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Ciencias Psicológicas

versión impresa ISSN 1688-4094versión On-line ISSN 1688-4221

Cienc. Psicol. vol.13 no.2 Montevideo dic. 2019  Epub 01-Dic-2019

https://doi.org/10.22235/cp.v13i2.1882 

Artículos Originales

Terapia Cognitivo-Comportamental para mulheres que sofreram violência por seus parceiros íntimos: Estudos de casos múltiplos

Luisa Fernanda Habigzang1 
http://orcid.org/0000-0002-0262-0356

Mariana Gomes Ferreira Petersen1 
http://orcid.org/0000-0002-6211-5650

Luisa Zamagna Maciel1 
http://orcid.org/0000-0002-0176-7655

1Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Brasil luisa.habigzang@pucrs.br, mariana@sgferreira.com.br, luisazmaciel@gmail.com


Resumo:

Introdução:

A violência contra a mulher é um fenômeno que pode causar danos à saúde mental e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), por apresentar evidências de efetividade de suas intervenções, é indicada para o tratamento psicológico dessas mulheres.

Objetivo:

Descrever o processo e o resultado de um protocolo de intervenção cognitivo-comportamental para mulheres que sofreram violência por parte do parceiro íntimo, por meio de estudos de caso.

Método:

Participaram quatro mulheres com histórico de violência conjugal, com sintomas de depressão, ansiedade, estresse e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O processo terapêutico foi descrito através das técnicas utilizadas e de recortes dos registros da sessão, sendo que os sintomas foram avaliados antes e após a intervenção.

Resultados:

As técnicas utilizadas foram adequadas para reduzir os sintomas.

Conclusão:

Este estudo corrobora com a literatura, apresentando evidências iniciais de efetividade de um protocolo de TCC para o tratamento de mulheres em situação de violência doméstica.

Palabras chave: violência contra mulher por parceiros íntimos; estudo de casos; processo terapêutico; terapia cognitive-comportamental

Resumen:

Introducción:

La violencia contra la mujer es un fenómeno que puede generar perjuicios para la salud mental y la Terapia Cognitivo Conductual (TCC) es indicada para el tratamiento psicológico de estas mujeres por presentar evidencias de efectividad.

Objetivo:

Describir el proceso y el resultado de un protocolo de intervención cognitivo conductual para mujeres que sufrieron violencia por su pareja íntima, a través de estudios de caso.

Método:

Participaron cuatro mujeres con historia de violencia conyugal y síntomas de depresión, ansiedad, estrés y trastorno de estrés postraumático (TEPT). El proceso terapéutico fue descrito usando las técnicas y recortes clínicos provenientes de los registros de las sesiones, los síntomas fueran evaluados antes y después de la intervención.

Resultados:

Las técnicas utilizadas se mostraron adecuadas para disminución de los síntomas. Conclusión: Este estudio corrobora la literatura, presentando evidencias iniciales de efectividad de un protocolo de TCC para el tratamiento de mujeres en situación de violencia conyugal.

Palabras clave: violencia por pareja; estudio de caso; proceso terapéutico; terapia cognitivo conductual

Abstract:

Introduction:

Violence against women is a phenomenon that can cause damage to the mental health, and the Cognitive Behavioral Therapy (CBT) is indicated for the psychological treatment of these women, by presenting evidences of effectiveness.

Objective:

Describe the process and the outcomes of a cognitive behaviour intervention protocol for women who experienced intimate partner violence, through case studies.

Method:

There were four women who participated of the study, with a history of domestic violence and symptoms of depression, anxiety, stress and post-traumatic stress disorder (PTSD). The therapeutic process was described by the techniques used and by the clinical clippings of the sessions. The symptoms of the women were evaluated before and after the intervention.

Results:

The techniques were suitable for decreasing symptoms.

Conclusion:

This study corroborates with the literature, showing initial evidences of effectiveness of CBT protocol for the treatment of women in situations of domestic violence.

Key words: Intimate partner violence; case studies; therapeutic process; cognitive behavioral therapy

Introdução

A violencia contra a mulher se refere à violação dos direitos humanos e está relacionada a desigualdade de gênero e de gerações (World Health Association, WHO, 2014). É todo o ato que visa à destruição, privacao de liberadade de escolha e tomada de decisão, que fere e agride, trazendo prejuízos para o bem estar social e individual. A violência contra a mulher é um fenômeno que independe de idade, cultura, etnia ou nível socioeconômico e pode gerar repercussões negativas significativas para saúde física e mental (Correia et al., 2014; Bermann & Graff, 2015). Além disso, o desenvolvimento em contexto de violência pode ocasionar dificuldades nas relações sociais, laborais e acadêmicas. Tais dificuldades podem afetar a construção e manutenção da rede de apoio social e afetiva (Garcia, Duarte, Freitas, & Silva, 2016; Lettiere, Nakano & Bittar, 2012).

As estimativas apontam que mulheres vítimas de violência apresentam seis vezes mais probabilidade de sofrer distúrbios mentais e cinco vezes mais chances de cometer suicídio do que mulheres que não passaram por essa experiência (Correia et al.,2014; OMS, 2014). Os transtornos mentais associados à exposição a violência comumente citados na literatura são os transtornos de humor, transtornos de ansiedade, transtornos relacionados ao estresse, transtornos por uso de substâncias e transtorno obsessivo-compulsivo (Habigzang, Schneider, Frizzo, & Freitas, 2018; Jonas et al., 2014; Mozzambini, Ribeiro, Fuso, Fiks, & Mello, 2011; Ribeiro, Andreoli, Ferri, Prince, & Mari, 2009). Devido às consequências decorrentes da violência, considerar essa temática como um problema social e de saúde pública abre espaço para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e atenção à saúde, garantia de direitos e segurança da mulher (Arruda da Silva et al., 2012; Lamoglia & Minayo, 2009; OMS, 2014).

