Introdução
A solidão é considerada um grave problema social (De Jong-Gierveld & Tilburg, 2010) e de saúde pública (Holt-Lunstad, Smith, Baker, Harris, & Stephenson, 2015). Refere-se a uma expressão negativa de sentimentos que podem se manifestar em pessoas de todas as idades, sendo mais recorrente em mulheres de qualquer faixa etária e em homens idosos solteiros (De Jong-Gierveld, Tilburg, & Dykstra, 2016; Pocinho & Macedo, 2017). É vivenciado pelas pessoas de forma diferente (De Jong Gierveld et al., 2016) e surge quando há um distanciamento entre a intimidade alcançada pelo indivíduo e a idealizada (Asher & Weeks, 2014).
De acordo com a literatura, as pessoas que sentem solidão apresentam
intenso sentimento de vazio e abandono, sintomas depressivos, declínio cognitivo, baixa qualidade de vida, prejuízo à saúde física e distúrbios do sono (Kuznier, Souza, Mata, & Chianca, 2016; Pocinho & Macedo, 2017). Tais características contribuem para que a solidão seja reconhecida como um fator de risco para a saúde mental (Ouakinin & Barreira, 2015; Reichl, Schneider, & Spinath, 2013).
Segundo Pocinho, Farate e Dias (2010), a solidão tem sido estudada a partir de duas perspectivas: (1) sociológica, em que a solidão é ocasionada unicamente por fatores externos; e (2) interacionista, que percebe a solidão como uma combinação de fatores situacionais e de personalidade. Para além dessas, outras duas abordagens auxiliam no entendimento da temática e permitiram a elaboração de instrumentos para a sua avaliação: (1) unidimensional e (2) multidimensional.
A abordagem unidimensional concebe a solidão como uma experiência comum a todas as pessoas, ignorando as causas específicas que podem ocasioná-la (Chen, 2015), ou seja, os indivíduos tendem a experimentar os sentimentos de solidão de forma similar, variando apenas em frequência ou em intensidade (Russell, 1982; Russell, Peplau, & Ferguson, 1978). Na perspectiva multidimensional, a percepção de solidão depende do número ou da qualidade das relações (desejadas e vivenciadas), com dois tipos específicos amplamente aceitos na literatura (Expósito & Moya, 1999): (1) solidão social e (2) solidão emocional, que serão brevemente descritas.
A presente pesquisa aborda o caráter multifacetado da solidão, por ter uma visão mais ampla do fenômeno. Tal perspectiva, inicialmente defendida por Weiss (1973), propõe uma separação entre os fatores sociais e pessoais do construto. Este autor definiu a solidão como uma condição deficitária, na qual estão ausentes dois tipos de disposições relacionais específicas: a) solidão social, que se refere a um déficit nas relações sociais, gerando uma crescente necessidade de estar com os familiares, amigos e vizinhos; e b) solidão emocional, que diz respeito a um sentimento ocasionado pela ausência de um relacionamento pessoal específico, seja de um parceiro amoroso ou amigos, que transmitam aceitação e compreensão.
Em suma, a solidão social é um sentimento resultante da falta de envolvimento do indivíduo com sua rede social, fato que ocorre em função das relações sociais inadequadas e da rejeição em grupos desejados (DiTommaso & Spinner, 1993); e a solidão emocional, refere-se à carência por alguém que forneça suporte e segurança emocional. Geralmente, é experimentada por indivíduos que vivenciaram processos de perdas, como a morte de parentes próximos ou processo de divórcio (Chen, 2015), além de estar associada ao medo do abandono durante a infância, sintomas de ansiedade, ou sentimento de vazio.
Augusto, Oliveira e Pocinho (2008) destacam três componentes que interferem diretamente no sentimento de solidão: (1) componente cognitivo - como a pessoa percebe-se em uma dada situação social, caso seja de forma negativa, afasta-se do grupo e se isola; (2) componente afetivo - referente às experiências emocionais negativas vivenciadas por uma pessoa, podendo ser expressas por meio da desorientação e/ou sensação de perda; e (3) componente temporal - tempo de permanência do sentimento, se será provisório ou duradouro, podendo variar em função das mudanças significativas na vida (por exemplo, perda de emprego, conflito de relacionamento) ou ainda por meio de um conflito mais persistente ou experiência crônica, na qual a pessoa vivencia um isolamento duradouro do contato humano ou da socialização (Belford, 2017).
