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Ciencias Psicológicas

Print version ISSN 1688-4094On-line version ISSN 1688-4221

Cienc. Psicol. vol.17 no.2 Montevideo Dec. 2023  Epub Dec 01, 2023

https://doi.org/10.22235/cp.v17i2.2844 

Artigos Originais

Conflito familiar e envolvimento parental: percepções de filhos adolescentes

Conflicto familiar e involucramiento de los padres: percepciones de los hijos adolescentes

Clarisse Pereira Mosmann1 
http://orcid.org/0000-0002-9275-1105

Crístofer Batista da Costa2 
http://orcid.org/0000-0002-1307-1436

Jeferson Rodrigo Schaefer3 
http://orcid.org/0000-0002-7613-2902

Franciele Cristiane Peloso4 
http://orcid.org/0000-0002-4663-9569

1 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil, clarissepm@unisinos.br

2 Centro de Estudos da Família e do Indivíduo, Brasil

3 Núcleo de Apoio ao Superendividado do PROCON, Brasil

4 Centro de Estudos da Família e do Indivíduo, Brasil


Resumo:

Os conflitos familiares e o baixo envolvimento parental podem ter repercussões no desenvolvimento dos filhos. Por isso, o objetivo deste estudo foi investigar as percepções de adolescentes, membros de famílias nucleares e separadas sobre o envolvimento parental e os conflitos familiares, assim como suas possíveis repercussões em sintomas internalizantes e externalizantes. Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada em três escolas públicas, através de grupos focais e que envolveu dezenove adolescentes que responderam também um questionário sociodemográfico e o Youth Self-Report. Através de análises estatísticas descritivas verificou-se que parte da amostra apresentou sintomas clínicos. As conversações nos grupos focais foram submetidas à análise de conteúdo e originaram as categorias: conflitos familiares, envolvimento parental, sintomas internalizantes e sintomas externalizantes. Os resultados possibilitaram compreender como as interrelações familiares são percebidas pelos filhos e impactam sua forma de pensar, sentir e agir sugerindo a necessidade de espaços de acolhimento e escuta aos jovens.

Palavras-chave: relações pais e filhos; adolescência; conflito familiar; sintomas psicológicos.

Resumen:

Los conflictos familiares y el escaso involucramiento de los padres pueden tener un impacto en el desarrollo de los niños. El objetivo de este estudio fue investigar las percepciones de los adolescentes, miembros de familias nucleares y separadas, sobre el involucramiento de los padres y los conflictos familiares, así como sus posibles repercusiones en los síntomas internalizantes y externalizantes. Se trata de una investigación cualitativa realizada en tres escuelas públicas a través de grupos focales, que involucró a diecinueve adolescentes, quienes también respondieron un cuestionario sociodemográfico y el Youth Self-Report. Mediante análisis estadístico descriptivo se encontró que una parte de la muestra presentaba síntomas clínicos. Las conversaciones en los grupos focales fueron sometidas a análisis de contenido y originaron las categorías: conflicto familiar, participación de los padres, síntomas internalizantes y síntomas externalizantes. Los resultados permiten comprender cómo las interrelaciones familiares son percibidas por los adolescentes e impactan en su forma de pensar, sentir y actuar, y sugieren la necesidad de espacios de acogida y escucha de los jóvenes.

Palabras clave: relaciones entre padres e hijos; adolescencia; conflicto familiar; síntomas psicológicos.

Abstract:

Family conflicts and low parental involvement can have repercussions on children's development. For this reason, the aim of this study was to investigate teenage members of nuclear and separated families' perceptions of parental involvement and family conflicts, as well as their possible repercussions on internalizing and externalizing symptoms. This is a qualitative study carried out in three public schools, through focus groups and involving nineteen adolescents who also answered a sociodemographic questionnaire and the Youth Self-Report. Descriptive statistical analysis showed that part of the sample had clinical symptoms. The conversations in the focus groups were subjected to content analysis and gave rise to the following categories: family conflicts, parental involvement, internalizing symptoms, and externalizing symptoms. The results made it possible to understand how family interrelationships are perceived by children and impact their way of thinking, feeling, and acting, suggesting the need for spaces to welcome and listen to young people.

Keywords: parent-child relationships; adolescence; family conflict; psychological symptoms.

O eminente aumento de problemas emocionais e comportamentais em adolescentes e o impacto socioeducacional negativo que provocam nessa fase do desenvolvimento tem despertado preocupação entre os profissionais de saúde (Borba & Marin, 2017; Mosmann et al., 2017; Zou & Wu, 2020). Um levantamento mundial realizado há mais de uma década por Patel et al. (2007), concluiu que um a cada cinco adolescentes apresenta alguma sintomatologia característica de transtorno psiquiátrico, estima-se que atualmente esse número seja ainda maior.

Uma pesquisa de revisão sistemática da literatura científica nacional realizada em 2014 analisou 27 estudos com o objetivo de levantar a prevalência de transtornos mentais na infância e adolescência e possíveis fatores associados. O estudo constatou que os transtornos mais comuns em crianças e adolescentes foram ansiedade, depressão, conduta, déficit de atenção com hiperatividade e abuso de drogas. A configuração familiar e os conflitos conjugais foram os principais fatores associados à sintomatologia em crianças e adolescentes. Filhos de pais separados e que presenciavam brigas conjugais, por exemplo, poderiam apresentar mais riscos de desenvolver as psicopatologias (Thiengo et al., 2014).

