Introdução
O cuidado de enfermeiras na Atenção Primária à Saúde (APS) no pré-natal é um componente crucial da assistência à saúde materna-infantil. Abrange o acompanhamento e cuidados no período gestacional, identificando e tratando precocemente possíveis complicações. Além das ações clínicas, proporciona também um ambiente propício para práticas educativas, o que promove redução de possíveis desfechos negativos, assegurando uma gestação saudável e um parto seguro. (1
Sob a perspectiva de Ayres (2004), em um encontro terapêutico, como uma consulta pré-natal, uma relação de cuidado pode se estabelecer, desde que busque ativamente relacionar o aspecto técnico, aos aspectos humanistas da atenção à saúde. 2 Assim, o cuidado de enfermagem é concebido um “fenômeno intencional, essencial à vida, que ocorre no encontro de seres humanos que interagem e é direcionado às necessidades do indivíduo, da família e da comunidade”. 3
A Atenção Básica (AB) desempenha um papel importante no cuidado das mulheres durante a gestação, por ser a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS). Por esse motivo, a gestante deve procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) para dar início ao pré-natal o mais breve possível, pois proporciona atenção integralizada, contínua e equitativa, acolhendo suas necessidades e envolvendo atividades educativas e preventivas desenvolvidas por profissionais de saúde. (1, 4)
Para o cuidado pré-natal na AB a enfermeira é respaldada legalmente pelo Decreto nº 94.406/87 e a Lei 7.498/86 para a realização de consultas de enfermagem, avaliações obstétricas, solicitação de exame e prescrição de medicamentos. E têm atuado na realização do acompanhamento pré-natal, considerando as potencialidades que envolvem esse cuidado, mas também reconhecendo a existência das muitas fragilidades que interferem na qualidade da assistência. 5,6
Além disso, possibilita o estabelecimento de vínculo entre a enfermeira e a gestante, que permite confiança e segurança no cuidado a estas. Esta percepção é evidenciada em estudos que mostram que as gestantes se declaram satisfeitas com as consultas realizadas por enfermeiras, referindo o acolhimento e à escuta com o diferencial neste cuidado. 7
No Brasil existem programas e materiais estabelecidos pelo Ministério da Saúde (MS) com a finalidade de melhorar acesso, cobertura e qualidade dos atendimentos, como por exemplo o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) instituído em 2000 e a Rede Cegonha em 2011. Dentre os materiais destacamos os Cadernos de AB para pré-natal de baixo risco lançados em 2012. O país assumiu compromisso internacional com a adesão aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas para redução da mortalidade materna e neonatal. Assim, busca seguir os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS) que estabelece que o número ideal de consultas de pré-natal é igual ou maior que seis, sendo realizado de forma mensal até a 28ª semana, quinzenais entre 28 e 36 semanas, e após isso semanalmente. Segundo o MS as consultas podem ser realizadas por médico e/ou enfermeira. (4)
Existe uma recomendação do governo brasileiro, na qual é imprescindível a realização de consultas de qualidade, realização de testes diagnósticos, vacinas, exames de rotina e oferta de suplementos necessários, e que todas as informações sejam registradas na Caderneta da Gestante e em sistemas de informação, a fim de facilitar no momento do parto para garantir uma assistência de qualidade. 8)
Tendo em vista a importância significativa da assistência adequada no pré-natal para assegurar de forma ideal o bem-estar materno e neonatal, é fundamental aprofundar o conhecimento sobre o modo como vem sendo realizado o pré-natal na atenção básica por enfermeiras, visto que, a partir disso, pode-se obter informações relevantes com base na literatura que reflitam aspectos -sejam eles positivos ou negativos- que interferem na qualidade do cuidado prestado, provocando novas reflexões.
Nesta perspectiva, estabeleceu-se como objetivo: compreender, por meio de evidências científicas, como é o acompanhamento pré-natal realizado por enfermeiras na atenção primária à saúde no Brasil.
Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, que teve o intuito de reunir, sintetizar e analisar as evidências científicas disponíveis que se relacionam com o tema,9 realizada em seis etapas10 citadas a seguir:
Etapa 1. Elaboração do tema, delimitação da pergunta de investigação e do objetivo; Etapa 2. Definição da estratégia de busca, bases de dados e estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; Etapa 3. Busca na literatura e formação de banco de dados; Etapa 4. Categorização das pesquisas com a utilização da estratégia PICo que corresponde ao acrônimo População, Interesse e Contexto; a elaboração da pergunta de investigação partiu da DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), que possibilitou delimitar os descritores em português e seus equivalentes em inglês através do MeSH (Medical Subject Headings), 11 conforme Tabela 1, culminando na seguinte pergunta de investigação: Como a enfermeira vem atuando no pré-natal no contexto da atenção básica no Brasil?
A partir disso, através do Portal de Periódicos da CAPES que foi criado para possibilitar o acesso à produção científica atualizada e de qualidade, por disponibilizar bases de dados textuais e referenciais em todas as áreas do conhecimento de periódicos nacionais e internacionais, finalizou-se a etapa 4 de extração dos dados; dando início a etapa 5 composta pela análise, interpretação e discussão dos resultados; e por fim, a etapa 6 da síntese e apresentação de revisão. 9
Adotou-se como critérios de inclusão: artigos nacionais e/ou internacionais; artigos publicados em português e/ou inglês e/ou espanhol; artigos publicados nos últimos 7 anos, em específico, entre 2017 e 2023, até o mês de julho. Estabeleceu-se 2017 como ano inicial, em virtude de ter sido sancionada a Política Nacional de Atenção Básica no Brasil. 12 À medida que se considerou como critérios de exclusão: artigos indisponíveis na íntegra; estudos de revisão, reflexão, relato de experiência, resumos, teses e dissertações; e estudos que não abordassem o cuidado prestado pela enfermeira, inserida nos serviços de APS.
Nesse sentido, os descritores foram combinados com a utilização do operador booleano “AND” e “OR” e geraram as estratégias de busca que foram empregadas no Portal de periódicos da CAPES. A estratégia de busca foi aplicada nos dias 21 de julho e 9 de agosto de 2023 por cinco examinadores, de forma independente, sendo encontrada a mesma quantidade de publicações iniciais. Após a aplicação dos filtros: idioma (português, inglês, espanhol), recorte temporal (2017-2023) e disponíveis na íntegra, os dados compuseram os resultados iniciais (Tabela 1).
Os artigos encontrados foram analisados e escolhidos pela avaliação dos seus títulos que deveriam conter algum dos descritores selecionados. A seguir, foram importados para o Rayyan Web (http://rayyan.qcri.org), no qual ocorreu a segunda etapa de avaliação. O Rayyan possibilita avaliação dos estudos com o cegamento do revisor auxiliar, o que favorece a fidedignidade na seleção das informações e a precisão metodológica.13 Nessa etapa, que correspondeu a análise da adequabilidade das publicações aos critérios de inclusão, a primeira e a segunda autora realizaram, de modo independente e às cegas, a etapa de triagem, mediante a leitura dos títulos e, posteriormente dos resumos, enquanto a terceira autora fez o mesmo, mas sendo responsável por resolver as divergências anteriores.
Para a fase de extração dos dados, que foi realizada por cinco autoras, os estudos incluídos foram fichados e organizados em uma planilha por meio do editor Microsoft Excel, versão 2016, com os seguintes dados: país, base de dados, método, ideias centrais e nível de evidência acerca do cuidado da enfermeira.
Em seguida, procedeu-se com a análise dos dados extraídos, com base no método indutivo, pois possibilita alcançar conclusões de teor mais amplo ao utilizar dados particulares, constatados a partir de processos observacionais, para se inferir uma verdade geral. O método de análise de conteúdo de Bardin por meio de três etapas (pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação) possibilitou a categorização e interpretação dos dados.14 Por fim, a escrita final da presente revisão se deu a partir das recomendações do checklist PRISM 2020 e do checklist PRISMA 2020 para resumo. 15)
A Figura 1 descreve o percurso realizado para identificação, triagem, elegibilidade e inclusão dos estudos, segundo as bases consultadas. Foram identificadas 87.649 publicações, com a aplicação dos critérios de inclusão, sendo estes: artigos nacionais e internacionais em português, inglês e espanhol; publicados nos últimos 7 anos (2017 e 2023) foram identificadas 2.161 publicações, após eliminar os duplicados restaram 1.336 publicações, 119 após a leitura dos títulos, 31 após leituras dos resumos e que atenderam aos critérios de elegibilidade, contudo após a leitura na íntegra 25 compuseram a amostra. Os artigos não incluídos totalizaram 88 publicações, destas 36 publicações não foram incluídas na pesquisa pois não mencionaram a participação da enfermeira e 52 publicações não falam de ações da enfermeira voltadas para APS.
