Introdução
Este artigo apresenta dados da pesquisa internacional Jóvenes en Iberoamérica 2021,1 organizada pela Fundación SM, da Espanha, e analisados por um conjunto de pesquisadores de distintos países, que se debruçaram em percepções de jovens ibero-americanos e espanhóis sobre determinantes de confiança em relação a instituições políticas e sociais que constituem, nas sociedades contemporâneas, as bases fundamentais para o exercício da vida democrática.
Busca-se destacar elementos que possam contribuir para a compreensão de como os jovens vêm lidando com mudanças que marcam, intensamente, as nossas sociedades, sobretudo nos últimos quarenta anos, com processos de redemocratização imersos em conquistas, fragilidades e contradições, refletindo, em especial na América Latina, região marcada por ciclos políticos instáveis e democracias “errantes” (Silva, 2016).
Nessa perspectiva, a leitura realizada, com foco na juventude e, particularmente, nas percepções desses jovens, pode ser importante para se entender espaços e tempos complexos e procurar respostas que permitam pensar em suportes públicos que assegurem aos jovens o direito pleno à vida. Para Castro e Aquino (2008), uma metáfora rica para traduzir esse fenômeno é a do jogo de espelhos, segundo a qual a juventude atua ora como “espelho retrovisor”, ora também como “espelho agigantador” das marcas do seu tempo e, nos momentos mais críticos da interação entre os elementos constitutivos da organização social, sofre quase que imediatamente os efeitos desta crise em suas oportunidades de inserção, pois condensa os grandes dilemas da sociedade.2
Cumpre, contudo, atentar para a diversidade dos países em termos sócio-políticos e culturais, sobretudo quando cotejados com sociedades situadas nas Américas (democracias recentes e instáveis) e sociedades da Europa, no caso a Espanha,3 democracias mais consolidadas, atreladas a blocos políticos potentes, como a União Europeia (UE),4 com estratégias ativas destinadas à juventude que, certamente, impactam nas trajetórias desse segmento populacional. Para a leitura dos dados, cabe considerar, de forma prioritária, as trajetórias político-sociais de cada país, suas singularidades -semelhanças e diferenças- que, sem dúvida, devem contribuir para uma melhor compreensão de alguns dados aqui disponíveis.
Desse modo, torna-se relevante pensar sobre o contexto sócio-político em que vive a região e que, de diferentes formas, impacta as distintas trajetórias juvenis. Segundo Batthyány e Vommaro (2023), após o período de restauração e consolidação das democracias na região, pelo menos do ponto de vista político e institucional, houve um duplo movimento de ascensão e declínio de governos progressistas e populares de vários tipos em diferentes países do subcontinente. Para os autores, esta configuração lançou novos desafios para as democracias que necessitam se repensar, sobretudo, por um movimento conservador que buscou reduzir direitos, liberdades e políticas públicas. Tal fenômeno acabou colocando a região em um período em que os autores chamam de “encruzilhada”, marcado por uma configuração de eventos nas esferas econômica, ambiental, política, ideológica, cultural e social que colocam a região entre impasses que expressam profundas ambiguidades, como violações da institucionalidade e subjugação das liberdades e direitos políticos e civis, como o regresso de governos progressistas ou populares em nível nacional ou local (Batthyány e Vommaro, 2023).
A partir desse contexto devemos considerar diversas variáveis que podem impactar as sociedades ibero-americanas, sobretudo, nos aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais. Com essas preocupações o texto, a seguir, busca discutir o papel da confiança nas instituições, o lugar da juventude neste cenário, os métodos utilizados e os resultados, na perspectiva de levantar elementos que possam contribuir para a compreensão das “encruzilhadas” vivenciadas pela região e caminhos para se pensar a democracia contemporânea.
Confiança nas instituições políticas e sociais
Desde o estudo seminal de Almond e Verba (1963) sobre cultura cívica, sabe-se que a confiança nas instituições desempenha papel fundamental na construção de atitudes favoráveis à consolidação dos regimes democráticos. Altos níveis de desconfiança com as instituições políticas, por outro lado, se tornam um problema para a estabilidade das sociedades democráticas, pois o sentimento de insatisfação cria o ambiente favorável para cidadãos se sentirem descompromissados com a vida pública, pois a insatisfação afeta a legitimidade dos governantes, o nível de participação política e o grau de coesão social.
