolescente saia abraçado com você do acampamento, chorando dizendo assim: “Pai, leva esse cara no meu aniversário? Leva esse cara na minha casa? Ele é tudo pra mim!”

Junior ainda comenta:

Esse primeiro que começou foi a pessoa que mais se apegou, mas se apegou ao ponto de ter liberdade, de achar que podia andar pelado dentro do meu quarto, entende? Então a certo limite eu cortei, só que dos outros eu não cortei, e foi aí que os outros dois contaram pra ele e aí “Por que que eles podem e eu não posso” ou “Por que que você deixa o outro e não deixa ele” e tal. Então começou essa história.

O participante também comenta a respeito da ausência de cuidados parentais na família dos meninos:

É falta da família realmente, de estar ali... fez o filho, mas não é o pai, é ausente. Então aí o que acontece, aparece alguém que vai dar o crédito maior, ele vai se apegar e não que tenha que acontecer um fato desse, né? Obviamente não precisa chegar a tanto, mas acaba acontecendo.

A respeito da interação sexual com os meninos, Júnior, que era casado há 9 anos, ressalta que:

Eu me afastei da minha própria esposa. Um dia eu tava trabalhando, de repente um muleque te alisa, te dá carinho, mais até do que a sua esposa e tu... e as coisas começam a acontecer e você não consegue falar não... Em vez de eu ter o valor sexual com a minha esposa, o valor sexual tava com os garotos.

Sobre seu papel na interação sexual com os meninos, comenta:

Nenhum momento na minha história, sendo verdadeiramente, não aconteceu nenhum momento de querer forçar a coisa. (...). Até porque, algumas vezes, ou até na sua maioria das vezes, foram eles que saiam do banheiro nu e já vinha ereto e daquele jeito e vamo e vamo e eu em nenhum momento conseguia falar não e as coisas aconteciam.

Sobre o que os meninos sentiam, Junior destaca: “Eu sempre vi, na minha visão, sempre vi satisfação... houve no começo um constrangimento. Mas não houve uma briga ‘Não olha mais na minha cara, nunca mais quero vim aqui’. Sempre quiseram”.

A denúncia partiu do adolescente mais velho, na época com 15 anos, segundo Júnior, em razão de ciúme. Porém, Junior comenta que os meninos declararam em audiência: “Eles falaram assim ó: ‘O meu professor nunca fez nada pela força, tudo foi feito porque nós muitas vezes o puxamos’ e isso a juíza não levou em conta... não vejo isso como um baita dum crime”.

Júnior relata que, quando a denúncia foi feita, ele estava no trabalho, com sua esposa (que também trabalhava lá). Ele relata que foi percebendo uma situação estranha e fugiu quando avistou um dos meninos correndo. O participante relata: “Escrevi uma carta dizendo realmente o que aconteceu. Coloquei no porta-luvas do carro, deixei o carro num canto e fui numa ponte pra me suicidar. O desespero foi enorme”.

A respeito do consentimento de crianças e/ou adolescentes para práticas sexuais com adultos, Júnior declara: “Acho que, no meu caso, principalmente, foi muito possível”. Sobre as consequências dos atos, indica: “Eu acho que tem quando... não que isso é aceitável, mas acho que tem quando isso é forçado. Porque a palavra estuprador pra mim não cabe. Cada um, cada um, né?”. Quando solicitado a responder se o que fazia era algo inapropriado, Junior responde: “Muitas vezes! Eu trabalhava com palestra, né?! Era palestrante de ensino bíblico... como que você vai olhar para Deus e... ’ah, Deus tá concordando com o que eu tô fazendo aqui... Eu orava, chorava ‘Não! Não vai acontecer mais!’”. O participante ainda reflete:

Uma coisa muito interessante que eu vejo neles, principalmente o de 15 anos, que ele tinha ciência da palavra pedofilia, já tinham pesquisado, já sabiam, mas para mim eles falam que não era isso... “Você é muito especial, você não é nada disso aqui”.