O modelo de classificação dos sintomas infanto juvenis sugere a divisão em dois grupos: internalizantes e externalizantes. De acordo a definição proposta pela American Psychiatric Association (APA, 2013), os sintomas internalizantes envolvem expressões introspectivas, tais como ansiedade, isolamento, tristeza, baixa autoestima e depressão. Os sintomas externalizantes se caracterizam por serem mais facilmente observáveis, expressando-se através da hostilidade, agressividade física ou verbal e hiperatividade (Achenbach et al., 2014; Lopes et al., 2016).

Há consenso entre os pesquisadores da área de que os sintomas internalizantes e externalizantes causam prejuízos sociais e desenvolvimentais aos adolescentes pois interferem no rendimento escolar, nas relações de amizade e familiares (Borba & Marin, 2017; Mosmann et al., 2017; Zou & Wu, 2020). Ainda, estudos apontam a relação entre problemas parentais e coparentais, conflitos conjugais e o desencadeamento de sintomas psicopatológicos na prole (Goulart et al., 2016; Mosmann et al., 2017; Mosmann et al., 2018; Rosencrans & McIntyre, 2020). Assim, a interdependência entre os subsistemas familiares pode fazer com que os conflitos conjugais reverberem negativamente na saúde mental dos filhos.

Outra variável apontada pela literatura como relevante para a saúde mental dos filhos é o envolvimento parental. Este pode ocorrer de forma direta, quando existe interação entre pais e filhos através do brincar e do tempo livre compartilhado, ou de forma indireta, através das responsabilidades e do bem-estar da prole suprida pelos pais, como o envolvimento com a escola, saúde e subsistência (Grzybowski & Wagner, 2010). Estudos indicam que o envolvimento parental na infância se associa ao melhor desempenho escolar (Ma et al., 2016; Warmuth et al., 2019), e menor risco de desenvolvimento de sintomas depressivos em adultos jovens (Cong et al., 2020).

Ademais, o envolvimento parental é fator protetivo em relação aos comportamentos de risco aumentados na fase da adolescência, como envolvendo em práticas sexuais desprotegidas, uso de drogas, entre outros comportamentos (Savioja et al., 2017). Trata-se, ainda, de um fator importante no tratamento de crianças e adolescentes com diferentes sintomatologias (Dardas et al., 2018; Iniesta-Sepúlveda et al., 2017; Kreuze et al., 2018).

Em um estudo realizado no ano de 2019 foram explorados os aspectos referentes ao dia a dia de três adolescentes do sexo feminino sobre a separação dos pais e as vivências de guarda compartilhada em relação ao envolvimento parental. O estudo identificou que as mães assumem os cuidados dos filhos principalmente em relação à escola, saúde e tomada de decisões, enquanto os pais ocupam esses papéis somente se as mães não podem estar presentes e, principalmente, no que se refere às questões financeiras. Segundo as adolescentes, a separação dos pais não levou ao afastamento entre elas e os seus progenitores, porém, o envolvimento passou a ocorrer a partir das funções que cada um desempenha, ou seja, a partir dos papeis de gênero que tradicionalmente são atribuídos ao pai e à mãe (Kostulski et al., 2019).

Em Portugal, uma pesquisa com treze famílias investigadas através de grupos focais analisou a percepção de pais e filhos acerca das concepções sobre adolescência, dificuldades, desafios, preocupações e estratégias para manejo das dificuldades. Os participantes referiram que a adolescência é um período de experimentação e afirmação e de desafios na relação entre pais e filhos, estes que envolvem principalmente os processos de independização e os papeis de gênero - concepções de que as garotas são frágeis e sensíveis, porém, maduras, e garotos livres para sair com os pares e com menos exigências quanto ao comportamento e às primeiras experiências amorosas e sexuais. As estratégias mais citadas por pais e filhos frente aos dilemas foram promoção da autonomia, respeito à individualidade, discussão acerca de limites e regras, proximidade pais-filhos com base na confiança, diálogo, abertura e advertências, proteção, dedicação, atenção e acompanhamento pelos pais (Santos, 2013).

Além do subsistema parental, especificamente, das características do envolvimento entre pais e filhos, a dinâmica relacional no subsistema conjugal é considerada importante para a compreensão do que ocorre com a prole, já que a qualidade da relação conjugal provoca reflexos no exercício da parentalidade (Costa et al., 2015; Mosmann et al., 2018). O conflito conjugal é um fenômeno que se expressa frequentemente nas relações amorosas diádicas e se relaciona com outros fatores, como satisfação, coesão, intimidade e estabilidade conjugal (Costa et al., 2016).

Diante de conflitos frequentes, intensos e manejados de forma destrutiva pelo casal, os filhos tendem a ser impactados negativamente (Mosmann et al., 2017; Mosmann et al., 2018). Tal impacto pode ser direto, se os filhos se engajam no conflito e são levados a se posicionar em favor de um progenitor contra o outro, ou indireto, se os filhos presenciam e/ou observam os conflitos a relativa distância (Margolin et al., 2001; Minuchin et al., 2009; Rosencrans & McIntyre, 2020; Thiengo et al., 2014). O processo pelo qual os conflitos existentes em um subsistema familiar reverberam em outros subsistemas é denominado spillover ou transbordamento (Erel & Burman, 1995; Hameister et al., 2015).