Os estudos selecionados foram classificados, seguindo o referencial proposto por autoras que avalia o nível de evidência de cada estudo e permite ao pesquisador analisar diferentes tipos de métodos. Foi estabelecido o Nível 1 que comporta meta-análise de múltiplos estudos clínicos controlados e randomizados; o Nível 2 traz os estudos individuais com delineamento experimental; o Nível 3 apresenta os estudos quase-experimentais; o Nível 4 os estudos descritivos (não-experimentais) ou com abordagem qualitativa; o Nível 5 traz os relatos de caso ou de experiência; e, o Nível 6 comporta os artigos com evidências baseadas em opiniões de especialistas. (16
Diante da metodologia utilizada, restrita ao uso de dados publicados, não houve necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa. No entanto, os aspectos éticos e legais foram preservados, e o estudo não envolveu sujeitos participantes em nenhum momento.
Resultados
As evidências disponíveis (1.336) sobre a cuidados às mulheres no pré-natal realizado por enfermeiras na AB resultaram da amostra final de 25 artigos que são apresentados no quadro sinóptico (Tabela 2 . ). A amostra final foi dividida em quatro categorias para análise e discussão dos achados, o detalhamento dos artigos indicados em cada categoria está descrito na Tabela 3.
Nesse sentido, apesar dos critérios de inclusão de artigos publicados em três línguas e em periódicos internacionais, pode-se identificar que os 25 artigos incluídos na presente revisão foram publicados em revistas nacionais, vinculadas às instituições de ensino superior, o que simboliza a importância das mesmas para a produção de conhecimentos científicos acerca da temática.
No que concerne ao ano de publicação, os anos de 2019 e 2020 apresentaram a maior concentração de artigos publicados, ou seja, foram sete artigos publicados em 2020 e seis em 2019, no ano de 2023 houve apenas um artigo publicado. Por sua vez, reconheceu-se entre as regiões brasileiras o Nordeste com o maior número de publicações (8), seguido pela região Sudeste (6), Região Sul (4), Centro-Oeste (3), a região Norte (1) foi a que apareceu com menos artigos publicados sobre a temática.
Na etapa de síntese, tendo sido realizada a leitura na íntegra e o fichamento das publicações, elas foram classificadas de acordo com os níveis de evidência. Essa abordagem, fundamentada em evidências, foca nos sistemas de classificação, geralmente organizados de forma hierárquica, a depender do desenho da pesquisa, ou seja, da metodologia adotada no estudo. (16 Com isso, foi possível identificar que cinco artigos estão no nível três de evidência por serem estudos quase-experimentais, 19 no nível quatro de evidências por serem estudos descritivos não-experimentais/qualitativos, e um com nível de evidência cinco, sendo proveniente de estudo de caso.
Discussão
Com base nos principais resultados expostos pelos autores dos artigos selecionados foram confirmadas quatro categorias de análise temática e discutidos visando atender ao objetivo proposto para o presente estudo.
Categoria 1. A enfermeira atua em múltiplos espaços e pauta o cuidado em protocolos do Ministério da Saúde (MS)
A assistência da enfermeira no pré-natal da AB no Brasil, geralmente, é desenvolvida em um único espaço, ou seja, dentro das UBS. No entanto, se limitarmos o espaço da UBS como único, estamos limitando também a assistência ao pré-natal. Em nove estudos selecionados (17-19,21,24-26,28,39 foram destacados que é possível a atuação da enfermeira em múltiplos espaços sendo eles: educação em saúde, realização de visitas domiciliares e buscas ativas, grupos interativos com gestantes e familiares e o desenvolvimento de novas tecnologias para a assistência do pré-natal.
No que concerne aos espaços de educação, os nove artigos citados apontam que a enfermeira executa a orientação e busca sanar dúvidas das gestantes neste período de grandes modificações em sua vida, orientações que permitam o desenvolvimento de uma gestação segura.