O planejamento e a execução de intervenções visando à prevenção, bem como o tratamento para mulheres que experienciaram violência deve integrar ações interdisciplinares para promover qualidade de vida e rompimento de ciclos de violência na família (Gadoni-Costa, Zucatti, & Dell’aglio, 2011; Matos, Machado, Santos, & Machado, 2012). Nesse contexto, o papel do profissional de saúde é relevante quando sua atuação está em consonância com as políticas públicas, com o trabalho desenvolvido pela rede de proteção e de acordo com a legislação vigente para garantia de direitos das mulheres (Hanada, D’Oliveira, & Schraiber, 2010; Hasse & Vieira, 2014).

Dentre as intervenções possíveis, os estudos mostram que a psicoterapia pode ser útil para a redução de sintomas e melhora de qualidade de vida das mulheres (Petersen, Zamora, Fermann, Crestani, & Habigzang, 2019). Portanto, deve estar incluída nas estratégias da rede de proteção. O atendimento psicológico específico e eficaz para mulheres em situação de violência interfere no prognóstico e na repercussão da violência na vida destas (Matos et al., 2012). Entre as diferentes abordagens psicoterapêuticas, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) possui evidências empíricas de efetividade para a redução de sintomas de transtornos associados à exposição a violência (Bermann & Graff, 2015; Lucânia, Velério, Barison & Miyazaki, 2009; Petersen et al., 2019). A TCC é definida como uma abordagem psicoterápica breve, estruturada, focal, orientada para o presente, cujo objetivo é modificar pensamentos e comportamentos disfuncionais (Beck, 2000). A TCC baseia-se no princípio interacionista de aspectos biológicos, cognitivos, emocionais e comportamentais do indivíduo com o ambiente no qual está inserido (Beck & Alford, 2000).

Uma importante característica da TCC é a constante avaliação de efetividade de técnicas ou protocolos de intervenção por meio da pesquisa. A pesquisa em psicoterapia é fundamental para compor evidências empíricas de que a intervenção atinge seus objetivos, e através dela pode-se saber que fatores específicos se relacionam com efeitos positivos (Tschuschke, Crameri, Koemeda, Schultess, Wyl, & Weber, 2010). O foco da pesquisa pode ser no processo terapêutico ou no resultado. As pesquisas sobre o processo terapêutico possibilitam compreender como e porque ocorrem as mudanças terapêuticas e quais são as técnicas ou componentes da psicoterapia que contribuem para tais mudanças. O objetivo principal das pesquisas sobre o processo é analisar as variações de cada paciente e o mecanismo de mudança na psicoterapia, examinando variáveis contextualizadas de determinado(s) caso(s) foco(s) do estudo (Monteleone & Witter, 2017; Serralta, Nunes, & Eizirik, 2010). Por outro lado, as pesquisas sobre resultado indicam o que é efetivo e promove impacto positivo na redução de sintomas ou mudanças comportamentais e cognitivas (Monteleone & Witter, 2017; Petersen et al., 2019).

Os estudos de caso são frequentemente utilizados como estratégia metodológica em pesquisas de processo e resultado em psicoterapia (Norman & Iyvonna, 2000; Serralta et al., 2010). Este método é preferencialmente utilizado, pois constitui as primeiras evidências de efetividade para protocolos de intervenção em desenvolvimento (Serralta et al., 2010). No Brasil identificam-se poucos estudos sobre efetividade de protocolos para psicoterapia de mulheres em situação de violência. O objetivo deste estudo, portanto, é descrever o processo e o resultado de um protocolo de intervenção cognitivo-comportamental para mulheres em situação de violência, por meio de estudos de caso.

Método

Trata-se de estudo de caso descritivo de intervenção psicoterapêutica.

Participantes

Participaram deste estudo quatro mulheres com histórico de violência conjugal que estavam em atendimento em um órgão de proteção da rede pública de um município da região metropolitana de Porto Alegre, no sul do Brasil. Os casos descritos foram escolhidos por conveniência e diferirem em relação a aspectos sociodemográficos e histórico de maus tratos na infância. A seguir apresenta-se uma descrição de cada caso. Foram utilizados nomes fictícios para preservar a identidade das participantes.

Caso 1

Ana tinha 28 anos, ensino superior incompleto e trabalhava como massoterapeuta. Residia com a filha. Sofreu violência psicológica do marido e estava grávida. O tempo de relacionamento com o agressor foi dez anos e estava separada no momento da intervenção. Ela não relatou histórico de maus tratos na infância. No entanto, durante os encontros da psicoterapia, Ana informou situações que caracterizavam-se como maus tratos. Na avaliação psicológica realizada antes da intervenção foram identificados nível leve e moderado de ansiedade e depressão, respectivamente, além de nível de estresse na fase de resistência. Não foram identificados critérios diagnósticos para TEPT.

Caso 2

Beatriz tinha 44 anos, ensino médio completo e trabalhava como recepcionista. Residia com o marido, indicado como agressor, filhas e neto. Sofria violência psicológica, sexual e episódio único de violência física há cinco anos. Ela não relatou histórico de maus tratos na infância. Na avaliação psicológica realizada foram identificados critérios diagnósticos para TEPT, nível moderado de ansiedade, grave de depressão e nível de estresse na fase de exaustão.