As vantagens de um sistema de confiança são encontradas em diferentes autores. Luhmann (1980) argumenta que algum nível de confiança é necessário para orientar o comportamento dos indivíduos em “sociedades complexas”. De acordo com Luhmann, a confiança funciona como um tipo de mecanismo que simplifica a complexidade social, permitindo que os indivíduos possam agir de maneira autônoma sem ter a necessidade de conhecer todas as implicações dos sistemas políticos, sociais e econômicos. De modo parecido, Hardin (2002) vai dizer que a confiança é fundamental para a resolução de problemas de ação coletiva, principalmente em grandes grupos. Sem confiança umas nas outras e sem confiança nas instituições, as pessoas não cooperam entre si para alcançarem objetivos comuns e, dessa maneira, não constroem laços comunitários. Esse conjunto de conexões sociais e de confiança mútua é, enfim, o que Putnam (1993) chama de “capital social” e que formam a base para sociedades estáveis, harmoniosas e eficientes.
Os últimos anos, contudo, observam uma crescente erosão mundial no nível de confiança com as instituições políticas das democracias modernas. Essa crise é, de certo modo, generalizada, sendo detectada até mesmo em regimes com longa tradição democrática (Dalton, 1999; Newton e Norris, 2000). A frustração com a democracia tem sido associada a diversos fatores, mas a análise dominante tem sugerido que a fonte principal do descontentamento com as instituições está relacionada com a avaliação do desempenho econômico dos governos e das elites governantes (Foa e Mounk, 2016; Przeworski, 2019) que não estariam mais promovendo o bem-estar das populações.
No caso da América Latina, o cenário de diminuição da confiança nas instituições parece ocorrer em ritmo persistente (Power e Jamison, 2005). Ribeiro (2011) analisa a evolução da confiança em um conjunto de instituições políticas da Argentina, Brasil, Chile e Peru (parlamento, partidos políticos, poder Judiciário, serviços públicos e sindicatos) e verifica a queda da confiança nestas instituições em todos esses países entre 1984 e 2008. Essa situação é preocupante, pois os países da América Latina ainda lutam para consolidar as suas democracias, que emergiram no processo histórico recente denominado de “terceira onda” da democratização (Huntington, 1991). Uma das consequências desse processo tem sido o surgimento, nos países do continente, do apoio a líderes políticos “populistas” e ao desejo de retorno de regimes políticos de vertente autoritária (Levitsky e Ziblatt, 2018).
A constituição da condição juvenil no seu sentido moderno está associada às transformações estruturais da modernidade, conforme ressalta Pérez-Isla (2010), com base na instituição familiar, no trabalho e na educação, entre outras dimensões da vida social. Nesse cenário, os jovens se colocam nas sociedades ibero-americanas e vocalizam um conjunto potente de demandas, considerando, sobretudo, que não existe uma demanda que atenda a todas as necessidades e desejos das distintas juventudes. Contudo, Feixa (2018) afirma que existem princípios comuns e o que mais aproxima as distintas juventudes é a demanda por ter voz, ou seja, a capacidade dos jovens serem escutados, destaca ainda:
.mais do que ter voz, pois já a têm e a utilizam, por vezes de maneira estridente, seus desejos de serem ouvidos, o fato de que expressam através da arte ou da música ou até mesmo através da mesma violência que não deixa de ser um elemento para ser escutado, ou seja, ser lido ou ser escutado pelos adultos, pela sociedade em geral. Este seria o elemento básico. O segundo seria um melhor acesso ao trabalho ao longo de suas vidas, já que isto a médio ou longo prazo levava a uma possibilidade de emanciparem-se e ter uma carreira autoconstruída. Isto está desaparecendo, está se precarizando de uma maneira alarmante. O trabalho dos jovens: o salário, o tempo e as condições de trabalho, eles estão perdendo direitos sociais que historicamente haviam sido conquistados na modernidade. O acesso a um modo de sustento, de ganhar a vida, seria eu creio uma das demandas, senão uma das alternativas é depender da família ou do Estado, que sempre supõe um corte no processo de emancipação. E em terceiro lugar, como demanda universal, seria um acesso igualitário à informação, portanto, às redes sociais e ao mundo digital (Feixa, 2018)