Segundo estudo brasileiro com 149 casais os filhos são um dos principais motivos de conflito entre o casal (Mosmann & Falcke, 2011). Por isso, as autoras referem que o fenômeno pode ser bidirecional e interdependente entre os subsistemas conjugal e parental. Ainda, Machado e Mosmann (2020), apontam que adolescentes que percebem tensão no ambiente familiar tendem a apresentar dificuldades para regular suas emoções, comportamentos reativos, falta de controle de impulsos, agressividade e reações defensivas, o que contribui para o desencadeamento de sintomas externalizantes principalmente se os pais exigem que os filhos se posicionem frente ao conflito.

Conforme exposto, analisar a sintomatologia em adolescentes e os possíveis fatores desencadeadores são um desafio para a área da pesquisa já que a incidência de psicopatologias nessa faixa etária é elevada e envolve múltiplos fatores biológicos, psicológicos, contextuais/ambientais, entre outros (Papália & Feldman, 2013; Thiengo et al., 2014). É consenso entre os estudos que a presença de envolvimento parental e o manejo construtivo dos conflitos familiares são considerados fatores de proteção pois diminuem os riscos para o desenvolvimento de sintomas internalizantes e externalizantes nos filhos (Cong et al., 2020; Thiengo et al., 2014; Warmuth et al., 2019). Entretanto, a maior parte dos estudos encontrados abordam o fenômeno sob a perspectiva de pais, outros cuidadores e professores (Cong et al., 2020; Mosmann et al., 2017; Rosencrans & McIntyre, 2020). Por esse motivo, o presente estudo investigou a percepção de adolescentes, membros de famílias nucleares e separadas, sobre o envolvimento parental e os conflitos familiares, assim como, suas possíveis repercussões em sintomas internalizantes e externalizantes.

Materiais e Método

Delineamento

A presente pesquisa é de natureza qualitativa e transversal e delineamento exploratório e descritivo.

Participantes

Os participantes do estudo foram dezenove adolescentes, sendo quinze meninas e quatro meninos, que constituíram três grupos focais mistos - participantes do sexo feminino e masculino, provenientes de três cidades do interior do estado do Rio Grande do Sul. Todos os participantes cursavam o ensino fundamental em escolas da rede pública de ensino, dez eram membros de famílias de primeira união e nove de famílias com pais separados. Do primeiro grupo participaram nove adolescentes, do segundo grupo participaram quatro e do terceiro grupo seis. A idade mínima dos participantes foi 12 e a máxima 15 anos (M = 13,79; DP = 0,97). Na Tabela 1 são apresentadas detalhadamente as informações descritas.

Os critérios de inclusão para a participação no estudo foram estar na fase da adolescência, ser filho de pais de famílias de primeira união ou de pais separados cujos progenitores se mantivessem envolvidos com os cuidados e responsabilidades relacionadas ao adolescente participante do estudo. Os participantes precisavam ser indicados por um profissional da escola, psicólogo, professor ou pedagogo, por estar em atendimento ou em fila de espera para atendimento psicológico na escola ou outro centro de atendimento em saúde mental por apresentar comportamentos sintomáticos caracterizados como internalizante e/ou externalizante. Não poderiam participar do estudo adolescentes cujo padrasto ou madrasta participassem dos cuidados por substituição do pai ou mãe ausentes de sua função parental, indivíduos menores de doze ou maiores de dezoito anos e sem sintomas clínicos, critério observado por meio do encaminhamento da escola e verificado no ato da pesquisa por meio de instrumentos específicos.

Tabela 1: Características descritivas dos participantes do estudo 

Instrumentos

Questionário sociodemográfico, constituído por perguntas sobre sexo, idade, escolaridade, cidade de residência, número e idade dos irmãos e configuração familiar, esta última que verificava se o exercício da coparentalidade em díades separadas ocorria de fato pelos progenitores.

Grupo Focal, técnica em que ocorre um debate de ideias entre participantes que possuem algo em comum. São geralmente pequenos e homogêneos e ocorrem em ambiente não diretivo onde temas relacionados com os objetivos da pesquisa são discutidos (Minayo et al., 2008). A técnica possibilita analisar as interações que acontecem dentro do grupo e a influência mútua entre os participantes que os estimula espontaneamente a participar da conversação por se identificarem com o tema do debate, propiciando a emersão de questões individuais e coletivas (Flick, 2009; Minayo et al., 2008). Quanto à condução do grupo focal, indica-se um moderador principal para introduzir, encerrar e fazer a transição de um tópico para outro e encorajar os participantes a exporem suas opiniões, e um moderador assistente que observa e registra questões principais auxiliando o moderador principal (Flick, 2009).

Os grupos focais, no presente estudo, foram estruturados da seguinte forma:(a) Acolhimento: recepção dos participantes pelos moderadores e auxiliares de pesquisa; (b) Abertura: apresentação dos moderadores, preenchimento do instrumento de pesquisa, informações gerais sobre os objetivos do encontro, expectativas, e sobre como ele ocorreria; (c) Aquecimento: apresentação dos participantes e da equipe de pesquisa; (d) Discussões temáticas sobre cinco aspectos da coparentalidade a partir de teses provocativas, ou seja, estímulos para iniciar a discussão no grupo.Os temas e as teses provocativas serão descritos a seguir.

  • (1) Prática Coparental Conjunta-estímulo: “Maria, uma adolescente de 15 anos, foi convidada para um acampamento com as amigas no final de semana, mas para poder ir, precisava conversar com os pais. Pensando a partir dessa situação, como seria isso na sua família?”.