Caso 3

Carolina tinha 46 anos, ensino fundamental incompleto e trabalhava como diarista. Residia com o filho e com o marido, apontado por ela como agressor. Sofria violência psicológica há três anos no momento da intervenção. Durante a infância, relatou sofrer violência física perpetrada pelo pai. Na avaliação psicológica realizada foram identificados níveis leves de ansiedade e depressão, nível de estresse na fase de resistência e não foram verificados critérios diagnósticos para TEPT.

Caso 4

Denise tinha 55 anos, ensino fundamental incompleto e era dona de casa. Residia sozinha no momento da intervenção e o agressor foi o companheiro com quem se relacionou por dois anos. Experienciou situações de violência física e psicológica e não relatou histórico de violência na infância. No entanto, durante as consultas de psicoterapia, revelou situações de maus tratos na infância. Na avaliação psicológica foram identificados critérios diagnósticos para TEPT, nível moderado de ansiedade, nível leve de depressão e nível de estresse na fase de resistência.

Instrumentos

- Inventário de Ansiedade deBeck (BAI - Beck, Epstein, Brown, & Sterr, 1988 adaptado por Cunha, 2001): uma escala de 21 itens que investiga os níveis de ansiedade. A escala original possui uma estrutura unifatorial com coeficiente alfa de Cronbach satisfatório (α = 0,92).

- Inventário de depressão deBeck (BDI - Beck, Ward Mendelson, Mock, & Erbauch, 1961, adaptado por Gorenstein, & Andrade, 1996): esta escala avalia os níveis de depressão através de 21 perguntas e possui uma estrutura unifatorial. A versão original da escalla apresenta um coeficiente alfa de Cronbach satisfatório (α = 0,86).

- Entrevista estruturada baseada no DSM IV / SCID utilizada para avaliar os sintomas de TEPT (Del Ben et al., 2001): Avalia o diagnóstico de TEPT, verificando presença de sintomas de revivência, evitação e hipervigilância.

- Inventário de sintomas de estresse de Lipp para adultos (LISS - Lipp, 2000): possui o objetivo de avaliar os níveis de estresse através de uma pontuação geral. O inventário apresenta 53 itens, divididos em três seções que se referem as fases do estresse experimentado nas últimas 24 horas, na semana anterior e no mês anterior. As subescalas de estresse apresentaram uma consistencia interna adequada (estresse diário α = 0.50, estresse semanal, α = 0.75, estresse mensal, α = 0.77). A evolução do nível de estresse se apresenta através da soma dos sintomas de cada subescala. Com base nas pontuacões das três subescalas, classificam-se os cinco níveis de estresse: não estressado, alerta, resistência, quase esgotamento e esgotamento.

Procedimentos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comite de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (protocolo 20317). As participantes do estudo foram encaminhadas por órgãos de proteção para avaliação psicológica e psicoterapia. A avaliação psicológica foi constituída por três encontros com frequência semanal. No primeiro encontro foi realizada entrevista para coleta de dados sociodemográficos e histórico de situações de violência. Nos dois encontros seguintes foram avaliados sintomas psicológicos por meio de escalas e entrevistas estruturadas. Foram verificados níveis de ansiedade, depressão, critérios diagnósticos para TEPT e para nível de estresse.

Após a avaliação, as participantes foram encaminhadas para psicoterapia individual. O protocolo de intervenção baseado na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) foi constituído por 13 sessões e teve como objetivos: (1) compreender e identificar situações de violência e repercussões para saúde; (2) ativar, integrar e re-significar memórias traumáticas; (3) aprender estratégias para resolver problemas decorrentes da situação de violência experienciada; (4) desenvolver comportamentos de proteção e conhecer direitos e órgãos que compõem a rede de proteção; e (5) reduzir níveis de ansiedade, depressão, estresse e TEPT. O protocolo foi dividido em quatro etapas, conforme objetivos e técnicas empregadas: Etapa 1 - Psicoeducação e reestruturação cognitiva (quatro sessões); Etapa 2 - Exposição gradual às memórias traumáticas (três sessões); Etapa 3 - Resolução de problemas (duas sessões) e, Etapa 4 - Prevenção à recaída (quatro sessões).

As sessões de psicoterapia possuíam duração de 50 minutos e foram descritas de maneira dialogada. As terapeutas eram graduadas em psicologia e possuíam experiencia no tratamento de vítimas de violência. Foram submetidas a treinamento prévio para aplicar o protocolo.

Após a intervenção foi realizada uma reavaliação, com aplicação dos mesmos instrumentos psicológicos utilizados na avaliação inicial. As participantes foram atendidas por diferentes terapeutas e as avaliações foram realizadas por outros membros da equipe de pesquisa, que não atuaram como terapeuta no caso, minimizando viés de respostas por conta do vínculo terapêutico.

Procedimentos de análises

O método JT foi usado como uma estratégia analítica para investigar quais participantes se beneficiaram da intervenção. Optamos por utilizar o método JT porque permite avaliar a efetividade da intervenção comparando a participante consigo mesma antes e depois da intervenção. Esta estratégia de análise permite classificar as participantes naquelas que apresentaram melhora, piora ou permaneceram estáveis após receberem a intervenção (Jacobson y Truax, 1991). A confiabilidade das mudanças foi investigada pela índice de mudança confiável (IMC). O IMC avalia se as mudanças nos escores antes e após a intervenção são consequências da intervenção ou se estão relacionadas a outros aspectos, como erro de mensuração ou mudanças no cotidiano das participantes. O IMC foi calculado em relação aos sintomas de ansiedade e depressão.