Nesse contexto, percebe-se que uma lacuna pouco explorada tem sido a análise sobre a confiança dos jovens nas instituições democráticas. Neste estudo, buscamos contribuir apresentando elementos que expressam o que pensam as distintas juventudes da região, que vivem em um mundo marcado por incertezas frente ao futuro. Vale ressaltar, que a condição juvenil é aqui entendida como o modo que uma sociedade constitui e atribui significado a determinado momento de vida, com foco no contexto histórico que o indivíduo se socializa, considerando que jovens que vivenciam os mesmos problemas históricos concretos, pode-se dizer, fazem parte da mesma geração (Mannheim, 1993 >). Assim, pode-se afirmar que a situação juvenil revela um retrato de nosso tempo, portanto, compreender a sociedade em que vivemos implica necessariamente em conhecer suas juventudes,
As desigualdades econômicas e sociais que nos nossos países dificultam as trajetórias de formação de jovens, sobretudo, os em situação de maior vulnerabilidade social (pobres, negros, indígenas, imigrantes etc.), levando milhões de jovens ao desemprego, à baixa escolaridade e à exclusão social. Nessa perspectiva, é fundamental analisar como jovens de distintos países vivenciam desafiadores processos de definições, escolhas e articulações, frente a diferentes esferas da vida social como escola, trabalho e vida familiar. Entender esses arranjos, cada vez mais complexos, em um mundo marcado por incertezas, se justifica na perspectiva de contribuir com a ampliação do exercício democrático, a qualificação do papel do Estado e a possibilidade de construção de políticas públicas que possam apoiar a desafiadora transição para a vida adulta, com suportes que ganhem potência na vida social.
Métodos e resultados
Os dados apresentados neste artigo foram obtidos com a pesquisa Jóvenes en Iberoamérica 2021, coordenada pela Fundação SM da Espanha, que entrevistou o total de 13.500 jovens com idade entre 15 e 29 anos da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, México, Peru e República Dominicana5 entre março de 2019 e abril de 2020 (as amostras variaram entre 1.200 e 1.600 em cada país). O estudo explorou sete eixos temáticos:
1) Enquadramento político e social;
2) Visão dos jovens sobre questões importantes;
3) Ocupação;
4) Aproveitamento do tempo livre;
5) Aspectos da juventude e sua autopercepção;
6) Religião, e
7) Migrações.6
No caso da América Latina, os dados foram obtidos por meio de uma pesquisa domiciliar, enquanto que na Espanha as entrevistas foram realizadas por meio de uma pesquisa online. No desenho da amostra, foram estabelecidas cotas com um determinado número de entrevistas a ser realizada, de acordo com a distribuição da população nas variáveis sexo, idade, zona rural ou urbano e regional (comunidade autônoma no caso de Espanha). Os grupos socioeconômicos estabelecidos foram: alto/médio alto; metade; médio baixo, baixo. Cabe, por fim, registrar que recebemos tabelas e gráficos já consolidados e por isso não tivemos como avançar em análises mais sofisticadas.
Apresentamos inicialmente o nível de confiança em relação aos governos, o congresso nacional, os partidos políticos, o presidente da República e aos governantes nos níveis estaduais e locais por serem estas as instituições centrais das democracias representativas (tabela 1). De modo geral, os jovens entrevistados demonstram níveis significativos de desconfiança em relação a essas instituições, com algumas exceções. Tal manifestação pode estar atrelada a uma América Latina que, apesar de ter avançado no campo do exercício democrático, continua vivenciando profundas desigualdades. Conforme alertam Baquero e Morais (2015):
.Os avanços formais evoluem paralelamente com clientelismo, patrimonialismo, corrupção institucionalizada e impunidade. Embora o processo de democratização formal seja fundamental, dadas as características dos países desta Região, ele tem se mostrado insuficiente para mitigar ou erradicar a desigualdade social, econômica e política. Frequentemente, o projeto e as dinâmicas da construção democrática são constrangidos pelas condições de desigualdade existentes, as quais, em termos práticos, resultam não apenas da regressão na luta contra a desigualdade, mas em reforço da estrutura de desigualdade existente, comprometendo não só a qualidade, mas, fundamentalmente, o fortalecimento da democracia
Os governos nacionais possuem, de modo geral, uma média de confiança baixa. Considerando os países conjuntamente, cerca de 21% dos jovens dizem confiar muito ou mais ou menos nos governos de seus países. A confiança atinge nível razoável de confiança no México (51%) e, em escala menor, no Brasil (31%). Em todos os demais países, no entanto, a porcentagem de jovens que disseram confiar muito ou mais ou menos no governo situa-se abaixo de 24%. Em consonância com esses resultados, o presidente da República, figura central nas democracias presidencialistas da América Latina, também não goza de muito prestígio. Em média, 23,5% dos jovens dizem ter algum nível de confiança com os seus presidentes. Nesse item, o destaque é o México onde 58% dos jovens disseram confiar no presidente.