  • (2) Prática Coparental Paterna-estímulo: “Na família de Vinícius seu pai é o responsável por levá-lo à escola, participar das reuniões de pais, mas prefere não se envolver em cobranças ou decisões importantes. Essas são as atribuições do pai de Vinícius, como isso acontece na família de vocês?”.

  • (3) Prática Coparental Materna-estímulo: “Já a mãe de Vinícius é responsável por tomar as decisões sobre as tarefas da casa, autorizações para que Vinícius possa sair e monitorar/cobrar suas notas na escola. Essas são as atribuições da mãe de Vinícius, como isso acontece na família de vocês?”.

  • (4) Percepções dos Adolescentes sobre o próprio Envolvimento no Conflito Coparental-estímulo: “Pedro, um adolescente de 14 anos, foi convidado a passar as férias na casa dos avós paternos. Sua mãe, no entanto, não concorda com a viagem e os pais acabam discutindo. Pedro, em situações assim, fica confuso sobre quem apoiar. Como isso funciona na família de vocês?”.

  • (5) Sentimentos dos Adolescentes decorrentes do Envolvimento no Conflito Coparental-estímulo: “Em todas as histórias que contamos os personagens tem um tipo de sentimento sobre o que acontece com eles e os seus pais. Como vocês se sentem nessas situações?”.

Youth Self-Report, YSR, desenvolvido por Achenbach et al. (2001) e validado para uso no Brasil por Bordin et al. (2013). Trata-se de um inventário para autoavaliação de jovens de 11 a 18 anos composto por 112 itens com uma escala de resposta que varia de 0 (Não é verdade) a 2 (Muito verdade), e oito dimensões de problemas de comportamento. Neste estudo, a classificação dos problemas foi feita considerando duas categorias principais: problemas internalizantes, que incluem as dimensões de Ansiedade/Depressão (por exemplo: “Sou medroso ou ansioso”), Retraimento (por exemplo: “Choro muito”), e Queixas somáticas (por exemplo: “Tenho sintomas físicos sem causa biológica”), e problemas externalizantes, compostos pelas dimensões de Problemas sociais (por exemplo: “Prefiro estar sozinho do que na companhia de outros”), Comportamento delinquente (por exemplo: “Roubo as coisas em casa”), e Comportamento agressivo (por exemplo: “Meto-me em muitas brigas”). As escalas de problemas de pensamento e problemas de atenção não foram consideradas para este estudo (Achenbach, 2001).

Coleta de dados

O primeiro contato para a formação dos grupos focais foi realizado em escolas de três cidades do interior do estado do Rio Grande do Sul. As escolas que concordaram em participar do estudo foram selecionadas a partir da demanda, ou seja, se tinham alunos que atendiam os critérios para participar do estudo. Após o primeiro contato foi realizada uma visita ao local para apresentar os materiais de pesquisa, quais sejam, o instrumento de pesquisa, o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) que deveria ser levado pelos adolescentes para os pais lerem e assinarem caso concordassem com a participação do(a) filho(a) na pesquisa, e o termo de assentimento (TA) para apreciação e assinatura dos próprios adolescentes informando que concordavam em participar.

Aproximadamente uma semana após a visita, novamente foi realizado contato com a escola para verificar o retorno dos termos (TCLE e TA) e para o agendamento dos grupos focais, estes que ocorreriam em horário de aula no espaço cedido pela instituição de ensino. No dia e horário agendado em cada escola, quatro membros do grupo de pesquisa estiveram presentes, dois moderadores e dois auxiliares de pesquisa, funções que se mantiveram iguais na execução dos três grupos. Os participantes foram recepcionados pela equipe, receberam crachá para facilitar o tratamento pessoalizado e prancheta com o instrumento de pesquisa a ser preenchido. Após o preenchimento e com os adolescentes posicionados em um semicírculo com os moderados à frente, um gravador no centro do semicírculo e uma câmera atrás dos moderadores, deu-se início às conversações, conforme estrutura que consta na descrição do grupo focal. Cada encontro durou aproximadamente 1 hora e 30 minutos, considerando o preenchimento do instrumento e o debate.

Análise dos dados

Incialmente foram realizadas análises descritivas para obter o perfil descritivo dos participantes, cálculo de médias e desvios-padrão. Por meio de análises descritivas avaliamos também a sintomatologia nos adolescentes. As conversações nos grupos focais foram transcritas na íntegra e submetidas ao procedimento de análise de conteúdo pelos mesmos membros da equipe de pesquisa. O processo de análise de conteúdo envolveu as etapas propostas por Bauer (2008), são elas: a) Leitura do material transcrito de modo a alcançar familiaridade e apropriação satisfatória do texto; b) Identificação de unidades de significado capazes de formar padrões reconhecíveis; c) Organização das unidades de significado agrupando-as em categorias; d) Seleção dos conteúdos manifestos dentro de cada categoria que pudessem ser representativos para a discussão.

Questões éticas

O estudo atendeu as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, conforme a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, parecer nº 3.452.422, CAAE nº 88282318.3.0000.5344. O TCLE e o TA, lido e assinado, respectivamente, pelos pais e os próprios adolescentes informou sobre a gravação do grupo focal em áudio e vídeo e sobre a preservação da identidade dos participantes. Os riscos decorrentes da pesquisa, embora mínimos, envolviam possível comoção emocional ao conversar e recordar situações difíceis vivenciadas na família. Nestes casos, realizar-se-ia o devido encaminhamento para atendimento psicológico junto à clínica escola da Instituição responsável pela pesquisa.