Quanto às orientações mais pontuais, dentre os estudos destacam-se gestantes usuárias de crack, 17 e gestantes com diagnóstico de sífilis, 19 em que se relata que há um suporte da enfermeira quanto as pacientes dependentes, incentivando a realização do pré-natal para amenizar os danos, e nas orientações, diagnóstico e tratamento para sífilis. Entende-se que a atuação da enfermagem é crucial no atendimento às gestantes nesse cenário, pois a enfermeira desempenha um papel chave na promoção do bem-estar da mãe e da criança, e na prevenção da transmissão para o bebê. (42
Uma das estratégias utilizadas citadas nos artigos selecionados (17,18,24 foi a criação de grupos interativos, como um espaço fora do consultório facilitador para sanar dúvidas e tratar de temas de forma geral por favorecer a troca de saberes e garantir maior empoderamento das gestantes frente às situações vivenciadas durante a gestação e pós-parto. A existência e a implantação desses grupos na APS é extremamente relevante para preparar a gestante e seus familiares no período gravídico-puerperal e no cuidado com o recém-nascido, o que fortalece o vínculo da família com a enfermeira e com a unidade de saúde. (43
Durante as consultas, cabe à enfermeira fazer o registro delas em diversos sistemas de informação que acabam tomando uma boa parte das consultas, além de que podem ocorrer falhas ao acesso dos mesmos. Em um dos artigos incluídos na pesquisa, retrata a criação de uma planilha eletrônica que otimizou a sua assistência pré-natal, pois durante o seu uso foi perceptível a economia significativa do tempo (20 minutos por consulta), o que gerava uma maior disponibilidade para responder a dúvidas das gestantes. (26) Além da facilitação durante a tomada de decisão e condutas adequadas, visto que todas as informações das consultas anteriores estavam organizadas sistematicamente.
Os múltiplos espaços de atuação encontrados nos artigos descritos, entram em consonância com o que é protocolado no Caderno 32 da Atenção Básica. Nele observamos como deve ser realizado o acompanhamento e o desenvolvimento de uma gestação segura. Por exemplo, é preconizada a abordagem de atividades educativas e preventivas, que podem ser desenvolvidas por meio de grupos interativos com a gestante e familiar ou em cada consulta. Neste protocolo do Ministério da Saúde (MS) ainda cita que deve existir a identificação precoce de todas as gestantes na comunidade e o seu acompanhamento periódico e contínuo, registrando toda informação do quantitativo de gestantes e o desenvolvimento de cada consulta nos sistemas de informações. 4
Essas informações se tornam importantes para um espaço de atuação que foi citado, o de busca ativa, pois a unidade tendo esse controle de quantas gestantes possuem e se elas estão comparecendo às consultas continuadas, fica mais fácil observar as faltosas e ir atrás delas em seus domicílios que é um outro espaço de atuação. 4
Em contrapartida, ainda existem realidades que não tem aderência/existência da atuação nesses múltiplos espaços indo em desacordo com os protocolos do MS, como exemplo encontramos em quatro artigos de uma falha na criação de um espaço educativo, cuja finalidade é levar conhecimento e informação sobre a gestação, parto e puerpério, comprometendo dessa forma a qualidade do pré-natal. 22,23,29,31
Em um estudo realizado no Canadá, mostra a realidade das populações rurais, que frequentemente enfrentam barreiras significativas ao acesso a cuidados de saúde, incluindo questões geográficas e financeiras. A falta de transporte, longas distâncias e custos associados a viagens são obstáculos críticos que prejudicam a equidade no acesso aos cuidados de pré-natal. As soluções propostas para melhorar a assistência do pré-natal nestas áreas, foram a clínicas de saúde móveis e telemedicina, assemelhando-se às atividades extramuros desenvolvidas nas pesquisas encontradas nessa categoria. (44