Pergunta: Por favor, diga-me, para cada uma das instituições ou grupos que vou ler para você abaixo, quanta confiança você tem nele: muita, bastante, pouca ou nenhuma confiança em…? Fonte: Fundación SM (2021)
Os partidos políticos são confiáveis para menos de 15% dos jovens ibero-americanos. Esses dados são preocupantes e merecem reflexão, uma vez que nas democracias contemporâneas os partidos possuem o monopólio da representação política, são formadores de novas lideranças políticas e são as instituições políticas responsáveis por organizar o eleitorado e os governos (Russell et al., 2011). A situação chega a ser alarmante entre os jovens mexicanos (4%), espanhóis (7%) e da República Dominicana (8%), porém menos preocupante no México (43%).
O Congresso Nacional, instituição responsável por elaborações de projetos de leis e fiscalização dos atos do poder executivo, a confiança gira em torno de 18%. Novamente o México se afasta dos demais países com 44% de confiança entre os jovens. Por fim, chama a atenção os melhores níveis de confiança em relação aos governos estaduais e locais. Cerca de 26,7% dos jovens ibero-americanos dizem ter algum nível de confiança. O Peru é a principal exceção, com apenas 13% de seus jovens dizendo confiar.
Os dados agrupados nos revelam, portanto, que o México se destaca em comparação aos demais países ibero-americanos incluídos no estudo, apresentando níveis mais elevados de confiança em relação aos governos, Congresso, partidos políticos e presidência da república. O Peru, por sua vez, é o país que apresenta os menores níveis de confiança. Esse resultado pode refletir a histórica instabilidade política deste país, com as sucessivas quedas de presidente e golpes de estado que caracterizam o país (Coelho, 2022).
Forças Armadas, sistema judicial e polícia
Um dado importante é a relação de confiança com o poder militar. Cerca de 47% dos jovens da região dizem confiar “muito” ou “bastante” nos militares. O Brasil é o país onde os jovens apresentam maior confiança nessas instituições (tabela 2). A confiança nas Forças Armadas atinge a porcentagem de 67%. Tal dado pode estar relacionado à procura de carreiras que apontem algum tipo de estabilidade laboral, vislumbrando nas carreiras militares a possibilidade de permanência, benefícios sociais e aposentadoria. Percepções em relação aos militares foram altamente positivas, principalmente em relação aos benefícios econômicos esperados e ao status social da profissão.7
Pergunta: Por favor, diga-me, para cada uma das instituições ou grupos que vou ler para você abaixo, quanta confiança você tem nele: muita, bastante, pouca ou nenhuma confiança em…? Fonte: Fundación SM (2021).
A menor porcentagem de confiança, por sua vez, está no Chile (33%). Embora os dois países tenham em seu histórico a presença de ditaduras militares, a diferença aqui exibida deve ser resultado de processos de redemocratização destoantes. Nesse caso, vale entender as singularidades de cada país, diferentes formas de enfrentamento dessa memória, tradições históricas específicas e reflexos do desconhecimento sobre esse período em cada sociedade.
A confiança no sistema de Justiça atinge o maior nível no Brasil (47%), seguido do Peru (40%), enquanto a Colômbia registra o menor índice (15%). Nenhum país participante da pesquisa apresenta confiança acima de 50% no sistema de justiça (a média é de 25%). Os baixos níveis de confiança em países como Colômbia (15%), Chile (19%), Equador (20%) e Argentina (24%), por sua vez, podem apontar possíveis dificuldades na construção de uma justiça legitimada socialmente pelas novas gerações.
A violência policial contra indivíduos e grupos, sobretudo negros, indígenas, moradores de bairros pobres/ favelas/ periferias/vilas, também chamada de violência oficial, é uma brutal realidade nos países das Américas. Os jovens que declararam maior confiança na polícia foram os do Brasil, Espanha e Equador - 60%, 58% e 40%, respectivamente. Nos países restantes, entretanto, a confiança segue abaixo de 33%, chegando ao menor patamar no Peru (22%). O baixo nível de confiança na Polícia na América Latina reflete as dificuldades encontradas pelas instituições oficiais no trato da violência e o próprio medo manifesto que as populações mais vulneráveis mantêm face às corporações policiais.