Resultados e Discussão

A análise descritiva para avaliação de sintomatologia nos adolescentes considerou a classificação do manual Achenbach et al. (2014). Segundo os critérios, percentil superior a 90 indica perfil clínico, percentil entre 84 e 90 indica perfil limítrofe e percentil inferior a 84 indica perfil normal. Para os sintomas internalizantes, quatorze adolescentes pontuaram para classificação normal, quatro para classificação de perfil limítrofe e um para perfil clínico. Para os sintomas externalizantes, dezessete adolescentes pontuaram para classificação normal e dois para classificação de perfil limítrofe. O resultado chama atenção porque a escola considerou em sua indicação somente alunos aguardando em fila de espera ou em acompanhamento psicológico. Portanto, esse dado levanta questionamentos acerca da avaliação feita na instituição de ensino que justifique encaminhar determinado aluno para a realização de psicoterapia ou acompanhamento psicopedagógico, ainda que essa indicação seja uma forma de prevenir o agravamento de determinado comportamento identificado por um(a) professor(a). Uma hipótese que pode ser levantada é a de que os docentes não dispõem de tempo para realizar um acompanhamento mais próximo dos adolescentes devido à sobrecarga de trabalho em sala de aula, levando aos encaminhamentos para manejo de questões típicas da fase adolescente, como baixa tolerância à frustração, vergonha, agressividade, entre outros comportamentos.

A análise de conteúdo da conversação entre os adolescentes nos grupos focais constituiu quatro categorias construídas a posteriori. A primeira, refere-se à percepção dos adolescentes sobre os conflitos entre os pais, foi denominada “Conflito familiar” e se divide nas subcategorias “conflito interparental” e “conflito conjugal”. Os relatos sobre a participação ou não dos pais nas condutas envolvendo cuidados, divisão de tarefas e responsabilidades formam a categoria “Aspectos favoráveis e desfavoráveis do envolvimento parental”. Na terceira categoria, denominada “Sintomas internalizantes”, são apresentados os relatos acerca dos sintomas físicos, tais como dor de cabeça e no corpo, e sintomas psicológicos, tais como, medo, tristeza e ansiedade. Finalmente, a quarta categoria refere-se aos problemas comportamentais que caracterizam os “Sintomas externalizantes”.

Conflito familiar

A percepção dos adolescentes acerca dos conflitos entre os pais ficou bastante evidente no debate nos grupos focais e caracterizou dois tipos diferentes de conflitos, aqueles sobre questões interparentais, ou seja, conflitos relacionados ao pagamento da pensão e ao manejo pelos pais do próprio adolescente e aqueles conflitos envolvendo questões conjugais. Na primeira subcategoria, acerca dos conflitos interparentais, as participantes revelam que “Normalmente eu olho e ignoro as discussões deles. Eu penso ‘não vou me meter’, vou ficar quieta no meu canto, porque se não sobra pra mim” (Carla); “Mas eu não lembro de ter feito nada de errado ou ‘báh, eles tão brigando por causa de mim’” (Olívia).

Na maioria das vezes, daí eles (pai e mãe) vão pro quarto, daí eles ficam, começam a falar mais alto. Daí eu já me toco que eles tão brigando. (...) Eu acho que o ideal seria eles me chamar. Porque como eles estão falando de mim eu também gostaria de saber. Até porque o que eles decidirem vai valer pra mim (Quiara).

Além disso, a participante Inês explica como ocorrem os conflitos entre os pais separados e como é envolvida pelos cuidadores na situação:

Ah, porque tipo assim, não é que meus pais discutem várias vezes, mas agora até que tá mais tranquilo, até o início do ano eles estavam se quebrando aí por telefone. Porque minha mãe sempre fala ‘ai sei lá o que, se teu pai pisar aqui na frente do meu portão eu vou arrebentar a cara dele’ (risos). O meu pai fica falando tipo pra minha mãe ‘ai não sei o que, quando tu vai depositar a pensão e tal?’. Aí às vezes ela fica braba com ele e fala que quando der na telha ela deposita, mas aí ele fica brabo e aí ele vem em mim e fala ‘tem que falar pra tua mãe que ela tem que depositar a pensão’. Aí eu fico sobrecarregada sobre isso e aí a maioria das vezes eu acabo, tipo ficando brava com ele e aí ele me xinga, a opinião não vale (Inês).

A literatura aponta que crianças e adolescentes submetidos a contextos de elevada tensão em decorrência dos conflitos familiares têm propensão aumentada ao desencadeamento de sintomas externalizantes, entre outros problemas, como baixo rendimento escolar, problemas de habilidades sociais e nos relacionamentos interpessoais (Goulart et al., 2016; Thiengo et al., 2014). O que foi relatado pelas adolescentes Carla, Olívia e Quiara demonstram também como ocorre o efeito spillover em que divergências e dificuldades persistentes entre a díade parental transbordam para outras áreas - subsistemas, da vida familiar, impactando direta ou indiretamente a prole (Goulart et al., 2016).

Quanto à segunda subcategoria que aborda os conflitos conjugais, as adolescentes Paula e Quiara, revelam: "Porque uma hora ou outra eles vão parar de brigar. Meu pai uma vez brigou com a minha mãe, sabe? Brigar de brigar mesmo, de sair de casa, porque ele voltou tarde pra casa" (Paula).