Sobre sua situação atual, Júnior destaca:

Eu tô aqui nesse momento hoje sofrendo essa causa, mas vencendo, porque eu não me sinto um doente, eu não me sinto um louco. E, também, não me sinto um frio manipulador, também não me sinto isso, porque não manipulei, né?! Porque eu sei de casos de pessoas, até porque eu dava palestra... eu dava palestra contra pedofilia e eu cai no mesmo caso, né?!

Caso 3 - André

André relata que teve contato sexual muito cedo, aos oito anos, com um vizinho, cinco anos mais velho que ele:

Eu realmente sentia que aquilo era uma brincadeira, era sempre tudo muito legal, muito engraçado, aquilo nem me machucou, não doeu... O prazer que eu tinha era de ter a atenção dele, até que enfim eu conquistei o cara, ele era meu amigo!

Também revelou que aos onze anos teve interação sexual com o irmão do meio, três anos mais velho que ele: “Me fez apalpar ele, pegar nas partes dele. Eu achei que tinha conseguido superar... Eu passei a me reconhecer como um garoto homossexual, mas não podia mostrar isso pra ninguém”. Além disso, André revela que, aos 14 anos, foi abusado sexualmente em um ônibus.

André foi casado, teve dois filhos e, também, teve mais um relacionamento duradouro na vida, desfeito no momento da denúncia. Refere que sempre viveu uma vida dentro dos padrões esperados socialmente:

Porque eu passei a minha vida inteira tendo uma relação de amor por todas as crianças que passaram na minha vida. Eu fui pai, eu fui tio, padrinho, a vida inteira, desde que eu me conheci adulto e nunca, nunca senti nenhum tipo de desejo diferente.

No entanto, foi preso pelo crime de estupro de vulnerável em cinco processos diferentes:

Essa situação aconteceu na minha vida quando eu tinha quase 50 anos de idade... Eu acabei me envolvendo com meninas muito jovens, algumas, infelizmente, em idade infantil. (...) Eu conheci umas pessoas que passaram a ter comigo uma relação que eu não posso chamar de amizade, nem de carinho, porque era uma relação meio de toma-lá-dá-cá.

Revela o envolvimento das famílias no caso: “os pais eram absolutamente permissíveis em relação a mim, podia tudo... as crianças podiam beijar a minha boca, sentados no sofá na casa deles, com total liberdade, podiam sentar no meu colo da forma como quisessem, brincando do jeito que quisessem”. Destaca inclusive que “O pai também tá preso, porque, efetivamente, era ele quem ensinava tudo para as filhas”. Ele descreve:

Se uma menina liga pra mim e pede pra eu buscá-la, de noite... e eu vou buscar, com autorização de mãe, de pai... ninguém é bobo, né? Eu também não sou! Na medida que isso foi se deteriorando, que eu não soube administrar e não soube sair e eclodiu nesse envolvimento sensualizado.

Sobre a situação que o levou à condenação, André revela que as vítimas eram meninas e tinham “uma média de 9 a 12”. Ele relata:

Não era ninguém da minha família. Eu acabei nutrindo, ao longo do tempo, carinho, um carinho muito grande, até que isso acabou sendo deturpado por essa promiscuidade, que foi surgindo aos poucos… De repente, você começa a ver sensualidade numa criança e.. alguma coisa dentro de você explode... acaba... arrebenta.

Em relação ao transtorno pedofílico, André comenta:

Eu fico tentando imaginar alguém que seja pedófilo desde o começo da vida. Eu não consigo, por mais que eu tente encontrar em mim algum reflexo, eu não consigo... porque eu não tive essa vida. Eu não tive essa predileção na minha vida, eu fui um jovem normal. Pelo contrário, eu buscava nas mulheres mais velhas a aquisição de alguma experiência.