Estudos (Ramos, 2006, 2023; Naidin, 2020; Freitas, 2014) têm apontado uma relação ambígua da juventude com a instituição policial: os jovens, ao mesmo tempo que, sentem um grau de necessidade da sua presença, no desejo de contar com um aparato de segurança que os proteja, especialmente de grupos armados (como milícias, gangues, facções etc.), também sustentam, de um modo geral, um profundo medo da polícia, já que os jovens são, constantemente, as principais vítimas de situações de violência praticadas pela instituição policial, sobretudo jovens negros e indígenas. Os países latinos são racialmente heterogêneos, sendo que, historicamente, as populações negra e indígena estão nos patamares mais baixos da pirâmide social. Nesse contexto, as noções de desigualdade e discriminação se tornam centrais em nossas análises, já que pessoas recebem tratamento diferenciado em função da cor e raça.
Instituições privadas, representação sindical e sistema de educação
As instituições privadas contam, em média, com um nível de confiança acima das instituições públicas que vimos até o momento. As empresas privadas possuem um nível de confiança de quase 42% entre os jovens ibero-americanos (tabela 3). A maior porcentagem se encontra no Brasil (59%) e a menor no Chile (29%), seguido da Espanha (33%). As igrejas e organizações religiosas, por seu turno, têm uma confiança ainda maior que a das empresas privadas. A maior confiança nas instituições religiosas se encontra no Brasil (67%) e na República Dominicana (66%) e menor confiança na Espanha (17%) e no Chile (26%). Já as organizações da sociedade civil apresentam maior confiança no México (52%), no Brasil (50%) e na Argentina (43%). Os países com menor confiança nestas instituições são o Peru (19%), o Chile (28%) e a Colômbia (28%).
Pergunta: Por favor, diga-me, para cada uma das instituições ou grupos que vou ler para você abaixo, quanta confiança você tem nele: muita, bastante, pouca ou nenhuma confiança em…? Fonte: Fundación SM (2021).
Os sindicatos contrariam as demais instituições privadas e apresentaram baixa capacidade de adesão dos jovens em todos os países estudados. Segundo Pochman (2012), tal cenário se constitui com o aumento alarmante do número de empregos formais de baixíssima qualidade. Para Oliveira (2015), o processo é acirrado pelo aumento nas taxas de rotatividade (processos que levam, em geral, à piora nos indicadores sindicais, tendo em vista a substituição de trabalhadores mais velhos por jovens entrantes no mercado de trabalho) e reflete, nesse sentido, mudanças na dinâmica do mercado de trabalho.
Tal fenômeno pode estar sinalizando uma menor relação dos trabalhadores com instituições que os representam. Todos os países analisados possuem confiança abaixo de 40% nessas instituições. Ressalta-se, contudo, a baixíssima confiança manifesta pelos jovens do Peru, de apenas 9%. Observa-se que isso vem ocorrendo num ambiente de descrédito geral em relação às instituições tradicionais de representação de interesses, conforme demonstram vários estudos produzidos na região (Cardoso, 2003, 2015; Rodrigues, 2013).
Os meios de comunicação também não aparecem como detentores de alta confiança entre os jovens ibero-americanos pesquisados. É possível notar que o único país com nível de confiança acima de 50% é o Brasil. Todos os demais se mantêm abaixo do piso, apesar de não se verificar nenhum índice inferior a 25%. Contudo, se observam níveis significativos de confiança nos meios de comunicação, dado que merece ser aprofundado para se buscar entender o papel dos modelos midiáticos na formação de opinião dos jovens.
O sistema de educação é a instituição que goza de maior confiança média entre os jovens dos países analisados (59,7%), reificando análises que apontam o valor da educação entre a juventude, sobretudo por, muitas vezes, se vislumbrar na ampliação da escolaridade a única possibilidade de mobilidade social. Os jovens que mais confiam na educação são os argentinos (75%), seguidos dos dominicanos (70%), equatorianos (70%) e brasileiros (67%). Na Colômbia são 58% e no México 55%. A educação no Chile, por sua vez, apesar de o país apresentar os mais elevados níveis educacionais da América Latina, conta com a menor confiança entre os países analisados (43%).