Dito isto, é importante ressaltar a relação entre isolamento social e solidão. Holt-Lunstad et al. (2015) afirmam que ao se relacionar socialmente e estabelecer laços afetivos perenes com as pessoas, o bem-estar psicológico, emocional e físico é afetado. Assim, à medida que a frequência de relacionamentos na rede pessoal aumenta, a intensidade da solidão diminui (De Jong Gierveld et al., 2016). Entretanto, pode-se ponderar que a solidão não deve ser compreendida unicamente como a ausência de companhia, mas como algo mais profundo, que pode acompanhar sentimento de tédio e falta de perspectiva de vida (Ferreira, 2012).
Pesquisadores como De Jong-Gierveld et al. (2016) têm averiguado os fatores associados à solidão, considerando diferentes amostras, principalmente, grupos de idosos e mulheres, por apresentarem maior vulnerabilidade à solidão. Dahlberg e McKee (2014) realizaram um estudo no Reino Unido, com 1.255 idosos acima de 65 anos e observaram que 7.7% dos participantes experienciaram níveis severos de solidão, enquanto 38.3% apresentam níveis moderados. Ademais, demonstraram que as variáveis como ser viúvo, ter baixa autoestima e pouco contato social com familiares e amigos prediziam a solidão.
Esses resultados corroboram os dados encontrados na pesquisa longitudinal (tempo de 28 anos) com 469 idosos, com idade entre 60 e 86 anos, que eram moradores da cidade de Tampere, na Finlândia (Aartsen & Jylhä, 2011). Os pesquisadores identificaram que aproximadamente um terço dos participantes desenvolveram sentimentos de solidão devido à perda de um parceiro íntimo. Tal situação os levava a reduzir as atividades sociais e físicas, gerando um aumento da sensação de inutilidade e mau humor. Tais sintomas foram mais presentes em mulheres, principalmente viúvas.
Frente ao exposto, destaca-se a necessidade de compreender e mensurar o nível de solidão em indivíduos. Assim, na literatura consultada é possível encontrar instrumentos com esse propósito, baseados nas duas perspectivas apresentadas (uni e multidimensional). Na abordagem unidimensional, a solidão como um construto global, foram identificados os seguintes instrumentos: Loneliness Scale (Russell et al., 1978), Loneliness Rating Scale (Scalise, Ginter, & Gerstein, 1984), e Differential Loneliness Scale (Schmidt & Sermat, 1983), além da University of California Los Angeles Loneliness Scale (UCLA; Russell, Peplau, & Cutrona, 1980).
Contudo, apesar de originalmente a UCLA ser concebida de forma unidimensional, alguns estudos posteriores contestaram sua dimensionalidade, sendo verificadas estruturas multifatorias, com dois (Wilson, Cutts, Lees, Mapungwana, & Maunganidze, 1992), três (Pikea, Parpa, Tsilika, Galanos, & Mystakidou, 2016) e quatro fatores (Borges, Prieto, Ricchetti, Hernández-Jorge, & Rodríguez-Naveiras, 2008). No Brasil, a estrutura unidimensional foi corroborrada (Fonsêca, Couto, Melo, Guimarães, & Pessoa, 2018).
Dado o exposto, apesar da complexidade da temática, parece coerente considerar o caráter multifacetado da solidão. Assim, apoiando-se na tipologia proposta por Weiss (1973), que é amplamente aceita por pesquisadores, abrangendo duas facetas do construto (social e emocional), DiTommaso e Spinner (1993) elaboraram a Social and Emotional Loneliness Scale for Adults (SELSA), inicialmente composta por 37 itens, distribuídos em três fatores: a) social, b) familiar e c) romântico. Nesse ínterim, apesar de pesquisas demonstrarem evidências favoráveis de adequação psicométrica da medida (Cramer & Barry, 1999), DiTomasso, Brannen e Best (2004) propuseram uma versão reduzida, argumentando que um instrumento curto e com qualidades psicométricas similares poderia ser mais eficaz, além de ser comumente utilizado em contextos clínicos ou em pesquisas. Tal instrumento reuniu 15 itens, distribuídos equitativamente entre os três fatores teorizados, com validade adequada (CFI = 0.92; NFI = 0.92; TLI = 0.91; RMSEA = 0.09) e precisão (variou de 0.87 a 0.90), verificando-se versões da medida em diversos contextos: espanhol (Yarnoz-Yaben, 2008), iraniano (Jowkar, 2012), polonês (Adamczyk & DiTommaso, 2014) e turco (Cecen, 2007).