Mostra-se chocado com as acusações contra si: “Aquele monstro que tava sendo mostrado ali não foi monstro a vida inteira. Essas meninas já tinham sido abusadas pelo avô, por um tio e pelo pai também”.

Sobre o crime de estupro de vulnerável, André relata:

Eu não fui um réu confesso, mas a minha advogada deixou claro que eu não negava o que eu, efetivamente, tinha feito. Os meus processos tinham coisas que não foram verdade, talvez uns 40 % não eram verdade... O meu crime seria efetivamente o 214, o ato libidinoso, eu efetivamente não tive nenhuma relação sexual com nenhuma das meninas... tudo aquilo que era tratado no 214 agora é estupro, e o estupro presume violência.

André descreve sua dificuldade na busca por ajuda:

Aconteceu algumas situações que me levaram a começar a buscar ajuda, mas, infelizmente acabou não dando tempo. Obviamente, não tem como você chegar na frente de uma pessoa e dizer: “Olha, eu tô tendo um comportamento de pedofilia e eu não sei o que fazer com isso!”

Em relação à resistência da vítima, André comenta:

Quando houve, que foi a escorregada que eu dei numa dessas meninas mais novinhas, que eu demorei um pouco pra perceber que ela tava desconfortável, isso que me causa bastante constrangimento, bastante remorso... Eu demorei para perceber, tadinha, porque ela tentava disfarçar... Aconteceu uma ou duas vezes um chorinho, ela não fez nenhuma expressão no rosto, mas eu vi a lagrimazinha no rosto, então eu parei. (André chora) A minha esperança é que Deus me perdoe, porque eu sei que as pessoas nunca vão compreender.

André acredita ter tido o consentimento das crianças para a práticas sexuais, tendo danos somente se não consentidas: “Eu digo que ela queira ultrapassar as barreiras da curiosidade. A não consentida deve ter, seguramente, algum resultado muito ruim”.

Discussão

A discussão será apresentada individualmente para cada caso (análise vertical). Posteriormente, será realizada uma síntese integrativa deles (análise horizontal).

Análise vertical do caso Robson

Robson descreve atração sexual por meninos e interações sexuais precoces com um primo. Percebe as interações sexuais com adolescentes como espontâneas, sem violência e conduzidas por eles, inclusive possibilitando vivências positivas e prazeres, o que o diferenciaria de vitimizadores sexuais por esses utilizarem a violência e atacarem crianças pequenas (Schinaia, 2000). Considera os adolescentes como seres sexuais, que, ainda que não sejam maduros para dar consentimento verbal explícito, com suas atitudes demonstram que desejam as interações sexuais (Reis & Cavalcante, 2019b). Na sua avaliação sobre ter o transtorno pedofílico, ressalta somente à imaturidade, bastante destacada na literatura (Castro et al., 2009; Demidova et. al., 2020; Etapechusk & Santos, 2017).

Análise vertical do caso Junior

Como experiências de família de origem, destaca-se o fato de Junior ter conhecido o pai somente na ocasião da sua morte. Ele buscava aproximação com figuras paternas, até conhecer John em um acampamento e desenvolver uma espécie de amor platônico, sentimento esse que, quando adulto, desejava que os adolescentes com quem convivia nutrissem por ele. Descreve as interações sexuais como algo que acontecia naturalmente, “por acaso”, como uma brincadeira para ambos (Schinaia, 2000). Evidencia uma confusão de papéis, pois, em vários momentos, se descreve como exercendo função paterna com os adolescentes, sem perceber que função paterna não inclui relacionamento sexual, o que é um aspecto relevante que não foi localizado na literatura sobre a temática. Considera que os adolescentes se mostravam satisfeitos com o que ocorria, apesar de um constrangimento inicial, corroborando o entendimento de Schinaia (2015), quando considera que, para os indivíduos com transtorno pedofílico, crianças e adolescentes são compreendidos como seres sexuais e, com isso, o contato sexual apenas despertaria impulsos e fantasias já existentes. Na sua avaliação sobre ter o transtorno pedofílico, destaca que tem consciência de que o que fazia era errado, até por dar palestras sobre o assunto, mas considera que pedófilo é quem utiliza de violência física para obtenção de prazer pessoal, o que não seria o seu caso.