De um modo geral, o sistema educacional aparece com um grau de confiança positivo e significativo, o que pode estar relacionado com o investimento na ampliação da escolaridade dos jovens em toda a região. Contudo, merece destaque o fato de a Espanha, com altos índices de escolaridade, aparecer com 51% de nível de confiança no sistema. Tal dado pode estar relacionado com o fato de os países europeus viverem uma realidade de altos níveis de escolaridade e baixas possibilidades de emprego na área de estudo.8
Eleições e crenças democráticas
As eleições são uma condição necessária, ainda que não suficiente, para atestarmos a qualidade de uma democracia. A confiança no processo eleitoral gera uma população mais motivada a participar politicamente dos assuntos públicos e com maiores níveis de apoio à democracia (Norris, 2014). Desse modo, perguntou-se sobre a participação nas eleições, a forma como se obtém informações políticas e a crença em relação a aspectos centrais da vida democrática.
Os países onde houve registro de maior participação dos jovens nas eleições nacionais (gráfico 1) foram Argentina (76%), Equador (75%) e Brasil (61%). Já aqueles países onde acusou-se menor participação foram Chile (38%) e México (42%). Perguntados se seguiam informação política ou não para exercer o voto, os jovens que mais responderam positivamente foram do Brasil (46%), secundados pelos do Equador (39%) e da Argentina (38%). O México apresentou a menor taxa no quesito, apenas 20%, seguido pelo Chile (25%) e pela República Dominicana (27%).
Embora o nível de participação dos jovens não possa ser considerado baixo, uma vez que para boa parte da amostra o voto era opcional (como no caso do Brasil onde o voto é opcional para jovens de 16 e 17 anos), os entrevistados demonstraram acreditar que a política tem pouco a ver com a vida deles. Questionados acerca de seu nível de concordância em relação à frase “A Política tem pouco a ver comigo” (gráfico 2), os jovens dos países analisados não apresentaram níveis superiores a 60%. Os que mais demonstraram considerar o seu papel na política foram os jovens equatorianos, peruanos e chilenos (58%, 55% e 54%, respectivamente).
Os jovens apresentaram, em média, crença moderada no poder de mudança na política, a partir da sua participação na política. Os países onde os jovens são mais crentes em sua força são Equador (70%) e Colômbia (64%). Os países onde os jovens são mais descrentes, por sua vez, são Argentina (46%), México (52%) e Chile (53%). Há, ainda, unanimidade entre os jovens na percepção de que os políticos de seus países não levam em conta as ideias dos jovens. A média geral dos que disseram concordar muito ou apenas concordar com a frase “Os políticos têm em conta as ideias dos jovens” foi 28%. A exceção apresentada é o México, onde 47% dos jovens demonstraram concordância com a afirmação acima. Em geral, os jovens apresentaram forte concordância com a afirmação de que as sociedades democráticas devem ter debate. Os países onde a afirmação teve maior concordância foram Brasil e Colômbia (81%, cada) e o menor foi no Chile e na Argentina (71% e 72%, respectivamente).
A pesquisa solicitou que os jovens valorassem aspectos da vida social e política em seus países (tabela 4). Nesta questão, é possível observar a percepção dos respondentes acerca da existência dos valores democráticos em suas sociedades, de modo a se delinear um breve panorama acerca da qualidade da democracia em seus respectivos países. A liberdade de expressão atinge níveis menos elevados no Equador (31%), na Colômbia (36%) e no Peru (37%), onde menos de 40% dos jovens declararam haver muita ou suficiente liberdade de expressão. O único país onde esta taxa ficou acima de 70% foi a Espanha. Tais níveis são preocupantes e demonstram que os jovens partilham uma percepção de cerceamento da liberdade em seus países.
Em relação à tolerância, os jovens que menos valoraram positivamente o item em seus países foram os peruanos (16%), os colombianos (18%) e os chilenos (19%). Os níveis baixíssimos de tolerância apresentados na pesquisa são um desafio grandioso e demonstram o quanto tais países precisam avançar no desenvolvimento de uma sociedade inclusiva e plural, onde as pessoas não sejam diferenciadas por seus atributos.
Pergunta: Vou pedir a vocês que valorizem a vida em seu país em uma série de aspectos. Podias dizer-me…? Fonte: Fundación SM (2021)
Os jovens também foram questionados acerca de quão democrático seria o estado em seu país. Em quase todos os países analisados, mais da metade dos respondentes não acredita que os seus países sejam muito ou o suficientemente democráticos. Os países com menor avaliação positiva foram o Peru (18%), o Equador (23%) e a Colômbia (26%). Os três países com menor avaliação são marcados em sua trajetória histórica, pela instabilidade política e práticas de baixo nível democrático.