Categoria 2. A enfermeira atua com acolhimento e vinculação propiciando um cuidado terapêutico singular
A atuação da enfermeira por meio do acolhimento e construção de vínculos destacam-se em 15 dos estudos selecionados 18,21,23-25,27,29,30,32-34,37-39,41 de maneira notável. Pois há uma valorização evidente das ações de acolhimento e escuta promovidas pela enfermeira, enfatizando a relevância da abordagem individualizada no cuidado para o desenvolvimento de um pré-natal saudável. Isso implica, como destacam, em dedicar uma atenção holística à mulher, respeitando suas crenças e particularidades, e dessa forma, fomentando uma prática de cuidado sensível e integral. 18,33
A consulta da enfermeira no pré-natal é um momento crucial para o estabelecimento de vínculos. Nesses contextos, as gestantes experienciam uma avaliação positiva, caracterizada pelo respeito e pela construção de relações interpessoais, marcadas por interação, vínculo, confiança, escuta e relações terapêuticas entre as enfermeiras e as gestantes. (21) A percepção das gestantes é unânime ao considerar a consulta com a enfermeira tão relevante quanto a realizada pela equipe médica, sendo que todas afirmaram sentir-se acolhidas e à vontade. (45
Na mencionada perspectiva, pesquisadores evidenciaram que a melhoria na atuação da enfermeira durante o acompanhamento pré-natal, mediante o estabelecimento de vínculos com as gestantes, favorece a continuidade da assistência pré-natal. Nesse contexto, a consolidação do vínculo na consulta pré-natal ocorre de maneira mais eficaz quando os enfermeiros demonstram respeito pelas crenças e valores intrínsecos de cada mulher. 45
Um artigo selecionado, destacou ainda que durante a consulta, as mulheres relataram sentir-se mais à vontade com a enfermeira, alegando terem recebido maior atenção, compreensão aprimorada, além de se sentirem mais acolhidas e valorizadas. Os relatos indicam que a atenção oferecida durante a consulta desempenha um papel significativo na percepção positiva das gestantes, destacando a importância de se sentirem valorizadas. É crucial notar que, de acordo com as participantes, as enfermeiras desempenham um papel fundamental no movimento de humanização e transformação do modelo assistencial ao parto e nascimento em nosso país. 29
Em pesquisa realizada no Peru, as participantes consideraram o acolhimento da enfermeira como um aspecto relevante, proporcionando-lhes segurança e a oportunidade de esclarecer todas as dúvidas, pois demonstravam disposição constante para ouvir e atender às necessidades das gestantes. 46
Nesta categoria houve destaque para a eficácia de determinadas ações realizadas por enfermeiras durante os atendimentos que visavam proporcionar segurança e estabelecer um elo significativo com a paciente. Essas práticas não apenas conferem tranquilidade, mas também fomentam a autonomia no cuidado com a gestação, resultando em um pré-natal de qualidade, pois a mulher recebe informações abrangentes e esclarecedoras. 46
Em um estudo que mensurava a qualidade no pré-natal, as enfermeiras foram observadas recebendo as pacientes de maneira cortês, aplicando uma escuta qualificada, utilizando uma linguagem apropriada e assegurando privacidade, com total respeito à confidencialidade. Além disso, realizavam uma anamnese satisfatória, com cálculos precisos da idade gestacional e da data provável do parto, devidamente revisadas e registradas. 32
O acolhimento é uma estratégia fundamental para estabelecer vínculos eficazes com gestantes. Este método envolve a recepção calorosa da gestante, utilizando uma postura acolhedora, chamando-a pelo nome e proporcionando uma escuta ativa. (27) Além disso, o estudo enfatiza a abertura para esclarecer dúvidas e compreender os anseios das gestantes, sendo essas ações cruciais para reorganizar a abordagem de trabalho. A orientação principal é direcionada para proporcionar conforto e segurança às gestantes, promovendo assim um ambiente propício para uma assistência pré-natal eficaz.