Resultados

Os resultados estão apresentados em tópicos. O primeiro descreve o processo terapêutico, por meio de recortes clínicos de quatro casos. O segundo apresenta os resultados da intervenção, comparando os níveis de depressão, ansiedade, estresse e TEPT, antes e depois desta.

Descrição do Processo Terapeutico

Sessão 1

O objetivo da sessão foi conhecer a história de vida passada e atual das participantes e verificar as expectativas destas com relação ao processo psicoterapêutico. Ana falou sobre sentimentos de tristeza e culpa: “estou depressiva” “me sinto culpada por não ser a mãe ideal para meu filho”. Apesar das participantes apresentarem muitas queixas e dificuldades atuais, elas relataram expectativas positivas em relação ao início da psicoterapia. Elas identificaram que aquele seria um espaço de acolhida, resolução de problemas e auxílio para lidar com emoções negativas, como citado a seguir: “aqui vou poder pensar sobre minhas decisões” (Ana), “quero me valorizar novamente” (Carolina), “estou na busca pela felicidade” (Denise). Ainda nesse primeiro encontro as terapeutas explicaram como funcionariam as sessões, realizando o contrato terapêutico, que é essencial para que o paciente se sinta motivado, seguro e confie no processo que terá início (Beck, 1997). A psicoeducação sobre o modelo cognitivo e sobre definições e dinâmica da violência foi iniciada nesta sessão. É importante que as participantes conheçam o modelo cognitivo para que aprendam a identificar cognições, emoções e comportamentos, as relações entre estes sistemas e como podem atuar frente a situações-problema ou eventos estressores. Além do modelo cognitivo, as terapeutas abordaram também as principais formas de violência contra a mulher, bem como a dinâmica e repercussões desta experiência. Algumas participantes se deram conta nessa sessão de situações de violência psicológica e patrimonial vivenciadas. Elas não tinham conhecimento de que ameaças e apropriação de seu salário pelo companheiro eram expressões de violência. Por fim, as participantes foram convidadas a construir um cartão que representasse a visão de si. Este cartão foi produzido com colagens de figuras e/ou com palavras que as descrevessem. As participantes apresentaram resistência inicial à atividade: “não sei fazer” (Beatriz), “não faço nada bem” (Ana), “não sei por onde começar” (Denise). Depois se engajaram na confecção do cartão e revelaram uma visão negativa de si. “Nunca acho que faço as coisas bem feitas e não sou organizada” (Ana), “Indecisa, infeliz” (Denise), “Sou um lixo” (Beatriz), “Quero buscar a felicidade, pois me vejo infeliz” (Carolina).

Foi discutido que a visão negativa de si pode ter sido desenvolvida ou agravada pela exposição à violência, bem como atuar como fator de risco para mantê-las envolvidas com parceiros violentos. Ao final, pediu-se um feedback às participantes. Isso é importante, pois favorece a retomada do contrato de trabalho, reduz erros interpretativos do que foi discutido e contribui para estabelecimento de vínculo terapêutico (Beck, 2000).

Sessão 2

A segunda sessão teve como objetivo construir a linha da vida de cada participante, identificando os eventos mais significativos e mapeando possíveis situações de violência ao longo da vida. Cada participante foi incentivada a pensar sua trajetória de vida, da infância até idade adulta. Para construir esta linha, foi utilizada a técnica de construção de imagens mentais. As técnicas com imagens mentais possibilitam que o paciente se conecte as emoções desencadeadas por situações da vida, no caso, as situações de violência. A partir desta conexão emocional, é possível que o indivíduo lembre detalhes das situações experienciadas no passado e consiga recordar-se de como se sentia nestes momentos. A conexão emocional com as lembranças de eventos significativos é fundamental para que a reestruturação de esquemas disfuncionais ocorra em níveis cognitivos e emocionais (Young, 2008). Com o exercício, as participantes acessaram informações importantes sobre as situações de violência: “acho que sofro violência desde a infância, minha mãe já me agredia antes do meu ex-marido fazer isso” (Ana), “sempre presenciei cenas de violência, inclusive entre meus pais. Já sofri violência de vários tipos, mas a pior é a violência pelas palavras” (Denise). As terapeutas utilizaram os fatos relatados pelas participantes para retomar os diferentes tipos de violência e as repercussões para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Aspectos como a transgeracionalidade da violência, bem como desigualdade de gênero e de gerações foram discutidas.

Sessão 3

A terceira sessão teve como foco a compreensão do Modelo ABC (Evento-Interpretação-Consequências). Este modelo postula que cada situação vivida por uma pessoa (A - evento) ativa crenças individuais (B - interpretação) e consequências (C) emocionais, comportamentais ou fisiológicas. Por meio do Modelo ABC, as participantes puderam identificar suas crenças e avaliar sua funcionalidade no contexto que estão inseridas. Crenças disfuncionais identificadas devem ser questionadas e por meio da descoberta guiada podem ser flexibilizadas e modificadas (Dobson, 2010). Nesta sessão, as participantes identificaram crenças disfuncionais relacionadas à violência e sua dinâmica e o objetivo foi a flexibilização de tais crenças. “Quando ele não bebe, torna-se a melhor pessoa do mundo. Mas quando bebe, tudo de ruim pode acontecer, pois ele torna-se muito agressivo. Quando penso da primeira forma me sinto tranquila e feliz, mas eu não penso sempre assim. Quando penso que ele se torna agressivo quando bebe, fico triste, com medo e com raiva. Desta forma, sei que voltar com ele seria péssimo. Então entendo que racionalmente não seria bom voltar, mas emocionalmente tenho dúvidas, pois não acho que consiga ficar separada dele” (Denise). Por meio da descoberta guiada, Denise identificou que seu marido consumia álcool frequentemente e que semanalmente era exposta a muitas situações de violência.