Por outro lado, o México (63%) e a Espanha (58%) foram os países com maior avaliação positiva em relação à democracia. O México, à época da pesquisa, vivia um momento de esperança com as promessas de reforma do então recém-eleito presidente, López Obrador, razão esta que pode explicar o alto índice de respostas positivas no país. A Espanha, por sua vez, vive a consolidação de sua democracia moderna, com a afirmação de um Estado de direito e o rechaçamento das práticas autoritárias do passado, embora persista conflitos internos significativos, como os movimentos separatistas.
O respeito à legalidade e à ordem possui baixa valoração positiva entre os jovens dos países analisados, o que pode demonstrar a percepção de impunidade existente em seus países. Os países onde os jovens avaliaram mais negativamente tal item foram o Peru (11%) e a Colômbia (14%). As exceções, no entanto, foram a Espanha (64%) e o México (51%), onde a maioria dos jovens avaliou positivamente o respeito à legalidade e à ordem.
Por fim, os jovens foram perguntados sobre a sua percepção acerca de sua capacidade de influir no processo de formulação de políticas públicas, através do exercício de sua cidadania. Os jovens brasileiros (47%) e espanhóis (39%) foram os que responderam mais positivamente acerca do tópico. No caso brasileiro, deve estar relacionado com o reconhecimento dos jovens como sujeito de direitos, a partir da criação de um conjunto robusto de políticas públicas para os jovens nos governos Lula (2003-2011) e Dilma (2012-2016), como a criação do Estatuto da Juventude (Lei 12,852/2013).9 Entretanto, de um modo geral, como se pode observar, os jovens ibero-americanos, não se sentem capazes de influir sobre o debate público.
Confiança e participação em coletivos e associações
Para entender mais profundamente as percepções sobre confiança nas instituições, os jovens foram questionados sobre a sua participação em relação a diversos coletivos ou associações (tabela 5). Em média, a participação nessas associações é muito baixa. As organizações sobre as quais mais responderam afirmativamente acerca de sua participação foram as esportivas (19,6%) e, em escala menor, as associações religiosas (9,9%). Por outro lado, as ONGs, as associações de gênero/feministas, os sindicatos e partidos políticos, as associações de Direitos Humanos e ecológicas passam ao largo da vida desses jovens. O percentual de participação nessas associações é inferior a 5% em média.
Pergunte: Você pertence ou participa de algum grupo, coletivo ou associação dos seguintes tipos? Fonte: Fundación SM (2021)
De um modo geral, o México é “fora da curva”. O país é onde encontramos mais jovens que declararam participar de alguma dessas atividades associativas. Os mexicanos possuem a maior porcentagem de jovens em praticamente todas as formas de associação: associações de tipo artístico-culturais (15%), sindicatos (12%), partidos políticos (10%), direitos humanos (16%), desportivos (28%), ecologistas (18%) e associações locais (25%). Na contramão da juventude mexicana, vemos países nos quais os jovens pouco participam, como é o caso do Brasil: apenas 11% declaram fazer parte de alguma associação esportiva e 12% de associação religiosa. Nos demais coletivos investigados, a participação é extremamente baixa.
Considerações finais
Tendo em vista que a confiança política e social é um elemento expressivo para o estabelecimento de situações que criem condições de plausibilidade, governabilidade e equilíbrio dos regimes democráticos e que a América Latina vivencia processos democráticos ambíguos, onde convivem características democráticas, progressistas e solidárias com atributos autoritários, patrimonialistas e populistas - o que se pode interpretar como arranjos políticos complexos.
Pode-se observar que vivemos em um mundo composto por distintas juventudes, com distintas trajetórias e que vivenciam sua condição juvenil de forma diferenciada, conforme gênero, cor/raça/etnia, classe social, local de moradia, escolaridade etc. Isso significa dizer que não existe uma juventude, no singular, mas juventudes que expressam situações plurais, diversas e desiguais. Sendo assim, nas trajetórias individuais dos jovens de uma mesma geração, a condição juvenil comum se entrelaça com as diferentes situações vividas pelos jovens, resultando tanto em pertencimento geracional comum (juventude no singular) quanto na diferenciação social entre os jovens (juventudes no plural) (Abramo, 2014).