O acolhimento foi destaque na atenção durante as consultas, a abordagem de problemas na gestação, a investigação de queixas atuais, a orientação sobre vacinação e a prontidão para esclarecer dúvidas, foram aspectos notáveis. A utilização de linguagem clara, o tempo dedicado à consulta e a competência profissional aparecem como contribuições positivas. 44
Categoria 3. A enfermeira atua com dificuldades/despreparo: em temas sensíveis (drogas/adolescência), por desconhecimento da rede ou apenas fazendo o básico (exame físico)
Foi evidenciado em 12 estudos, algumas dificuldades e despreparo na atuação da enfermeira na assistência pré-natal. 17,19,20,22,23,29,31-33,35,36,40) Dentre os estudos selecionados (17,20,22,36 destacam os estigmas sociais e a falta de capacitação adequada, pois muitos profissionais têm dificuldade quando se deparam com situações de vulnerabilidade social. Para além, quando a enfermeira tem contato com públicos que necessitam de abordagens fora das físico-obstétricas, apresentam dificuldade em ter um olhar holístico para as condições e vivências das pacientes, como são os casos de adolescentes grávidas, usuárias de drogas e álcool. Abordar esses temas de forma aberta e compreensiva, utilizando protocolos e estratégias, é essencial para oferecer um suporte eficaz aos pacientes, promovendo a saúde e a prevenção de problemas futuros. 47
As fragilidades no atendimento de gestantes foram apontadas, principalmente as que estão em situações de vulnerabilidade, como quando são portadoras de alguma deficiência, pois além de enfrentar o preconceito sociocultural, e dificuldades na comunicação, a atuação da enfermeira foi caracterizada como limitada, e que a capacitação desses profissionais é essencial para melhorar a qualidade do atendimento para todo o público do pré-natal. 41
Quanto às dificuldades/despreparo no encaminhamento de gestantes de alto risco, os artigos 19,29,32,40 apontam que as enfermeiras não sabem como conduzir e para onde conduzir ou até mesmo não encaminham para a realização de exames necessários. Esse aspecto é relevante vez que o encaminhamento para outros serviços permite acesso a cuidados especializados e pode muitas vezes salvar a vida do binômio mãe-bebê, por isso é obrigação da enfermeira entender como funciona a rede de saúde. 48
Assim, em cinco artigos, 23,29,31,32,35 um dos pontos mais evidenciado, quanto ao despreparo profissional na assistência pré-natal, foi a falta de informações sobre planejamento reprodutivo, avaliação pré-concepcional, parto, gestação, amamentação e cuidados com o recém-nascido, e a não identificação de comportamentos de riscos para IST e orientação a respeito de proteção, até mesmo a não orientação sobre realizar os testes rápidos e importância de realizar o pré-natal.
Outro ponto de extrema importância apresentado nos artigos (32,33 foi a falta da realização dos exames físicos. Muitas enfermeiras realizavam os exames obstétricos e a ausculta cardiofetal, entretanto, não realizaram o rastreio de edema, exame das mamas e ginecológico, testes rápidos, nem mesmo, quando a gestante apresentava sintomas de desconforto respiratório.
As lacunas na assistência ao pré-natal, seja na falta de orientações, ou na ausência de exame físico, são evidentes em estudos nacionais e internacionais, em que apontou que as mulheres se informam mais sobre o processo de parturição por veículos de comunicação do que na consulta com o enfermeiro. E que apesar de pontuarem com boas notas na pesquisa sobre a orientação prestada, ao serem questionadas sobre métodos de alívio da dor, contrações verdadeiras, momento certo de ir para a maternidade, direitos no momento do parto a maioria não conhecia. Além disso, foram identificadas deficiências no conhecimento e na prática dos cuidados pré-natais entre mulheres grávidas. Por esse motivo sugere-se que a falta de informações, de orientações e as práticas inadequadas de cuidados pré-natais estão associadas a resultados adversos de saúde materna e neonatal. 49,50
É válido ressaltar que o conhecimento está interligado com o empoderamento feminino e autonomia da sua gestação, uma vez que a mulher conhece seus direitos e conhece os processos que lhe aguardam ela se sente mais segura para escolher sua via de parto e conversar sobre condutas, e a enfermeira tem papel fundamental para disseminar esse conhecimento. 49
Categoria 4. A enfermeira atua embasada no cuidado biomédico: assumindo sozinha todo o pré-natal ou com necessidade do aval do médico
Na presente categoria, enquadrou-se 4 estudos. 21,24,31,38) O modelo biomédico impacta na organização do processo de trabalho em saúde e, consequentemente, restringe a autonomia técnica da enfermeira. Nesse modelo assistencial, o médico é o profissional que possui maior grau de autonomia, agindo como ator central, limitando e condicionando a autonomia profissional da enfermeira pelas demandas do trabalho médico.