Análise vertical do caso André

André minimiza a gravidade dos seus atos em relação ao que consta no processo judicial, que compreende provas de vídeo sobre suas interações sexuais com as crianças. Esse dado deve-se, provavelmente, à dificuldade de assumir os atos abusivos, inclusive, mostrando-se bastante cuidadoso com o uso das palavras, visto que as entrevistas foram gravadas em ambiente penitenciário e a revelação poderia ser configurada como mais um crime ou agravante.

André teve uma infância marcada por experiências sexuais, corroborando a literatura sobre violência sexual como preditor para o transtorno pedofílico (Aebi et al., 2015; Baltieri, 2013; Williams, 2012). O fato de André ter tido relacionamentos conjugais ao longo da vida indica um tipo não exclusivo (APA, 2013). André demonstra dificuldade em compreender sua atração sexual por crianças e manifestou desejo de se tratar. Nessa perspectiva, o DSM5 (APA, 2013) ressalta que pode haver sofrimento, dado que muitas vezes a pessoa que apresenta transtorno pedofílico, sofre estigmatização em função do diminuto entendimento sobre o fenômeno (Jahnke, Imhoff & Hoyer, 2015). André expressou que em alguns momentos teve dificuldade de perceber o sofrimento da vítima de forma emocionada. A esse respeito, Baltieri (2013) destaca que o indivíduo que apresenta o transtorno pedofílico, normalmente, não apresenta déficits cognitivos, reconhecendo, portanto, a gravidade dos atos abusivos. Contudo, a área volitiva pode apresentar comprometimento (Marsden, 2009; Stein et al., 2000), levando-o a cometer a violência mesmo assim.

Análise horizontal dos casos

A literatura destaca que a exposição à violência pode ser considerada um fator de risco para desenvolver o transtorno pedofílico (Aebi et al., 2015; Baltieri, 2013; Williams, 2012). Nos casos analisados, ainda que não vivessem em ambientes familiares acolhedores afetivamente, somente um participante relatou vitimização sexual na infância. Todavia, nos três casos, nota-se o desenvolvimento de interação sexual precoce, mesmo que tenham sido destacadas como naturais, o que pode levar a distorções cognitivas (Ramírez Torres & Vanegas Garcia, 2021).

Em dois casos (Junior e André), existiu a constituição de relacionamentos conjugais duradouros, com mulheres adultas, diferentemente de Robson que também relatou a existência de relacionamento afetivo significativo, mas breve. De qualquer forma, essa situação revela o transtorno pedofílico de tipo não exclusivo, considerando que, em algum momento, todos tiveram interações sexuais com pessoas adultas. A literatura aponta que a maioria dos vitimizadores sexuais infantis constituem família em algum momento da vida (Seto et al., 2015)

Em relação à interação sexual com crianças e/ou adolescentes, destaca-se o entendimento dos participantes, de forma unânime, de que seja um ato com consentimento das mesmas, embora cada um expressasse diferentes formas de consentir. Para eles, o consentimento infantil em relação à interação sexual com adultos é possível, desde que seja o desejo da criança, sem imposição e uso de violência. Destacam-se as distorções cognitivas que envolvem os casos de Robson e Junior, na medida em que estes apresentam erros de julgamento (Marafiga & Falcke, 2020; Muse & Frigola, 2003), e na medida que interpretam a interação libidinosa com adolescentes como relações paternais, além de um ato de cuidado e diversão, enfatizando interações que envolvem a imaturidade emocional dos participantes, conforme a literatura (Castro et al., 2009; Etapechusk & Santos, 2017).