Sessão 4

As consequências e possíveis psicopatologias decorrentes da exposição à violência foram abordadas. Sintomas de ansiedade, depressão, estresse e TEPT foram discutidos a partir das avaliações psicológicas realizadas antes da psicoterapia. O funcionamento da memória traumática e sintomas de revivência e esquiva foram explicados pelas terapeutas. Uma das pacientes compartilhou sua experiência de sintomas de revivência e de lembranças: “Não consigo mais dormir tão bem quanto antes. Acordo no meio da noite lembrando que, quando eu estava com ele, eu dormia tensa. Eu costumava acordar durante a noite para ver se ele estava bêbado. Às vezes eu era acordada por ele, quando ele estava alcoolizado” (Denise). Em seguida, a técnica de exposição gradual às memórias traumáticas foi introduzida, com objetivo de ativar, integrar e ressignificar tais memórias, bem como estabelecer estratégias para regulação emocional. Para isso, a linha da vida foi retomada e foi solicitado que recordassem de algum dos episódios de violência. As participantes relataram oralmente a situação com detalhes, com auxílio das terapeutas. Denise relatou a situação: “Lembro-me de um domingo que a gente resolveu fazer uma carne no forno, e ele não tinha a forma. Então eu fui até a minha casa pegar a forma, mas não percebi que ele já estava bêbado. Quando eu voltei e percebi que ele havia bebido, eu fiquei muito louca da vida com ele e comecei a xingá-lo muito, então ele se avançou e eu me botei na frente das crianças. Ele pegou uma forma, que uma pessoa normal não conseguiria amassar, e ele transformou aquela forma em nada. Virou uma coisa que não dava mais pra dizer o que era aquilo”. Ana trouxe a seguinte situação: “A situação que mais costumo me lembrar é quando ele me abandonou na primeira gravidez. Ele queria que eu fizesse um aborto e eu não quis. Foi um dos momentos de maior sofrimento em toda a minha vida. Hoje, mesmo quando não quero, essas lembranças vêm na minha cabeça. Fico triste e com raiva”. A interpretação dada às situações relatadas foi abordada e quando identificados pensamentos distorcidos, como percepções e atribuições de culpa, por exemplo, estes foram reestruturados por meio da técnica de descoberta guiada. A sessão foi finalizada com um relaxamento, por meio de respiração controlada.

Sessão 5

Nesta sessão, o relato anterior foi detalhado e aprofundado. Nesse momento, foi pedido que as participantes construíssem uma imagem mental do agressor. Logo após essa técnica, foi realizada a construção da representação do agressor em massinha de modelar. Na sequência, os sentimentos e pensamentos referentes ao agressor foram expressos por meio da técnica role play. Novamente apareceram percepções de incapacidade para a realização da tarefa: “eu não vou conseguir fazer” (Carolina).

Ana expressou sua raiva: “vou fazer este boneco gordo e feio”, “seu doente, tu tem problemas sérios... eu tenho raiva de ti e ao mesmo tempo tenho pena”. Carolina compartilhou: “já senti muita raiva dele, agora consigo perdoar porque sei que ele é doente e alcóolatra. É difícil falar sobre essas coisas, mas estou aliviada e me sentindo mais leve”. A sessão finalizou-se com exercício de relaxamento, por meio de respiração controlada para controle da ansiedade.

Sessão 6

A sexta sessão deu continuidade ao trabalho com memórias traumáticas, por meio da exposição gradual e substituição de imagens negativas por imagens positivas. As participantes construíram uma imagem mental de um evento de violência sofrido e após o relataram detalhadamente. Em seguida, as terapeutas conduziram as participantes para construção de imagem mental de um evento positivo vivenciado. Por fim, as terapeutas conduziram a substituição sistemática de imagem mental negativa pela positiva. As técnicas com imagens mentais contribuem para a aprendizagem de comportamentos funcionais para lidar com lembranças negativas. Ao substituir uma imagem mental negativa por outra positiva, consequentemente são evocados sentimentos positivos que podem inibir a resposta de ansiedade (Barbosa & Borba, 2010). Por meio dessa técnica é possível adquirir maior controle sobre as lembranças relacionadas à violência. Denise relatou a seguinte imagem negativa: “ele estava bêbado e me bateu na frente do homem que corta a grama. Eu fugi para a casa de uma amiga. De noite me chamaram, dizendo que ele tinha arrebentado a minha porta”, substituindo-a pela seguinte situação positiva: “estou pensando no nascimento do meu segundo neto. São boas sensações. É uma ótima lembrança ter visto meu neto mais velho feliz e ansioso para conhecer o irmãozinho”. Carolina compartilhou a situação negativa: “Eu lembro que precisava arrumar a porta da casa da minha patroa e então consegui um soldador para fazer isso. Meu marido me acusou de tê-lo traído com o soldador. Isso me deixou muito triste, ele não se preocupou comigo e só com a desconfiança, sem motivo real”, substituindo-a pela imagem positiva: “penso na renovação dos votos do meu casamento. É bom lembrar isso, mentalizar esta troca”.