Sujeitos de um tempo em constante mudança, os jovens de hoje vivenciam um planeta imerso nos problemas e nas incertezas de seu tempo. Corroboram as disparidades econômicas, distinções regionais, oposições entre campo e cidade, profundas desigualdades sociais, como também preconceitos e discriminações (de gênero, raça-etnia, orientação sexual, religião etc.), que apartam os jovens de classes e grupos sociais diferenciados. No entanto, na medida em que pertencem a uma mesma geração, vivenciam a juventude em um mesmo contexto histórico, compartilham símbolos e sentidos que produzem aproximações inéditas, de forma oportunizada e potencializada pelas novas tecnologias de informação e comunicação (Abramo, 2014).
Outra observação importante é que os dados também expressam o fato de essas gerações estarem absortas em sociedades que convivem com um conjunto expressivo de contrastes. Conforme alerta o relatório da CEPAL-OIJ (2007), devemos observar que os jovens, hoje, dispõem de: mais acesso à educação e menos acesso ao trabalho; muito acesso à informação e pouco acesso ao poder; mais expectativas de autonomia e menos opções para materializá-la; maior mobilidade e mais possibilidade de circulação, porém afetadas por trajetórias incertas e migrações; mais aptidão para responder às mudanças do setor produtivo atual, onde se destaca a centralidade do conhecimento como motor do crescimento, o que não impede que sejam os mais excluídos do ingresso no mundo do trabalho; mais expectativa de autodeterminação e protagonismo, mas experimentando situações de precariedade e de desmobilização, entre outros aspectos.
Nesse contexto, os dados evidenciam que a confiança nas instituições políticas e sociais da América Latina é um dos aspectos relacionados a um sintoma mais generalizado, afetando de modo diferente as distintas democracias. Conforme Norris (1999), “a confiança política é um conceito ‘multidimensional’ que inclui não apenas a confiança em políticos ou ‘autoridades’, mas também nas instituições políticas, no desempenho do regime e a confiança ou apoio aos princípios democráticos, que é o tipo de apoio mais ‘difuso’”.
Vale ressaltar que não se pretendeu apresentar um conjunto de fatores causais, sobretudo pela singularidade dos países e das suas juventudes, alertando-se para a necessidade de produção de estudos de cunho mais qualitativo, que possam aprofundar os dados aqui revelados, considerando, sobretudo, que as expectativas e os significados atribuídos às juventudes são resultados de diferenças culturais e de distintos processos históricos. Vale também destacar que a pesquisa foi aplicada um ano antes da Pandemia da Covid-19, que, sem dúvida, criou profundos deslocamentos políticos e sociais no mundo e, particularmente, em nossa região, o que poderá impactar, sobremaneira, percepções de nossas sociedades no geral e, em especial, dessa geração aqui retratada.
Vale ressaltar que não se pretendeu apresentar um conjunto de fatores causais, sobretudo pela singularidade dos países e das suas juventudes, alertando-se para a necessidade de produção de estudos de cunho mais qualitativo, que possam aprofundar os dados aqui revelados, considerando, sobretudo, que as expectativas e os significados atribuídos às juventudes são resultados de diferenças culturais e de distintos processos históricos. Vale também destacar que a pesquisa foi aplicada um ano antes da Pandemia da Covid-19, que, sem dúvida, criou profundos deslocamentos políticos e sociais no mundo e, particularmente, em nossa região, o que poderá impactar, sobremaneira, percepções de nossas sociedades no geral e, em especial, dessa geração aqui retratada.
Contudo, como afirma Reguillo (2013), ser jovem nunca foi fácil, mas fica explícito que hoje é especialmente difícil. Talvez tais situações impactam a opinião dos jovens sobre os níveis de confiança nas instituições, como a falta de empregos de qualidade, o funil em que converteu as possibilidades de mobilidade via educação, as violências que marcam os territórios juvenis, onde o assassinato e o suicídio se tornam principais causas de morte entre os jovens. Para Reguillo (2013) a pobreza tem sido definidora das biografias e trajetórias juvenis em muitos países, tornando parte da experiência cotidiana e subjetiva de milhões de jovens.
Por fim, buscamos apresentar um conjunto de informações que oferecem um panorama das questões relativas à juventude e apontam para o fato de que, mesmo com relativa crise de confiança nas instituições basilares para o exercício democrático, o pacto social pela democracia parece continuar vivo, sendo possível identificar uma aspiração de avanço e, sobretudo, de aumento de direitos, expressando a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas para esse segmento. Nessa perspectiva, o período juvenil não deve ser pensado como uma mera transição, mas como um período de desenvolvimento que tem a mesma importância que as demais etapas do ciclo vital (Krauskopf, 2003).