Eu sempre tive muito mais medo dele (pai) do que da minha mãe, assim eu quase nunca me meto na briga deles, porque eu sempre sei que vai acabar que eu vou ficar de castigo se eu der a minha opinião. Vão acabar brigando, então eu sempre fico na minha (Quiara).

Os relatos corroboram evidências relativamente consolidadas na literatura científica de que os conflitos interparentais e conjugais podem extrapolar para outros subsistemas, como o parental, interferindo negativamente na relação pais-filhos e impactando principalmente a prole (Costa et al., 2015; Mosmann & Falcke, 2011; Mosmann et al., 2018). O impacto negativo na parentalidade pode ocorrer através do enrijecimento de regras, supervisão e controle excessivos e punições severas (Goulart et al., 2016), e/ou no afastamento do adolescente de um ou ambos os progenitores. Neste último caso, pode ocorrer também a triangulação (Margolin et al., 2001; Mosmann et al., 2018), fenômeno em que um filho é induzido pelos pais a estabelecer aliança a um progenitor contra o outro, levando à denominada coalizão que provoca efeitos significativamente deletérios à prole (Minuchin et al., 2009).

Aspectos favoráveis e desfavoráveis do envolvimento parental

Na categoria acerca das características favoráveis e desfavoráveis do envolvimento parental, as percepções das adolescentes demonstram interações entre pais e filhos, ora positivas, ora negativas. As participantes Inês, Rita e Quiara relatam o seguinte: “Meu pai não me traz pra escola, eu venho a pé e ele também não vem nas reuniões” (Inês).

Meu pai sempre esteve muito ausente assim sabe, então eu acho que tá bom assim. Eu acho que a meu pai tá fazendo bastante esforço, só que tipo, a minha mãe tá de boa sabe?! Porque ela não tá se esforçando muito, eu não vejo muito ela, ela não fala muito comigo (Rita).

E tipo assim meu pai não é muito de levantar o tom de voz pra minha mãe, ele nunca levantou uma mão, nunca quis bater nela, nunca gritou assim com ela. Já comigo sim, ele já levantou a mão, já gritou, ele é mais agressivo comigo (Quiara).

Além disso, as participantes revelaram características da interação com os progenitores que indicam baixo envolvimento parental, aspecto que se evidencia quando os pais são permissivos e/ou negligentes nos cuidados aos filhos. A participante Eliana revela sentir falta do apoio emocional dos pais:

Em questão emocional sempre fui eu. Eu tenho que me virar sozinha. Teve uma época em que minha mãe me ajudou com a psicóloga, porque ela viu que tava uma situação mais difícil, mas tipo, ela mesmo não. Ela mesma não tem tempo, porque ela trabalha e aí ela sustenta a casa, acaba que ela não tem tempo de cuidar nem do nosso emocional e nem do dela, porque né (Eliana).

Na mesma direção, a participante Beatriz relata: “Então, eu acabo fazendo quase tudo, levo a minha irmã, venho pra escola sozinha e tal” (Beatriz).

As conversações que formaram essa categoria confirmam as evidências científicas de que as fragilidades no envolvimento parental podem contribuir para o desencadeamento de sintomas nos filhos (Dardas et al., 2018; Iniesta-Sepúlveda et al., 2017; Kostulski et al., 2019; Kreuze et al., 2018; Savioja et al., 2017). A adolescência é, sem dúvida, uma fase desafiadora para os pais que precisam flexibilizar determinadas regras para que os adolescentes desenvolvam autonomia para tomar decisões, adquiram independência relativa e assumam mais responsabilidades (Papália & Feldman, 2013). Nesse estágio, os filhos carecem também do acompanhamento atento dos pais que serão suporte nos momentos de crise e, principalmente, uma referência segura com quem poderão se “atritar” para fortalecer o processo de individuação.

Portanto, os resultados indicam que os adolescentes percebem e nomeiam as ausências e falhas no envolvimento parental paterno e materno e, consequentemente, desenvolveram estratégias disfuncionais para lidar com os problemas, tais como resignação, autossuficiência e isolamento. Além disso, a percepção de um clima familiar marcado por conflitos, seja conjugal e/ou coparental, e pelo baixo envolvimento parental pode repercutir em sentimento de culpa e tristeza em algumas adolescentes e comportamentos de agressividade em outros.

Sintomas internalizantes

Emergiram nos grupos focais com os adolescentes relatos que caracterizaram sintomas físicos e sintomas denominados internalizantes (Achenbach et al., 2001; Achenbach et al., 2014), ou seja, sintomas psicológicos como ansiedade, tristeza, depressão e estados psicológicos como baixa autoestima e isolamento, conforme descrito também na APA (2013). Os adolescentes relatam, por exemplo, que:

É muito difícil (referindo-se a conversar com os pais ao mesmo tempo), porque eu tenho medo da resposta da minha mãe, eu me sinto travada. Eu pensava: ‘do que será que eles estão falando? Eu também tenho medo do meu pai né, como ele já é muito agressivo (Olívia).

Além de Olivia, outra participante descreve o medo e a culpa como sentimentos decorrentes de determinadas interações com os pais:

Também existe um nó aqui, como um sentimento de culpa. Se sentir culpada porque eles tão brigando por nossa causa. (...) Eu fiquei com medo de ser alguma coisa que eu fiz muito errado, mas eu não tinha me lembrado de nada que eu tinha feito de errado (Quiara).