Nesse sentido, apesar de se encontrarem medidas que avaliem a solidão com índices psicométricos satisfatórios, inclusive em contexto brasileiro, ainda são escassas as pesquisas que versam sobre a solidão como um construto multifacetado, evidenciando a necessidade de se considerar esse aspecto do construto. Frente a essa limitação e aliado ao entendimento da importância de se contar com medidas psicometricamente adequadas, uma vez que podem ajudar na detecção da solidão e seus correlatos, bem como possibilitar propostas de intervenções preventivas mais eficazes (Dahlberg & McKee, 2014), o presente estudo teve como objetivo principal adaptar a Social and Emotional Loneliness Scale for Adults (SELSA) para o Brasil, verificando a sua adequação psicométrica. Para alcançar tais objetivos, foram realizados dois estudos (exploratório e confirmatório) que serão descritos a seguir.
Materiais e Método
Participantes
Contou-se com a participação de 319 universitários, de uma capital nordestina do Brasil, acima de 18 anos de idade, recrutados por conveniência (amostra não probabilística), de forma presencial e online, com idade média de 24.36 anos (DP = 6.52), sendo a maioria mulheres (84.4%), solteira (46%) e católica (40.9%).
Instrumentos
Os participantes responderam um livreto contendo os seguintes instrumentos:
Social and Emotional Loneliness Scale for Adults (SELSA; DiTomasso et al., 2004): é composta por 15 itens, respondidos em uma escala de 7 pontos, variando de 1 = Discordo totalmente a 7 = Concordo totalmente, que apontam o grau de concordância ou discordância de cada afirmação. Os itens abrangem três fatores da solidão, nomeados da seguinte forma: social (e.g., Item 09 - Sinto-me parte de um grupo de amigos), familiar (e.g., Item 11 - Sinto-me próximo a minha família) e romântica (e.g., Item 02 -
Gostaria de ter um relacionamento amoroso mais satisfatório). A consistência interna, avaliada pelo coeficiente alfa de Cronbach (α), foi satisfatória: social (α= 0.90), familiar (α= 0.89) e romântica (α= 0.87). Ademais, quatro itens apresentam pontuações invertidas, a saber: 1, 3, 7 e 14.
Questionário sociodemográfico: visando caracterizar a amostra, solicitou as seguintes informações: idade, sexo, estado civil e religião.
Procedimento
Inicialmente, buscou-se adaptar a SELSA para o português brasileiro, por meio do método Back Translation. Para isso, contou-se com a ajuda de dois tradutores, independentes, bilíngues. Assim, a medida foi traduzida para o português brasileiro e, em seguida, retraduzida para o inglês (língua nativa), através de traduções às cegas, visando verificar a equivalência dos itens das duas versões (português e inglês), que foram sintetizadas para avaliação da equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual das traduções de cada item, como recomendado por Borsa, Damásio e Bandeira (2012). Essa última versão passou por uma validação semântica (Pasquali, 2016), que se deu com a participação de 20 pessoas residentes em uma capital do nordeste brasileiro, divididas equitativamente em função da escolaridade (estrato mais baixo e mais alto da população-alvo), as quais verificaram a compreensão das instruções e dos itens da medida que, após avaliação, não precisaram de modificações.
Posteriormente, foi realizada a coleta de dados, fornecendo aos participantes todos os esclarecimentos éticos sobre a pesquisa, solicitando seu consentimento, que foi efetuado por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em média, os participantes precisaram de 10 minutos para concluir suas respostas. Ressalta-se que, antes do preenchimento das respostas dos participantes, foi exposto o objetivo da pesquisa e assegurado o seu caráter voluntário e anônimo, em conformidade com as Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, que versam sobre pesquisas realizadas com seres humanos. O estudo obteve parecer aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CAAE: 73301717.0.0000.518 e Parecer nº 2.309.859).
Análise de dados
Para a realização das análises, recorreu-se a três softwares, respectivamente: (1) SPSS (versão 21), utilizado para o cálculo de estatísticas descritivas; (2) FACTOR 10.5, para análise da matriz de correlações policóricas, índices de ajuste CAF (Common part Accounted For), recomendado para dados que não apresentam distribuição normal (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2006), e o método de extração Minimum Average Partial (MAP). Além de verificados o Kaiser-Meyer-Olkim (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett (Tabachnick & Fidell, 2013); e (3) o software R, com emprego do pacote rotina psych (Revelle, 2017), verificando-se o índice de consistência interna (precisão), por meio do coeficiente alfa de Cronbach (α) com base nas correlações policóricas e pelo ômega de McDonald (ωt). Para tanto, teve-se em conta a escala de resposta Likert como categorias ordenadas (Lara, 2014).