Em relação ao diagnóstico de transtorno pedofílico, observa-se que, tanto Junior quanto Robson não se identificam como tal. Os dois referenciam o dito transtorno como algo que inclui violência e sofrimento para as vítimas. Ao contrário desse entendimento, André revela, mesmo com certa discrição, que se identifica com o transtorno. De toda forma, assim como os dois outros participantes, André não se coloca na posição de “monstro predador de criancinhas”, como muitas vezes identificado no meio social. Ressalta-se a relevância de estudos que enfoquem indivíduos com transtorno pedofílico, visto que a falta de entendimento e reconhecimento sobre seu transtorno além dos prejuízos no seu ajustamento social e funcional, revela-se como possibilidade de reincidência na vitimização sexual contra crianças e/ou adolescentes (Baltieri, 2013; Etapechusk & Santos, 2017; Marafiga et al., 2017; Reis & Cavalcante, 2019b).

Considerações finais

Considera-se que, para vitimizadores sexuais de crianças e/ou adolescentes condenados por estupro de vulnerável que atendam critérios diagnósticos de transtorno pedofílico, além da punição prevista em lei para o crime, também se torna necessário atendimento psicológico para tratamento do referido transtorno. O acompanhamento psicológico para os pedófilos se faz necessário de modo a contribuir com sua ressocialização futura e, especialmente, prevenir a reincidência de vitimização sexual infantil.

Há que se considerar que, se o transtorno pedofílico for entendido como um problema psicológico tratável, a vergonha e o estigma social, que impedem indivíduos que se identificam com o transtorno de procurar tratamentos adequados diminuirá, permitindo o auxílio terapêutico. Ressalta-se a produção de dados científicos que possam embasar as práticas psicológicas, vislumbrando resultados efetivos. O desafio dos profissionais que trabalham com a violência sexual seria se posicionar contra a violência em si, e não contra as pessoas que exercem a mesma. O profissional deve desenvolver a capacidade de não rechaçar o vitimizador, e sim criar meios empáticos de entendimento em relação às suas experiências, revelando necessária compreensão da visão profissional sobre as interações sexuais vivenciadas. Somente a partir da empatia e de profundo conhecimento sobre as vivências desses indivíduos, é possível fomentar intervenções de modo a ressignificar as distorções cognitivas presentes.

Assim, acredita-se que este trabalho permitiu aprofundar a compreensão da história de vida e dos crimes sexuais de homens com transtorno pedofílico, condenados pelo crime de estupro de vulnerável, em cumprimento de pena. Como limitação do estudo, considera-se a dificuldade em buscar as informações, visto que os praticantes foram entrevistados em ambiente prisional, dificultando a fluidez das respostas. Além disso, os dados aqui descritos não podem ser generalizados frente ao número reduzido de participantes, mas aspectos podem ser considerados para compreensão de vivências de sujeitos com transtorno pedofílico. Sugere-se que novos estudos possam aprofundar o entendimento do fenômeno de maneira longitudinal.

REFERÊNCIAS

Aebi, M., Landolt, M. A., Mueller-Pfeiffer, C., Schnyder, U., Maier, T., & Mohler-Kuo, M. (2015). Testing the “sexually abused-abuser hypothesis” in adolescents: A population-based study. Archives of sexual behavior, 44(8), 2189-2199. doi: https://doi.org/10.1007/s10508-014-0440-x [ Links ]

American Psychiatric Association (APA). (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-5). Washington: American Psychiatric Association. [ Links ]

Arakaki, F. F. S., Hastenreiter, K. K. C. S., Oliveira, R. T. D. S. A., Guerra, S. L., & Souza, V. A. (2019). Uma Análise Multifacetada do Abusador Infantil: a Controvérsia entre Portadores do Transtorno Pedofílico e Agressores Sexuais. Anais do Seminário Científico do UNIFACIG, (4). [ Links ]