Na AB o trabalho coletivo em saúde propicia diferentes graus de autonomia e não exclui o fato de que as enfermeiras também decidem e definem condutas para executar seu trabalho, principalmente em rotinas internas, assumindo controle sobre o componente técnico do seu trabalho e a apropriação de um saber próprio para executar o processo de trabalho gerencial. (51
Relacionado a isso, nos estudos selecionados nas pesquisas realizadas em municípios da região Sul do Brasil na Estratégia de Saúde da Família (ESF), (24,31 apontaram que há uma baixa quantidade de profissionais nas equipes, em especial, médicos e uma alta quantidade de atendimentos. Por esse motivo, a enfermeira assume as demandas de pré-natal sozinha, resultando na sobrecarga de trabalho e em uma quantidade excessiva de atribuições que majoritariamente não são deveres da enfermeira, as quais idealmente deveriam ser distribuídas entre os profissionais da equipe multiprofissional. Como consequência da quantidade insuficiente de profissionais envolvidos na assistência pré-natal, a qualidade da assistência prestada às gestantes é baixa. 52
A enfermeira possui muitas atribuições que extrapolam o atendimento direto ao usuário, podendo ser consequência das demandas geradas pelas instituições e pela divisão social do trabalho, sendo necessário identificar a competência de cada membro da equipe, para que os limites não sejam ultrapassados, sendo indispensável a definição de papeis, tendo em vista que as diversas responsabilidades exigem habilidades diferentes, pois o serviço envolve abordagens individuais e coletivas, evidenciando a importância do compartilhamento das atribuições com uma equipe multiprofissional para que não haja sobrecarga de trabalho ou para que não afete a qualidade da assistência. 53
Outrossim, gestantes e enfermeiras possuem ideias contrárias sobre as atribuições da enfermeira no pré-natal. As gestantes sugerem que as enfermeiras devem marcar a consulta para a médica e o retorno para a consulta de enfermagem, quando não o faz são alvo de críticas. Outro aspecto de divergência é que quando as gestantes não possuem todas as suas demandas resolvidas pela enfermeira, por questões legais de competência profissional ou de especificidades, como receitar antibióticos e realizar alguns procedimentos, o encaminhamento ao médico pela enfermeira é visto como conhecimento limitado ou incompetência. 21
Nessa categoria, apenas um estudo realizado no Rio de Janeiro (Brasil) 31) trata da atuação em equipe e destaca que as gestantes se sentiram mais à vontade na consulta com a enfermeira do que com o médico, pois foram melhor acolhidas e valorizadas, sendo destaque a atenção recebida, visto que, com o médico a conduta é diferente, demonstrando frieza e não focando no ser humano como um todo, se adequando ao modelo biomédico, contrário ao modelo ideal para um pré-natal de qualidade. 38
Contrapondo a satisfação das gestantes com a consulta da enfermeira, um estudo de Fortaleza-Ceará (Brasil) mostrou a insatisfação com a consulta de enfermagem na ausência de referência e de contrarreferência e quando há carência de informações. Essas mulheres consideram que o pré-natal de qualidade é aquele com a presença de recursos tecnológicos, onde os profissionais desenvolvem um cuidado integral e com acolhimento. 54
Limitações do estudo
Um ponto a destacar, foi a instabilidade do Portal de periódicos da CAPES durante as buscas dos artigos, pois em determinada página não carregava e isso demandou um atraso na coleta. Na fase de seleção, alguns artigos não deixavam implícito nos seus resumos qual profissional da saúde foi pesquisado e por isso foram excluídos.
Conclusão
Por meio da literatura disponível e selecionada, conclui-se que a atuação da enfermeira na assistência pré-natal é embasada em evidências científicas, no cuidado biomédico e com autonomia profissional relativa. No entanto, persistem desafios, como dificuldades no manejo de temas sensíveis e limitações na abordagem além do exame físico, comprometendo a integralidade do cuidado.
Desse modo, é essencial que a formação profissional reforce a autonomia da enfermeira, garantindo que ela exerça plenamente seu papel conforme as diretrizes do Ministério da Saúde. Além disso, novas pesquisas devem ser incentivadas para atualizar e expandir as evidências no campo.










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