Além disso, uma adolescente relatou como se sentiu ao ser impedida de participar da discussão entre os pais, apesar de suas investidas para expor suas ideias. Rita relata o seguinte:

Eu fico com medo, raiva (quando os pais brigaram). Eu não gostei nada daquilo, porque daí eles não deixaram eu nem falar, eles só me deixaram lá escutando o que eles estavam falando, só que eu não pude falar nada. Toda vez que eu ia falar eles me atrapalhavam e não me deixavam falar, que aquilo é assunto deles, que criança não pode se intrometer (Rita).

A participante Paula relata também que “sentia dores físicas” ao presenciar as brigas dos pais, principalmente, se suspeitava que fossem por sua causa. De forma similar, Quiara refere sentir dores de cabeça depois de discutir com os pais:

É, daí eu saí pra caminhar porque tipo assim ajudou bastante, sabe eu já tava com dor de cabeça e não conseguia mais escutar. Assim eu já tava cansada. Daí eu saí pra caminhar, assim fui na casa da minha amiga desabafei com ela (Quiara).

Os relatos de Olívia e Quiara sobre o medo e a culpa associados ao cometimento por elas de algum comportamento inapropriado, o de Rita, sobre medo, raiva e frustração, e os relatos de Paula e Quiara sobre os sintomas físicos, evidenciam o quanto os filhos são impactados pelo que observam na dinâmica relacional familiar. Em alguns casos, envolve a preocupação dos adolescentes de serem os responsáveis pelo que ocorre na relação dos pais, noutros, a tentativa de auxiliar os adultos a resolverem os problemas e conflitos. Tais achados corroboram a literatura acerca das reverberações que a dinâmica familiar disfuncional provoca aos filhos (Costa et al., 2015; Mosmann et al., 2017; Mosmann et al., 2018; Rosencrans & McIntyre, 2020; Thiengo et al., 2014) clarificando a natureza do fenômeno e como ocorre nas interrelações familiares.

Além de não preservarem os filhos das situações de conflito, os relatos podem evidenciar que os pais desconhecem o que ocorre com a prole nas referidas circunstâncias. Considerando os casos que formam um padrão interacional conflitivo fixo entre os pais, os adolescentes podem isolar-se ainda mais e afastar-se do contexto familiar para preservar a própria identidade. Esse movimento pode configurar um fator de risco para o uso de drogas, envolvimento em relacionamentos interpessoais problemáticos na vida adulta e condutas indisciplinadas que podem ser confundidas com comportamentos típicos da adolescência, desviando a atenção da origem dos problemas.

Sintomas externalizantes

Nas discussões que ocorreram nos grupos focais um conjunto de relatos evidenciam descrições que caracterizam sintomas externalizantes, mais facilmente observáveis por se expressarem por meio de hostilidade, agressividade física ou verbal e hiperatividade (Achenbach et al., 2014). O relato de Olívia elucida a sintomatologia externalizante:

Ó, mãe, briguei com fulano na escola, tô com raiva, uma hora eu vou descer o pau ai na pessoa e não tem mais. E daí eu ia ali no posto ali, nas quintas-feiras, acho que eu fui uma vez, não só três vezes ali com a psicóloga conversar e fui duas vezes no conselho tutelar conversar que tem uma psicóloga lá também, pra ver por que eu tinha muito problemas na escola. Até hoje eu tenho, mas não tenho como antes que eu brigava muito. E meus pais já pensaram que eu era muito revoltada, essas coisas (Olívia).

Além disso, no relato de Paula, o comportamento de brigar parece uma estratégia para ser ouvida pelos pais ou, ainda, uma forma aprendida de lidar com as situações. A participante revela:

Eu concordo muito com isso, deles terem mais confiança na gente e não cair na conversa de qualquer um que tá passando na rua. Tipo, chegar em casa e falar, ‘áh, fulano falou isso de tu, é verdade?’ Ai, não sei o que, eu começo a brigar com a minha mãe. Daí assim, eles nem perguntam, já começam logo a brigar também (Paula).

Finalmente, ao ser impedida pelos pais de fazer algo, como ver o namorado, Olívia faz o que chamou de “choratéu”:

Eu acho que com drama você consegue tudo, né. E daí eu fiz um choratéu pra minha mãe deixar eu ir e daí ela viu que eu queria muito ir, já fazia tempo que a gente tava namorando e coisa e tal. Daí eu resmungava e bufava pra ela, só que eu tentava engolir o ar, pra ficar quieta entendeu? Pra não falar nada, porque senão eu acabava brigando com a minha mãe (Olívia).

Ao perceber que os pais não estabeleceram consenso acerca de uma decisão sobre ela, Olívia acrescenta também: “Aí, geralmente sempre eu acabo brigando quando a situação é de que um deixa e o outro não. No final das contas daí eu não vou".

Os sintomas externalizantes tendem a chamar mais a atenção dos pais e da escola porque interferem nas relações interpessoais além de impactar negativamente o próprio indivíduo (Lopes et al., 2016), conforme o relato de Olívia acerca dos problemas na escola, dos encaminhamentos para acompanhamento psicológico e da percepção dos pais de que era “revoltada”. Além disso, o relato demonstra o quanto é desafiador diferenciar comportamentos característicos da adolescência daqueles que são reflexos de um contexto familiar disfuncional (Dardas et al., 2018; Iniesta-Sepúlveda et al., 2017; Kreuze et al., 2018). Neste último caso, os adolescentes podem apreender formas destrutivas de resolver os problemas e de regular as emoções diante das situações de conflito, tensão e estresse (Machado & Mosmann, 2020), questões que se somam às transições que ocorrem durante o período da adolescência (Thiengo et al., 2014).