Sessão 7

Nessa sessão as participantes foram incentivadas a relatar detalhadamente a situação de violência que mais gerou sofrimento. As emoções vivenciadas no relato foram exploradas. As crenças em relação à situação e os comportamentos decorrentes foram integrados. A partir do relato, terapeuta e paciente construíram o “botão de emergência”, que é um cartão de enfrentamento contendo estratégias a serem utilizadas nos momentos em que as memórias intrusivas aparecerem. Ana relatou “o dano psicológico foi o pior impacto da violência para mim. Tenho baixa autoestima”, e escolheu como estratégias do botão de emergência: “posso brincar com a minha filha, dar uma volta com meus filhos ou brincar com a minha vizinha”. Denise escolheu as seguintes estratégias para os momentos em que as memórias negativas surgirem: “posso lembrar-me de abrir as gavetinhas de imagens, pensar e planejar coisas para o futuro, conversar comigo mesma, fazer artesanato e organizar as coisas para a casa. Sair, ver e comprar materiais para o artesanato”. Ainda segundo ela, o que a violência deixou de pior consequência foi a baixa capacidade de confiar nos homens. A sessão foi encerrada após a técnica de relaxamento.

Sessão 8

A técnica de resolução de problemas (RP) foi introduzida nessa sessão. Os cinco passos da RP foram trabalhados: orientação para o problema; definição e formulação de problemas; geração de soluções alternativas; tomada de decisões; implementação de soluções e verificação. Esta técnica permite ao paciente fazer a antecipação de resultados de uma ação, avaliando e comparando cada solução levantada. Ainda, a RP permite que o indivíduo possa avaliar sua capacidade de resolver uma situação conflitosa, e, caso identifique que a alternativa selecionada não seja adequada, deve recomeçar o processo (Caballo, 1996). As participantes elaboraram uma lista com três problemas para serem discutidos na terapia. Estes foram alguns dos problemas trazidos por elas: “onde vou deixar meu filho enquanto eu trabalho?” (Ana); “Como vou pagar impostos para minha aposentadoria?” (Denise); “Devo vender a minha casa ou não devo?” (Beatriz); “Que terreno devo escolher para construir a minha casa?” (Carolina). Como tarefa de casa, foi sugerido que a paciente escolhesse algum problema para buscar a resolução a partir dos passos de RP aprendidos.

Sessão 9

Retomou-se a tarefa de casa e se discutiu a aplicação da técnica e os resultados obtidos. Todas as pacientes se sentiram beneficiadas por aprender a técnica da RP, chegando a conclusões que geraram a diminuição do nível de ansiedade e capacidade de reflexão. “Decidi que posso contratar uma senhora para ficar com meu filho quando eu precisar trabalhar” (Ana), “Sei que posso me organizar. Vou buscar uma agência bancária para me orientar na solução” (Denise).

Sessão 10

A prevenção à recaída é iniciada nessa sessão. O foco foi construir estratégias protetivas para evitar revitimizações, o conhecimento da legislação, das redes de proteção existente para casos de violência e seu funcionamento. As leis Maria da Penha e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) vigentes no Brasil para proteção e garantia de direitos delas e de seus filhos foram abordadas. Além de esclarecimentos sobre estas leis, foram identificados os papeis e atribuições de cada órgão público que atua na proteção de mulheres vítimas de violência. Ana referiu: “minhas experiências na rede foram positivas, fui bem atendida na delegacia da mulher”. Carolina trouxe que: “sempre me senti bem atendida na rede, hoje, sinto-me segura caso eu precise novamente recorrer a alguma ajuda. Sinto-me protegida e bem acolhida”. Em contrapartida, Beatriz relatou: “A rede é muito desorganizada. Fui atendida por pessoas relapsas e que não solucionaram meu problema, me encaminhando para outros locais. Em uma situação, havia quatro pessoas em uma sala e ninguém me deu uma atenção devida. Péssima a minha avaliação sobre a rede”. Telefones e endereços dos órgãos de proteção foram disponibilizados para situações de risco identificadas.

Sessão 11

Utilizaram-se técnicas do Treino de Habilidades Sociais (THS), focando em medidas protetivas. O THS tem como objetivo ensinar estratégias e habilidades interpessoais para a paciente, com a intenção de melhorar a competência interpessoal e individual. Assim, a paciente cria recursos para atingir objetivos e manter sua autoestima, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia e tomada de decisão (Caballo, 2003). O objetivo foi treinar as participantes para serem mais assertivas em situações de conflito, comunicar-se de forma clara e precisa e desenvolver comportamentos protetivos. Denise relatou: “Hoje não aceito mais ser maltratada e nem menosprezada. Posso pedir ajuda para uma prima e para uma amiga quando estiver passando por alguma situação de risco”. Ana disse que: “Posso perceber quando meu marido começa a ficar exaltado e vai me agredir verbalmente. Antes eu só escutava e depois chorava, agora, fico indiferente e busco evidências que me confirmem que o que ele diz não é plausível”.

Sessão 12

Nesta sessão as participantes construíram um projeto para o futuro, com metas em curto, médio e longo prazo. Elas detalharam suas pretensões para um mês, um semestre e um ano, e isto foi anexado à sua linha do tempo construída no início do tratamento. Foram trabalhados os possíveis desafios e dificuldades que poderiam enfrentar na execução do projeto e exploraram-se alternativas para resolução. Além disso, todas as estratégias que foram trabalhadas ao longo do protocolo para lidar com lembranças de eventos de violência foram retomadas.