Baltieri, D. A. (2013). Pedofilia como transtorno comportamental crônico e transtornos comportamentais assemelhados. Brasília Médica, 50(2), 122-131. [ Links ]

Barros, C. D. A. (2017). Parafilias, Pedofilia e Intervenções em Terapia Cognitivo-Comportamental. PSIQUE, 2(3), 78-94. [ Links ]

Casarin, J. M., Botelho, E. H. L., & Ribeiro, R. K. S. M. (2016). Ofensores sexuais avaliados pelo Desenho da Figura Humana. Avaliação Psicológica, 15(1), 61-72. [ Links ]

Castro, M. E., López-Castedo, A., & Sueiro, E. (2009). Sintomatología asociada a agresores sexuales en prisión. Anales de Psicología, 25(1), 55-51. [ Links ]

Demidova, L. Y., Zobnina, N. V., Dvoryanchikov, N. V., Vvedensky, G. E., Kamenskov, M. Y., & Kuptsova, D. M. (2020). Altered Perception of Age in Pedophilia and Pedophilic Disorder. Clinical Psychology and Special Education, 9(1), 104-120. doi: https://doi.org/10.17759/cpse.2020090106 [ Links ]

Etapechusk, J., & Santos, W. D. V. (2017). Um estudo sobre o sujeito pedófilo, uma visão da psicologia. Psicologia pt. Retrieved from: https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1176.pdfLinks ]

Herrero, Ó., & Negredo, L. (2016). Evaluación del interés sexual hacia menores. Anuario de Psicología Jurídica, 26(1), 30-40. doi: https://doi.org/10.1016/j.apj.2016.04.007 [ Links ]

Jahnke, S., Imhoff, R., & Hoyer, J. (2015). Stigmatization of people with pedophilia: Two comparative surveys. Archives of sexual behavior, 44(1), 21-34. doi: https://doi.org/10.1007/s10508-014-0312-4 [ Links ]

Marafiga, C. V., & Falcke, D. (2020). Perfil sociodemográfico, judicial e experiências na família de origem de homens que cumprem pena por estupro de vulnerável. Aletheia, 53(2). doi: https://doi.org/10.29327/226091.53.2-7 [ Links ]

Marafiga, C. V., Falcke, D., & Teodoro, M. L. (2017). Pedofilia: história de vida e o retorno para a família por meio de alta progressiva. Revista da SPAGESP, 18(1), 48-62. [ Links ]

Margolin, G., Vickerman, K. A., Ramos, M. C., Serrano, S. D., Gordis, E. B., Iturralde, E., ... & Spies, L. A. (2009). Youth exposed to violence: Stability, co-occurrence, and context. Clinical child and family psychology review, 12(1), 39-54. doi: https://doi.org/10.1007/s10567-009-0040-9 [ Links ]

Marsden, V. F. M. G. (2009). Pedofilia, transtorno bipolar e dependência de álcool e opioides. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 58(2), 119-121. doi: https://doi.org/10.1590/S0047-20852009000200009 [ Links ]

Monteiro, D. V. X. (2012). Crimes sexuais contra crianças: Pedófilo vs. Molestador sexual. Physis, 27(3). [ Links ]

Muse, M., & Frigola, G. (2003). La evaluación y tratamiento de trastornos parafílicos. Cuadernos de médicina psicosomatica y psiquiatria de enlace, 65, 55-72. [ Links ]

Passarinho, M. C. B. T. (2015). O fenómeno do abuso sexual de crianças: O abusador intra-familiar e o extra-familiar (Tese de doutorado, ISPA). Retrieved from: http://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/4547Links ]

Ramírez Torres, A., & Vanegas Garcia, J. H. (2020). Estructura cognitiva de las emociones sociales intervinientes en la comisión de delitos sexuales. Tesis Psicológica, 16(1), 1-33. doi: https://doi.org/10.37511/tesis.v16n1a11 [ Links ]