Considerações finais

O objetivo deste estudo foi investigar a percepção de adolescentes, membros de famílias nucleares e separadas, sobre o envolvimento parental e os conflitos familiares, assim como, suas possíveis repercussões em sintomas internalizantes e externalizantes. Quanto à sintomatologia, os resultados sugerem que os grupos focais são um método eficaz de coleta de dados mesmo se os participantes constituem grupos heterogêneos, neste caso, adolescentes com e sem sintomas clínicos. Ressalta-se, inclusive, que os participantes que mais se envolveram nos debates foram aqueles que pontuaram para sintomas externalizantes e internalizantes, dado que indica nesses participantes uma tendência a expressar como se sentem.

Embora a existência de sintomas e a participação nos debates possa decorrer de outros aspectos, os resultados possibilitam refletir acerca da dinâmica familiar desses jovens que estão mais “acostumados” a lidar com as situações de conflito no ambiente familiar e com o baixo envolvimento parental. Nessa perspectiva, pode ser que os adolescentes sem sintomas permaneceram nos grupos em uma posição de observadores já que as “teses provocativas” e a conversação não suscitaram a necessidade de apresentar seus pontos de vista e experiências.

Além disso, foi possível observar que muitos adolescentes, sentindo-se representados através da experiência/fala do outro membro do grupo, apenas faziam gestos de afirmação com a cabeça ou riam ao identificar as semelhanças na vivência relatada pelo outro membro do grupo. Portanto, a condução dos grupos focais por dois moderadores foi essencial para que um estivesse atento ao debate e o outro à comunicação não verbal que ocorria paralelamente. Essa reflexão pode se estender também para a ausência de participação verbal dos meninos, resultado que chamou a atenção dos autores deste estudo. Por outro lado, esse aspecto pode indicar que os adolescentes do sexo masculino demonstram mais dificuldades para expressar ideias e sentimentos, especificamente aquelas relacionadas à dinâmica familiar, se comparados às meninas. Esse resultado pode apontar questões relacionadas aos papéis tradicionalmente atribuídos ao gênero, reflexo do funcionamento e das estruturas familiares, sociais e culturais em que meninos ainda são estimulados a serem fortes, corajosos e potentes e desestimulados a serem sensíveis às relações e a expressarem sentimentos como empatia, contrariamente ao que ocorre com as meninas.

Finalmente, foi possível demonstrar por meio deste estudo como as interrelações familiares são percebidas pelos filhos adolescentes e, principalmente, como impactam sua forma de pensar, sentir e agir. Esse resultado sugere que espaços de escuta e acolhimento individuais e/ou coletivos são recursos oportunos à identificação de sintomatologia para a realização dos encaminhamentos necessários. Ideias equivocadas de que adolescentes tendem a se expressar menos podem indicar problemas de manejo de pais, professores e profissionais e, portanto, precisam ser superadas.

Ademais, por se tratar de um estudo exploratório e com grupos bastante heterogêneos, ou seja, adolescentes de famílias nucleares e separadas, com e sem sintomas clínicos, do sexo masculino e feminino, os debates podem ter diminuído a possibilidade de comunicações e expressões mais enriquecidas em detalhes e outros conteúdos. Consideramos, também, a possibilidade de alguns adolescentes adotarem uma postura característica de desejabilidade social, obstruindo comunicações e expressões mais sinceras e representativas do que ocorre no contexto familiar por estarem em um espaço de pesquisa/avaliação e terem medo de serem rotulados e julgados.

Compreendemos que os aspectos citados podem ser aprimorados em futuros estudos qualitativos, além de ser imprescindível que outras pesquisas investiguem mais especificamente a população adolescente, visto que os estudos científicos com indivíduos nessa fase do ciclo vital/desenvolvimental se mostram escassos, sobretudo, no Brasil. A realização de outras pesquisas, com amostras clínicas e não clínicas de adolescentes, pode contribuir, principalmente, para que um conjunto robusto de evidências científicas seja constituído a partir do contexto brasileiro e forneça indicações para o melhor manejo com adolescentes e seus pais e com as instituições de ensino, seja numa perspectiva de prevenção, promoção de saúde e/ou intervenção.

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Financiamento: Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq, chamada nº 12/2017.

Disponibilidade de dados: O conjunto de dados que embasa os resultados deste estudo não está disponível.

Como citar: Mosmann, C. P., Costa, C. B., Schaefer, J. R., & Peloso, F. C. (2023). Conflito familiar e envolvimento parental: percepções de filhos adolescentes. Ciencias Psicológicas, 17(2), e-2844. https://doi.org/10.22235/cp.v17i2.2844

Participação dos autores: a) Planejamento e concepção do trabalho; b) Coleta de dados; c) Análise e interpretação de dados; d) Redação do manuscrito; e) Revisão crítica do manuscrito. C. P. M. contribuiu em a, b, c, d, e; C. B. C. em a, b, c, d, e; J. R. S. em a, b, c, d; F. C. P. em a, b, c, d.

Editora científica responsável: Dra. Cecilia Cracco.

Recebido: 31 de Janeiro de 2022; Aceito: 10 de Outubro de 2023

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