Sessão 13

Na última sessão, o cartão construído na primeira sessão com a visão de si foi retomado e foram identificadas possíveis modificações nas crenças sobre si. Uma auto avaliação foi realizada. “Hoje consigo identificar que existem muitas distorções de pensamento. Antes eu acreditava que tudo aquilo era verdade. Não me sinto a mulher maravilhosa do mundo, talvez nunca me sinta, mas já sei que não sou a pior mulher e nem a pior mãe do mundo. Tenho valor e vou lutar sempre para realizar meus sonhos” (Ana). “Percebi minha melhora em cada encontro e agora minha vida está melhor. Tenho conseguido coisas importantes que eu quero e posso mudar o que não está bem” (Denise.). “Tenho usado as estratégias aprendidas com frequência, como o modelo ABC e a RP. Estou muito feliz por não estar me sentindo mais daquele jeito e por ter conquistado minha liberdade” (Beatriz). “Esse processo foi muito importante para mim, mudei a minha vida para muito melhor. Estou me sentindo novamente uma mulher, capaz de ser feliz e realizar meus sonhos. Se a violência voltar a acontecer, sei que terei ajuda” (Carolina).

Resultados da Intervenção

O impacto da intervenção foi avaliado comparando os níveis de depressão, ansiedade e estresse antes e depois do processo terapêutico. Além disso, foi verificada a presença de diagnóstico de TEPT nestes dois momentos. Os resultados estão apresentados na Tabela 1.

As análises a partir do Método JT mostraram que as participantes 1 (IMC = -3,1), 2 (IMC = - 3.9) e 4 (IMC = - 3.7) apresentaram mudanças positivas e clinicamente significativas depois da intervenção nos índices de ansiedade. A participante 3 (IMC = - 1.9) manteve estáveis os níveis de ansiedade depois da intervenção. Os resultados a respeito dos níveis de depressão indicaram que a participante 2 (IMC = -2.6) apresentou melhoras clínicas significativas depois da intervenção. Os resultados das participantes 1 (IMC = -0.9), 3 (IMC = 0.1) e 4 (IMC = -0.8) indicaram que mantiveram os níveis estáveis de depressão depois da intervenção.

Os sintomas de estresse apresentaram redução nos casos 2, 3 e 4 e se mantiveram estáveis no caso 1. Por fim, critérios diagnósticos para TEPT observados no pré-teste nos casos 2 e 4 não foram identificados no pós-teste. Por outro lado, no caso 1 se observou que os critérios para o diagnóstico de TEPT foram apresentados após a intervenção.

Tabela 1: Sintomas Antes (Pre-teste) e Depois (Pós-teste) do Processo Terapêutico. 

Discussão

A descrição das sessões e a análise dos resultados da avaliação psicológica antes e após a aplicação do protocolo de TCC sugerem evidências iniciais de que a intervenção atingiu seus objetivos. As primeiras sessões evidenciaram problemas de baixa autoestima e autoeficácia das participantes. Os relatos autodepreciativos corroboram com a literatura no que diz respeito aos efeitos advindos da violência e da negligencia na infância, principalmente no contexto familiar. Estes padrões se mantiveram nas relações estabelecidas na vida adulta. Percebe-se que aspectos transgeracionais da violência se apresentam no relato das mulheres participantes, o que vêm ao encontro de estudos na área. As relações familiares são modelos para o desenvolvimento de repertórios comportamentais para resolução de conflitos. Assim, sofrer abuso ou testemunhar a violência dos pais aumenta o risco de relacionamentos íntimos violentos (Gadoni-Costa, 2011; Lamoglia & Minayo, 2009; Marasca, Razera, Pereira, & Falcke, 2017).

A partir da quinta sessão, percebe-se que há uma mudança no entendimento sobre os comportamentos dos cônjuges. A expressão de raiva e o reconhecimento das dificuldades e psicopatologias que os companheiros ou ex-companheiros apresentavam, assim como a discussão sobre aspectos de gênero relacionados à violência permitiu reestruturar crenças sobre as experiências relatadas. Entende-se reestruturação cognitiva como um processo que necessita de constante discussão e questionamento dos pensamentos automáticos, bem como validação das emoções negativas. Esse processo possibilita uma melhor compreensão do próprio funcionamento psicológico e o desenvolvimento de um novo repertório de crenças, mais funcionais (Bass et al., 2014; Lucânia et al., 2009). A responsabilização dos parceiros pelos atos de violência possui relação direta com a diminuição de culpa dessas mulheres. A culpa é um sentimento associado à depressão e à ansiedade. Além disso, a culpa é um fator de risco para a manutenção das relações violentas e é fomentada por expectativas sociais em relação à mulher (Correia et al., 2014; Young et al., 2008).

As sessões de exposição gradual às memórias traumáticas foram fundamentais para integração e resignificação de lembranças que geravam reações emocionais intensas e negativas. Tais sessões são fundamentais para redução dos sintomas de TEPT porque promovem percepção de controle dos pensamentos intrusivos e uma melhor capacidade de regulação emocional (Bermann & Graff, 2015; Habigzang et al., 2018; Ortiz et al., 2011). As últimas sessões buscaram promover o empoderamento das pacientes, pois muitas encontravam dificuldades para tomar decisões e resolver problemas de maneira mais autônoma. A dificuldade em tomar decisões é comum entre mulheres que sofreram violência. Seus parceiros com frequência assumem o papel de controlar e tomar decisões, deixando a mulher em um lugar de subjugação (Matud, Fortes, & Medina; 2014; Miller, Howell, & Graham-Berhamms, 2014).