Reis, D. C., & Cavalcante, L. I. C. (2019a). Avaliação de distorção cognitiva de autores de agressão sexual de criança e adolescente, AASCAS: revisão sistemática da literatura. Revista da SPAGESP, 20(2), 99-116. [ Links ]

Reis, D. C., & Cavalcante, L. I. C. (2019b). Revisão sistemática dos instrumentos de avaliação cognitiva de autores de agressão sexual contra criança e adolescente (AASCA). Revista Subjetividades, 18(3), 13-25. doi: https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v18i3.6525 [ Links ]

Santos, A. S. F., & Mesquita, A. C. C. (2019). O perfil do agressor sexual infantil: uma revisão bibliográfica. Revista Educação, Psicologia e Interfaces, 3(2), 85-100. doi: https://doi.org/10.37444/issn-2594-5343.v3i2.212 [ Links ]

Schinaia, C. (2000). Pedofilia, pedofilias. Rev. de Psicoanalisis, 7, 79-101. [ Links ]

Schinaia, C. (2015). Pedofilia Pedofilias: A Psicanálise e o mundo do Pedófilo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. [ Links ]

Scortegagna, S. A., & do Amparo, D. M. (2013). Avaliação psicológica de ofensores sexuais com o método de Rorschach. Avaliaçao Psicologica: Interamerican Journal of Psychological Assessment, 12(3), 411-419. [ Links ]

Seto, M. C., Babchishin, K. M., Pullman, L. E., & McPhail, I. V. (2015). The puzzle of intrafamilial child sexual abuse: A meta-analysis comparing intrafamiliar and extrafamilial offenders with child victims. Clinical Psychology Review, 39, 42-57. doi: https://doi.org/10.1016/j.cpr.2015.04.001 [ Links ]

Soldino, V., & Carbonell-Vayá, E. J. (2017). Effect of treatment on sex offenders’ recidivism: a meta-analysis. Annals of Psychology, 33(3), 578-588. doi: https://doi.org/10.6018/analesps.33.3.267961 [ Links ]

Stein, D. J., Black, D. W., & Pienaar, W. (2000). Sexual disorders not otherwise specified: compulsive, addictive, or impulsive? CNS spectrums, 5(1), 60-66. doi: https://doi.org/10.1017/S1092852900012670 [ Links ]

Van Leeuwen, M. L., Van Baaren, R. B., Chakhssi, F., Loonen, M. G., Lippman, M., & Dijksterhuis, A. (2013). Assessment of implicit sexual associations in non-incarcerated pedophiles. Archives of sexual behavior, 42(8), 1501-1507. doi: https://doi.org/10.1007/s10508-013-0094-0 [ Links ]

Williams, L. C. A. (2012). Pedofilia: identificar e prevenir. São Paulo: Brasiliense, 112. [ Links ]

Yin, R K. (2010). Estudo de Caso - Planejamento e Métodos. (4ª ed.). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]

Correspondência: Denise Falcke, Universidad de Vale do Rio dos Sinos, Brazil, E-mail: dfalcke@unisinos.br

Como citar este artigo: Velasquez Marafiga, C., Lima de Oliveira, E., Nunes Penna, M., Falcke, D. (2021). História de vida de homens com transtorno pedofílico em cumprimento de pena. Ciencias Psicológicas, 15(2), e-2149. doi: https://doi.org/10.22235/cp.v15i2.2149

Participação dos autores: a) Planejamento e concepção do trabalho; b) Coleta de dados; c) Análise e interpretação de dados; d) Redação do manuscrito; e) Revisão crítica do manuscrito. C. V. M. contribuiu em a, b, c, d; E. L. O. em d; M. N. P. em d; and D. F. em a, c, d, e.

Editora científica responsável: Dra. Cecilia Cracco

Recebido: 04 de Maio de 2020; Aceito: 29 de Junho de 2021

Creative Commons License This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License