Resultados
Inicialmente, foi realizada uma análise fatorial exploratória, tendo como finalidade conhecer a estrutura fatorial da matriz de correlações policóricas entre os 15 itens da SELSA. Verificou-se a adequação da amostra por meio do índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0.85) e o teste de esfericidade de Bartlett, χ²(105) = 3404.8; p < 0.001. O método Hull sugeriu uma solução trifatorial, explicando conjuntamente 70.38% da variância total, tendo o fator social explicado 37.22%, seguido do familiar (22.29%) e do romântico (10.87%). Foi realizada uma rotação Promin, adotando-se como critério de saturação das cargas fatoriais valores iguais ou superiores a |0.50|. Os dados podem ser observados na Tabela 1.
Conforme a Tabela 1, os fatores foram distribuídos e nomeados da seguinte maneira: fator I (Solidão Social) composto por cinco itens, com cargas fatoriais de 0.60 (Item 15) a 0.80 (Item 09), alfa de Cronbach (α) = 0.83 e o ômega de McDonald (ωt), = 0.87; o fator II (Solidão Familiar) reuniu cinco itens, com cargas variando de 0.49 (Item 10) a 0,97 (Item 06), α = 0.86 e ωt = 0.89; e o fator III (Solidão Romântica), que agrupou cinco itens, com saturações fatoriais variando de 0.64 (Itens 02) a 0.95 (Item 12), (α) de 0.92 e o ωt de 0.95.
Em suma, os resultados apresentados na Tabela 1 demonstraram evidências satisfatórias acerca da validade da SELSA, apresentando uma estrutura trifatorial, como teorizado, reunindo 15 itens, que foram agrupados equitativamente em cada fator. Posteriormente, com a finalidade de reunir evidências complementares referentes à estrutura fatorial do instrumento supracitado, necessita-se contar com técnicas estatísticas mais robustas, a exemplo da Análise Fatorial Confirmatória (AFC), considerando a medida categórica (ordinal) Weighted Least Squares Mean and Variance-Adjusted (WLSMV; Muthén & Muthén, 2014). Assim, procedeu-se o Estudo 2 descrito a seguir.
Método
Participantes
Esse estudo contou com uma amostra de 200 estudantes universitários de uma capital do nordeste brasileiro, distribuídos equitativamente entre homens e mulheres, com idade entre 18 e 56 anos (M =25.35; DP = 6.80), recrutados de forma presencial e online, por conveniência, sendo a maioria solteira (43.5%) e de religião católica (47%).
Instrumentos
Os participantes responderam a um livreto contendo os mesmos instrumentos descritos ao Estudo 1, porém com a versão adaptada e validada da Social and Emotional Loneliness Scale for Adults (SELSA; DiTomasso et al., 2004).
Procedimento
Os procedimentos realizados no presente estudo foram similares ao do Estudo 1, inclusive as orientações previstas na Resolução 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo obteve parecer aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CAAE: 73301717.0.0000.518 e Parecer nº 2.309.859).
Análise de dados
Para realização do Estudo 2, foi utilizado o software R, no qual executou o pacote Lavaan (Rosseel, 2012), que permitiu realizar a análise fatorial confirmatória (AFC) categórica (ordinal) Weighted Least Squares Mean and Variance -Adjusted (WLSMV; Muthén & Muthén, 2014). Para verificar a adequação do modelo, foram utilizados os seguintes indicadores: (1) χ²/g.l. (razão entre o χ2 e graus de liberdade) na tentativa de tornar o χ2 menos dependente do tamanho amostral; no caso, o ajustamento pode ser considerado perfeito (1 < χ² / g.l. < 3), aceitável (3 < χ² / g.l. < 5) e inaceitável (χ² / g.l. > 5); (2) Comparative Fit Index (CFI) é um índice comparativo, cujos valores a partir de 0,90 indicam um modelo ajustado; (3) Tucker-Lewis Index (TLI), uma medida de parcimônia entre os índices do modelo proposto e o nulo, variando de 0 a 1, sendo aceitável > 0.90; (4) Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA) e seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), sendo aceitável valores entre 0.05 e 0.08, todavia, pode-se admitir até 0.10; e (5) Root Mean Square Residual (RMSR), raiz quadrada matriz dos erros dividida pelo grau de liberdade, a qual indica um modelo adequado com valores < 0.08. Finalmente, com o pacote rotina psych foi calculada a consistência interna pelo coeficiente alfa de Cronbach com base nas correlações policóricas e pelo ômega (ωt) de McDonald (Byrne, 2010; Marôco, 2014; Tabachnick & Fidell, 2013).