A visão que cada participante tinha de si e de seu futuro também foi alterada, tornando-se mais positiva e funcional. Níveis de depressão, ansiedade, estresse e TEPT, que eram clinicamente significativos antes da intervenção, apresentaram redução após o término do tratamento. A intervenção também promoveu um reconhecimento de experiências antes não identificadas como violência, através da psicoeducação. Isso pode explicar porque a paciente Ana não apresentou critérios diagnósticos para TEPT no momento do pré-teste, mas ao final da intervenção os critérios diagnósticos para o transtorno foram identificados. Ana reconheceu experiências e sintomas que antes ela não entendia como relacionados à violência. A exposição constante à violência gera uma naturalização dessa experiência, dificultando que a mulher identifique a violência sofrida (Zancan, Lawrenz, Cúria, Ligório, Freitas, & Habigzang, 2019). Nesse sentido a psicoeducação é fundamental para evitar novas relações violentas (Bass et al., 2014; Bermann & Graff, 2015).

Questões práticas a respeito do funcionamento da rede de proteção e de como acioná-la em situações de risco também foram trabalhadas. Tais informações possibilitaram que as participantes se sentissem mais seguras, e, portanto, capazes de pedir ajuda. A literatura aponta que conhecimento e informação sobre a rede de proteção aumentam as chances de vítimas de violência buscarem por apoio e amparo (Gadoni-Costa et al., 2011). Trabalhou-se de forma detalhada a técnica da Resolução de Problemas e percebeu-se nos relatos que as participantes encerraram o programa sentindo-se mais capazes de tomar decisões e pensar em soluções para seus problemas, o que é o objetivo principal da intervenção (Cort et al., 2014; Matud et al., 2014; Miller et al., 2014). Ao final das sessões, elas trouxeram situações nas quais conseguiam identificar e elencar possíveis soluções para os problemas enfrentados, bem como planejar os próximos meses e anos de suas vidas, criando metas possíveis de serem alcançadas.

Um dos objetivos das intervenções cognitivo-comportamentais é que o paciente possa se tornar seu próprio terapeuta após o processo psicoterapêutico. Foi possível verificar que ao longo do processo terapêutico, as participantes aprenderam a utilizar as técnicas para reconhecimento de pensamentos disfuncionais e questionamento de crenças distorcidas. Além disso, a técnica de resolução de problemas foi bem aproveitada e as participantes passaram a fazer uso desta para criar alternativas para resolver problemas cotidianos. Por fim, identificou-se que a intervenção contribuiu para melhorar a visão de si e para construção de um projeto de vida que rompesse com o papel de submissão à violência.

O impacto da intervenção foi positivo para as participantes que apresentavam níveis clínicos de ansiedade. Com relação à depressão, a participante 2, que apresentava nível grave no pré-teste, apresentou redução significativa desse sintoma após a intervenção. As participantes 3 e 4 já apresentavam níveis leves de depressão antes da psicoterapia e, portanto, permaneceram estáveis. A participante 1 apresentou níveis estáveis ​​de depressão após a intervenção e critérios para o diagnóstico de TEPT. Uma hipótese para essa resposta ao tratamento pode ser a experiência de abuso infantil não identificada antes da psicoterapia e que, ao longo do processo terapêutico, se mostrou importante. As participantes 2 e 4 não apresentaram TEPT após a psicoterapia. O resultado positivo do protocolo de intervenção corrobora o que já está descrito na literatura sobre a eficácia da TCC no tratamento de vítimas de violência (Petersen et al., 2019).

Uma limitação deste estudo se deve ao fato de que as sessões foram relatadas e não transcritas. O relato das sessões está permeado pelas observações subjetivas das terapeutas. A transcrição das sessões garantiria maior precisão e detalhamento das intervenções realizadas. Além disso, o estudo não apresenta casos-controle para comparação dos resultados. O caso de Ana merece atenção em função do TEPT identificado após a intervenção. Este dado sugere necessidade de reformulações no protocolo com sessões adicionais com a técnica de exposição gradual às memórias traumáticas.

Apesar das limitações, o protocolo gerou resultados positivos, que podem ser considerados evidências iniciais de sua efetividade. O desenvolvimento e avaliação de efetividade de protocolos de psicoterapia são fundamentais para qualificar as ações em saúde mental para essa população. Estudos complementares para avaliação de processo e resultado com maior número de participantes e com grupo controle são fundamentais na construção de evidencias de efetividade da intervenção proposta.

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1Nota: Participação dos autores: a) Planejamento e concepção do trabalho; b) Coleta de dados; c) Análise e interpretação de dados; d) Redação do manuscrito; e) Revisão crítica do manuscrito. L.F.H. ha contribuido en a,b,c,d,e; M.G.F.P. en d,e; L.Z.M. en d,e.

Correspondência: Luisa Fernanda Habigzang, Mariana Gomes Ferreira Petersen, Luisa Zamagna Maciel. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 11, 9º andar, sala 924. Porto Alegre, RS - Brasil. CEP 90619900. E-mails: luisa.habigzang@pucrs.br; mariana@sgferreira.com.br; luisazmaciel@gmail.com

Como citar este artigo: Habigzang, L.F., Gomes F.P.M., & Maciel, Z.L. (2019). Terapia Cognitivo-Comportamental para mulheres que sofreram violência por seus parceiros íntimos: Estudos de casos múltiplos. Ciencias Psicológicas, 13(2), 249 - 264. doi: 10.22235/cp.v13i2.1882

Recebido: 12 de Março de 2018; Aceito: 31 de Julho de 2019

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