Resultados
No presente estudo foi realizada uma Análise Fatorial Confirmatória (AFC), adotando o método de estimação dos Mínimos Quadrados Ponderados Robustos (WLSMV - Mean and Variance Adjusted Wighted Least Squares), visando avaliar a qualidade de ajustamento da estrutura trifatorial da SELSA, observada no Estudo 1. Após a análise, verificou-se que o modelo trifatorial apresentou índices de ajuste considerados adequados: χ²/g.l. = 1.85, CFI = 0.98, TLI = 0.98, RMSEA (IC90%) = 0.07 (0.05-0.08), Pclose = 0.06 e RMSR= 0.06.
Como evidenciado na Figura 1, especificamente no fator Solidão Social, as cargas fatoriais variaram entre 0.34 (Itens 15) e 0.82 (Item 09), alfa de Cronbach (α) = 0.77 e o ômega de McDonald (ωt) = 0.83; no Solidão Familiar, os pesos fatoriais foram de 0.41 (Item 10) a 0.92 (Item 11), α = 0.86 e o ωt= 0.89; no fator Solidão Romântica, as saturações fatoriais variaram entre 0.64 (Item 07) e 0.93 (Item 05 e 12), com α de 0.90 e ωt = 0.94.
Em suma, pode-se perceber que os resultados endossam evidências complementares de validade de construto e consistência interna da Social and Emotional Loneliness Scale for Adults no nordeste brasileiro, corroborando a estrutura composta por três fatores observada do Estudo 1.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo principal adaptar a Social and Emotional Loneliness Scale for Adults (SELSA) para o nordeste brasileiro, verificando a sua adequação psicométrica. Para o alcance dos objetivos, foram realizados dois estudos (exploratório e confirmatório). Nesse intuito, considera-se que os objetivos foram alcançados, pois as evidências psicométricas da SELSA possibilitaram verificar a sua adequação para o contexto considerado.
Em relação aos principais achados desta pesquisa, especificamente, no Estudo 1, por meio de uma análise fatorial exploratória, foram reunidas evidências de validade fatorial e precisão, sendo constatada uma estrutura trifatorial, como teoricamente proposta e similar ao estudo original (DiTomasso & Spinner, 1993). Na versão brasileira, o instrumento também ficou com 15 itens, distribuídos equitativamente entre os três fatores da solidão (Social, Familiar e Romântica). A consistência interna (precisão) foi verificada por meio de dois índices: alfa do Cronbach e ômega de McDonald. Este, por sua vez, quando comparado ao alfa de Cronbach, tem demonstrado mais robustez (Dunn, Baguley, & Brunsden, 2014; McDonald, 1999).
Tomando os achados do Estudo 1, buscou-se reunir evidências psicométricas complementares, referentes à SELSA, por meio da análise fatorial confirmatória (AFC; Byrne 2010), considerando a medida categórica (ordinal) e o estimador Weighted Least Squares Mean and Variance-Adjusted (WLSMV; Muthén & Muthén, 2014). Tendo isto em conta, foram observados índices de ajustes satisfatórios, considerando a estrutura indicada no Estudo 1, indicando que o modelo se adequa aos dados empíricos (e.g., CFI e TLI > 0.95 e RMSEA < 0.08; Byrne, 2010; Marôco, 2014).
Outrossim, a confiabilidade foi avaliada pelos indicadores de alfa de Cronbach (matriz policórica) e do ômega de McDonald, que apresentaram valores situados entre 0.77 a 0.93, respectivamente, considerados meritórios (Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014; Nunnally, 1978; Zinbarg, Revelle, Yovel, & Li, 2005). Tais resultados corroboram a estrutura com três fatores, endossados por estudos de outros países, a exemplo da Polônia, Turquia e Irã (Adamczyk & DiTommaso, 2014; Cecen, 2007; Jowkar, 2012).
Contudo, apesar dos resultados assegurarem a qualidade métrica do instrumento, faz-se necessário apontar as potenciais limitações da presente pesquisa, além de indicar possibilidades futuras, visando superar tais limites e possibilitar avanços no estudo da solidão, sobretudo em cenário nacional. Assim, quanto às limitações, pode-se citar a amostra, que, embora tenham sido recrutadas pessoas de diversas faixas etárias, a maioria dos participantes foi composta de jovens, talvez em virtude do acesso fácil às redes sociais, já que os instrumentos foram aplicados tanto de modo presencial quanto virtual. Outro quesito que merece atenção refere-se aos residentes serem apenas de uma capital do nordeste brasileiro, fato que impossibilita extrapolar os achados para além da amostra considerada. Entretanto, cabe ressaltar que não se pretendeu, na presente pesquisa, generalizar resultados, mas apresentar uma medida com boas qualidades psicométricas para o contexto brasileiro.
Para além disso, contar com um instrumento que concebe a solidão por uma perspectiva multidimensional viabiliza um melhor entendimento da solidão em situações e contextos específicos. Por exemplo, considerando o sexo, evidencia-se que as mulheres apresentam diferenças significativas apenas no fator emocional em comparação com os homens, que possivelmente, é explicado pelo fato dos homens apresentarem uma tendência a manter os seus sentimentos sob controle em comparação com as mulheres. Por outro lado, as mulheres, apresentam uma melhor qualidade nas suas relações sociais e nos seus relacionamentos íntimos, sendo estes mais profundos e duradouros em contraposição com as relações nutridas pelos homens (Samili & Bozorgpour, 2012). Além disso, pode-se planejar estudos voltados a situações específicas, a exemplo de pessoas que vivenciaram processos de perdas, (e.g. divórcio e morte de parentes próximos; Chen, 2015), principalmente em grupo de idosos, que tem se apresentado como mais vulneráveis, por apresentarem níveis de solidão entre moderados e severos. Especificamente, tem se demonstrado que viuvez, baixa autoestima e abandono familiar e de amigos são preditores significativos da solidão social e emocional (Dahlberg & McKee, 2014).
Dessa forma, considerando o exposto e tendo em conta a amplitude territorial do Brasil, e consequentemente a diversidade cultural do país, sugere-se que a SELSA seja aplicada em amostras de outros estados brasileiros para obter parâmetros comparativos e chegar a um padrão para a população brasileira. Isto posto, estima-se que estudos futuros alcancem amostras mais representativas da população, tendo em conta variáveis sociodemográficas, considerando particularmente idade, sexo e estado civil, considerando diferentes faixas etárias, tais como os grupos de adolescentes, idosos e mulheres, por apresentarem maior vulnerabilidade à solidão. De forma mais específica, estudos prévios têm demonstrado que a idade é uma variável importante na explicação da solidão, principalmente, em pessoas idosas (Dahlberg & McKee, 2014), havendo uma maior prevalência em pessoas acima de 65 anos, que experienciam níveis moderados e severos de solidão, principalmente na viuvez (De Jong-Gierveld et al., 2016).
Ademais, é necessário complementar as evidências de validade de construto por meio de análises consideradas mais robustas e sofisticadas, a exemplo da invariância fatorial (comparando diferentes grupos, tais como gênero, cidades ou estados) ou até mesmo da Teoria de Resposta ao Item (TRI), possibilitando um refinamento da medida. Seria igualmente interessante considerar construtos correlatos (antecedentes e consequentes) que ajudem na explicação do fenômeno da solidão na contemporaneidade, tais como o vício da internet ou do smartphone, além da ansiedade social, que tem se relacionado em outros estudos (Cotten, Anderson, & McCullough, 2013; Darcin et al., 2016; Tan, Pamuk, & Dönder, 2013). Para além, seria relevante reunir evidências de validade convergente-discriminante e de critério.
Conclusões
Em suma, os resultados encontrados nessa pesquisa endossam evidências da adequação da SELSA, especificamente, considerando o contexto nordestino do Brasil. Estritamente, trata-se de uma medida composta por 15 itens, distribuídos em três fatores, com boas qualidades psicométricas, que satisfazem o critério da parcimônia. Diante disso, entende-se que essa ferramenta pode ser uma alternativa útil para pesquisadores interessados na temática abordada e em seus correlatos, subsidiando, quiçá, propostas de intervenções em grupos que comprovadamente estejam vivenciando diferentes níveis e tipos de solidão.
Do ponto de vista prático, disponibilizar uma medida que avalie o caráter multifacetado do construto pode ajudar na identificação de características específicas da solidão, auxiliando em uma compreensão mais ampla do fenômeno, por considerar os seus aspectos emocionais e sociais.